sábado, 31 de julho de 2010

Uma noite muito especial


Chico Buarque e MPB 4 cantam Roda Viva: "Não lembro mais da letra", diz Chico, hoje

Muito se falou e escreveu sobre a Era dos Festivais, mas somente quem viveu aquele momento pode ter a exata medida de sua importância para a história da MPB. Imagens de arquivo não faltam, reproduzidas tantas vezes e de forma tão fragmentada, a ponto de perderem a força.

O impacto daquele contexto é parcialmente recuperado pelo documentário Uma noite em 67, que com uma eficiente montagem de imagens de época e depoimentos atuais, consegue passar a emoção do que foi aquela experiência. A imersão surge nas performances originais por inteiro, sem cortes e amplificadas pela sala de cinema, em que a dimensão da tela, sistema de som e a presença do público torna próxima a sensação de estar na plateia da TV Record, na noite de premiação. O filme estreia hoje em sete cidades. No Recife, ele está em cartaz no Cinema da Fundação.

As canções vencedoras foram Ponteio (Edu Lobo canta com Marília Medalha), Domingo no parque (Gilberto Gil), Roda viva (Chico Buarque de Holanda), Alegria, alegria (Caetano Veloso) e Maria, carnaval e cinzas, interpretada por Roberto Carlos. Se essas músicas são consideradas clássicos, naquela noite foram cantadas pela primeira vez, por jovens em busca de afirmação artística.

Além das performances integrais, os diretores estreantes Renato Terra e Ricardo Calil optaram pelo formato que alterna entre cenas de bastidores e depoimentos dos artistas hoje. Preparados com a consultoria de Zuza Homem de Mello e produção de João Moreira Salles, da Videofilmes, eles conseguiram criar um clima de intimidade e descontração que permitiu aos próprios entrevistados acessar informações externas e lembranças que só surgiram durante as conversas. Com essa estratégia de edição, imagens de arquivo exaustivamente reprisadas ganham nova perspectiva. Nesse processo, surge o sentido cinematográfico do projeto.

"Acho que fiz esse filme para estar um pouco lá tambem", diz Renato Terra, que a partir de uma monografia teve a ideia para o documentário e chamou o parceiro Ricardo Calil, crítico de cinema da Folha de São Paulo e editor da Revista Trip. A união deu ao filme certo ar de investigação jornalística. "Após conversar com Nelson Motta e Sérgio Cabral, chegamos à conclusão de que a partir do festival de 67, poderíamos falar de toda a Era dos Festivais".

De forma que, ao longo do filme surgem revelações como a de que havia no público um grupo de pessoas somente para vaiar Roberto Carlos, que topou concorrer com um samba para provar que podia cantar mais do que Jovem Guarda. "No começo eu cantava em boate. Gostava de cantar músicas de Chet Baker", diz o Rei. Já Gilberto Gil estava tão nervoso, a ponto de ter desistido de comparecer ao programa e fazer a histórica apresentação de Domingo no parque com os Mutantes.

Para trazer o músico ao palco, Paulo Machado de Carvalho, então diretor da TV Record, disse que foi preciso entrar na casa de Gil, levá-lo ao chuveiro e vestir as meias do cantor. E Sérgio Ricardo diz que levou ao psicólogo seu antológico embate com o público, em que quebrou o violão e jogou na plateia como resposta às vaias.

Para Calil, o mais importante foi evitar o tom didático e proporcionar o sentimento de imersão naquela realidade. "Fechamos o foco sobre as seis músicas da final. Não queríamos um catálogo de músicas e artistas, mas que as pessoas pudessem mergulhar na obra e no mundo deles".

Os realizadores atribuem a conversa espontânea com os ícones da MPB à pesquisa e ao entrosamento e sensibilidade da equipe de filmagem, a mesma que vem trabalhando nos últimos filmes de Eduardo Coutinho. "Estudamos o tema, já chegamos sabendo puxar os assuntos e ativar a memória dos entrevistados", diz Terra.



"Eu queria ter me livrado mais de Alegria, alegria, como o Chico se livrou de A banda"
Caetano Veloso

"É difícil ser chamado de velho com 23 anos"
Chico Buarque

"A gente virava uma espécie de cavalo. Uma espécie, não. A gente virava um cavalo"
Edu Lobo

"Pelo menos mostrei que não cantava só aquilo que cantava na Jovem Guarda"
Roberto Carlos


"Pra que vaiar? Só pelo sensacionalismo de um público que virou personagem?"
Sergio Ricardo, sem suportar as vaias, quebrou o violão e jogou o instrumento na plateia

"O festival nada mais era do que um programa de TV"
Solano Ribeiro, realizador do festival

"A gente armava os festivais como uma espécie de luta livre"
Paulinho Machado de Carvalho, então diretor da TV Record

"A estética venceu as minhas velhas convicções"
Sergio Cabral, jurado, elogiando Domingo no Parque e Alegria, alegria, apesar de não gostar de guitarra elétrica na época

(Diario de Pernambuco, 30/07/2010)

Garota poderosa num filme sem "salt"



Mulheres boas de briga estão em alta em Hollywood. Somente este ano, assistimos as neófitas Scarlett Johansson como a ruiva Natasha Romanov (Homem de ferro 2) e Cameron Diaz como June Heaven (Encontro explosivo). Ainda em cartaz, há as garotas em fúria de Tarantino em À prova de morte. E o que dizer de Chloe Moretz, como a garota prodígio Hit Girl, em Kick Ass?

No thriller de ação Salt, que estreia hoje nos cinemas do país, Angelina Jolie é a durona da vez. Ao contrário das colegas acima, o papel não chega a ser novidade em sua carreira. Basta lembrar que em 2001 ela encarnou a aventureira Lara Croft, em Tomb Rider.

Jolie luta para se manter no primeiro escalão de estrelas de cinema. E consegue. Para isso, apesar da breguice do filme dirigido por Phillip Noyce (Jogos patrióticos, Perigo real e imediato), ela investe na interpretação. Salt traz a atriz como devotada agente da CIA no fim do expediente, cuja maior pretensão é encontrar o marido para jantar. Plano atrapalhado por um espião russo que, interrogado, revela que ela também serve a um resquício da KGB, que planeja uma grande vingança, batizada de Dia X, contra os EUA. Seus companheiros de inteligência, entre eles o empenhado amigo Ted (Liev Schreiber), precisam detê-la, mas Salt foge, aparentemente para salvar o marido, assim como o cachorrinho Yorkshire. Até ali, o roteiro não permite saber se ela é ou não uma ameaça, do tipo From Russia with love.

Se o filme já começa na pancadaria, com Salt sendo torturada pelo governo da Coreia do Norte, ela continua em 90% da história. Isso não impede Jolie de exercer seu charme, mesmo enquanto, sem alterar o penteado, pula entre os tetos de caminhões em movimento e constrói bazucas com canos do sistema da ventilação. O tom sério da produção ressuscita a velha tensão nuclear Oriente x Ocidente e contrasta com as cenas de ação inverossímeis protagonizadas por Salt.

Não chega prejudicar o filme mais do que a trilha sonora redundante, que ou atrapalha ou não faz diferença alguma. E causa certa graça, como quando Salt promove umasérie de acidentes espetaculares de trânsito e sai da cena como se estivesse desfilando numa passarela. Ou então quando um espião russo programado para matar a cúpula de segurança e o presidente norte-americano se identifica como Nicolai... Tarkovski.

(Diario de Pernambuco, 30/07/2010)

Coleção Filme Cultura

Um novo conjunto de livros chama a atenção na prateleira das livrarias. A começar pelo porte - cinco volumes em capa dura e cerca de 800 páginas cada. O conteúdo é precioso: a história recente do cinema brasileiro. Trata-se da coleção Filme Cultura (CTAV, R$ 100), que reúne em edição fac-similar todos os números da mais importante revista especializada em cinema do Brasil, que circulou entre 1965 e 1988. O projeto é obra do Ministério da Cultura, através de seu Centro Técnico Audiovisual, presidido por Gustavo Dahl.

Por ter dedicado espaço generoso ao exercício da crítica cinematográfica, não raro a Filme Cultura é comparada à revista francesa Cahiers du Cinéma ou à italiana Bianco & Nero. Se estas refletiram e influenciaram movimentos como a Nouvelle Vague, a irmã brasileira foi base estratégica para a consolidação do Cinema novo e fases subsequentes da produção nacional. Entre reportagens, entrevistas e coberturas de edições históricas dos festivais de Brasília e Gramado,há textos em primeira pessoa escritos por realizadores e convidados especiais como o poeta Carlos Drummond de Andrade, que em meados dos anos 1980 lamenta a decadência dos cinemas-palácio do Rio de Janeiro.

Nova fase - Retomada em abril a partir da numeração original, a Filme Cultura chegou este mês ao número 51, em edição temática sobre os personagens do cinema nacional. Um dos textos é de João Silvério Trevisan, que discorre sobre o descaso na criação de bons personagens ficcionais, tomando como exceções os apresentados nos filmes Lavoura arcaica e Cidade de Deus, ambos adaptações literárias. Outro, assinado por Carlos Alberto Mattos, investiga a vida posterior de pessoas registradas em documentários como Estamira, em que a "personagem", uma senhora portadora de deficiência mental, continua ligada ao diretor Marcos Prado.

Além da versão impressa, tanto a coleção histórica quanto a nova fase da revista estão integralmente digitalizadas para leitura no site www.filmecultura.org.br.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Coluna Lançamentos / Bastidores / Eu indico e Ranking da semana



A ilha - Nos anos 1940, agente do FBI (Leonardo DiCaprio) vai a ilha onde o governo norte-americano mantém sombrio manicômio. Ele e o parceiro (Mark Ruffalo) investigam o destino de uma paciente em fuga. Enquanto procuram pistas de seu paradeiro, surge a suspeita de que o diretor da instituição (Ben Kingsley) mantenha em segredo um laboratório nazista de manipulação de mentes. Ao mesmo tempo, o detetive passa a ser o principal foco de interesse. Nuvens negras remetem ao peso da loucura, paranoia e claustrofobia.
Ilha do medo (Shutter Island, EUA, 2010). De Martin Scorsese. 137 minutos.



Buzina - O documentário se aproxima de Abelardo Barbosa, o saudoso Chacrinha, através do universo e pessoas a seu redor, como artistas famosos, chacretes e candidatos ao famigerado Troféu Abacaxi. Por isso não adianta esperar dados biográficos deste pernambucano de Surubim. O que vale é evocar seu espírito zombeteiro e seu legado. Incorreto em expor as fraquezas e picuinhas dos entrevistados, o diretor cruza fronteiras da ética em busca de irreverência e provocação anárquica, marcas registradas do apresentador.
Alô Alô Terezinha!
(Brasil, 2010). De Nelson Hoineff. 95 minutos. Imovision.



Médium - Baseado em livro do jornalista Marcel Souto Maior, conta como um homem de infância sofrida se tornou o mais famoso médium brasileiro. O vai-e-vem biográfico tem como âncora uma entrevista histórica concedida por Chico (notável interpretação de Nelson Xavier) para um programa de TV, cujo diretor (Tony Ramos) não admite a morte do filho e por isso se irrita com o discurso do médium. Linguagem televisiva transbordante, neste melodrama novelesco com duvidosos momentos de humor.
Chico Xavier (Brasil, 2010). De Daniel Filho. 124 minutos. Sony.

Bastidores

Bom Jardim, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho estão na rota do 3º Video Indio Brasil. Patrocinado pelo MinC, o festival mobiliza 101 cidades brasileiras. Uma das atrações é Corumbiara (foto), de Vincent Carelli, eleito melhor longa no último Festival de Gramado. Em Camaragibe, o festival será no Espaço da Gruta (ao lado da Praça de Eventos - Vila da Fábrica); em Bom Jardim, no Varonil Esporte Clube; e no Cabo, no Teatro Barreto Junior. A programação começa sábado, às 19h. Programação completa: www.videoindiobrasil.org.br

Após três anos de parceria com a Copacabana Filmes, a B52 Cultural de Tactiana Braga não realizará o Festival Internacional de Cinema Infantil no Recife e Salvador. Focada em outros projetos, a produtora realiza Filhos do Mestre - O legado cultural do Mestre Salu, em parceria com a Opara Filmes de Tiago Leitão.

Via Twitter, os programadores do Cine São Luiz denunciam antigo problema que asfixia o circuito independente de exibição. A preferência dada por grandes distribuidoras a grandes exibidores. O estopim foi o cancelamento de Os famosos e os duendes da morte, anunciado como a próxima estreia do São Luiz (três sessões por dia) e logo depois cancelado pela Warner, em prol do grupo UCI Ribeiro, que exibirá o longa de de Esmir Filho em sua Sessão de Arte.

"Vários filmes estrangeiros ficam restritos às grandes redes exibidoras, e só são liberados para os demais cinemas depois de lançados em DVD", diz o Twitter do Cine São Luiz. Dentro dessa lógica, filmes como Um homem sério, dos irmãos Coen, sequer chegaram às salas do Recife.

Eu indico


Crédito: Val Lima

Eu indico o filme Notorious Big - nenhum sonho é grande demais (Notorious, EUA, 2009). Ele é interessante porque mostra a vida de um garoto que nasceu no Brooklin, filho de mãe solteira, que se envolveu com o tráfico de drogas, teve passagem pela polícia, tendo sido presidiario e conseguiu dar a volta por cima através do rap, alcançando notoriedade. No entanto, por conta da inveja, ele é morto por pessoas envolvidas com o rapper Tupac, que também foi morto pelos próprios integrantes de sua gravadora.

Sérgio Ricardo Cavalcanti, codinome "Sociólogo da Favela", é B-Boy e ativista do hip-hop recifense

Ranking Mais locados

Avatar (EUA, 2009), de James Cameron
Atraídos pelo crime (Brooklyn´s Finest, EUA, 2010), de Antoine Fuqua
A estrada (The road, EUA, 2009), de John Hillcoat
O livro de Eli (The book of Eli, EUA, 2010), de Albert e Allen Hughes
O Lobisomem (The Wolfman, EUA, 2010), de Joe Johnston
Cadê os Morgan? (Did You Hear About the Morgans?, EUA, 2010), de Marc Lawrence
Um sonho possível (The blind side, EUA, 2010), de John Lee Hancock
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010), de Tim Burton
Decisões extremas (Extraordinary Measures, EUA, 2010), de Tom Vaughan
Amor sem escalas (Up in the air, EUA, 2009), de Jason Reitman

Fonte: Classic Video (81) 3228-4302 (www.classicvideo.com.br)

sábado, 24 de julho de 2010

Cineclubismo busca seu QG



Encaixotados, cerca de 3 mil livros e revistas sobre cinema aguardam para ser descobertos. Eles foram cedidos em maio, pela Cinemateca Brasileira, à Federação Pernambucana de Cineclubes. A maior parte do presente é de periódicos: edições da revista American Cinematographer, da francesa Cahiers du Cinéma, da italiana Bianco e Nero e das brasileiras Cinejornal e SET. Entre os livros estão História do Cinema Brasileiro, de Maria Rita Galvão e exemplares da Coleção Ensaio. Sem local fixo para organizar o acervo, a organização, que representa 30 cineclubes do litoral, interior e Fernando de Noronha, decidiu pleitear sede própria, onde pretendem abrir uma biblioteca especializada em cinema aberta para consulta pública.

O acervo fazia parte do catálogo de obras duplicadas da biblioteca da Cinemateca, sediada em São Paulo. Em visita ao Recife, Adilson Mendes, do Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira conheceu Gê Carvalho, presidente da Fepec e promoveu o intercâmbio. "Percebi o engajamento da Fepec e achei que ela poderia transformar esse acervo duplicado em algo construtivo", disse Mendes.

Acumulado por décadas, o acervo da Cinemateca Brasileira é um dos maiores do país. Parte dos filmes, cartazes e fotos está digitalizada e disponível, em caráter experimental, no site do Banco de Conteúdos Culturais. Títulos de livros e periódicos podem ser consultados no site da instituição. Desde 2001, quando se instalou na Vila Mariana, ela passou a trocar exemplares duplicados com bibliotecas parceiras. "O caso da Fepec é específico. Encontramos na doação uma forma de incentivar a fundação de uma sede", diz João Pedro Moraes, gerente da Biblioteca Paulo Emílio Salles Gomes, da Cinemateca.

Enquanto o QG não vem, a Fepec usa como base para reuniões a residência de seu presidente, que também serve de central para os 200 filmes que disponibiliza para filiados. Os livros permanecem nas caixas em que foram enviados, longe das condições ideais de conservação.

Fundada em 2008 durante encontro no primeiro Festival de Triunfo, a Fepec quer organizar e fomentar a atividade, em crescimento no estado. Estima-se que atualmente existam cerca de 100 cineclubes em Pernambuco, a maioria com incentivo do poder público federal, estadual e federal. "Em Pernambuco temos o governo como aliado e isso é motivo de inveja em outros lugares do país", diz Carvalho, que desenvolve um sistema digital que monitora a atividade no estado. "Agora temos como dimensionar periodicidade e público das sessões". De acordo com Carvalho, cinco estados brasileiros vão replicar este modelo de relatório.

A Fundarpe, que apoia a Fepec desde sua criação, dispôs de uma sala para servir de base aos cineclubistas, mas a oferta foi refutada. "Somente uma sede pode suprir nossa necessidade estrutural", diz Gê Carvalho, que justifica a decisão enumerando necessidades administrativas, possibilidades formativas e utilidade pública, como uma sala de exibição e o espaço para a biblioteca. Para ele, convênios com órgãos públicos e privados podem viabilizar o projeto.

Ponto de encontro - Em setembro, o Recife será ponto de encontro de cineclubes do mundo inteiro. Cerca de 500 pessoas estarão reunidas em torno de dois eventos: a 28ª Jornada Nacional de Cineclubes e um encontro da Federação Internacional de Cineclubes, da qual participam mais de 30 países. Segundo João Batista Pimentel Neto, secretário do Conselho Nacional de Cineclubes, esta será a primeira assembleia do gênero em um país não-europeu.

Pimentel diz que o encontro nacional coroa a retomada do processo de articulação do movimento cineclubista, iniciado em 2004. Hoje, o Brasil conta com aproximadamente 1.200 cineclubes. "O foco será na educação e na democratização do acesso aos bens audiovisuais. Vamos fazer um balanço dos últimos anos, eleger uma nova diretoria e estabelecer novas perspectivas". O local dos encontros deve ser definido com a Fundarpe, que ao lado do Ministério da Cultura, apoia os eventos.

(Diario de Pernambuco, 24/07/2010)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Tarantino em sua melhor forma



À prova de morte (Death proof, EUA, 2007), um dos melhores filmes de Quentin Tarantino, quase não chegava ao circuito brasileiro. A "culpa" é de Planeta Terror, primeiro longa do projeto intitulado Grindhouse. O filme de Robert Rodriguez foi tão mal que nem o prestígio de Tarantino salvaria a segunda parte de ir direto para o mercado de home video. Se hoje podemos noticiar sua estreia, isso se deve à boa performance do recente Bastardos inglórios.

Com orçamento baixo e ótimos atores, À prova de morte é Tarantino em sua melhor forma: direto ao assunto, incorreto, selvagem. Irrepreensível. O estranhamento surge já no primeiro instante, quando fotogramas perdidos e erros grosseiros surgem nos créditos iniciais. Fica claro que o diretor não quis só simular a estética "B" dos anos 1970, mas dar ao filme um aspecto mofado, como um rolo esfarrapado após inúmeras exibições. Fora isso, há problemas de montagem, continuidade, cor e som. E uma prodigiosa trilha sonora, reproduzida em jukebox de discos de vinil.

Outro ponto em comum entre seus filmes, há o resgate de um ator esquecido, no caso, Kurt Russell (Fuga de Nova York). No entanto, o elogio vai para as mulheres, todas interessantes, fortes, sagazes. O dublê Mike (Russell) se torna vilão natural quando as reduz a carne moída. E alvo da vingança do próximo grupo de fêmeas.

Mais do que violência e carros possantes, À prova de morte trata de amor a um certo tipo cinema. Um filme à moda antiga que se passa no presente, entre aparelhos celulares e modernidades afins. O conflito de realidade surge em uma eletrizante perseguição, quando os "possantes" entram numa autopista e empurram carros modernos para fora. No território de Tarantino, eles estão no filme errado.

(Diario de Pernambuco, 23/07/2010)

Uma Jornada Particular



Em cartaz na Sessão Cinemateca do São Luiz, Um dia muito especial (Una giornata particolare, Itália, 1977), de Ettore Scola, é um filme grandioso que se ilumina pela simplicidade. Trata de assunto caro, o fascismo, a partir do encontro de dois vizinhos que moram no mesmo condomínio de apartamentos.

A trama acontece no dia em que Hitler visita Mussolini em Roma, em 1938. A animosidade toma conta da família de Antonietta (Sophia Loren), esposa dedicada e sofredora, que limpa a cozinha enquanto o marido e filhos vão à praça ouvir líderes.

Alheia ao grande evento, Antonietta corre atrás do pássaro fujão até encontrar Gabriele (Marcello Mastroianni), vizinho do andar de cima. Ousado na dose certa, seu perfil misterioso, cortês e afeito às artes seduz a mulher, até então adormecida na pele de dona de casa.

A história inteira se passa na intimidade desse encontro. Ao vivo, o discurso fascista invade o ambiente doméstico - uma das armas do totalitarismo. Imagens de arquivo que mostram a chegada do líder alemão abrem o filme.

Politicamente perseguido, Gabriele pressente os maus tempos que estão por vir. Não tem chance nem mesmo na mão da zeladora que, via fofoca, crucifica o inquilino como "perigoso" e "homossexual".

Foi em pessoas intolerantes e ignorantes como esta que o holocausto se fincou. A esperança de Scola está depositada nos olhos de Antonietta, mulher comum capaz de se apaixonar e com isso enxergar a tragédia que está por vir.

Vale registrar o que é assistir um Scola em película, tendo como moldura o suntuoso salão do Cine São Luiz. Um privilégio.

(Diario de Pernambuco, 23/07/2010)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Coisas de Sucupira



Quase 50 anos depois do texto de Dias Gomes ser encenado pela primeira vez, Odorico Paraguaçu está de volta. Desta vez, nada de teatro, novela ou minissérie para TV. É a vez do fazendeiro governar via cinema de Guel Arraes (Lisbela e o prisioneiro), em filme que pode se tornar uma das maiores bilheterias do ano. Na visão do diretor, Sucupira continua sendo o microcosmo do país e coronel Odorico, o estereótipo do político brasileiro de modelo arcaico, embriagado pelo poder, fanfarrão e despreocupado em disfarçar as falcatruas. Estamos em ano eleitoral e bem que ele poderia figurar na disputa.

Rodado no interior de Alagoas com produção de Paula Lavigne / Globo Filmes e roteiro de Guel e Cláudio Paiva, o filme transpõe a peça Odorico, o Bem-amado ou Os mistérios do amor e da morte, escrita em 1962 por Dias Gomes e dez anos depois reescrita para telenovela estrelada por Paulo Gracindo e Lima Duarte. Foi na pele de Gracindo que o personagem foi eternizado - o sucesso foi tanto que, em 1980, a Globo produziu uma série de quatro anos de duração.

Antes de Gracindo, o ator Procópio Ferreira fez Odorico no teatro. O papel agora é de Marco Nanini, que aposta na caricatura. Aliás, a produção se destaca pelo tom acima, gritante, jocoso. O contraponto é a presença de José Wilker, que traz profundidade como o vingador popular Zeca Diabo, visualmente próximo ao mercenário Antonio das Mortes de Glauber Rocha e os vilões de Sergio Leone.

Enquanto Odorico protela a inauguração do cemitério municipal superfaturado, assistimos ao empastelamento de Matheus Nachtergaele como o chefe de gabinete Dirceu Borboleta, Tonico Pereira como o marxista dono de jornal da oposição, e de Andréa Beltrão, Drica Moraes e Zezé Polessa, as irmãs Cajazeiras. Outra exceção, essa, desnecessária, é o desajustado romance entre Violeta (Maria Flor), a filha do prefeito, e Neco (Caio Blat), o militante de esquerda a serviço do jornal, que inventa notícias para derrubar o prefeito. Na paixão do jovem casal surge a convicção do filme, de que democracia se faz entre moderados.

O filme é uma sátira política, se bem que ao longo da fita cenas de arquivo forçam a comparação com o período pré-golpe militar ao grito pelas eleições diretas em 1984 - este posicionado como apêndice. De acordo com Guel, o adendo que narra com orgulho o movimento popular surgiu depois do filme estar pronto. Eis que, no terreno da ficção, a Globo reescreve a própria história. É notório que, à época, a emissora noticiou o protesto como fosse manifestação religiosa.

Coisas de Sucupira.

(Diario de Pernambuco, 22/07/2010)

Entrevista // Marco Nanini



Qual a importância de trazer Odorico para os dias de hoje?
Ele é um personagem emblemático da dramaturgia brasileira. Está sempre sendo citado e já passou por climas distintos e várias fases políticas. Odorico faz parte da nossa cultura, é um tipo de político brasileiro. Ele fala as mesmas coisas, que se inserem em todas as épocas. E tambem está dentro do próprio brasileiro, que sempre tem um jeitinho, uma malandragem. É um tipo escancarado, visto contemporaneamente. E o brasileiro percebe muito bem esse temperamento em outros tipos emblemáticos, como o Amigo da Onça, o Zé Carioca.

Além do texto de Dias Gomes, onde você buscou inspiração para compor o personagem?
Eu parti do zero e deixei a coisa vir. Busquei a emoção e raciocínio próprios do personagem, com foco no gestual. Como a história de Dias Gomes é uma farsa, busquei muita verdade para conseguir credibilidade. Criei uma espécie de roteiro interior para evitar o raciocínio crítico e entrar no sistema do personagem sem a minha interferência.

Antes do filme ser rodado, você interpretou Odorico no teatro. Essa foi a origem do projeto?
Alguns anos atrás o Guel me convidou para fazer o filme, que demorou a sair. Um dia, por curiosidade, vi que os direitos para o teatro estavam livres e pensei "pelo menos não fico com o fantasma". Falei com Guel e ele topou fazer a adaptação para o palco. Isso terminou alavancando o filme, pois foi um exercício extraordinario repetir Odorico todos os dias. Durante o período de ensaio, experimentei mas ele não dava liga. Queria que ele me desse algum prazer, mas não conseguia acreditar plenamente no personagem. Já estava ficando nervoso, mas no ensaio geral Odorico veio com tudo.

(Diario de Pernambuco, 22/07/2010)

Coluna Lançamentos / Bastidores / Eu indico e Ranking da semana

Filmes // Lançamentos



Estagnado - O policial Cristi (Dragos Bucur) investiga com ressalva um grupo de estudantes que consome haxixe nos fundos da escola. Entre relatórios e carimbos do departamento ele argumenta ao chefe que em breve a lei vai mudar. O diretor Porumboiu traduz o impasse em longos planos fixos e entre-atos que evitam a ação típica de filmes do gênero. O dilema está entre a consciência de Cristi e a natureza burocrática do sistema de cumprimento de leis, conflito ético se resolve na base do dicionário.
Polícia, adjetivo (Politist, adjectiv, Romênia, 2009). De Corneliu Porumboiu. 115 minutos. Imovision.



Maturidade - Resnais reafirma o romantismo inveterado e, aos 88 anos, faz sua particular declaração de amor à vida. No filme ele se personifica em Georges (André Dussollier), veterano apaixonado por aviação que encontra uma carteira perdida em um estacionamento. Ela pertence a Marguerite (Sabine Azéma), dentista e piloto de aviões a quem George passa a seguir obsessivamente. A situação polariza um investigador da polícia (Mathieu Almaric) uma amiga de Marguerite (Emmanuele Devos) e a amarga mulher de Georges (Anne Consigny).
Ervas daninhas (Les herbes folles, França, 2009). De Alain Resnais. 104 minutos. Imovision.



Fantasia - Prestes a se casar, Alice (Mia Wasikowska) retorna ao reino onde recriou a realidade em termos próprios. A fantasia ressurge, sem saber que dali sairá mulher adulta, capaz de lidar com as convenções sociais. Sob toneladas de efeitos digitais, Johnny Deep faz o Chapeleiro, com quem Alice estabelece relação imediata. Eles enfrentam a temperamental Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter) e ajudar a Rainha Branca (Anne Hathaway) a recuperar o trono. Enquanto Burton se diverte com a paleta de cores, Carroll se retorce no céu.
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010). De Tim Burton. 108 minutos. Disney.



Estranho - Ewan McGregor é o repórter Bob, que vai ao Iraque atrás de qualquer história que o faça esquecer de recente desilusão amorosa. Lá encontra Lyn Cassady (George Clooney), soldado que garante ter poderes místicos de um guerreiro Jedi. Boas ideias e atuações medianas permanecem na superfície, como o líder holístico-militar de um destacamento de fuzileiros hippies, comandado por Bill Django (Jeff Bridges). Elenco de peso e argumento ok desperdiçados por roteiro sem foco.
Os homens que encaravam cabras (The men who stare at goats, EUA, 2010). De Grant Heslov. 93 min. Sony.

Bastidores


Não me deixe em casa, de Daniel Aragão

Seis curtas pernambucanos selecionados para a Mostra Internacional de Curtas de São Paulo: Azul, de Eric Laurence, Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante, Janela Molhada, de Marcos Enrique Lopes, Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena, Não me deixe em casa, de Daniel Aragão e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho.

A tradicional programação de filmes da Mostra Internacional de Música em Olinda, que acontece em setembro, cresceu em quantidade de filmes e locais de exibição. Vai virar festival, com curtas e longas inéditos e um ciclo de cinema mudo com música ao vivo, executada pelo pianista Cadu Pereira. O longa de abertura será Aitaré da praia (1925), de Ary Severo e Gentil Roiz.

A ótima comédia Tudo pode dar certo (Wathever works) é sucesso de público no Recife. No Cinema da Fundação (Derby), ele entra na quarta semana com sessões lotadas. E partir de amanhã, o longa de Woody Allen ganha mais um nobre ponto de exibição: o Cine São Luiz (Boa Vista).

Ministério da Cultura anuncia resultado da segunda edição do Programa de Restauro Cinemateca Brasileira - Petrobras. Entre os contemplados estão Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho (1964-1984), Xica da Silva, de Carlos Diegues (1976), O caso dos irmãos Naves, de Luiz Sérgio Person (1967), dois curtas de Walter Lima Jr.: O alquimista do som (1978) e Nós por exemplo (1979).

Eu indico

Curti muito uma animação de bonecos chamada O fantástico senhor Raposo (Fantastic Mr. Fox, EUA, 2009), de Wes Anderson. Muito bem feita, com discussões sobre ética e diplomacia, convívio familiar e social. É a história de uma raposa que se vê levada a parar de roubar galinhas pois sua companheira está grávida. Pode parecer infantil, mas é para todas as idades. Muito bem bolado!

Henrique Koblitz, artista gráfico

Mais locados

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010), de Tim Burton
Um sonho possível (The blind side, EUA, 2010), de John Lee Hancock
O fim da escuridão (The edge of darkness, EUA, 2010), de Martin Campbell
Simplesmente complicado (It´s complicated, EUA, 2010), de Nancy Myers
O amor acontece (Love happens, EUA, 2010), de Brandon Camp
O livro de Eli (The book of Eli, EUA, 2010), de Albert e Allen Hughes
Um olhar do paraíso (The Lovely Bones, EUA, 2010), de Peter Jackson
Decisões extremas (Extraordinary Measures, EUA, 2010), de Tom Vaughan
Invictus (EUA, 2010), de Clint Eastwood
Amor sem escalas (Up in the air, EUA, 2009), de Jason Reitman

Fonte: Elos Vídeo

terça-feira, 20 de julho de 2010

Gramado anuncia longas em competição


O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno

O Festival de Cinema de Gramado anunciou ontem os longas nacionais e estrangeiros em competição. Além disso, foram revelados os homenageados de sua 38ª edição: a diretora paulista Ana Carolina Soares, que receberá o Troféu Eduardo Abelin, e o ator gaúcho Paulo César Pereio, que receberá o Troféu Oscarito. Uma surpresa e tanto, considerando que a atriz homenageada em 2009 foi Xuxa Meneghel.

O festival começa dia 6 de agosto, com a exibição hors concours do longa Bróder, representante brasileiro no Festival de Berlim 2010. O filme de encerramento será o inédito Ex-Isto, de Cao Guimarães, sobre o poeta paranaense Paulo Lemisnki. Também fora de competição, haverá sessão de Cinco vezes favela - agora por nós mesmos, exibido em maio no Festival de Cannes.

Na categoria longa-metragem nacional, competem os filmes 180°, de Eduardo Vaisman (RJ), Diário de uma busca, de Flavia Castro (RJ); Enquanto a noite não chega, de Beto Souza (RS); Não se pode viver sem amor, de Jorge Durán (RJ); O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno (RJ); Ponto Org, de Patricia Moran (SP); e O Contestado - restos mortais, de Sylvio Back (RJ).

Os longas estrangeiros que disputam o Kikito são El vuelco del cangrejo, de Oscar Ruiz Navia (Colômbia/França); Historia de un dia, de Rosana Matecki (Venezuela); La vieja de atras, de Pablo Jose Meza (Argentina/Brasil); La Yuma, de Florence Jaugey (Nicarágua); Mi vida con Carlos, de German Berger (Chile/Espanha/Alemanha); Ojos bien abiertos: un viaje por la Sudámerica de hoy, de Gonzalo Arijon (Uruguai); e Perpetuum móbile, de Nicolás Pereda (México).

Entre os 16 curtas em competição está o pernambucano A minha alma é irmã de Deus, com direção de Luci Alcântara e texto de Raimundo Carrero. Outros destaques são o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Vento (SP), de Marcio Salem, Haruo Ohara, de Rodrigo Grota e Pinball, de Ruy Veridiano. A programação completa, que inclui mostras paralelas e a distribuição de longas e curtas ao longo dos nove dias de festival, será divulgada na semana que vem.

(Diario de Pernambuco, 20/07/2010)

Estudante de jornalismo vence concurso para participar do júri do Festival de Gramado

A vencedora do concurso que leva um leitor do Diario de Pernambuco para participar do júri popular do festival, com todas as despesas pagas, é a estudante de jornalismo Maria Doralice Amorim. Sua resenha crítica sobre o filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, foi selecionada entre 14 concorrentes, pelos jornalistas André Dib e Carolina Santos, da equipe do Viver.

A seguir, o texto premiado.

Viajo porque preciso, (não) volto porque (ainda) te amo
por Maria Doralice Amorim

Um filme de amor e de estrada. Foram essas as palavras do diretor Marcelo Gomes sobre o seu novo filme, dirigido em parceria com Karim Ainöuz, Viajo porque preciso, volto porque te amo. A obra é constituída de imagens e registros adquiridos, nos últimos dez anos, em estradas e locações no interior do nordeste e teve sua estreia mundial em agosto de 2009, no Festival Internacional de Cinema de Veneza. No Recife, foi exibido nos meses de junho e julho, no Cinema da Fundação.

Gomes e Ainöuz conseguiram transpor para o seu filme a atmosfera do Sertão a partir de imagens, que muitas vezes parecem ter sido feitas pelo próprio José Renato (personagem principal interpretado por Irandhir Santos), que vai narrando, como se estivesse dirigindo-se para alguém (talvez para o próprio público), as suas sensações e sentimentos, ao longo de uma viagem por paisagens estagnadas no tempo. O Sertão é trabalhado não como local de denúncia, mas como um ambiente próprio para a reflexão.

O personagem central, um geólogo, iniciou a sua viagem, primeiramente, porque precisava realizar um projeto a trabalho e deixou, em casa, a sua "Galega". Ao longo da travessia, ele se depara com um ambiente árido, sem cores e, muitas vezes, imóvel. A câmera parada em algumas cenas intensifica a sensação de imutabilidade daquela paisagem e aguça o sentimento de solidão e de desespero do personagem para acabar logo a viagem e ver a mulher amada.

É curioso analisar como, ao longo do filme, José Renato encontra pessoas que possuem - de diferentes formas - relações com a sua própria história. A solidão acaba sendo um elo entre o personagem, a paisagem e os habitantes "de beira de estrada". Os espectadores também são atingidos por esse vinculo. "Quero uma vida lazer", disse uma das mulheres que aparecem no filme.

Não há como ficar indiferente àquelas imagens e histórias. Um dos grandes méritos do trabalho é a incorporação, do personagem, das mudanças da paisagem em sua própria transformação, ou melhor, superação. Viajo porque preciso, volto porque te amo éum filme belíssimo e vem ganhando o destaque que merece por onde passa - dentre outros, Gomes e Ainöuz ganharam o prêmio de melhor direção no Festival do Rio 2009 e de melhor filme do júri no 12º Festival de Cinema Brasileiro de Paris.

sábado, 17 de julho de 2010

2010 é o ano dos Beatles - mas qual não é?



Pessoas adoram números e, para a cultura dos Beatles, 2010 está repleto deles. As principais efemérides apontam para o início e o fim da banda, assim como o da vida de John Lennon, que em 9 de outubro completa 70 anos de nascimento e em 8 de dezembro, 30 anos desde que foi assassinado pelo fã Mark Chapman, em frente ao Edifício Dakota, na cidade de Nova York. Vinte anos antes, nascia o nome The Beatles, por sugestão de um amigo, que imaginou o meio termo entre Beetles (besouros) e Beatals (referente a ritmo e à cultura beat).

Motivos não faltam para homenagens e comemorações. A começar pelo próprio baterista, Ringo Starr, que completou 70 primaveras declarando que quer ser Lady Gaga. Semana passada, aliás, Ms. Gaga foi flagrada tocando nas teclas do piano branco em que Lennon compôs Imagine. A foto foi postada no Twitter de seu filho, Sean, e tem provocado polêmica entre admiradores do pai.

E é em torno de Lennon que o mercado mundial se organiza. Em outubro, a gravadora EMI abastece o mercado nacional com versões remasterizadas para seus sete álbuns originais e o póstumo Milk and honey, de 1984. Além disso, uma compilação de hits e uma caixa com raridades, singles, textos e imagens está a caminho. No mesmo mês chega ao circuito brasileiro o filme O garoto de Liverpool (Nowhere boy, Inglaterra, 2009), sobre a infância e adolescência do compositor, com Aaron Johnston (Kick Ass).

Há 40 anos - Das datas redondas, as que remetem a 1970 parecem ser as mais significativas em termos de produção criativa. Foi quando a banda chegou oficialmente ao fim, é verdade, com o processo que Paul McCartney moveu contra a banda, há tempos abandonada por George Harrison e Lennon. Mas é também o ano de lançamento do álbum Let it be, em maio. Como todo fim é um começo, no mesmo ano, McCartney lança o primeiro disco solo e Lennon descobre a terapia do grito primal, utilizada para compor Mother, canção mais sofrida do álbum / supergrupo Plastic Ono Band.

"Foi triste porque a banda terminou, mas em termos de produtividade os fãs não tiveram o que reclamar",diz o produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes, que preparou uma série de tributos pelo selo Discobertas. "Entre 1970 e 1975, praticamente todo mês tinha algum LP ou compacto novo pra comprar de um dos quatro. A (gravadora) Apple continuou a pleno vapor, então de certa forma eu considero que o fim do sonho aconteceu em 1975, quando eles celebraram o acordo da separação e a Apple fechou as portas".

Um dos tributos preparados por Fróes é uma releitura de Let it be por bandas e cantores brasileiros, entre eles Zé Ramalho, Jane Duboc, Zélia Duncan, Sá & Guanabyra e o grupo pernambucano Profiterolis, que regravou I me mine, de George Harrison. Outro é o relançamento do projeto Mr. Lennon, homenagem de Nando Reis, Cássia Eller, Lobão, Arnaldo Baptista, Zeca Baleiro, Gilberto Gil, Lulu Santos e Herbert Vianna a fase solo do cantor.

Fróes também lança em formato CD de dois volumes o que até então era um projeto virtual: o Sgt. Peppers Brazuca Club Bands, com boas versões da safra de 1967, tocadas por Autoramas (Magical Mistery Tour), Reino Funghi (It's all too much) e a pernambucana Sãomer Zwadomit (I am the walrus). Yoko Ono, com quem Lennon compartilhou os últimos anos de vida, também está contemplada com o álbum Mrs. Lennon, em que participam Sílvia Machete, Angela Ro Ro, Ampslina e outros.

Claro que números são apenas uma desculpa para celebrar o universo beatle, que nunca saiu de pauta. Se os anos continuam sendo contados, é porque os quatro de Liverpool nunca deixaram de estar presentes. No diagnóstico de Fróes, sua obra "é eterna" porque tem qualidade. "São canções bonitas, bem construídas e bem gravadas por ótimos músicos, excelentes cantores, em estúdios maravilhosos, com um produtor impecável e magníficos engenheiros de som".

(Diario de Pernambuco, 17/07/2010)

Novo longa de Geraldo Sarno estreia em Gramado



O último romance de Balzac, novo longa de Geraldo Sarno, é um dos selecionados para participar do 38º Festival de Cinema de Gramado.

O filme é baseado no livro O Avesso de um Balzac contemporâneo- Arqueologia de um pastiche, resultado de dez anos de estudo do psicólogo Osmar Ramos Filho sobre outro livro, Cristo espera por ti, ditado por Balzac ao médium Valdo Vieira. Em certo ponto do filme, há uma parte ficcional que adapta o romance A pele de Onagro (La peau de chagrin), escrito por Balzac em 1831.

O interesse pelo fazer cinematográfico / literário é o que move o diretor nos últimos anos. Sarno descreve o novo filme como um jogo de espelhos com diferentes níveis de leitura, criação e reinterpretação da obra de Balzac: primeiro, a partir do livro psicografado; depois, da pesquisa do psicólogo; e por fim, do próprio documentário.

Seu último anterior, Tudo isto me parece um sonho (2008), que investiga a "herança" deixada pelo general pernambucano José Ignácio de Abreu e Lima, gira especialmente em torno desse processo de reflexão / criação. Celebrado em Brasília com os prêmios de melhor roteiro e direção, o filme foi considerado pelo cineasta Carlos Reichenbach como "a maturidade política do documentário brasileiro".

Após quase cinco décadas dedicadas à produção e educação, o premiado diretor de Viramundo (1964), Iaô (1973) e Delmiro Gouveia (1978) adota um discurso mais grave, que alerta produtores e patrocinadores do audiovisual para a necessidade de discutir linguagem e criação.

"Quando digo que nós perdemos, é porque essa questão, tão importante, é ao mesmo tempo inteiramente marginal, não comove ninguém, em nenhum país da América do Sul".

A seguir, trechos de uma entrevista que fiz com Sarno em 2009, enquanto rodava O último romance de Balzac.

André Dib - Porque a opção por Balzac e a psicografia no novo filme?
Geraldo Sarno - O que mais me interessa é refletir sobre o processo de criação. Posso considerar o livro de Valdo Vieira como uma leitura de Balzac, uma interpretação da sua obra. O estudo científico de Osmar Ramos é uma segunda interpretação, a partir da análise do "pastiche". Se nós, enquanto cinema, trazemos a figura histórica de Balzac e sua obra, no caso A pele de Onagro, citada no estudo de Osmar, fazemos também uma análise própria. São, no mínimo, três pontos de vista, mais o nosso - o do filme.

A relação entre palavra e imagem parece ser algo constante na sua carreira.
Estou tornando essa relação mais precisa agora. Um possível subtítulo para esse filme seria "a palavra e a imagem". É sabido que o Balzac dava primazia à imagem, inclusive por sua aproximação da pintura. Tanto que o Osmar, a partir do livro psicografado, identifica um quadro do século 17, feito pelo pintor holandês Paul Potter, mais ou menos contemporâneo de Rembrandt. Osmar descobriu que quadro é esse, e faz uma análise entre a pintura e a A pele de Onagro, algo absolutamente original e nunca realizado por nenhum estudioso de Balzac.

Como entender o conceito de "protodocumentário", que você utiliza em seu último filme? O "pastiche" ficcional reservado a Balzac seria algo semelhante?
Penso em A pele de Onagro como um "pastiche" do texto original, uma imagem para cada palavra, em diálogo com o romance. Diferente do filme Tudo isto me parece um sonho, onde existe um documentário dentro do documentário, que poderia ser entendido como um protodocumentário sobre a cana de açúcar. É um série de planos dispostos com elementos mais simples do tema: a plantação, o corte, a usina, uma série de planos com narração de um texto histórico do século 19, de Antonio Pedro Figueredo. Uma sequência básica, embrionária, quase que não manejada. Esteticamente, é a coisa mais linda que eu já fiz.

Entrevista completa aqui.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Duas imagens da exposição Transfer, em São Paulo


Talita Hoffmann, Sem título


Luciano Scherer, Experiência Extracorpórea

Uma boa pra quem está em Sampa é visitar a exposição "TRANSFER arte urbana & contemporânea, transferências & transformações" de 18 de julho a 12 de setembro de 2010, no Pavilhão Das Culturas Brasileiras (Parque Ibirapuera).

Eles não são invísiveis


Crédito: Tiago Santana

Eles estão por aí. Nas esquinas, sinais de trânsito, se expondo à violência do trânsito na beira das estradas. Meninos que perambulam precariamente, presença tão comum que se tornaram invisíveis.

No universo de pobreza, garotos têm seus sonhos, querem ser caminhoneiros ou operadores das bombas de gasolina. Foto: Tiago Santana/Divulgação
Tome o exemplo de Nego e Cocada. Eles vivem na área rural de uma pequena cidade do interior pernambucano. Diariamente se deslocam para o posto de gasolina, onde ficam disponíveis para trabalhos de ocasião. Dificilmente os conheceríamos, não fossem eleitos pelo casal de cineastas Jean-Pierre Duret e Andrea Santana e se tornassem protagonistas de um filme sobre sonhos e realidade.

No meio do mundo (2009) é um documentário incomum entre os que retratam a miséria social brasileira. Isso porque ele não se arvora a interpretar a condição de seus personagens. Se imagens desafiam o público com moscas na comida, no lixo e em bichos moribundos, é porque a vida é dura. Mas guarda poesia o suficiente para se infiltrar na composição das cenas e em diálogos tão fluentes que parecem ficção.

Do alto de seus 15 anos, Nego e Cocada interagem entre si, nunca com a câmera. Esta os revela na medida em que se torna invisível. Em conversas, sonham com um futuro até onde a vista alcança: querem ser caminhoneiros, quiçá operadores das bombas de gasolina. À sombra das boleias estacionadas, discutem a ética de pedir esmolas e compartilham versão para a lenda do papa-figo, que virou traficante de órgãos. Eles precisam trabalhar e também estudar, ao som dos pais esbravejantes.

Nesse contexto de abandono, políticos existem de forma abstrata, em discursos televisivos do presidente Lula e nomes pintados nos muros em disputa eleitoral. Ao assumir o segundo mandato, Lula diz que qualquer pobre pode se tornar presidente.

Coprodução Brasil-França, No meio do mundo foi assim batizado porque é termo recorrente nas falas de Nego e Cocada. Eles, que vivem à beira, dizem ter vontade de "sumir no meio do mundo". Enquanto o título francês, Puisque nous sommes nés (já que nascemos), aponta para outro sentido proposto pelo filme. O de que estamos aqui e, se não háremédio, é preciso viver da melhor forma possível.

(Diario de Pernambuco, 16/07/2010)

Paixão à prova de balas



É recorrente. Ao longo de Encontro explosivo, surge o sentimento de que já vimos esse filme antes. Não é só impressão. Tom Cruise pilota como em Top Gun, corre sobre telhados do mundo como em Missão impossível e vira um fora da lei perseguido pelo governo como em Minority report.

Nada de novo. Superastros, situações perigosas e românticas rendem bons resultados. Filmes de espionagem se consagraram com essa combinação. A diferença é que, mais do que entretenimento de ação vertiginiosa, a superprodução dirigida por James Mangold quer fazer comédia.

E consegue. Numa das várias sequências de ação, o casal está acuado no QG de um traficante de armas espanhol. Como se a saraivada de balas não existisse, para provar seu amor, Cruise cruza a linha de fogo e beija Cameron Diaz. Eles mal se conhecem. Durante 99% do tempo, correm risco de vida, mas nada os atinge. Estão apaixonados.

Cruise faz o heroi completo, imbatível, seguro de si, desenvolto intelectual e fisicamente, capaz de saltar de um edifício, atirar, fazer um gracejo romântico e dar uma piscadela ao mesmo tempo. Diaz é a mulher comum, eleita por um superespião para ajudá-lo em uma aventura de proporção internacional. Pode acontecer com qualquer uma.

E há o momento Lagoa azul, em que, numa ilha fora do mapa, Cruise sai do mar carregando um peixe gigante e o oferece à amada, que assiste à cena com seus olhos azul celeste. Como voltar à vida comezinha de onde foi arrancada?

Numa perseguição em que escapam de moto, Cruise pilota e atira enquanto Diaz senta em seu colo e faz o mesmo, na retaguarda. Chegam ao êxtase apertando o gatilho, em alta velocidade.

Anseios de um país que se traduz através do cinema.

(Diario de Pernambuco, 16/07/20100

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Coluna Lançamentos / Bastidores / Eu indico da semana



Mágica - A inquietação do jovem Troy (Colin Hanks) o levou a deixar a faculdade de direito para ser o auxiliar do ilusionista Buck Howard (John Malkovich), que um dia já recebeu atenção nacional mas hoje sobrevive de pequenos shows país afora. Enquanto não encontra o rumo, Troy enxerga no mestre exigente, temperamental e com delírios de grandeza, um brilho especial de quem acredita no que faz. Entre hotel e outro, há tempo para um romance com a assessora de imprensa Valerie (Emily Blunt) e um encontro com o pai (Tom Hanks, produtor e pai de Colin). Malkovich faz o filme decolar.
A mente que mente (The great Buck Howard, EUA, 2009). De Sean McGinly. 90 minutos. Europa Filmes.



Cruel - Em seu segundo longa, Solondz mostra as garras que iriam cortar ainda mais fundo seus personagens de Felicidade (1998), seu filme mais conhecido. Aqui, a vítima é Dawn (Heather Matarazzo), adolescente perseguida na escola e escanteada pela família, que elegeu a irmã mais nova como princesa e o irmão mais velho como o inteligente. Quando a barra fica pesada pra valer, Dawn se protege na casa de bonecas do quintal. Diferente de filmes sobre ritos de passagem para a idade adulta, não há redenção no filme de Solondz, mas sobram ironia, crueldade e perversão.
Bem-vindo à casa de bonecas (EUA, 1995). De Todd Solondz. 88 minutos. Lume Filmes.



Maçã - A maior cidade norte-americana é tema deste longa-metragem feito de vários curtas, dirigidos por Fatih Akin (Soul Kitchen), Shekhar Kapur (Elisabeth), Mira Nair (Nome de família), Brett Ratner (X-Men) e Natalie Portman, que também atua. Cada diretor teve dois dias para produzir sua história, que apresenta figuras típicas de Nova York, como imigrantes, taxistas, empresários, artistas, ladrões e prostitutas. O resultado é irregular, mas interessante. Bons papéis e atuações de Andy Garcia e Orlando Bloom, que abrem o filme com um esperto jogo de espelhos. Ainda no elenco, Christina Ricci, John Hurt e Ethan Hawke.
Nova York eu te amo (New york I love you, EUA, 2009). De: Vários. 103 minutos. California.



Comédia - Nesta comédia que mistura filmes de luta, espionagem e pastelão, Jackie Chan é Bob Ho, agente federal ao estilo James Bond, prestes a pendurar as chuteiras para investir no casamento com a vizinha Gillian (Amber Valeta). Seu maior obstáculo não é a profissão, que mantém oculta, mas a completa rejeição dos três filhos de Gillian. Enquanto se empenha para conquistar as crianças enquanto a mãe viaja, espiões russos planejam resgatar um arquivo estratégico que foi baixado da internet sem querer por um dos garotos. Diversão sem compromisso.
Missão quase impossível (The spy next door, EUA, 2010). De Brian Levant. 94 minutos. Imagem Filmes.

Bastidores

Atenção, realizadores: estão abertas as inscrições para o Produire au Sud, oficina de capacitação em ferramentes de coprodução internacional promovida pela Associação Les 3 Continents, de 23 a 30 de novembro, em Nantes, na França. Podem se candidatar produtores, diretores e roteiristas. Até 27 de agosto. www.3continents.com.

O Concurso Nacional de Histórias Revelando os Brasis, para projetos de curta-metragem de cidades com até 20 mil habitantes está com inscrições abertas até 30 de julho. Ficha de inscrição e regulamento no site www.revelandoosbrasis.com.br.

Festivais com deadline nos próximos dias: Curta Taquary (16/07), Filme Etnográfico (31/07), Mix Brasil (31/07), Mostra Internacional de SP (01/08) e Curta Sertão (07/08).

Eu indico


Crédito: Paulo Melo Junior

É sempre interessante rever o filme Amadeus (EUA, 1984), de Milos Forman. Sinto uma emoção estranha, é como se um monstro segurasse a mão de uma criança e seguisse por uma longa estrada. E que nuvens claras e escuras caissem sobre eles, embalados pela divina música de Wolfgang Amadeus Mozart.Uma alegoria para Deus e o Diabo.

Joelson, artista plástico

(Diario de Pernambuco, 15/07/2010)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Harvey Pekar (1939-2010)



Harvey Pekar, criador da série em quadrinhos American Splendor, morreu ontem, aos 70 anos, em sua residência, nos EUA. O corpo do artista foi encontrado pela esposa, Joyce Brabner. A causa da morte não foi divulgada mas, desde os anos 1980, Pekar nunca escondeu suas lutas contra o câncer - o primeiro round gerou o elogiado álbum Our cancer year, inédito no Brasil. Em 2003, Pekar foi vivido no cinema pelo ator Paul Giamatti, no filme American Splendor, dirigido por Robert Pulcini e premiado no Festival de Sundance e Associação dos Críticos de Nova York.

Pessimista compulsivo e mau-humorado, Harvey Pekar nasceu e morreu em Cleveland, cidade conhecida por ter sido onde Jerry Siegel e Joe Shuster criaram o Superman. Nos anos 1970, então arquivista em um hospital, Pekar percorreu o caminho oposto e, sem super-poderes ou qualquer grandiosismo, transformou a si próprio em personagem. Com a colaboração de amigos desenhistas, nascia a série de HQs autobiográficas American Splendor. Seu parceiro mais famoso foi Robert Crumb, cujo talento ajudou a revelar o amigo de Cleveland. Ao longo dos anos, o time de colaboradores cresceu e inclui nomes como Joe Sacco e Alan Moore. No Brasil, o material desenhado por Crumb está reunido na íntegra no livro Bob & Harv - dois anti-herois americanos (Conrad Editora, R$ 33), único título de histórias escritas por Pekar disponível no País.

A seguir uma amostra do trabalho a quatro mãos de Crumb e Pekar.

domingo, 11 de julho de 2010

Turma da Mônica reinventada



Piteco, Astronauta, Horácio, Jotalhão, o Louco. Das dezenas de personagens secundários de Mauricio de Sousa, o indiozinho Papa-Capim talvez seja o menos lembrado. E foi justamente ele que o ilustrador pernambucano João Lin elegeu para homenagear o maior nome dos quadrinhos brasileiros. A HQ faz parte do projeto MSP + 50, coletânea a ser lançada mês que vem, durante a Bienal do Livro de São Paulo, e que traz 50 versões bastante pessoais para a longeva Turma da Mônica.

Além de revelar novos talentos, o livro trará histórias assinadas pelos maiores quadrinistas do país, como Rafael Grampá, Allan Sieber, Marcatti, Caco Galhardo, Rafael Coutinho e André Kitagawa. Junto com o MSP 50, publicado em 2009 com participação de Angeli, Laerte, Lélis, Samuel Casal, Mascaro (editor de arte do Diario) e Fábio Moon e Gabriel Bá, trata-se da mais completa homenagem a Maurício realizada pelos seus pares.

Graficamente, o MSP + 50 terá 216 páginas e impressão em papel couché, capa dura e cartonada. Sidney Gusman, coordenador editorial da Mauricio de Sousa Produções, diz que o objetivo do projeto é apresentar bons artistas ao público que só lê Turma da Mônica. "Foi uma missão e tanto. Trabalho com quadrinhos há 20 anos e sei que temos muita, muita gente boa atuando no Brasil". Parte do desafio foi reunir autores de diferentes estilos e partes do Brasil. "Fico feliz por ter conseguido essa variedade nos dois livros".

Desde que lançou a elogiada HQ Mesmo Delivery, Rafael Grampá tem sido um dos nomes mais requisitados no universo dos quadrinhos. John Constantine e Wolverine estão entre os personagens com que trabalha atualmente. Para o MSP +50, Grampá fez um desenho do Jotalhão. O elefante verde do extrato de tomate foi desenvolvido sob um céu avermelhado, em uma única prancha, sem quadros. Autor de Cachalote, Rafael Coutinho, outro nome celebrado da nova geração, imaginou o reencontro de Mônica e Cebolinha na idade adulta.


O Papa Capim de João Lin

Índios - Ilustrador de diversos livros infantis, João Lin revelou ao Diario queo processo de recriação do Papa-Capim foi um instigante desafio. "Gosto do personagem e também queria aproveitar a ocasião para dizer o que penso sobre a questão indígena no Brasil. A maneira dos índios se relacionarem com as crianças e compreenderem a infância tem muito a nos dizer sobre a relação com o espaço e com o meio ambiente".

Alguns desenhistas que participam do projeto têm o nome vinculado a histórias com viés violento ou sexual. Amparado por limites editoriais, Gusman não hesitou em convidá-los. "Os autores têm liberdade, dentro de um limite que estabeleço. Lembro a todos que o livro é uma homenagem e, por ser ligado ao Mauricio, em algum momento cairá nas mãos de uma criança".

Da turma politicamente incorreta, o gaúcho Allan Sieber mostra uma imagem subjetiva da famosa cena da coelhada, feita do ponto de vista do coelho; e o veterano Marcatti elegeu o Cascão, escolha mais que coerente com sua predileção pelo escatológico. "No primeiro livro temos o Laudo, que faz a Tianinha, uma HQ pornô, e nem por isso fez algo similar. Deixei claro a esses autores que, obviamente, não daria para levar essa homenagem a extremos. Todos foram extremamente respeitosos e curtiram participar", explica Gusman, que revela ter planos para um terceiro volume, a ser lançado em 2011. Cinquenta bons convidados não devem faltar.


Mônica, Cebolinha e Sansão, por Allan Sieber


Mônica e Cebolinha adultos, por Rafael Coutinho


A Turma, por Marcatti


Turma da Mônica por André Kitagawa


Mônica e Cebolinha por Caco Galhardo

(Diario de Pernambuco, 11/07/2010)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Para brindar ao amor, ao teatro e à filosofia



Dos estádios de futebol na África do Sul ao Extádio do Teatro Oficina, atualmente montado em Peixinhos, há afinidades e diferenças. Entre as primeiras, está a capacidade de atrair grande número de pessoas e promover a catarse. Adicione-se a disposição anárquica de um carnaval e chegamos à apoteose da turnê Dionisíacas em viagem, que hoje e amanhã encerra sua temporada pernambucana com duas apresentações originais e únicas.

Literalmente únicas. Além de contar com cenas criadas durante os workshops do fim de semana passado, entre elas, a sequência inicial em que Zé Celso Martinez Corrêa antropofagiza o manguebeat, o esforço da trupe é para que não exista limites entre plateia e atores, o que torna os espetáculos um rito coletivo.

Fornicação e revolução será a principal rima a ser trabalhada pelo espetáculo As bacantes, uma das obras preferidas do Oficina, em releitura da obra de Eurípedes que coloca o texto escrito há mais de 2 mil anos próximo à uma ópera carnavalesca. Com seis horas de duração, o espetáculo representa o nascimento, morte e renascimento do deus grego Dionísio. A versão de Zé Celso, que compôs todas as músicas e subverte a visão original, que seria contra Dionísio, procura estabelecer uma cosmogonia, ou seja, as condições que favoreceram a gênese do teatro.

Filho de Zeus (Hector Othon, ator cubano que também interpreta Kadmos com roupa de Fidel Castro) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina), Dionísio (Marcelo Drummond) lidera as Bacantes numa viagem festiva. "É a peça das peças", diz Camila Mota, que produz e atua no espetáculo. "E traz uma interpretação do carnaval mais antiga que a cristã, pois remete a quando Dionísio viajava pela Ásia, em veículo chamado Carronaval. Ele chegava nas cidades e fazia quatro dias de festa e orgia. Era tanta loucura que logo depois eles saíam da cidade e iam para outras bandas". Camila participa de As bacantes como Artemis, a deusa da caça, mas principalmente como coro, que para ela é o personagem mais delicioso da peça. "O coro não é espectador da tragédia, mas o atiçador".

Dramaturgicamente, O banquete de Platão se posiciona após As Bacantes. Construído em versos musicados, assistimos ao ator grego Agatão (Marcelo Drummond), que acaba de encenar As Bacantes no Teatro de Estádio, receber convidados como Sócrates (Zé Celso), Aristófanes (Rodolfo Dias Paes), Diotima (Camila Mota), Erixímaco (Anthero Montenegro), o poeta Fedro (Lucas Weglinski) e Alcebíades (Fred Steffen) para um banquete regado a vinho dedicado ao deus do amor. Colchões serão espalhados pelo chão, em torno de uma mesa à qual o público será convidado a brindar, três vezes, durante as nove cantadas a Eros.

O tabu em torno do amor sexual, diz Camila, é o tema da peça. "Dizem que gente pelada é coisa da década de 1960 e 1970. Mas as questões que levantamos são outras e não estão superadas, muito pelo pelo contrário. Hoje a repressão é muito grande. Vemos muita sexualidade aflorada, inclusive entre as crianças, mas o amor é ainda é o grande tabu. A sexualidade ligada à paixão e ao amor é algo que ainda não foi superado".

O banquete nasceu em 2008, durante o cinquentário do Teatro Oficina. "É a nossa peça mais doida. Fizemos um roteiro que passava por tudo o que já fizemos, mas as pessoas beberam muito e não tinha mais como prosseguir com a peça. O banquete foi a ideia que Zé Celso teve para exercitar esse diálogo, conversar com arte e praticar a filosofia da insânia. Apesar das pessoas beberem na peça, um dos grandes vinhos é a palavra. As cantadas são maravilhosas", diz Camila, que pede para que o público não leve as próprias garrafas, para não beber isoladamente. A cada brinde, haverá Ganimedes (Anna Guilhermina e atores das oficinas) para vender fichas que dão direito à bebida.

(Diario de Pernambuco, 09/07/2010)

Na despedida, Shrek busca a origem



Uma da séries de animação mais queridas dos últimos tempos chega ao capítulo final. Se bem que Shrek para sempre (Shrek fovever after, EUA, 2010), novo longa da Dreamworks, funciona mais como um adendo, uma releitura em retrospectiva da fábula contruída nas três aventuras anteriores. Nele, personagens e situações são repassados pelo avesso, em espécie de realidade paralela em que prevalece o clima de despedida e de história de amor, que serve de antídoto para o mal.

Pela primeira vez em 3D, reencontramos Shrek casado e bem estabelecido no Reino de Tão Tão Distante, reunido para a festa de aniversário dos filhos. Mas a admiração dos amigos não basta para o ogro. Em crise de meia idade, ele sente falta dos dias em que era temido e seu nome ainda tinha algum sentido - em alemão, schreck quer dizer susto, medo.

Rumpelstiltskin, um duende malicioso afeito a perucas, vê no monstro insatisfeito a oportunidade de manipular a realidade com um contrato mágico de cláusulas ocultas, emque Shrek troca um dia de sua infância por um dia em que seria temido como nos velhos tempos. Ele se diverte, mas aos poucos percebe que a decisão colocou em jogo toda a sua história e, se Fiona não for reconquistada, sua própria existência.

Do outro lado do espelho, Shrek nunca nasceu e Fiona se tornou líder de uma revolução de Ogros, contra um tirano que depôs o bondoso Rei Harold. Amigos usuais também estão diferentes precisam ser reconquistados, como o fiel Burro, o Biscoito e o Gato de Botas, que está fofo (gordo) e domesticado. Da trilha sonora, esperta como nos filmes anteriores, o momento mais divertido está na performance do Flautista de Hamelin, que coloca um trio de bruxas para dançar ao som de Sure shot, do Beastie Boys.

Poucas cópias legendadas circulam por aí, mas vale a pena procurá-las e curtir o elenco de vozes com Mike Myers (Shrek), Cameron Diaz (Fiona), Eddie Murphy (Burro) e Antonio Banderas (Gato de Botas).

(Diario de Pernambuco, 09/07/2010)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Coluna Bastidores / Eu indico da semana

Bastidores

I
Semana que vem começa a ser filmado O som ao redor, primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho. No elenco estão Irandhir Santos, Gustavo Jahn, Irma Brown e Maeve Jankins, que atuou em Falsa loura, de Carlos Reichenbach. Na equipe estão Pedro Sotero (fotografia), Nicolas Hallet (som) e Clara Linhardt (assistência de direção), que tem no currículo o longa Tropa de elite, e mais 70 pessoas, a maioria de Pernambuco. O longa será rodado principalmente em locações da Zona Sul (Setúbal e Boa Viagem), em 35mm tecniscope, bitola utilizada nos anos 1960 por diretores como Sérgio Leone.

II
Em momento oportuno, foi lançada a primeira publicação nacional sobre cinema latino-americano. Em português e espanhol, o blog Lalatina traz notícias, reportagens e entrevistas sobre produções e eventos do cinema dos "hermanos", ultimamante em alta em premiações e festivais. Quem assina é Camila Moraes. Também no Twitter.

III
Está no ar a promoção que leva um leitor do Diario, com tudo pago, para o Festival de Gramado (RS). Para participar, basta enviar uma crítica de 35 linhas sobre um dos três filmes nacionais em cartaz no Recife: Sonhos roubados, de Sandra Werneck (em cartaz no Cine São Luiz, Rosa e Silva e Box Guararapes), Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (Cinema da Fundação) e Insolação, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas (Cinema Apolo). Entre os critérios de avaliação estão originalidade, concisão, capacidade argumentativa e teor opinativo. O prazo de inscrição é 15 de julho. O festival será de 6 a 14 de agosto. Regulamento e formulário, no site do Caderno Viver.

IV
O Instituto Sergio Motta abre inscrições para Festival HTTPVideo 2010. Inscrição e exibição dos trabalhos será feita pelo YouTube. Trabalhos de até cinco minutos devem abordar a questão do trânsito e dos deslocamentos nas cidades. Ficha de inscrição no site do instituto.

Eu indico



Um filme que gosto muito é O anjo exterminador, de Luis Buñuel. É um roteiro surrealista que retrata as máscaras usadas pela alta sociedade, e, com o desenrolar da história, o que existe por trás delas, em situações de conflito. Faz pensar sobre valores, ética e a natureza mais sombria do ser humano, com uma pitada de humor sarcástico.

Gilu, percussionista e idealizador da Orquestra Contemporânea de Olinda

(Diario de Pernambuco, 08/07/2010)

Cacilda, nossa estrela brasileira



Hoje é dia de levar flores para Cacilda Becker. O mito do teatro nacional terá seu rito de passagem para a vida adulta representado na peça Estrela brazyleira a vagar - Cacilda!!, que dá continuidade à temporada recifense da turnê Dionisíacas em viagem. Se a peça de ontem foi um "esquente", agora é pra valer: serão seis horas de espetáculo, com direito a intervalo. O texto é do próprio Zé Celso Martinez Corrêa e faz parte da tetralogia escrita por ele nos anos 1990, no período em que ficou internado num hospital. A primeira parte, Cacilda!, foi encenada há 11 anos. A cada nova sequência, o nome da atriz ganha um ponto de exclamação a mais, pronunciado como um "hú". De forma que a peça de hoje se chama Cacilda "hú-hú".

O espetáculo começa com cenas do monólogo final do anterior, protagonizado por Bete Coelho e cenas de arquivo de entrevistas com a atriz, também vivida por Leona Cavalli. A Cacilda que hoje vem ao palco é interpretada por Anna Guilhermina. Se na primeira sequência foi representada sua infância e formação, agora é hora de tratar de seu início de carreira profissional, quando sai de Santos para o Rio de Janeiro. Na peça, Zé Celso interpreta a si, como o diretor.

As flores são para um bem-me-quer, mal-me-quer que o público será conclamado a fazer durante o processo de iniciação sexual da atriz. Se não pelas mãos de Raul Roulien, diretor da companhia em que estreou, será através dos sonhos, em que um galante Zé Carioca surge para disputar o amor e a virgindade da jovem atriz com Johnny Donald (Anthero Montenegro). As referências aos personagens Disney remetem ao contexto de época (os anos 1940), em que vieram ao Brasil dançar nas calçadas de Copacabana ao som de Carmen Miranda. Montenegro também interpreta o cantor Jean Sablon, que fecha o primeiro ato. "Ele levou Cacilda à rádio. Na época, ela trabalhava como secretária", diz o ator.

Em sua viagem, Cacilda encontra grandes nomes do teatro, como Grande Otelo, Ziembinski, Maria Jacinta, Jorge Amado, Bibi Ferreira e Sérgio Cardoso. "É uma forma de contar a história do teatro", diz o ator Lucas Weglinski, que interpreta, entre outros papéis, Miroel da Silveira, o descobridor da atriz. "Ela se joga na vida de artista, com todas as dificuldades e todo o ardor juvenil. A peça se passa segundos depois que ela pula nesse abismo. É como um Alice no País das Maravilhas, só que sobre ser artista e suas questões".

Em Salvador, com o Teatro Extádio montado na UFBA, Cacilda!! terminou de madrugada, com cerca de 60 pessoas da plateia, nuas ou de lingerie, tomando banho em tonéis de chocolate. "Um casal de lá tem uma fábrica de chocolate, que representa o amor deles. É um chocolate sagrado, um fruto mágico", diz Weglinski. Imprevisível saber se no Recife a formação de Cacilda Backer terá o mesmo desfecho. Que o suprimento de chocolate está a postos, está.

Serviço
Estrela brazyleira a vagar - Cacilda!!

Onde: Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos (Av. Brasília, s/n - Olinda).
Quando: Hoje, às 19h
Informações: 3232-7779 / 3244-3325
Quanto: Entrada franca (ou mediante doação de um quilo de alimento não-perecível ou um brinquedo para os desalojados pelas chuvas.
Os ingressos serão distribuídos duas horas antes do início de cada espetáculo).

(Diario de Pernambuco, 08/07/2010)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dionisíacas em Viagem chega ao Recife e propõe experiência transformadora



Uma superestrutura para 2 mil pessoas será o palco da série de espetáculos Dionisíacas em viagem, promovida pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona de hoje a sábado. O Teatro Extádio está montado na Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos e é formado por duas arquibancadas gigantes, dois palcos - o principal, estilo "arena" e o secundário para a banda, além de balcões cênicos, seis projetores com telão e oito TVs de LCD. À trupe de Zé Celso, formada por 29 atores (chamados atuadores), juntam-se o staff técnico de 32 pessoas, mais vinte artistas pernambucanos, selecionadas das oficinas que encerraram anteontem, com o ensaio geral de As Bacantes.

A grandiosidade condiz com o projeto. Assim como o coro de dezenas de vozes, ao qual o público é convidado a participar, a música, tocada ao vivo e em playback, é de extrema qualidade. O baterista, Guilherme Calzavara, lidera uma banda fluente entre gêneros como reggae e fado, e ritmos irmãos como toques de candomblé e maracatu. O rock predomina e encerra as apresentações em O banquete, com show do trio instrumental Tigre Dente de Sabre. No meio dos atores, uma equipe de vídeo grava e transmite detalhes dos espetáculos nos telões.

Diferente do desbunde dionisíaco dos próximos dias, Taniko é uma livre adaptação do teatro Nô, em que grupo de peregrinos navega do Japão para o Brasil. Doente, o jovem Kogata (Ariclenes Barroso) não suporta o cansaço e pede para que o matem e joguem ao mar para não morrer só. Por amor, Mestre Waki (Marcelo Drummond) tenta impedir. A peça é dedicada a Luiz Antônio Martinez, irmão de Zé Celso, morto a facadas em 1987, e que traduziu o texto original.

Taniko prima pela contenção. "João Gilberto é o nosso muso", diz o ator carioca Lucas Weglinski. "É sobre a paixão dos japoneses pelo Brasil, pela delicadeza da bossa-nova". Zé Celso ratifica. "Nos transformamos em uma bossa tranzenicu. É a invenção da ioga rebolada. É onde a relação entre o esfíncter e a moleira é estabelecida".

Dionisíacas em viagem traz de volta o ator pernambucano Anthero Montenegro, que aos 33 anos, se apresenta pela primeira vez aos conterrâneos. No Oficina, ele estreou em 2008, com Taniko. No cinema, trabalhou em Contaminação (The contaminated man, EUA, 2000), onde atuou com William Hurt, e Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles.

"Estrear aqui com Zé Celso é um presente pra mim". Anthero foi estudar publicidade em São Paulo, no inicio dos 1990 e largou o curso para estudar teatro nos Estados Unidos e Inglaterra. "Em 2006 voltei ao Brasil e entrei no elenco de A pedra do reino, onde conheci o pessoal do Oficina. Seis meses depois, alguns atores deixaram a companhia e fui chamado para entrar".

Disciplina e criatividade vigorosa

A turnê Dionisíacas, que já passou por Brasília e Salvador, chega ao Recife com cenas e elementos inéditos, incorporados durante as oficinas que atraíram mais de 200 pessoas. Entre gírias, sotaques, músicas e técnicas de divulgação, a proposta que mais criou polêmica diz respeito à resistência da nova geração ao movimento manguebeat. Por razões umbilicais que vão da antropofagia oswaldiana ao tropicalismo que ele próprio inspirou, Zé Celso propôs para que um grupo de oficineiros cantasse certo hit da Nação Zumbi, vestidos de Chico Science. Veemente, a maioria recusou. Zé Celso retrucou e conseguiu, ao menos, uma performance dos homens-caranguejo para As bacantes.

A severa disciplina com que o mentor do Oficina trata os atores impressionou alguns participantes dos workshops. Não é à toa que o símbolo do grupo é uma bigorna. "Ele destroi todos os limites. E os atores, são completos", diz a atriz Sâmara Cipriano. O ator Anthero Montenegro defende o método. "Ele é muito duro às vezes cruel, mas isso vem da paixãopelo teatro, pelo processo, visão de colocar no corpo do ator a sua visão. Ele é incansável. É nessa pressão que desabrocha a flor rara".

Para Hellen Ferreira, de 16 anos, a oficina de vídeo foi importante não só para sua formação. "Passei a crer que dá para filmar uma peça sem ser aquela coisa monótona. Também aprendi o que é me jogar na peça e sentir-se livre. Isso é um aprendizado para a vida". Na busca de soluções práticas, o designer Fernando Vasconcelos participou da oficina de cenografia. São dele as gaivotas que voam em cima de Anna Guilhermina, em Cacilda!!. "Foi acima da expectativa. Vi como o design pode ser aplicado no dia a dia, com soluções funcionais".

A partir de hoje, 20 participantes das oficinas integram as peças, principalmente na função de coristas e performers, entre sátiros e bacantes. Letícia Coura, que coordena os arranjos vocais, disse que os pernambucanos se adaptaram rapidamente ao projeto. E espera que o público também cante - algumas letras já estão na internet.

Programação Dionisíacas em viagem

Quarta-feira, 20h
Taniko, o rito do mar (Duração: 1h40, sem intervalo; Recomendação etária: Livre)
Livre adaptação de uma das mais populares peças do Teatro Nô. Quando Kogata, um jovem peregrino fica doente, grupo de monges nômades (os Yamabuchi) precisa decidir entre retornar ao Japão e socorrer a criança ou jogar seu corpo ao mar e prosseguir viagem ao Brasil, pelo bem coletivo. Zeami Motokiyo, o autor do texto, é interpretado por Zé Celso.

Quinta-feira, 19h
Estrela brazyleira a vagar - Cacilda!! (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
Onze anos depois de Cacilda!, essa montagem é a segunda parte da tetralogia escrita por Zé Celso em homenagem a atriz Cacilda Becker, aqui vivida por Ana Guilhermina. A peça aborda o início de sua carreira no teatro, em meados dos anos 1940, quando Cacilda sai de Santos para o Rio de Janeiro e encontra Grande Otelo, Ziembinski, Maria Jacinta, Jorge Amado, Bibi Ferreira e Sérgio Cardoso. Dos quatro espetáculos trazidos pelo Oficina, este é o mais recente.

Sexta-feira, 19h
Bacantes (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
Escrito há 2 mil anos por Eurípedes, a tragédia grega é reprocessada por 25 cantos compostos por Zé Celso e cinco episódios que representam o rito de nascimento do Deus do teatro, Dionísio (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Hector Othon) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina). Tudo sob o coro de Satyros e Bacantes, em Tebas. Será o ápice dos quatro dias de programação.

Sábado, 19h
O banquete (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
O texto de Platão é reinventado em nove cantadas (paqueras), feitas por Sócrates (Zé Celso), Aristófanes (Rodolfo Dias Paes), Diotima (Camila Mota), Erixímaco (Anthero Montenegro), o poeta Fedro (Lucas Weglinski) e Alcebíades (Fred Steffen). A esses personagens se juntam Orfeu, Eurícide, Zeus, Jesus e Iemanjá, em banquete regado a vinho, onde cantam ao Eros, deus do amor.

(Diario de Pernambuco, 07?/07/2010)

Diario de Pernambuco leva leitor a Gramado



Em parceria com o Festival de Cinema de Gramado, o Diario de Pernambuco seleciona leitor para participar do júri popular do tradicional evento gaúcho. Para concorrer, é preciso enviar uma resenha crítica sobre um dos três longas-metragens nacionais em cartaz no Recife: Sonhos roubados, de Sandra Werneck (em cartaz no Cine São Luiz, Rosa e Silva e Box Guararapes), Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (no Cinema da Fundação) e Insolação, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas (no Cinema Apolo). O autor do melhor trabalho viajará, com todas as despesas pagas, para a 38ª edição do festival.

Veja aqui como concorrer a esta viagem

O texto deve ter até 35 linhas, em corpo Times New Roman 12, e o candidato pode postar sua resenha crítica no diariodepernambuco.com.br/viver, em formulário específico, ou enviar pelos Correios, endereçado ao Caderno Viver, na sede dos Diários Associados (Rua do Veiga, 600, Santo Amaro). O prazo para as inscrições se encerra na próxima quinta-feira, dia 15.

Entre os critérios de avaliação estão originalidade, concisão, capacidade argumentativa e teor opinativo. Podem participar candidatos de qualquer faixa etária, desde que residentes na Região Metropolitana do Recife. O leitor selecionado participará do júri popular, formado por 15 convidados de todo o país.

Curtas - Na manhã de anteontem, o Festival de Gramado divulgou a lista de curta-metragens em competição. Dos 16 que participam da mostra nacional, um é pernambucano: A minha alma é irmã de Deus, de Luci Alcântara, escrito e roteirizado por Raimundo Carrero. Os destaques são o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, selecionado pelo último Festival de Brasília e Vento (SP), de Marcio Salem, recém-premiado como melhor direção de arte (Flávio Takahashi) no 20º Cine Ceará. Entre os novíssimos estão o paulista Eu não quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro, Haruo Ohara, de Rodrigo Grota (Booker Pittman e Satori Uso) e Pinball, de Ruy Veridiano.

Outro ponto de interesse será a exibição de Amigos bizarros do Ricardinho, de Augusto Canani, representante do bom cinema gaúcho que, após circular nos principais festivais do país, por fim será recebido em casa, onde compete tanto na mostra nacional quanto na mostra gaúcha. De acordo com a assessoria de imprensa do Festival de Gramado, a programação completa, que inclui longas em competição e homenageados de 2010, será divulgada em 19 de julho.

(Diario de Pernambuco, 07/07/2010)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Festival de Gramado divulga os curtas em competição


Fabiana Pirro e Leo Antunes em cena de "A minha alma é irmã de Deus"
Crédito: Manu Galindo

Curta Metragem Nacional

1. A MINHA ALMA É IRMÃ DE DEUS, de Luci Alcântara, Recife.
2. AMIGOS BIZARROS DO RICARDINHO, de Augusto Canani, Porto Alegre.
3. CARRETO, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Salvador.
4. EM TRÂNSITO, de Cavi Borges, Rio de Janeiro.
5. EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO, de Daniel Ribeiro, São Paulo.
6. HARUO OHARA, de Rodrigo Grota, São Paulo.
7. MAR EXÍLIO, de Eduardo Morotó, Rio de Janeiro.
8. NAIÁ E A LUA, de Leandro Tadashi, São Paulo.
9. NINJAS, de Dennison Ramalho, São Paulo.
10. O CORAÇÃO AS VEZES PARA DE BATER, de Maria Camargo, Rio de Janeiro.
11. OS ANJOS DO MEIO DA PRAÇA, de Ale Camargo e Camila Carrossine, São Paulo.
12. PIMENTA, de Eduardo Mattos, São Paulo.
13. PINBALL, de Ruy Veridiano, São Paulo.
14. RATÃO, de Santiago Dellape, Brasília.
15. UM ANIMAL MENOR, de Pedro Harres e Marcos Contreras, Porto Alegre.
16. VENTO, de Marcio Salem, São Paulo.

Mostra Gaúcha 2010

1. AMIGOS BIZARROS DE RICARDINHO, de Augusto Canani. Porto Alegre.
2. DEPOIS DA PELE, de Márcio Reolon e Samuel Telles. Porto Alegre.
3. EU E O CARA DA PISCINA, de William Mayer. Porto Alegre.
4. LIMBO, de Fernando Mantelli. Porto Alegre.
5. MALDITA, de Claudia Dreyer. Porto Alegre.
6. OS NOMES DO CARIMBO, de Roberto Burd. Porto Alegre.
7. PEIXE VERMELHO, de Andreia Vigo. Porto Alegre.
8. QUANDO O TEMPO DA REFLEXÃO ACABAR, de Vinícius Guerra. Caxias do Sul.
9. UM ANIMAL MENOR, de Pedro Harres e Marcos Contrera. Porto Alegre.
10. UMA VISITA HOLLIWEGER, de Pedro Foss. Esteio.
11. UTTARA, de Ivo Schergl Júnior. Guaíba.
12. VOLTO LOGO, de Eduardo Wannmacher. Porto Alegre.

domingo, 4 de julho de 2010

Novo fôlego ao cinema de bairro



Eles, que sumiram para dar lugar a igrejas, supermercados e lojas de material de construção, agora têm novo fôlego para retornar. Falamos dos cinemas de bairro e interior, que acabam de ganhar um poderoso aliado. Semana passada, o governo federal lançou um programa que pretende incentivar a expansão do parque exibidor para mais 600 novas salas no país. O programa Cinema Perto de Você direciona R$ 500 milhões em financiamentos e investimento direto, prioritariamente para projetos do Norte e Nordeste com mais de 100 mil habitantes que ainda não têm salas de cinema.

Em Pernambuco, as cidades de Igarassu, Vitória de Santo Antão, Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho, Caruaru, Paulista e Olinda são prioritárias para o programa. Propostas de implantação de salas em Garanhuns, Petrolina, Jaboatão dos Guararapes e Recife também podem ser contemplados, desde que situados em bairros populosos e sem cinema. O programa prevê benefícios para projetos em locais com população entre 20 mil e100 mil habitantes através do projeto Cinema da Cidade, em que prefeituras e governos estaduais implantam salas com recursos federais para que a iniciativa privada administre.

O Brasil conta com cerca de 2.200 salas. O objetivo do programa, que usa recursos do Fundo Setorial do Audiovisual da Agência Nacional do Cinema e do Programa de Apoio da Cadeia Produtiva do Audiovisual, do BNDES, é permitir a consumidores da classe C o acesso a filmes do circuito comercial.

"A geografia do cinema mudou. Na década de 1970 havia quase 3.300 salas de cinema no país, uma para cada 30 mil habitantes, a maioria em cidades do interior. Mudanças tecnológicas e a baixa capitalização do setor provocaram essa concentração, mas há um fato novo: o crescimento da classe C, que quer consumir bens culturais. E os filmes nacionais precisam ir ao encontro desse público", diz Manoel Rangel, da Ancine.

Desoneração tributária, sistema de controle de bilheteria e a digitalização do parque exibidor são outros eixos a serem trabalhados. Aisenção de impostos vale para aquisição de equipamento, construção e modernização de complexos de exibição. Sobre a bilheteria, não incidirá tributos como PIS e Cofins. De acordo com Rangel, isso garantirá ingressos a preços mais acessíveis.

No dia do lançamento, o presidente Lula convocou o poder público estadual e municipal a fazer o mesmo. O governo do Rio de Janeiro ouviu e isentará as novas salas da cobrança de ICMS. Carla Francine, coordenadora de cinema da Fundarpe, acredita que o governo do estado se alinhará ao novo programa e adianta que ele estará na pauta dos seminários promovidos pelo Festival de Cinema de Triunfo, marcado para 26 a 31 de julho.

Para elaborar as bases do Cinema Perto de Você, foram ouvidos distribuidores, administradores de shopping e exibidores. O grupo PMC Cinemas, que mantém salas em Garanhuns e São Lourenço da Mata, foi um deles. "É uma excelente inciativa, pois para retomar o hábito de ir ao cinema requer tempo. Em São Lourenço, foram necessários três anos para isso", diz Paulo Menelau, que tem planos de abrir mais nove salas até 2011. Além disso, ele diz que distribuidoras fazem cópias apenas para grandes exibidores, o que deixa os pequenos de fora das estreias nacionais. "Eles dão preferência às salas que cobram ingressos mais caros, pois ganham 50% da bilheteria. Por isso, a solução pode estar na transição para o sistema de exibição digital".

Assim como Menelau, Carol Ferreira, programadora do Cine Rosa e Silva, vê na digitalização uma saída para salas médias e pequenas. Para ela, mais do que a necessidade de acompanhar as estreias, o "nó" está na sobrevivência econômica. "É comum filmes que já estrearam virem para cá e encontrar um novo público. Imagine isso no interior, com ingressos mais baratos. Mas ainda assim, o cinema precisa de dinheiro em caixa para se manter aberto".

(Diario de Pernambuco, 04/07/2010)