domingo, 31 de janeiro de 2010

O Triste Fim de Policarpo Quaresma, por Edgar Vasques e Flávio Braga



O triste fim de Policarpo Quaresma é o novo título da coleção "Grandes Clássicos em Graphic Novel", incialmente mantido pela editora Agir, agora nas mãos da Desiderata - ambas do grupo Ediouro.

A versão em quadrinhos, assinada por Edgar Vasques e Flávio Braga, ultrapassa o filão rentával da função didática.

É obra autônoma, na ilustração de Vasques (Rango, O analista de Bagé) e no texto bem resolvido de Braga.

Esqueça o ranço da escola que te obrigou ou um dia obrigará a ler O triste fim de Policarpo Quaresma .

O livro é uma das maiores obras da literatura brasileira. Escrito em 1911 po Lima Barreto, o livro trata da desventura de um idealista que queria restaurar a língua tupi e costumes indígenas em pelo governo Floriano Peixoto.

No entanto, a república nascente, positivista, tinha problemas maiores para resolver, como a insurreição da Marinha no Rio de Janeiro. A guerra é iminente e o major Quaresma assume comando de uma das tropas. E tão logo descobre as dificuldades de conciliar humanismo com nacionalismo que pega em armas, seu triste fim se torna inevitável.

Mais um bom momento da série "Grandes Clássicos em Graphic Novel", ao lado de O Alienista e O pagador de promessas.

Como foi: Dia do Quadrinho Nacional em Pernambuco

por Amaro Braga, organizador do evento

Na última sexta-feira, 29 de janeiro, os Pernambucanos comemoraram o Dia do Quadrinho Nacional com uma série de palestras memoriais no Auditório Capiba da Faculdade Maurício de Nassau. O público assim que chegava se deparava com uma exposição em banners retratando as origens das Histórias em Quadrinhos, que finalizava na publicação dos quadrinhos de Ângelo Agostini que marcam a data de 30 de janeiro como dia do Quadrinho Nacional e colocam o Brasil como o 3° pais a produzir a versão moderna das histórias em quadrinhos, muito antes do Yelow Kid nos EUA.

A abertura do evento ficou por conta da conferência de Laílson de Holanda Cavalcanti sobre as sete edições memoriais do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco – FIHQPE, suas inovações estéticas e os ilustres convidados, nacionais e internacionais, com especial destaque para a vinda de Will Eisner. Antes disso, Laílson premiou a platéia com uma excelente retrospectiva de sua trajetória profissional, resgatando na fala, a uma parte significativa dos eventos importantes sobre Quadrinhos, charge e Cartum que ocorreram no Estado e sua influência na introdução de Pernambuco no circuito internacional do humor e dos quadrinhos e que se encontra defasado nos últimos anos pela não continuidade do Festival.

A seguir a desenhista e professora Danielle Jaimes resgatou a recente produção de quadrinhos voltados para a educação e a história de Pernambuco, com a série “Passos Perdidos, História Desenhada” sobre a Presença Judaica em Pernambuco, e o álbum “Heróis da Restauração Pernambucana”, sobre a Capitulação Holandesa. Sua explicação mostrou o resgate que a equipe fez da urbanização dos bairros da cidade, do resgate histórico e cultural.

Depois destas duas falas foi montada uma mesa sobre o Perfil da Produção Atual de quadrinhos no Mercado em várias perspectivas: primeiro com o Grupo PADA – Produtora Artística de Desenhistas Associados, através dos membros Milson Marins e Arnaldo Lúis que compartilharam com o público a trajetória de publicação de seu Fanzine/Revista Prismarte, atualmente na edição de número 51.

Depois foi a vez do professor doutor Henrique Magalhães da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) expor sua trajetória profissional e acadêmica com a publicação de tirinhas de quadrinhos e o estudo sobre os Fanzines, no brasil, França e na Espanha, finalizando sua exposição com o perfil editorial da Marca de Fantasia, única editora especialziadano Gênero quadrinhos do Norte-Nordeste, publicando não só quadrinhos dos amis diversos gêneros, dos independentes aos comerciais, como é a única editora brasileira especializada na publicação de estudos Acadêmicos sobre o Gênero Quadrinhos.

A mesa findou com a fala do quadrinhista Pedro Ponzo, que diferente dos demsi, tem sua produção voltada quase que esclusivamente para o mercado norte-americano. Ponzo dividiu com a platéia a experiência de trabalhar como Ghost (desenhista que não tem o crédito nas publicações e que preparara as páginas para os desenhistas oficiais) até ser reconhecido e assinar a primeira edição publicada nos EUA.

Após a surpreendente visão ampala dos mercado no qual os quadrinhistas pernambucanos estão inseridos, foi avez do professor Amaro Braga, organziador do evento mapear através de imagens a pré-história das histórias em quadrinhos, registrando as cenasq eu incirpiravam alinguagem sequencial nas pinturas rupestres,nos murais egípcios, nos vãos gregos, nos códices Maias e até nas tapeçarias medievais e nos murais romanos, vinculando a História dos Quadrinhos ao panorama da História da Arte universal.

Como previsto, a programação se encerrou com a fala e conversa com a platéia do jornalista do Diário de Pernambuco, André Dib, comentando sua experiência com o jornalismo sobre quadrinhos. Atualmente Dib é o único jornalsita que tem administrado e assinado de forma constante a pauta sobre quadrinhos no Estado.

Sylvio Back mergulha no universo de Graciliano



Neste ano, Graciliano Ramos será tema de duas novas produções do cineasta Sylvio Back. A primeira é um documentário sobre sua vida, com recursos já captados e pré-produção prevista para começar em março. Buíque, no agreste pernambucano, faz parte do roteiro, que passa por cidades onde o autor de São Bernardo e Vidas secas morou, como Palmeira dos Índios, Viçosa, Quebrangulo, Maceió e Rio de Janeiro.

Graciliano morou em Buíque quando criança e aos 18 anos voltou à cidade para tratar da saúde. A fazenda em que morou está preservada de acordo com algumas características da época e deve servir de cenário para a produção. Pernambuco entra na pauta não somente pela ligação histórica com o personagem mas porque terá na capital uma potencial base de trabalho.

Por telefone, do Rio de Janeiro, Back diz que o novo filme será um ensaio para o próximo, que adapta o romance Angústia, escrito por Graciliano em 1936, quando estava na prisão. Apesar de trabalhar no território da ficção, muitas memórias da infância em Buíque estão no livro. "É o único romance dele que ainda não filmado. É uma história de ciúme, um Crime e castigo nordestino".

Durante a pesquisa, que durou oito meses, o diretor se aprofundou e viu que ali tinha um documentário. A produção inclui "toques" de ficção e será dividida em sequências com títulos dos romances, diretamente ligados às etapas da vida do escritor alagoano, como o assumidamente autobiográfico Infância. "Vou contar a vida dele com todos os elementos audiovisuais possíveis".

Ex-jornalista e crítico de cinema, Sylvio Back é filho de imigrantes húngaros e alemães que imigraram para Santa Catarina. Sua formação intelectual está fortemente ligada à literatura - não é por acaso que ele cita o romance de Fiodor Dostoievsky, também admirado por Graciliano Ramos. "Me interessei pela vida pessoal de Graciliano, pelo itinerário dele, por sua angústia com a escrita, com a linguagem. Ele chegava a escrever a mesma frase centenas de vezes".

Afeito a temáticas históricas, políticas e literárias, Sylvio Back realizou 37 filmes (11 longas-metragens) em 46 anos de carreira, iniciada em Curitiba, no Paraná. Os principais são A guerra dos pelados (1970), Revolução de 30 (1980) e Lost Sweig (2002), este último sobre o escritor judeu Stefan Zweig. Restaurado recentemente, Lance maior (1968) traz Regina Duarte e Reginaldo Faria no elenco e é o primeiro longa do cinema paranaense.

Luta pela terra - Seu último trabalho, O contestado - restos mortais, acaba de ser finalizado. O filme marca o retorno ao tema, ficcionado no longa A guerra dos pelados , com atuações de Jofre Soares, Stênio Garcia e Otávio Augusto. "Sylvio Back conseguiu fazer um filme ágil, dinâmico na sua linguagem, na sua estilística", escreveu o crítico Celso Marconi, à época.

Back retoma o Contestado com um documentário de 160 minutos de duração em que registra 30 médiuns da fronteira entre o Paraná e Santa Catarina, região onde ocorreram os combates entre a população cabocla e militares republicanos entre 1912 e 1916. Combatentes narram detalhes do conflito através da atividade mediúnica.

A Guerra do Contestado foi desencadeada com a morte de um pernambucano, o comandante das tropas Coronel João Gualberto e do monge José Maria, figura messiânica equivalente a Antonio Conselheiro (o Contestado é tido como o "Canudos do Sul"). O cineasta justifica a nova produção, 40 anos depois: "O Contestado foi um dos movimentos pela posse da terra mais importantes do século passado, mas continua submerso, quase desterrado da historiografia oficial".

(Diario de Pernambuco, 31/01/2010)

sábado, 30 de janeiro de 2010

Entrevista // Fábio Moon: "Ainda estamos buscando esse tal quadrinho nacional"


Os gêmeos Moon e Bá: autoretrato

Há 141 anos foi publicada a primeira história em quadrinhos produzida no Brasil: As aventuras de Nhô Quim ou impressões de uma viagem à corte, de Angelo Agostini.

Desde 1984, a data foi escolhida para marcar o Dia do Quadrinho Nacional, comemorada com eventos em todo o país.

Nos últimos anos, a produção de HQs brasileiras tem crescido em qualidade e quantidade. Um termômetro é o Blog dos Quadrinhos, do jornalista Paulo Ramos, que promove maratona de blogs e sites de artistas nacionais. Até o fechamento desta matéria, 130 blogs e sites de quadrinhos foram listados.

Artistas em ascensão contínua, os paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá conquistaram reconhecimento internacional e abriram espaço no mercado para um trabalho autoral, coisa rara para brasileiros publicados nos EUA.

Hoje, além de produzir uma tira semanal Quase nada, para a Folha de São Paulo, eles produzem a minissérie Daytripper para o selo Vertigo, da DC Comics. Em entrevista ao Diario, Moon fala sobre carreira, mercado e conceitos em torno do "quadrinho nacional".

O rótulo "quadrinho nacional" é algo necessário para formação de uma identidade? Ou precisamos acabar com as fronteiras?
O quadrinho nacional não tem cara, não tem estilo, não tem escola, então, acho que ainda estamos buscando esse tal quadrinho nacional. Ainda estamos no esquema cada artista faz a sua coisa, que pouca gente vê, relaciona ou interage. A identidade do artista é individual, e nesse sentido vem a brasilidade, porque somos todos brasileiros. Quanto mais fiel à sua origem, mais nacional você será, e mais fronteiras atravessará.

Hoje temos mais festivais e salões de HQ, editoras, espaço na imprensa (na cobertura e na seção de cartuns e tirinhas). Finalmente temos mercado para o quadrinho nacional?
Ainda não temos um mercado ideal. Temos mais oportunidades e mais espaço, mas ainda pode melhorar. A qualidade pode melhorar, a estrutura das editoras pode melhorar e, se tudo melhorar, acho que o tamanho do público também melhorará.

Qual a diferença entre trabalhar com editoras gringas e nacionais?
Dependendo da editora gringa, é a mesma coisa. Mas lá fora existem editoras de quadrinhos com uma estrutura muito maior, que pode bancar a produção dos artistas antes de esperar o resultado do público. Então você pode viver somente do seu trabalho. Outra diferença é a relação com editores que conheçam o mercado em que trabalham e ajudem os autores enquanto eles produzem o trabalho. Aqui no Brasil a maioria dos editores tem que trabalhar com a criação pronta. Quase não existe relação entre autor e editor no Brasil.

O começo não deve ter sido fácil. Qual foi a estratégia?
Nós queremos contar histórias em quadrinhos. Faremos o que for necessário. Só depende de nós, então vamos levar a sério. Essa foi a estratégia.

Vocês trabalham juntos o tempo todo ou cada um mantém seu trabalho solo?
Gostamos de trabalhar juntos o máximo possível, mas temos participado de projetos no exterior, com outros autores, e nesses projetos podemos trabalhar separados, pois quase sempre só um de nós pode desenhar tal história, enquanto o outro vai desenhar outra coisa.

Como vocês dividem o trabalho a quatro mãos?
A gente escreve as histórias junto e decide qual desenho combina mais, ou qual dos dois tem mais tempo pra desenhar.

Vocês não perderam a marca autoral para se adaptar ao mercado norte-americano. Foi difícil resistir às imposições do Tio Sam?
Você precisa saber o que quer da vida. Se você quer desenhar o Super-homem, não está se curvando a nada quando você chega lá e desenha o Super-Homem. Se você quer ser autor, escrever e desenhar suas histórias, o caminho é outro. Nenhum caminho é fácil, aliás fazer histórias em quadrinhos é difícil pacas, mas saber o que você quer te dá tranquilidade.

(Diario de Pernambuco, 30/01/2010)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O futebol salvou minha vida


Eric Bishop, o carteiro, encontra Eric Cantona, o ídolo

Cinema e futebol é combinação arriscada. À procura de Eric, que estreia hoje no Cinema da Fundação, está entre as poucas produções que valem a pena serem assistidas.

Não estranha que, assim como na paternidade do jogo, o mérito do filme seja dos ingleses. No caso, Ken Loach (Terra e liberdade, Pão e rosas), cineasta veterano e afeito a histórias e conflitos da classe operária. Curiosamente, o filme de Loach se alinha a outra estreia da semana, Invictus, em que o esporte cumpre determinante papel social.

À procura de Eric fala sobre a importância do futebol na vida de pessoas individualmente oprimidas, mas que coletivamente extravasam energias e lavam a alma. Há cenas de arquivo com gols e dribles fabulosos, mas o filme não está diretamente ligado à ação futebolística e sim no drama de um trabalhador anônimo. Eric Bishop (Steve Evets) é um carteiro de aspecto apagado e triste que tem como ídolo Eric Cantona, lenda viva do maior time de futebol da Inglaterra, Manchester United.

Eric vive numa casa mal-cuidada,perdido entre derrotas do passado (separação conjugal) e presente (desconsideração dos filhos adolescentes). Numa fossa daquelas surge Cantona (o jogador em pessoa), que dá conselhos estratégicos para o novo amigo retomar o controle da própria vida. O ponto de honra desse processo está no revide a um gângster que ameaça seu filho mais velho, oportunidade ideal para colocar em prática a truculenta operação Cantona, o que inclui máscaras e tacos de beisebol. Nada como um grupo de amigos para colocar as coisas no lugar.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2010)

O verde e ouro de Eastwood


Mandela (Freeman) e Pienaar (Damon): green and gold

Cada líder mundial tem o cineasta que merece. Bush teve Stone; Lula, Barreto. Nelson Mandela tem o luxo de contar com Clint Eastwood, autor de obra cada vez mais respeitável.

Mesmo causando estranhamento inicial, Invictus (EUA, 2009) tem envergadura suficiente para estar entre os melhores do diretor de Menina de ouro (2004) e Gran Torino (2008). E não será surpresa se o longa ganhar bom número de indicações ao Oscar na semana que vem. Aos 79 anos, Eastwood está em alta nos EUA - na última terça-feira foi eleito o astro mais popular do país, desbancando Johnny Deep e Denzel Washington e, quem diria, o eterno cowboy John Wayne.

Mestre em mapear luzes e sombras da cultura norte-americana, Eastwood transfere o foco para a recente transição político-social vivida pela África do Sul com a posse de Nelson Mandela e o fim do apartheid. Mandela é Morgan Freeman, escolha óbvia e inquestionável. O ator sempre quis o papel e o filme nasceu do encontro dele e o jornalista John Carlin,que escreveu o livro agora adaptado pelo filme. A publicação narra a reunificação racial que marcou os anos Mandela (1994-1999). O pivô desse processo foi o investimento no Springbocks, time de rúgbi mais querido dos afrikaner (ingleses nascidos na África).

Com a tranquilidade e eficiência de quem teve tempo para planejar cada ato, Mandela convoca o capitão do time, François Pienaar (Matt Damon) e inicia ali a relação veterano-aprendiz presente em outros filmes de Eastwood. O que incomoda é a ausência de revezes ou escuridão, comum na obra do cineasta. Mandela brilha como um anjo triunfante enviado à Terra.

Os 20 minutos finais, em que os Bucks disputam a final da Copa do Mundo com a Nova Zelândia, é uma aula de como filmar um estádio lotado de forma sensacional e contagiante. O embate entre os jogadores (o rúgbi é violento pra valer), enganchados e grunindo como animais, gera um momento à parte. A turma de seguranças negros, obrigados a conviver com a guarda branca que antes os perseguiam também rende boassituações. Damon, que equilibra a visão conciliatória de Mandela e a resistência histórica dos brancos (no time e na própria família), conseguiu uma de suas melhores atuações.

E Eastwood, mesmo ensolarado e positivo, continua invicto.

(Diario de Pernambuco, 29/01/2010)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Dia do Quadrinho Nacional ganha programação no Recife

No próximo sábado, 30 de janeiro, o Dia do Quadrinho Nacional será celebrado em vários estados do país.



Nesta data, há 141 anos, foi publicada a primeira história em quadrinhos produzida no Brasil: As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, série criada pelo italiano naturalizado brasileiro Angelo Agostini, publicada no periódico Vida Fluminense.

Em Pernambuco, a Faculdade Maurício de Nassau (Rua Guilherme Pinto, 114 - Graças) preparou uma programação especial, que antecipa a data para esta sexta, a partir das 13h, com a abertura da exposição Pré-história das histórias em quadrinhos.

A conferência inicial será sobre o tema, ministrada pelo professor e organizador do evento, Amaro Braga (foto). A seguir, haverá palestras sobre a utilização dos quadrinhos na escola (Henrique Magalhães, da UFPB), movimentos de produção dos quadrinhos no estado (Grupo Pada), o Festival Internacional de Humor e Quadrinhos (Laílson de Holanda) e jornalismo sobre HQ (eu).

O evento contará também com apresentação de vídeos e um workshop com o desenhista Pedro Ponzo sobre a produção de quadrinhos para o mercado norte-americano. O evento é aberto ao público e ainda traz as recentes publicações em quadrinhos feitas no estado e região. A entrada é franca. Informações: 3413-4611.

Fellini merecia mais



Nine (EUA, 2009) adapta musical da Broadway baseado no filme 8 e 1/2 (1963), de Federico Fellini. Assim se chama porque a trilha sonora, composta por Maury Yeston, valeria por mais meio filme.

A adaptação para o cinema é dirigida por Rob Marshall, que imprimiu sua marca com outro musical, o oscarizado Chicago (2002). Assim como o predecessor, Nine prende a atenção com imagens tão lindas quanto vazias.

Convidado pela Weinstein Company para fazer uma espécie de Chicago 2, Marshall dá continuidade à linguagem frenética e hiperproduzida que emprestou ao gênero. Para tanto, escalou as musas Marion Cotillard (Piaf, Inimigos públicos), Nicole Kidman e Penelope Cruz. E para o papel principal, o ator bissexto Daniel Day Lewis (Meu pé esquerdo, Sangue negro).





Todos emanam carisma, mas a produção se esvazia, nunca mergulha na essência de seu objeto. Resta ao filme lidar com as aparências ao redor de um artista em crise, perdido em memórias de infância e situações oníricas. Háoutra tentativa de legitimação (goela abaixo) via Sophia Loren, atriz de Fellini que permanece na ativa.

Após sequência inicial (alegoria que resume a história), o foco fecha em Guido Contini (Lewis), nome maior do cinema italiano. Seu novo filme, Itália, precisa ser rodado, mas ele ao menos conseguiu pensar em um roteiro. A mídia gera hype e expectativa, enquanto a angústia e o desespero dilaceram sua alma.

No novo filme, o diretor quer representar o que é ser italiano. Como bom Casanova, busca inspiração nas mulheres ao redor. Luisa (Cotillard, ótima), a esposa que abandonou carreira de atriz; Carla (Cruz), amante hospedada numa pensão barata; Claudia (Kidman, aérea), a grande estrela a la Cardinale; Stephanie (Kate Hudson), sedenta repórter da Vogue; Lili (Julie Dench), figurinista e suporte afetivo; e finalmente na mãe (Loren). Não poderia faltar o embate entre moral cristã (ele chega a pedir ajuda a um padre) e as tentações da carne, personificado na figura reminiscente da prostituta (Stacy Ferguson - a Fergie do Black Eyed Peas).

Como seu protagonista, Nine parece distante e perdido em impetuosas coreografias. Tematiza o cinema italiano dos anos 60, mas sequer chega perto de seu espírito. Diferente do cinema que homenageia, termina junto com a sessão, sem significado ou brechas a serem preenchidas. Ignora o fato de que, para um filme pernanecer na retina é preciso mais do que um espetáculo.


Em 8 e 1/2 Guido é vivido por Marcello Mastroiani

O mestre faz 90 anos
Se estivesse vivo, Federico Fellini (1920-1993) completaria 90 anos no último dia 20. Nascido na pequena comuna de Rimini, norte da Itália, ele introduziu sonho e fantasia no cinema moderno. O autobiográfico 8 e 1/2 é uma de suas obras mais celebradas. Foi assim batizado porque até aquele momento da carreira, o diretor italiano havia realizado dois curta-metragens, seis longas e co-dirigido outro longa (ou seja, meio filme). O filme marca o início da fase em que Fellini traz a psicanálise para sua obra, que não somente se volta para sua infância, como enxerga a cultura italiana através de arquétipos.

(Diario de Pernambuco, 28/01/2010)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Presença pernambucana em território holandês



A ponte que liga pernambucanos e holandeses é cruzada novamente, desta vez pelo cinema. Recife frio e Avenida Brasília Formosa, dois títulos da recente cinematografia local, integram a seleção oficial do Festival de Roterdã. Belair (RJ), de Noa Bressane e Bruno Safadi, completa o rol de brasileiros em Roterdã, um dos cinco grandes festivais do mundo ao lado de Cannes, Berlim, Veneza e Sundance.

Recife frio (Cold tropics), curta de Kleber Mendonça Filho (Vinil verde), participa amanhã e sexta-feira da mostra Spectrum, um panorama mundial não-competitivo. Avenida Brasília Formosa (Defiant Brasília), de Gabriel Mascaro (KFZ 1348), será exibido pela primeira vez nos dias 2 e 3 da mostra Bright Future. Os dois filmes têm em comum uma abordagem da cidade sob pontos de vista pessoais e intransferíveis.

Inédito, Avenida Brasília Formosa se aproxima de quatro moradores do bairro de Brasília Teimosa, logo após a intervenção urbanística que removeu palafitas e estendeu o logradouro que evoca o novo conceito para a antiga comunidade de pescadores. O conflito entre identidade nova e antiga (sugerido já nos primeiros minutos quando o ônibus com o itinerário "Brasília Teimosa" desliza sobre o asfalto) é o foco no qual se desenvolve o filme. Desprovidos de palafitas, seus protagonistas agora desafiam não apenas a expansão imobiliária, mas a imagens pré-concebida sobre seu cotidiano.



Multipremiado no último Festival de Brasília e eleito melhor filme (júri oficial e popular) no 13º Festival de Santa Maria da Feira (Portugal), Recife frio será apresentado esta semana em dois festivais. Hoje, na Mostra de Cinema de Tiradentes (MG); amanhã e depois, em Roterdã. "Em Brasília, fizeram uma associação entre Recife frio e o passado holandês da cidade. Vou checar se isso procede", diz o realizador. Se depender da boa resposta de público e crítica até o momento, tudo indica que sim.

Com cenas antológicas como o esvaziamento dos arranha-céus de Boa Viagem, uma praia de pinguins no litoral sul, o Rio Capibaribe transformado em bloco de gelo e participação de Lia de Itamaracá, o curta também integra a retrospectiva que o 22º Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse (sul da França) fará ao diretor, em março.

Antes de ir para Roterdã com sua Brasília, Mascaro faz escala em Tiradentes, onde exibirá o longa anterior, Um lugar ao sol. Lado a lado, os documentários provocam interessante contraste entre depoimentos de ultra-ricos nas coberturas e o cotidiano quase invisível (como a câmera de Mascaro) dos habitantes de Avenida Brasília Formosa.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2010)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Experiência jazzística longe da folia



Mesmo sem o principal patrocinador, o Garanhuns Jazz & Blues Festival confirma a terceira edição e divulga a grade de shows que será a principal opção para quem gosta de música e quer ficar longe do carnaval.

Entre 13 e 16 de fevereiro, apresentam-se na Praça Guadalajara Magic Slim (Chicago), Karl Dixon (Nova York), Azymuth (RJ), Esteban Sumar (Chile), Leo Gandelman (RJ), Celso Blues Boy (RJ), Tico Santa Cruz e Andreas Kisser (SP), Greg Wilson (SP) e Blues Mascavo (AL). O grupo chileno Esteban Sumar e o gaitista Marcelo Naves (SP) aguardam sinal verde para fazer as malas. O homenageado deste ano será o jornalista Ronildo Maia Leite, filho de Garanhuns falecido ano passado.

Desde que estourou o showgate da Secretaria de Turismo, que vinha apoiando o evento desde o início, o produtor e curador Giovanni Papaleo está na luta para captar o patrocínio integral de R$ 160 mil, orçamento que permitirá fazer mais palcos, descentralizar ações em áreas carentes e investir em mais workshops. Até o momento, há o aporte oficial da Prefeitura de Garanhuns, realizadora do evento, e da Chesf, que sexta feira passada confirmou seu apoio. Fabricantes e distribuidores de instrumentos (Bends, Roland, Odery, Band Musical, Orion) apoiam o evento não com dinheiro, mas com instrumentos a serem sorteados e bancando a vinda de músicos para ministrar workshops.

"Estamos tentando outros órgãos, mas o showgate bloqueou tudo. A Fundarpe disse que projetos consolidados estariam garantidos, mas não nos incluíram no calendário oficial", diz Papaleo, que aguarda o resultado do Funcultura sem cruzar os braços. "Normalmente, a gente recebe patrocínio em cima da hora. Se eu ficar esperando, não realizo nada. Os artistas sabem disso e baixaram seus cachês porque acreditam no evento". O trio Esteban Sumar, por exemplo, viaja com o patrocínio do governo de seu país. "Está mais fácil conseguir apoio com o governo do Chile do que com o nosso".

Há 15 anos Papaleo concilia sua carreira de baterista e compositor na Uptown Band com a produção de oficinas, shows e festivais de blues. Atualmente, produz o Garanhuns Jazz, o Oi Blues Festival (edição 2010 com Blues Etílicos e Willie "Big Eyes" Smith), o Jazz Porto, o Parnaíba Jazz (no Piauí) e agora planeja festival em Jaboatão dos Guararapes. Há três anos, a Prefeitura de Garanhuns o convidou para organizar o festival. A proposta se espelha no Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga (Ceará), evento paralelo ao carnaval numa cidade tradicional, turística e de temperatura amena. A diferença é que o evento cearense é dez vezes mais caro (custa R$ 1 milhão, via Lei Rouanet) e cobra pelo acesso aos shows principais. Em Pernambuco, é gratuito.

"Antigamente, a taxa de ocupação do carnaval de Garanhuns era baixa. No primeiro ano, atingimos 80%; em 2009 foi quase 100%, o que fez o evento ficar entre os três principais projetos de turismo do estado". Para este ano, a expectativa é lotar os hotéis da cidade. "Estamos mais experientes e esse ano temos atrações mais conhecidas", diz Papaleo.Bandas do interior e capital do Estado podem se candidatar a vaga pelo email contato@garanhunsjazz.com.br.

Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga
No maciço de Baturité, a 100 km de Fortaleza e 865 metros acima do mar, o Festival Jazz & Blues de Guaramiranga prepara sua 11ª edição com mais de 20 shows, exposições e oficinas. Paquito D'Rivera, Robertinho Silva, Magic Slim, Wagner Tiso, Rildo Hora e Uakti são algumas das atrações confirmadas para tocar no Teatro Rachel de Queiroz. O evento, que também acontece durante o canaval, ainda traz Carlos Malta, Viola de Arame, Harmônica Mercosul (Jeferson Gonçalves, Nicolas Smoljan e Gonzalo Araya), Chico Pinheiro, Márcio Resende e Artur Menezes. De 18 a 20 de fevereiro, fim de semana seguinte ao Carnaval, o festival desce a serra e aporta na capital com parte das atrações.

Saiba mais // Atrações do Garanhuns Jazz 2010

Azimuth
Fundado em 1970, o antológico trio de jazz-samba formado por Ivan Conti Mamão (bateria), Alex Malheiros (baixo) e José Roberto Bertrami (teclados) é internacionamente reconhecido e já tocou em todas as casas Blue Note do Japão, Itália e EUA.

Magic Slim
O bluesman de Chicago volta ao Brasil com a Blues Special Band, que o acompanha em shows na América Latina: Juan Codazzi (guitarra) e Gustavo Rubinsztein (baixo) e Adrian Flores (bateria).

Celso Blues Boy
Um dos responsáveis por dar sotaque brasileiro ao blues rock, o guitarrista carioca que se revelou com o hit Aumenta que isso aí é rock'n'roll agora lança DVD onde repassa mais de 30 anos de carreira.

Esteban Sumar
Trio de jazz instrumental formado pelos chilenos Esteban Sumar (guitarra), Andy Baeza (bateria) e Pablo Menares (baixo).

Leo Gandelman
Saxofonista, produtor, compositor e arranjador carioca, está na ativa desde 1977 e hoje acumula mais de 800 gravações.

Karl Dixon
Vocalista do grupo gospel Harlem Jubilee Singer de Nova York. Com participação de Gandelman no saxofone, o show será uma homenagem a cantores da soul music.

Greg Wilson
Natural do Mississipi, é um dos fundadores e frontman do Blues Etílicos, onde canta e toca guitarra e trompete. Em Garanhuns, ele toca com a banda veterana The Bluz, de Caruaru.

Tico Santa Cruz e Andreas Kisser
Vocalista do Detonautas e guitarrista do Sepultura se unem com a Uptown Band para um repertório bluseiro que inclui composições de Raul Seixas. Tico também participa do show de Celso, de quem é fã declarado.

Blues Mascavo
O grupo é de Alagoas, criado em 2007 e liderado pelo guitarrista inglês Peter Beresford e pelo gaitista e saxofonista Fred Hollanda. Como o nome sugere, eles procuram o som mais acústico, próximo das raízes do blues.

(Diario de Pernambuco, 26/01/2010)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Twilight Recife 23/01 17h45

Pesquisadora Valéria Vicente lança livro sobre o frevo



Entre a Ponta de pé eo Calcanhar: Reflexões sobre como o frevo encena o povo, a nação e a dança no Recife

Livraria Cultura - Paço Alfândega
quarta-feira, 03 de fevereiro - 19h

Um provocador no Recife



Assim que chegou ao Recife, na manhã de ontem, o encenador Antônio Abujamra pediu o número do telefone do escritor Ariano Suassuna. Quis convidá-lo para a peça Começar a terminar, escrita e dirigida por ele a partir da obra de Samuel Beckett. À tarde, o Diario ligou para o hotel em que está hospedado para conversar sobre a montagem e saber se, um ano depois, ele mantém o comentário dito a um jornal paulista, de que o teatro nordestino é uma cópia do que se faz no Rio e São Paulo.

"Estou dormindo. Desculpe", foram as únicas palavras proferidas pelo notório provocador. O produtor do espetáculo, Miguel Hernandez, contou que Abujamra não se lembra do que disse sobre o teatro feito aqui. "Muitas vezes ele fala não porque acredita ser verdade absoluta, mas como provocação. Só que aí a mídia retira uma frase do contexto e a frase adquire outro sentido". Por isso, justifica Hernandez, ele responde à imprensa somente via email. Por telefone, jamais.

Encenado no Brasil pela Companhia Anjos Pornográficos, Começar a terminar faz livre leitura sobre fragmentos da obra do dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989) que diz respeito à morte. Os textos principais são Ato sem palavras 1, From an abandoned work of art e Esperando Godot. O texto original foi escrito em 1970 pelo ator Jack MacGowran, com colaboração do próprio Beckett. Famoso por seu talento e carreira no cinema (Dr. Jivago, A dança dos vampiros, O exorcista), MacGowran morreu precocemente em 1973.

Criada há dez anos em Portugal, os Anjos Pornográficos já estavam marcados pela montagem Becketts (que adapta toda a obra do autor) quando souberam que a peça estava sendo retomada por uma companhia lusa. "Voltamos com a ideia de montamos nossa versão em 2008. Partimos do texto original, mas Abujamra reescreveu tudo com várias referências", conta Hernandez. "As pessoas já sabem o que esperar de Beckett, pois deixou muitas marcações fechadas. Por isso ele ficou muito cristalizado, não restou frescor".

Com a intenção de quebrar os cristais, dois atores (Hernandez e Nathália Corrêa) incorporam personagens tipicamente "becketianos". Como contraste, Abujamra assume a figura crítica, contra a forma estabelecida. "Em vez de acrescentar, a gente retirou elementos até sobrar o esqueleto. Nesse âmbito, passamos a questionar o que é Beckett", diz Hernandez.

Começar a terminar tem cenografia de J.C.Serroni, figurino de Hugo Rodas e direção musical de André Abujamra. chega à cidade via Correios / BR Petrobras, que promove a itinerância em Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife, onde pode ser assistido neste sábado e domingo, às 20h30, no Teatro Barreto Júnior (Rua Estudante Jeremias Bastos, s/nº - Pina). A entrada é franca.

(Diario de Pernambuco, 23/01/2010)

Como acumular milhas e despedir pessoas



A embalagem de Amor sem escalas (Up in the air, EUA, 2009) - inclusive o questionável título nacional - leva a crer que trata-se de mais uma comédia romântica de fórmula batida, daquelas que não exigem muito do público e rendem grande bilheteria para o produtor. Contribui o fato de George Clooney fazer o papel de Ryan, executivo solteirão, roupa impecável, que tem as mais pragmáticas convicções abaladas ao se aproximar de Alex (Vera Farmiga). No entanto, a assinatura de Jason Reitman (Obrigado por fumar, Juno) torna o que seria um filme raso num lobo em pele de cordeiro.

O que poderia ser puramente esquemático e previsível se torna uma visão corrosiva e bem humorada sobre os códigos sociais aparentemente desimportantes, mas que regem boa parte do que chamamos de vida moderna. Foco em cartões, senhas e mensagens sms, artifícios de conforto para um mundo solitário, cruel, impessoal.

Especialista em demitir pessoas, Ryan surfa feliz em plena depressão econômica, que há menos de dois anos levou milhares de norte-americanos a serem dispensados de seus empregos. Seu ofício exige doses de cinismo, improviso e sinceridade. Como o país é grande, ele dispensou um endereço fixo para viver entre aeroporto e hoteis. Suas posses materiais se resumem a uma bagagem de mão elegantemente arrumada, símbolo de um lifestyle cinco estrelas, sem amarras e reproduzido em palestras motivacionais.

Problemas surgem quando seu modo de vida é ameaçado pela novata Anna (Natalie Keener), disposta a revolucionar seu trabalho com um sistema de demissão por videoconferência. Ambiciosa porém inexperiente, a garota precisa aprender as malícias do jogo com Ryan. Enquanto isso, desfilam rostos inconsoláveis de trabalhadores cujos serviços não são mais necessários. Reitman trata tudo sem comoção. O ponto de vista é dos vencedores.

Inicialmente, Ryan e Alex são o exemplo perfeito do capitalismo aplicado às relações humanas. Antes do sexo, preliminares incluem exibicionismo de cartões. Impedimentos surgem quando ele respira e arrisca o menor envolvimento. No momento mais sofrido, ele atinge a meta de acumular um número surreal no programa de milhas, comemorado em conversa com o comandante da companhia aérea (Sam Eliott) - um dos melhores momentos do filme.

O longa (melhor roteiro no Globo de Ouro, indicado em cinco outras categorias) surpreende pela sinceridade com que os personagens se relacionam. Mas seu teor crítico poderia ir mais longe não fosse o gritante aspecto publicitário. O tempo todo saltam logomarcas como as do Hotel Hilton, um dos parceiros comerciais da Warner Brothers, ao lado da American Airlines.

(Diario de Pernambuco, 22/01/2010), com alterações e acréscimos

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Fascínio dos repentistas do Sertão nordestino



Após sete décadas convivendo com declamadores, apologistas e repentistas do Sertão nordestino, o paraibano Zé de Cazuza arregaçou as mangas e registrou seu conhecimento em livro. Em quase 400 páginas, Poetas encantadores apresenta o trabalho de 66 poetas. Alguns são famosos, como Pinto do Monteiro, Rogaciano Leite e Lourival Batista, o Louro do Pajeú. Outros são conhecidos somente por quem é do meio. Lançado há três anos e com duas edições esgotadas, o livro chega agora à terceira edição, ampliada e comemorativa dos 80 anos do autor, nascido no município de Prata, no Cariri paraibano. O volume será lançado hoje, às 16h, na Cachaçaria Matulão, que funciona no Mercado da Boa Vista. A entrada é franca. O livro custa R$ 50.

Poetas encantadores foi escrito praticamente a partir das memórias e andanças de Zé de Cazuza com Manuel Filó, Manuel Xudu e Geraldo Amâncio. "Gravei tudo no juízo. Fiz o livro tirando da minha cabeça", garante. O autor não virou as costas para a nova geração. Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, também está representado.

José Nunes Filho, Zé de Cazuza nasceu no sítio Boa Vista, na cidade de Monteiro. Começou a frequentar as cantorias aos cinco anos. Aos seis, já guardava versos na cabeça. Quando se mudou para a zona rural de Prata, foi vizinho de Zé Marcolino, mestre cantado por Luiz Gonzaga. Há cinco anos, foi reconhecido como Mestre das Artes da Paraíba, equivalente ao registro do Patrimônio Vivo de Pernambuco. Hoje vive no sítio São Francisco, onde trabalha com agricultura e criação de gado. Nas palavras de Jansen Filho, Zé de Cazuza é um "misto de vaqueiro e poeta, alma coberta de sol e poesia". Segundo o folclorista Francisco Coutinho Filho, no livro Violas e repentes, de 1953, ele é "o mais apurado admirador sertanejo da nossa poesia brava".

A veia lírica corre pela família. Seu pai foi o cordelista Cazuza Nunes. De seis filhos, três seguiram carreira artística. Miguel Marcondes e Luís Homero vieram para o Recife e há dez anos fundaram o grupo Vates e Violas; já Felizardo Moura é famoso apresentador de vaquejadas. "As pessoas alertaram que ele estava cedendo material que ele mesmo poderia registrar", diz o Marcondes, sobre a necessidade do registro das memórias do pai em livro. "Ele passou a vida elogiando e recitando grandes cantadores. Um dia, ele percebeu que é um deles".

Zé de Cazuza diz que há uma infinidade de modalidades de cantorias e repentes. Em menos de um minuto, ele lista o desafio, o lirismo, o trocadilho, a irreverente, a narrativa, o mote, o tema e a satírica. E não torce o nariz para a produção urbana, distante dos assuntos clássicos do repertório matuto. "A poesia é boa em todo campo que ela for bem feita. Há os que martelam por muito tempo e não conseguem e os que fazem repentinamente e fica bonito".

(Diario de Pernambuco, 22/01/2010)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Estreia // Longa desvenda alma do "Doutor do Baião"



O cinema brasileiro tem prestado um belo serviço ao narrar episódios e biografias do universo da música. O problema é que parte dessa filmografia é servil à temática e fala somente para o público diretamente ligado a um artista, gênero musical ou uma época da MPB.

Nesse contexto, O homem que engarrafava nuvens (Brasil, 2009), novo longa-metragem de Lírio Ferreira, é uma exceção. Obra autônoma, ao mesmo tempo em que satisfaz os seguidores do baião ao contar a história de seu criador, Humberto Teixeira, não depende disso para se afirmar enquanto filme.

Aqui o foco está em Teixeira (1915-1979), advogado cearense, autor de Asa branca, No meu pé de serra, Qui nem jiló, Assum preto, Baião, entre 400 outras composições. Mas com tantas personalidades obscuras na música brasileira, por que motivo o diretor de Baile perfumado (1996) e Árido movie (2005) aponta a câmera para o parceiro de Luiz Gonzaga? A resposta está na atriz Denise Dummont, filha do "doutor do baião". Produtora do longa, ela convidou Lírio para dirigir sua investigação. Este é seu segundo documentário - em 2007, ele codirigiu com Hilton Lacerda Cartola - Música para os olhos.

O homem que engarrafava nuvens segue a mesma linha, que reúne imagens de arquivo e interpretações de gente famosa como David Byrne, Chico Buarque, Maria Bethânia, Gilberto Gil e os pernambucanos Alceu Valença, Lenine, Lirinha e Otto. Muitos cantam num show especialmente produzido para o filme. A estratégia funciona e se desdobra em duas frentes. Numa, a importância do baião é dimensionada e colocada em perspectiva na história da MPB. Em outra, Denise redescobre seu pai em depoimentos de amigos e familiares de Iguatu (cidade natal de Teixeira) a Nova York, onde o encontro com a mãe gera momento decisivo para a identidade do filme.

(Diario de Pernambuco, 15/01/2010)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Primeira sessão lotou o Cine São Luiz

Do lado de fora, palhaços de perna-de-pau fazem malabarismos. Vendedores de pipoca e cachorro-quente a todo o vapor. Muita gente na fila. A descrição pode lembrar um dia de circo, mas trata-se da aguardada volta do Cine São Luiz. O cinema-monumento voltou a funcionar ontem, em regime de teste. Mais de 600 pessoas compareceram.

Durante o dia, carros de som divulgaram a reabertura pelo centro da cidade. Por volta das 15h, já havia aglomeração de pessoas para garantir uma vaga. A fila dobrava duas esquinas em direção a Av. Conde da Boa Vista. Na esquina oposta, dois geradores garantiram a eletricidade necessária para tudo funcionar. De acordo com Rodrigo Coutinho, assessor de comunicação da Fundarpe, o problema com a energia elétrica será resolvido no decorrer do dia de hoje.

“Ele é muito importante para a cidade, não dava pra ficar sem”, disse o cineasta Fernando Spencer, presente para a exibição de seu último curta, Nossos ursos camaradas, que antecedeu o longa Baile perfumado. “É uma grande honra. Em toda a minha carreira, inclusive como crítico de cinema por 40 anos no Diario de Pernambuco, nunca imaginei em ver um filme meu exibido na tela grande do São Luiz”.

Sob aplausos, Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe, disse que a missão está cumprida. “O cinema está entregue à população, que faz essa imensa nação cultural chamada Pernambuco”.

Ao entrar no salão, exuberante, as pessoas observavam tudo, menos para a tela. Até que a luzes se apagaram e só havia um lugar para olhar. A sessão pode começar.

Antes dos filmes anunciados, houve a projeção de trailers dos próximos longas: Lula - o filho do Brasil e O homem que engarrafava nuvens. Ambos foram aplaudidos efusivamente.

O público achou graça da semelhança entre os slogan dos dois filmes: "Você sabe quem é esse homem, mas não conhece sua história" (Lula) e "Você sabe quem é esse homem?" (O homem...)

Até a próxima sexta-feira, o São Luiz oferece sessões gratuitas, sempre às 19h. Os filmes de hoje são Até o sol raiá, de Fernando Jorge e Leandro Amorim e Orange de Itamaracá, de Franklin Júnior.

(Diario de Pernambuco, 13/01/2010)
*com acréscimos

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Cine São Luiz passa por testes



Após uma série de mudanças, o São Luiz abre as portas a partir de hoje. A alteração que interessa diretamente ao público diz respeito à programação, que ainda não está completamente definida. Até sexta-feira haverá sessões gratuitas, às 19h, em regime de teste, para até 500 pessoas.

A bilheteria abre às 17h para a retirada de senhas, por ordem de chegada. O filme inaugural será Baile perfumado. Antecede o curta Nossos ursos camaradas. Anunciado para esta sexta, o longa Lula - o filho do Brasil deve chegar ao São Luiz no dia 22. O atraso preservará o lucro dos cinemas comerciais. Caso o São Luiz insista na ideia de exibir filmes do circuitão, uma sala de 900 cadeiras com ingresso a R$ 4 pode ser uma ameaça. O homem que engarrafava nuvens, de Lírio Ferreira, está na pauta.

A volta soft open do São Luiz é questão de honra para a Fundarpe, que coloca o cinema para funcionar na data prometida, mesmo que sem condições para tanto. A começar pela sub-estação elétrica, que entrou em pane nodia 28 de dezembro e ainda não foi reparada. Assim como a sessão inaugural, as desta semana serão movidas a gerador de energia. Fora do horário dos filmes, o São Luiz continua no escuro, à espera de uma peça que resolverá o apagão. Além disso, com exceção do projecionista, não há pessoal específico para trabalhar no cinema. Não há ao menos bilhetes para serem vendidos. Nesses primeiros dias, senhas serão distribuídas ao público por funcionários, que também farão a limpeza e a segurança.

Nada disso é de estranhar, considerando o histórico de atrasos, conflitos e improvisos que têm marcado a reinauguração do São Luiz. Inicialmente anunciado para o dia 9 de dezembro, o cinema foi inaugurado, somente para convidados, no último dia 28. Não por restrições na agenda do governador ou porque os Irmãos Luimére fizeram a primeira projeção da história neste dia, como a assessoria de imprensa da Fundarpe justificou. Simplesmente a reforma não estava pronta.

Capítulo à parte foi o embate entre Lula Cardoso Ayres Filho - até então tido como curador do São Luiz - e Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe. Sem sequer ter assumido a função, Ayres permanece afastado do cinema que ajudou a restaurar. "Me senti usado. Depois que as licitações estavam prontas, fui gradativamente sendo afastado do projeto. Assinei um contrato de gestão cultural que vale até 19 de fevereiro, mas até agora ninguém me procurou para dizer nada".

Em resposta ao silêncio, Ayres faz questão de dizer que sua divergência com a Fundarpe é conceitual. "Sonhei em trazer de volta o verdadeiro São Luiz, não só em sua forma física, que servirá de palco das ações da Fundarpe. Primeiro eles queriam inaugurar o cinema com o Festival de Vídeo. Depois, era com a Conferência Estadual de Cultura. Eu me opus a isso, porque antes de tudo, o São Luiz precisa retomar sua identidade".

No último dia 30, data em que o Diario de Pernambuco publicou entrevista em que Ayres denuncia o escanteio, um comunicado oficial foi enviado à imprensa pela Fundarpe, anunciando a criação de uma curadoria coletiva. Na primeira reunião, semana passada, o grupo declinou da função. Optou pelo caráter consultivo. A escolha e disposição dos filmes agora fica na mão da coordenadoria de cinema da Fundarpe, avalizada pelo conselho consultivo.

Presidido por Carlos Carvalho (diretor de Políticas Culturais) e Carla Francine (coordenadora de audiovisual), o conselho consultivo será formado por doze entidades ligadas ao audiovisual e terá reuniões mensais para discutir as diretrizes não somente do São Luiz, mas dos demais cinemas geridos pelo Estado. Fazem parte da comissão Isabelle Cribari (Fundaj), Paulo Cunha (UFPE), Osman Godoy (Fórum do Audiovisual), Cynthia Falcão (ABD-Apeci), Gê Carvalho (Fepec) , Andréa Mota (Cine Escola), João Jr. (ABPA), Adelmo Aragão (Diretor de Difusão Cultura da Fundarpe) e Geraldo Pinho (Mispe). Não há representantes da prefeitura do Recife.

Uma das primeiras ações do comitê foi nomear Geraldo Pinho como consultor técnico e Cristiano Régis como gestor administrativo. "O trabalho derestauração está muito bem feito. O São Luiz está um brinco. Agora precisamos criar uma rotina de cinema, estudar a dinâmica do centro e fazer do São Luiz o cinema que a cidade merece", diz Pinho.


Programação

Terça-feira (12)
- Nossos ursos camaradas (2009, 12 minutos), de Fernando Spencer
- Baile perfumado (1996, 93 minutos), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas

Quarta-feira (13)
- Até o sol raiá (2007, 12 minutos), de Fernando Jorge e Leanndro Amorim
- Orange de Itamaracá (2006, 78 minutos), Franklin Júnior

Quinta-feira (14)
- Ave Maria ou mãe dos sertanejos (2009, 12 minutos), de Camilo Cavalcante
- KFZ-1348 (2008, 81 minutos), Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso

Sexta-feira (15)
- Cachaça (1995, 13 minutos), Adelina Pontual
- Deserto feliz (2007, 88 minutos), Paulo Caldas

(Diario de Pernambuco, 12/01/2010)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Os Beatles voltaram



Não é montagem.

A imagem faz parte da sessão em 1969, que rendeu uma das fotos mais famosas e parodiadas do mundo.

Cena do Recife Antigo

Cartum de Jarbas é premiado na Amazônia



O cartunista Jarbas, da equipe de arte do Diario de Pernambuco, foi um dos destaques do 2º Salão Internacional de Humor da Amazônia, realizado em Belém do Pará. O evento, que terminou dia 27 de dezembro, concedeu menção honrosa ao artista pernambucano, que participou com o cartum intitulado Pássaros. O trabalho de Jarbas concorreu entre 70 selecionados para o tema "ecologia". No segundo tema, "chuva", foram mais 50 cartuns. No total, artistas de 29 países participaram do salão.

Elaborado em dois tempos, o cartum de Jarbas brinca com a percepção ao colocar num primeiro quadro um homem que contempla uma árvore. No segundo quadro, descobre-se que a árvore é na verdade uma antena, e longe de admirar a natureza, a intenção do personagem é simplesmente assistir TV. "É uma reflexão sobre o desmatamento e o total desinteresse por outras criaturas do planeta", diz Jarbas.

Antes mesmo de se tornar pauta do dia, a ecologia tem sido abordada por cartunistas de todo o mundo. "Há muito tempo estamos destruindo a natureza. Por isso, o cartum sobre ecologia tem prazo de validade enorme", diz Jarbas. Dificil é manter a originalidade com tantas imagens circulando por aí. "Hoje há muitos salões abordando o tema e a produção é cada vez maior. Do ponto de vista da criação, é preciso ter cuidado, pois nem sempre a primeira ideia é original. Os temas estão se repetindo muito. Por isso, a comissão julgadora precisa ter conhecimento amplo do que circula por outros salões para não premiar a mesma ideia duas vezes".

Em doze anos de carreira, Jarbas acumula cerca de 25 prêmios e menções honrosas nas categorias cartum, história em quadrinhos, ilustração e design gráfico. Não é de hoje que ele concilia a arte de fazer rir com temas com profundidade ecológica. Dentro do mesmo assunto, cartuns de sua autoria foram premiados em 2008 no Salão de Brasília (1º lugar) e, em 2005, no Festival Nacional de Estância Paraguaçú, em São Paulo (3º lugar).

"Moramos em uma região onde a natureza é violentada a cada dia", diz o cartunista Biratan Porto, idealizador e coordenador do Salão da Amazônia, como justificativa para o tema fixo estabelecido pelo evento. Os melhores trabalhos (selecionados por uma comissão formada pelos cartunistas Fernando Gonsales, Orlando Pedroso, Laílson de Holanda, pelo pesquisador paraense Luiz Fernando Carvalho e por Jaime Bibas, presidente do Instituto de Artes do Pará) provocam o riso num primeiro momento, para então despertar a amarga consciência do processo coletivo de auto-destruição.


Mascote verde, de Angel Boligán Corbo (México)


Zorros, de Leslie Ricciardi (Espanha)

É o caso de Pássaros, de Jarbas, Mascote verde (2º lugar tema "chuva"), do mexicano Angel Boligán Corbo, e Zorros (1º lugar tema "ecologia"), do espanhol Leslie Ricciardi. "Esse é o sentido da mostra. Você ri do que vê, mas logo percebe que está inserido naquele contexto, que faz parte deste mundo", diz Biratan.

(Diario de Pernambuco, 10/01/2010)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sugestão do dia // Revista Boca nº 2



A imagem é de André Ducci.

Faz parte da segunda edição da revista Boca (Editora Paés, R$ 20), a sugestão do dia do Quadro Mágico.

Site aqui.

Como diz o slogan deles, "uma revista sem palavras".

A revista acaba de sair e traz material produzido por designers, grafiteiros, ilustradores e fotógrafos.

No Recife, o lançamento foi no fim de dezembro. Em São Paulo, será na próxima quarta (13/01), 19h, na R. Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 297 - Pinheiros.

Para comprar, (81) 3445-4869

Show // Big band antecipa carnaval


Fotomontagem: Beto Figueirôa

Mais do que manifesto musical, Original Olinda Style é um modo de vida cultivado nas ladeiras da cidade-patrimônio. Vez em quando ele transmuta para novas formas como a que vem à tona neste sábado, a partir das 22h, no Mercado Eufrásio Barbosa (Varadouro).

Original Olinda Style - a festa, é fruto da união de forças das bandas Eddie e Orquestra Contemporânea de Olinda. Essa é a primeira edição do projeto, que pretende circular o país e coloca 16 músicos no palco, uma big band pra ninguém botar defeito. Para completar o time, foram escalados Lula Queiroga, Rogerman (Bonsucesso Samba Clube), Gabriel Melo (Academia da Berlinda) e os DJs das noites cubanas Edinho Jacaré e Waldir Português.

Percussionista e idealizador da OCO, Gilú assina a direção artística com Fábio Trummer, líder da Eddie. "Vai ser uma festa bem pra frente, dançante, no clima de prévia carnavalesca", diz Gilú, que adianta a dinâmica do show. "Começa com quatro vocalistas cantando o repertório da Orquestra: Tiné, Maciel Salú, Fabinho e Urêa, que toca percussão comigo. Andret, que toca teclado na Eddie, também participa. Depois entra a Eddie, que toca com arranjo de metais da Orquestra. No final todo mundo sobe no palco, será a apoteose".

Além do repertório dos dois grupos, Rogerman traz os clássicos Carimbó ladrão e O samba chegou; Lula Queiroga canta Energia e Vida boa, da Eddie; e Gabriel Melo, Cumbia do passarinho e Envernizado. Todas elas ganharam novos arranjos, inclusive a música Ciranda de maluco (Otto). Os ingressos custam R$ 40 (na hora) e R$ 20 (meia-entrada ou antecipado). Informações: 9113-4319.

(Diario de Pernambuco, 08/01/2010)

Sherlock Holmes com mais adrenalina



Ele voltou, revisto e atualizado para o século 21. Nada mais justo com o pai de Bond, Poirot, Tracy, Batman e Clouseau, que continuam circulando por aí. O remake traz a marca de Guy Ritchie, diretor dos longas Snatch - porcos e diamantes e Rock'n'rolla. O filme é ambientado na Inglaterra vitoriana, mas com recursos de edição que aceleram e retardam o tempo e o movimento dos personagens, quebra com a imagem aristocrática e empolada do universo criado por Sir Arthur Conan Doyle.

O novo Holmes quer se comunicar com plateias jovens e sedentas por cenas de sangue, perigo e senso de humor. Houve algo parecido nos anos 80, com O enigma da pirâmide, que aproveitou a febre Indiana Jones para apresentar um Sherlock Holmes adolescente em ritmo de aventura. A diferença - além do punch dos filmes de Ritchie - é que agora a parcela madura que busca o clima dos livros de Doyle está contemplada.

Sherlock Holmes (EUA, 2009) é mistura de policial com filme de ação, mas entre a atividade cerebral e física, vence a última. Enquanto os herois coletam pistas, procuram passagens secretas e solucionam mistérios em parceria com a Scotland Yard, eles esmurram, atiram, pulam barris, escapam de explosões e armadilhas mirabolantes. Não é de hoje que adrenalina vende mais do que neurônios.

Holmes tem personalidade arrogante, impulsivo e perspicaz e nesse sentido a escolha de Robert Downey Jr. para o papel foi um acerto. Seu recente sucesso como o herói dos quadrinhos Homem de ferro, combinado com o carisma de Jude Law como o detetive associado Dr. John Watson, tem atraído muita gente aos cinemas - nos EUA, em apenas dois fins de semana, o filme arrecadou quase US$ 120 milhões.

Se a baixa estatura de Downey Jr. não alcança a do personagem original (que tem mais de 1,80 de altura), sua personificação evita a armadilha fácil da caricatura eternizada pelo chapéu de duas abas, lupa em punho e cachimbo na boca. Na imagem do novo Holmes, só o cachimbo sobrevive. Também foram mantidas características essenciais comoa astúcia, o poder de dedução, o conhecimento científico e a obsessão pelo violino.

Detetive associado, médico e narrador das aventuras, Watson é o provável alter-ego de Doyle, que também exercia a medicina. Sensato e ponderado, ele faz o contraponto à personalidade hiperativa e propensa ao álcool de Holmes. Discretamente, o filme sugere que a dupla que divide o primeiro andar do 221-B da Baker Street cultivava algo mais do que amizade. Um dos indícios é que, na trama, mulheres ameaçam constantemente o equilíbrio da dupla.

Primeiro num jantar a três, em que Mary Morstan (Kelly Reilly), pretendente a Sra. Watson, tem seu passado dissecado pelo olho clínico de Holmes. Logo depois, quando a agente dupla Irene Adler (Rachel McAdams) surge para confundir seu senso de lógica. Adler foi contratada pelo Templo das Quatro Ordens, organização secreta liderada por Lorde Blackwood (Mark Strong), cuja ambição é maior do que sacrificar garotas inocentes em rituais de ocultismo.

Inicia aí um embate entre razão versus forças sobrenaturais, que no fim da fita será elucidado por Holmes em menos de um minuto. Ele também é pai daquela dupla do desenho animado, mas o mito merecia mais do que um final Scooby Doo.

Saiba mais

Sherlock Holmes foi criado pelo médico e escritor britânico Sir Athur Conan Doyle (1859 - 1930). Ao longo da vida, ele escreveu 60 histórias sobre o detetive.

A popularidade de Holmes sempre foi alta. Tanto que quando Doyle o matou para não se ver obrigado a escrever continuamente, protestos dos leitores o fizeram ressuscitar o personagem.

A antológica frase "Elementar,meu caro Watson" não se encontra na obra original, mas sim nas adaptações para oteatro, cinema e TV.

A primeira adaptação do personagem foi feita pelo diretor e ator de teatro William Gillette, no fim do século 19.

123 filmes para cinema e TV trazem no título o nome do detetive inglês (fonte: IMDB.com). O mais antigo data de 1908. Outros são As aventuras de Sherlock Homes (1939), de Alfred L. Werker, O cão dos Baskerville (Inglaterra, 1959), de Peter Cushing e A vida íntima de Sherlock Holmes (1970), de Billy Wilder.

Sherlock Holmes e Dr. Watson já foram retratados na adolescência no filme O enigma da pirâmide (1985), dirigido por Barry Levinson e produzido por Steven Spielberg.

No Brasil, Sherlock Holmes foi adaptado por Jô Soares no livro O Xangô de Baker Street, que virou filme estrelado por Joaquim de Almeida.

Além de Robert Downey Jr., Peter O'Toole, Roger Moore, John Cleese, Christopher Lee, Christopher Plummer, Charlton Heston, Jonathan Price e Frank Lagella já estiveram no papel de Holmes.

No prédio 221-B da Baker Street, onde na imaginação de Conan Doyle trabalhavam Sherlock Holmes e Doctor Watson, hoje abriga o Sherlock Holmes Museum. O primeiro andar é mantido com decoração vitoriana e objetos que viraram marca registrada do detetive, como o chapéu, a lupa e o cachimbo.

No fim de semana de estreia nos EUA, Sherlock Holmes liderou as bilheterias, antes dominadas por Avatar e Alvin e os esquilos 2.

(Diario de Pernambuco, 08/01/2010)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Olhar crítico sobre a violência



Hoje, à meia-noite (23h no Nordeste), a TV Brasil leva ao ar a série Lutas.doc, que discute a violência implícita e explícita no dia a dia dos brasileiros. Produção independente da Gullane e Buriti Filmes, a série questiona mitos recorrentes na mídia, políticos e livros escolares, de que o Brasil é o país do futuro, predestinado à grandeza, sem guerras ou conflitos raciais. A intenção dos diretores Luiz Bolognesi e Daniel Augusto é despertar o olhar crítico, inclusive do público jovem. Para isso, utilizam recursos como clipes de ação animados, citação a filmes da cinematografia nacional e trilha sonora à base de guitarras, baixo e bateria.

Em cinco capítulos, o programa entrevista personalidades que abordam o assunto sem rodeios: da política, participam o presidente Luís Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a senadora Marina Silva; entre os intelectuais, há depoimentos do historiador Luís Mir, o economista Eduardo Giannetti, a filósofa Márcia Tiburi, o cronista Ferrez,o psicanalista Contardo Calligaris e o jornalista Gilberto Dimenstein. Cada capítulo será transmitido nas terças-feiras, às 23h (22h no Nordeste), com reprise nas quintas-feiras, às 0h (23h no Nordeste).

O primeiro episódio, Guerra sem fim?, busca as raízes da cultura da violência no massacre dos índios iniciado pela Coroa Portuguesa. O segundo, Recursos humanos, continua a desenvolver o tema, desta vez com foco na exploração dos negros. O programa ganha profundidade e relevância ao conectar a cultura escravista, que aparentemente ficou no passado, com o nosso cotidiano. Por exemplo, eles apresentam a Rodovia Bandeirantes, assim batizada para homenagear os paulistas que partiam em "expedições civilizatórias", que atravessa ruas com nomes de povos indígenas por eles exterminados. Assim, afirma o que poucos querem admitir: que as relações servidão / exploração estão no DNA do brasileiro como uma herança maldita, inconsciente e disfarçada pela eterna imagem do homem cordial.

(Diario de Pernambuco, 07/01/20100

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Magic Slim, de volta ao Brasil



O bluseiro de Chicago Magic Slim está de volta ao País, onde tocou pela última vez em 2008.

Blues pra quem não tem samba no pé. No Nordeste ele toca durante o Canarval, em Pernambuco no Garanhuns Jazz Festival (Greg Wilson e Celso Blues Boy também na programação) e no Ceará no Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga, que este ano ainda traz Wagner Tiso, Rildo Hora, Uakti e Victor Biglione.

Magic Slim vem ao Brasil com a produção do baterista argentino Adrian Flores. A banda se completa com o guitarrista Juan Codazzi e o baixista Gustavo Rubinsztein, músicos que acompanham bluesman pela América Latina, entre eles Phil Guy (irmao de Buddy Guy), Eddie C. Campbell e John Primer.

No post abaixo, publico entrevista que fiz com Magic Slim para o Diario de Pernambuco, quando o músico encerrou a edição 2008 do festival itinerante Oi Blues by Night.

O embaixador do blues de Chicago

A edição 2008 do Oi Blues by night se despede em grande estilo, trazendo na noite de hoje, às 20h, no Teatro de Santa Isabel, dois shows de primeira categoria: Stanley Jordan e Magic Slim. Ao contrário do ano passado, é Jordan quem inicia a programação, com apresentação inédita baseada em seu novo álbum, o elogiado State of nature. No Brasil, ele está em plena turnê de lançamento - após o Recife, ele toca em mais oito cidades acompanhado de Dudu Lima (baixo) e Ivan "Mamão" Conti (bateria). Para amanhã, ele confirma sessão de autógrafos do CD, às 19h, na Livraria Cultura.

Se B.B. King é o rei, Magic Slim é o embaixador do blues: aos 71 anos, ele mantém uma agenda anual com pelo menos 220 shows pelo mundo. No Recife, ele toca acompanhado do grupo argentino Blues Special Band. De acordo com seu empresário, Michael Blackmore (sobrinho do gaitista Junior Wells), o repertório é completamente imprevisível, pois depende do "felling" do guitarrista e da respostada platéia que , em 2007, pegou fogo no Teatro da UFPE.

Na entrevista a seguir, Slim contou episódios de uma vida que começou nos campos de algodão do Mississipi, e que encontrou seu sentido no blues elétrico de Chicago. Apenas um aperitivo para o show de hoje à noite.

Entrevista // Magic Slim: "Blues é sentimento, ele precisa vir do coração"

Como foi seu começo como artista?
Sou de uma família de fazendeiros do Mississipi, onde vivi até os 18 anos, quando parti para Chicago. Quando cheguei lá, não tinha muito dinheiro, e fui trabalhar na construção civil. As pessoas diziam que eu não podia tocar, mas eu queria o blues, e assim continuei.

Como Morris Holt se tornou Magic Slim?
Eu e Magic Sam (grande guitarrista falecido precocemente em 1969) costumávamos ir à escola juntos, no Mississipi. Eu tocava contrabaixo com ele, e como eu era magro e alto, ele começou a me chamar de Magic "slim" (magro, em inglês). Antes de morrer, ele disse para eu manter esse nome, porque ele iria me tornar famoso. Isso faz muito tempo. Eu não sou famoso ainda, mas esse nome funciona bem!

Como se deu o acidente em que você perdeu o dedo mínimo?
Quando eu tinha 14 anos, trabalhava com um descaroçador de algodão no Mississipi, onde nasci. Prendi minha mão direita por acidente, e quase perdi a mão toda.

Como aprendeu a tocar blues?
Em casa. No quarto da minha mãe tinhaum violão no alto de uma parede. Eu pegava escondido, pois se ela me descobrisse com o instrumento, me batia. Foi assim que eu comecei a tocar.

Você aprendeu sozinho?
Sim. Eu não sei ler música, então, eu aprendi escutando. No começo, eu só tocava bluegrass (música tradicional derivada do country). Até eu ouvir pela primeira vez uma música de John Lee Hooker, Boogie Chillum. Foi o primeiro blues que aprendi a tocar num violão.

E quando você mudou pra guitarra elétrica?
Quando fui a primeira vez a Chicago, graças a um emprego em que lavava pratos com minha irmã, consegui comprar uma guitarra Sears Roebuck Silvertone. No começo achei um pouco difícil de tocar, pois o som era muito gritante. Hoje é meu instrumento preferido.

O que você acha do blues feito pelas novas gerações?
Eles tocam bem, mas eu digo: não coloquem tanto rock no blues. Não faz bem misturar.

O que o blues significa para você? O que te mantém tocando blues aos 71 anos?
(Pausa antes de falar) Blues é sentimento. Por isso, para tocar blues, ele precisa vir do coração. Eu me sinto bem quando toco o blues. Para mim, é como uma religião. Eu não saberia mais o que fazer hoje, a não ser tocar o blues.

(Diario de Pernambuco, 16/11/2008)

Sugestão do dia // "Que lei, que nada", de Trelles



Dedos de prosa do amigo Trelles, vulgo André Telles do Rosário, o paulista.

Contos malditos de sexo, violência e algum amor. Direto da Boa Vista, centrão do Recife; da Nave Maria; de um coletivo que liga Boa Viagem à Cidade Universitária; que convergem a um locus existencial, itinerante, sem endereço certo.

Volume 1 da Coleção Lítera Tara, Livrinho de Papel Finíssimo Editora.

Na trejetória de doze anos no Recife, Trelles lançou outrora o livro de poemas Vou-me embora pra Sorocaba!, os visionários encontros da poesia marginal Chá das cinco (com França - in memoriam, Miró, Fernando Chile) e as edições guerrilheiras Itinerário Zero.

Contato para obter cópias de Que lei, que nada: livrinhoeditora@gmail.com .

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Shiko cria pin up para a revista Trip



Valentina Buzatti é a primeira garota ilustrada a posar para a revista Trip.

Entre trompetes e discos de vinil, ela saiu da imaginação do artista paraibano Shiko. Mas facilmente entrará na sua.

Para ver o ensaio, clique aqui.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A Falecida Restaurada



A Petrobras e a Cinemateca Brasileira acabam de lançar a cópia restaurada de A falecida, longa-metragem de Leon Hirszman rodado em 1965 a partir da obra de Nelson Rodrigues. O DVD faz parte do projeto de restauro digital da obra do cineasta nascido em 1937 e falecido 50 anos depois em decorrência de debilitações provocadas pelo vírus da Aids. Carioca de origem judaica, Hirszman é considerado um dos maiores expoentes do cinema nacional. Seus principais filmes são Eles não usam black-tie (1981), S. Bernardo (1972), ABC da greve (1979/90), A falecida e a trilogia Imagens do inconsciente (1983/86).

Todos já passaram pela recuperação no sistema 2K, menos o último, que será o próximo passo do projeto. O conjunto ainda traz uma coleção e tanto de curtas: Pedreira de São Diogo, Megalópolis, Ecologia, Deixa que eu falo, Maioria absoluta, Cantos de trabalho, Nelson Cavaquinho e Partido alto. O projeto começou dois anos atrás, idealizado por Carlos Augosto Calil e executado pelos irmãos Lauro e Eduardo Escorel. Os filhos de Hirszman, Maria e João Pedro, acompanham tudo de perto. A distribuição é da Videofilmes.


S. Bernardo

"Os filmes de Leon estavam praticamente fora de circulação há bastante tempo, devido ao mau estado das cópias existentes", diz Lauro. Nesse sentido, a parceria com a Cinemateca Brasileira, depositária do acervo, foi fundamental. "Cada filme tem um histórico diferente. Todos apresentam algum tipo de problema, mas ABC da greve, cujo negativo original estava perdido antes mesmo da sua conclusão, e A falecida foram os que se encontravam em pior estado. Muitos trechos do negativo original estavam inutilizados e onde vários fotogramas que faltavam tiveram de ser recriados digitalmente".

A falecida marca não só a estreia de Hirzsman no formato longa-metragem, mas a de Fernanda Montenegro como atriz de cinema. O elenco ainda traz Hugo Carvana e Paulo Gracindo. O roteiro, escrito em parceria com Eduardo Coutinho. O tema musical é de Nelson Cavaquinho, compositor que serve de tema para o curta documentário no mesmo DVD.

O filme conta a história de Zulmira, mulher que sonha com um funeral de luxo como redenção para uma vida perturbada. Alertada por uma cartomante sobre uma loira invejosa em sua vida, ela passa a sofrer dores e mobiliza seu marido para as consequências funestas. Isso é só o começo de uma trama rodrigueana de malandragens e traições.

Apesar de dirigida por um estreante, a produção foi muito bem recebida. Ganhou a Gaivota de Prata no 1º Festival Internacional do Filme, no Rio de Janeiro; participou da Semana Cinematográfica, organizada em Paris pela revista Cahiers du Cinema e representou o cinema brasileiro na Semana da Crítica do Festival de Cannes; Fernanda Montenegro foi eleita melhor atriz na 1ª Semana do Cinema Brasileiro, o embrião do Festival de Brasília.

No livro Brasil em tempo de cinema, Jean Claude-Bernardet a descreve como "consciente e teatral", em oposição ao naturalismo dos demais atores. "É um dos mais sinceros e objetivos filmes do Cinema Novo (...) Hirszman, com seu pulso firme e consciência de cineasta, pode tornar-se o grande cronista da triste classe média brasileira", escreveu Roberto Menezes, em crítica publicada no Diario de Pernambuco.


Eles não usam black-tie

Os Escorel foram colaboradores importantes na obra de Hirszman. Eduardo foi montador e Lauro diretor de fotografia de filmes como S.Bernardo e Eles não usam black-tie. "A tecnologia digital permite devolver aos filmes todo o seu esplendor. Creio que em muitos casos conseguimos resultados espetaculares e os filmes tiveram detalhes que existiam no negativo original revelados pela primeira vez. Antigamente nossas cópias eram muito ruins e não conseguiam reproduzir tudo que o fotógrafo tinha colocado no negativo", diz Lauro.

Além de Hirszman, estão sendo restauradas obras de outros cineastas das décadas passadas. Seriam iniciativas suficientes para preservar a memória do cinema brasileiro? "É um começo. Há muito por fazer. A fila de filmes precisando de restauro é grande. Nossos acervos foram muito mal cuidados durante muito tempo", afirma o fotógrafo.

Serviço
A falecida, de Leon Hirszman (Videofilmes)
Quanto: R$ 54,90

(Diario de Pernambuco, 03/01/2010)

Recuperação de marcos dos cinema baiano



A Secretaria de Cultura da Bahia está patrocinando a restauração de dois importantes filmes do cinema nacional: Redenção (1959), de Roberto Pires, e O leão de sete cabeças (1970), de Glauber Rocha.

Com 50 anos de idade, Redenção é considerado o marco zero do cinema baiano e deve ser estar pronto para ser novamente exibido em março. Não somente é o primeiro longa rodado no estado como abriu caminho para diretores como Glauber Rocha e Orlando Senna, que trabalharam em outro filme de Pires, Tocaia no asfalto (1962), também contemplado pelo projeto de restauro. O primeiro longa de Glauber, Barravento (também de 62) foi lançado por Pires, que fez a produção executiva.

Criada pelos realizadores, a tecnologia de captação de imagem e som utilizada em Redenção serviu de referência para outros filmes feitos com baixo orçamento. Ele foi feito com sistema de som acoplado à película e lente que simula o cinemascope (tela larga), que para não bater de frente com os direitos autorais hollywoodianos foi batizada de Igluscope (o nome da produtora de Pires é Iglu Filmes).

Redenção está sendo recuperado pela Cinemateca Nacional a partir da única cópia existente, uma película de 16mm da cinemateca particular de Lula Cardoso Ayres Filho. "Quando Petrus Pires, o filho do diretor, soube que eu tenho o filme, ficou alucinado", diz Lula. "Disponibilizei o rolo gratuitamente, pelo tempo que for necessário. Ele está em bom estado, com exceção de algumas emendas que podem ser retiradas com tratamento eletrônico". Há pouco tempo, quatro filmes da Atlântida foram resgatados graças ao acervo de Lula Cardoso: Caçula do barulho, Vamos com calma, E o mundo se diverte e Também somos irmãos.

Primeiro filme de Glauber rodado no exílio, O leão de sete cabeças nunca foi lançado comercialmente no país. Até hoje não foram encontrados seus negativos originais. Internegativos do filme foram encontrados na Cineteca Nazionalle di Roma, com versão sonora em italiano. Recentemente veio à tona uma cópia em 35 mm, com legendas em português. Estes materiais, aliados a matriz do filme que está sob a guardada Cinemateca Brasileira servirão de base para a restauração do filme. O processo, que conta com direção de Paloma Rocha e curadoria Joel Pizzini, levará 12 meses e vai gerar uma matriz em 35 mm que possibilitará novas cópias para cinema e home video.

Realizado sob o impacto de O dragão da maldade contra o santo guerreiro (1968) em Cannes, após recusar propostas para filmar nos EUA, O leão... reafirma a opção de Glauber por um cinema revolucionário. Sem apoio político na terra natal, o diretor passou a produzir filmes no Congo (O leão...), Espanha (Cabeças Cortadas), Itália (Câncer e Claro) e Cuba (História do Brasil). Eles são o foco da segunda fase do projeto de restauro da obra do cineasta baiano, iniciado em 2006 com os longas Barravento, Terra em transe, O dragão da maldade e A idade da Terra.

(Diario de Pernambuco, 03/01/2010)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Olhos coloridos


Gato Zinque dá o tom do ano novo

Lula x Avatar


Dona Lindu e Dona Marisa já escolheram o filme do ano

Entrevista // Luiz Carlos Barreto: "O cinema nacional precisa de autonomia"


Crédito da foto: Daniela Nader

Este não é um filme político. Este não é um filme político. Este não é um filme político. Ao longo do ano, a equipe de Lula - o filho do Brasil, repetiu esta frase como um mantra, enquanto a mídia nacional esquadrinhou cada milímetro da produção em busca de evidências. Agora que ele entra em cartaz, o assunto parece ter se esgotado e quem sabe o filme passe a ser avaliado por critérios intrínsecos, como atributos estéticos e poder de se comunicar com o público.

Em entrevista ao Diario, Luiz Carlos Barreto, 81 anos, produtor e idealizador do projeto, diz que o maior inimigo de Lula é não é a oposição política, mas Avatar, o blockbuster de James Cameron que domina o circuitão e impediu o plano original do filme de seu filho Fábio, entrar em cartaz em 500 salas - agora são "apenas" 354 cópias (para se ter uma ideia, o maior lançamento nacional de 2009, Se eu fosse você 2, entrou com 197 cópias). Leia mais a seguir.

Lula - o filho do Brasil entra em cartaz hoje em 354 salas. Qual é a expectativa?
É muito grande, sobretudo no Nordeste. O filme deve chegar a 3 milhões de espectadores, ou mais.

O plano original era de entrar em 500 ou 600 salas. Qual foi o impedimento?
Este é apenas o ponto de partida. Dependendo da performance vamos ampliar. Somos cautelosos pois estamos numa temporada de muitos filmes. Somente Avatar ocupa quase 600 salas. Enquanto não existir um parque de exibição maior, precisamos regulamentar a ocupação, que está sendo feita de forma irracional.

Em Pernambuco, terra natal do presidente, o filme entra em onze salas. Serão suficientes?
Em Pernambuco, a gente queria quatro salas no Shopping Recife, quatro no Guararapes e as duas de Garanhuns. Em Caruaru, uma das maiores cidades do interior nordestino, não tem cinema. Disse para os administradores de lá que poderíamos interferir para reabrir os cinemas que fecharam, mas eles não demonstrassem interesse.

Haverá estratégias de exibição alternativa?
Estou planejando um sistema de exibição volante para daqui a umas dez semanas. Estou vendo com Alfredo Bertini o que pode ser feito em Pernambuco, em cidades como Limoeiro e Pesqueira, que não têm cinema. A Índia tem milhares de cinemas desse tipo, itinerante.

Como está a recuperação de Fábio?
As notícias são boas. O perigo já passou e lá pelo fim de janeiro espera-se que ele tenha alta. Se haverá sequelas, é algo imprevisível. O Brasil é quase campeão deste tipo de acidente e pessoas em situação parecida se recuperaram. Essa tragédia está acontecendo num momento tão especial para ele. Vamos guardar as informações e repassar para ele assim que for possível.

Você estava com Lula na exibição em São Bernardo. O que ele achou do filme?
Primeiro ele ficou impactado, depois feliz. Ele não conseguia falar, foi muita emoção. É muito difícil assistir a própria vida na tela, é uma sessão de psicanálise pesada. Ele demonstrou surpresa e disse que não esperava que sua vida fosse dar um filme tão bom. Foi modéstia.

O projeto vai gerar outros produtos além do longa?
Pensamos numa minissérie para daqui a dois ou três anos.

O presidente Obama pediu uma sessão na Casa Branca?
Soube que havia uma intenção dele em ver o filme, mas não há nada oficial. Antes de vir ao Brasil, Jimmy Carter pediu para assistir Dona Flor e seus dois maridos (de Bruno Barreto) para conhecer melhor o país. Talvez Obama use a mesma estratégia.

No último Festival de Brasília você anunciou que iria se aposentar da carreira de produtor. E daqui pra frente, como será?
Vou me dedicar a política cultural, para que o cinema possa evoluir para a autossustentação, para geração de empregos. Para isso, só tendo um mercado forte. Não dá para ter um cinema subjugado pelo tacão do Estado. O cinema nacional precisa de autonomia artística e econômica.

(Diario de Pernambuco, 01/01/2010)