sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Longe da "perfeição" digital



Uma das melhores atrações do Festival de Brasília, o curta-metragem Céu, inferno e outras partes do corpo, também está na programação do 3º Festival Internacional de Cinema de Animação - Animage 2011, que começa hoje no Recife.

Seu realizador, o gaúcho Rodrigo John não tem do que reclamar. A qualidade de seu trabalho tem sido reconhecida por onde passa – entre os prêmios, foi eleito o melhor curta do Festival de Gramado e do Cine Esquema Novo (júri popular). Em entrevista ao Diario, John fala sobre seu trabalho e seu outro curta que está no Animage, Propriedades de uma poltrona, baseado em conto de Julio Cortázar. Leia mais a seguir.



Entrevista // Rodrigo John: "As melhores coisas feitas em 3D forjam o aspecto do 2D"

Seus filmes têm aspecto artesanal, que passa longe da “perfeição” da técnica digital. Qual é a intenção?
Não sou um paladino da artesania, ou do tosco. Essas escolhas vêm de acordo com o projeto, que encontra a melhor forma no processo. Eu particularmente gosto do feito a mão. Enquanto técnica, o 3D está apenas tirando as fraldas, ainda tem imperfeições. Lembro de quando ele surgiu e grandes estúdios fecharam os departamentos de 2D. Mas o legal está na mistura, acabar com a rigidez matemática. As melhores coisas feitas em 3D forjam o aspecto do 2D.

Nos últimos anos, aumentou o espaço para o experimentalismo?
A animação experimental vem dos primórdios do cinema, mas sempre foi mais marginalizado. Agora fronteiras estão se diluindo, o que permite a essas poéticas trazer para o cinema narrativo convencional um espaço para o caos e desordem. Temos que trabalhar com o imponderável, pois estamos lidando com seres humanos e um planeta que está explodindo. Então, quem quiser investigar, criar, precisa abrir espaço para o erro como laboratório.

O cartunista Fábio Zimbres assina a concepção visual e a direção de arte dos dois curtas. Como rolou essa parceria?
Ele é meu vizinho, amigo de longa data e tenho uma afinidade estética muito forte com o trabalho dele. Pensamos juntos o uso das ferramentas digitais.

Céu, inferno e outras partes do corpo já foi exibido no Cine PE, mas o público do Recife ainda não conhece seu outro curta, Propriedades de uma poltrona. Como um filme de oito minutos pode levar cinco anos para ser feito?
Nem sempre isso acontece. Estávamos produzindo Poltrona quando Céu, inferno... foi aprovado em edital e o fizemos em seis meses. No caso da poltrona, juntamos duas técnicas para criar a cara de uma terceira. O elemento imagético era a luz, a poltrona emana, por isso o processo foi o de produzir cada quadro do filme como fosse uma pintura em vidro, algo muito artesanal, gerado no computador com técnica 3D e rotoscopia e depois sujado no trabalho a mão. Procuramos “estragar” a imagem para torna-la falível.

Céu, inferno... narra com liberdade experimental e certo humor a insuportável dor da separação amorosa. Como surgiu a ideia?
Estava em processo de separação e a história veio de um pesadelo que tive, onde estávamos esquartejados no chão. As imagens me marcaram por alguns dias e como não se evaporaram, elaborei na forma de ficção. No momento era para ser um filme de horror mais experimental, sisudo, utilizando fotos. No processo, a dor foi arrefecendo e fui levando tudo menos a sério, o que me levou a misturar gêneros como o melodrama, comédia e filme de guerra.

(Diario de Pernambuco, 30/09/2011)

Seminários acalorados

Até ontem, os seminários foram a principal atração do 44º Festival de Brasília. Como a programação trouxe filmes já vistos em outros festivais, prevaleceu a discussão e troca de ideias sobre passado, presente e futuro do cinema nacional. Anteontem, o produtor Luiz Carlos Barreto, que desde os anos 1960 atua no ramo e ocupa lugar privilegiado na política para o setor, disse que, quando se fala em cultura no Brasil, ainda se pensa em termos de gorjeta. “O governo dá um milhãozinho aqui, outro ali, mas arte e entretenimento precisam ser vistas como uma questão estratégica, que move a economia mundial”. E aproveitou o microfone aberto para criticar diretores de carreira internacional. “Fernando Meirelles e Walter Salles só pensam nas carreiras, nunca colocam o prestigio a serviço do cinema brasileiro”.

Barretão falou na mesma mesa em que estaria o ex-ministro da Casa Civil, Zé Dirceu, que faltou ao encontro porque não chegou a tempo em Brasília. À noite, Dirceu lançou seu livro de memórias, Tempo de planície. Ontem, compareceu ao seminário ladeado pelo novo coordenador do festival, Nilson Rodrigues. Foi uma aparição relâmpago, inversamente proporcional às acusações de partidarismo (o atual governo do Distrito Federal, que produz o evento, é do PT), quando seu nome foi anunciado, na semana passada. “Comecei minha vida política como cineclubista”, disse. Depois, ressaltou a importância cultural do maio de 68. Sobre a política atual, Dirceu elogiou a presidenta Dilma e disse que as mudanças precisam chegar mais rápido à cultura. “O PAC precisa chegar ao cinema”.

(Diario de Pernambuco, 30/09/2011)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Festival de Brasília, noite 2 - ótima recepção para As Hiper Mulheres

Foi um sucesso a sessão de As hiper mulheres, produção pernambucana/carioca dirigida por Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuko. A sessão, que abriu a mostra competitiva do 44º Festival de Brasília, foi bastante aplaudida pelo público, que por falta de espaço, se espalhou na escadaria do Cine Brasília. Vencedor do prêmio especial do júri e na categoria montagem no último Festival de Gramado, o longa mostra como a tradição do canto é passada de uma geração à outra, em momentos de tanta poesia que geraram aplausos durante a projeção e no final, quando o público marcou com palmas o ritmo da música.

Assinado pela produtora olindense Vídeo nas Aldeias, o filme ganhou elogios do crítico Jean-Claude Bernadet, que estava presente na sessão e no debate, na manhã de ontem. Diferentemente de Gramado, quando somente os irmãos Takumã e Mahajugi, agora os Kuikuro estiveram representados pelas mulheres dententoras do tradicional canto, uma verdadeira comitiva liderada pelo cacique, Afukaká Kuikuro. Um dos diretores, o antropólogo Carlos Fausto diz que, além do reconhecimento estético, a evidência do longa nos festivais pode gerar um trunfo político, pois os Kuikuro lutam pelo reconhecimento de suas aldeias como território místico, ou seja, patrimônio imaterial a ser reconhecido pelo Iphan. Mas no filme não há nenhuma dimensão política. É um belo trabalho que leva ao deleite estético, sensorial, que em novembro poderá ser assistido no Recife, na Janela Internacional de Cinema.

Um pouco antes, a competição de curtas também começou bem, com o gaúcho Céu, inferno e outras partes do corpo, de Rodrigo John, abrindo a mostra de animação, e o baiano Ser tão cinzento, de Henrique Dantas (Filhos de João), a nacional de curtas. Com 25 minutos, o filme destrincha a produção nacional Manhã cinzenta (1967), de Olney São Paulo, uma radical crítica aos regimes totalitários que levou ao cineasta a ser perseguido pela ditadura e, sete anos depois, à morte por câncer. Enquanto o filme de Henrique revisita Manhã cinzenta, membros da sua equipe, entre eles o crítico de José Carlos Avellar, que fez a fotografia, relembra os bastidores da ação militar.

(Diario de Pernambuco, 29/09/2011)

Em busca do cinema mudo



Em 2007, o músico Alex Mono foi convidado para participar da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, realizado em São Paulo pelo também músico Lívio Tratenberg. A experiência o instigou a, naquele mesmo ano, trazer para o Recife a Jornada de Cinema Silencioso, realizado no Cinema da Fundação e com abertura no Teatro de Santa Isabel.

Agora, com patrocínio do Funcultura, ele promove a Primeira Mostra do Cinema Silencioso, que reviverá, no São Luiz (Boa Vista), os primórdios da cinematografia pernambucana e mundial, no sentido de ressuscitar a antiga prática de exibir filmes com áudio tocado por músicos, ao vivo. O evento começa hoje e vai até domingo, com sessões de Revezes (1927), de Chagas Ribeiro, musicado pelo maestro Ademir Araújo e Orquestra Popular do Recife e A filha do advogado (1926), de Jota Soares, musicado por Arrigo Barnabé e Vitor Kisil.

Os dois filmes fazem parte do chamado Ciclo do Recife, cuja produção remonta à aurora do cinema feito no estado. De acordo com Alex - que na sexta-feira faz a música para Retribuição (1924), de Gentil Roiz, e, no sábado, para Veneza Americana (1924), de Ugo Falângola J. Cambieri -, o evento tem como objetivo circular essa valiosa produção e apresentá-la para novas gerações, incentivar o mercado de trilha sonora e reviver o ambiente dos cinemas do começo do século passado, quando a música ao vivo era a única possibilidade de apreciação sonora dos filmes. “Com isso, Recife entra na rota de festivais semelhantes, de outras partes do mundo”.

Para Ademir Araújo, que se apresenta hoje, às 18h30, junto com os filmes Grandezas de Pernambuco, Recife no Aniversário da Confederação do Equador e Carnaval de 1926, este será um novo desafio em sua longa carreira. Pela primeira vez, ele assumirá a função de seu professor, o maestro Nelson Ferreira, que quando jovem tocava piano em sessões no Teatro do Parque.

Nesta edição, a mostra é dedicada especialmente aos filmes do Ciclo do Recife, que foram produzidos por jovens inquietos da época, que com todas as dificuldades deram uma grande contribuição no início da história do cinema.

Ainda hoje, às 20h30, Livio Tratenberg se apresenta durante sessão de Aitaré da praia, com participação do sanfoneiros cegos Josildo, Muniz do Arrasta-Pé e Diógenes. Amanhã, o músico paraibano Pedro Osmar (Jaguaribe Carne) toca com Mário Sérgio e Hindenburgo uma trilha especialmente composta para Sob o céu nordestino, o primeiro longa-metragem da Paraíba. Todas as sessões têm entrada franca, com ingressos distribuídos na bilheteria, uma hora antes de cada sessão.

(Diario de Pernambuco, 29/09/2011)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Brasília, noite 1 - mudou tudo, menos a platéia

Com aplausos e vaias, a noite de abertura do 44º Festival de Brasília fez jus à tradição crítica do festival. E nesse sentido, a escolha de Rock Brasília – anos de ouro, documentário sobre a gênese da Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, não poderia ser mais oportuna. Quando seu diretor, Vladimir Carvalho, subiu ao palco com membros das bandas e familiares de Renato Russo, aproveitou para agradecer o apoio que o ex-ministro da cultura, Juca Ferreira, deu ao projeto, o que gerou aplausos. Logo depois, saudou a atual ministra, Ana de Hollanda, presente no evento. Vaias ecoaram ao pelo menos metade do Teatro Nacional. Muito foi mudado no Festival de Brasília, reflexo da troca de gestores na secretaria de cultura do Distrito Federal . Mas o crivo da plateia continua o mesmo.

Como anunciou o mestre de cerimônias, o ator José de Abreu, este ano o Festival de Brasília vai mostrar sua nova cara. Terá sessões promovidas simultaneamente no Cine Brasília e nas cidades satélites. Querem passar a imagem de um festival democrático, que está reagindo à falta de rumo a que estava relegado nos últimos anos. Com uma grandiloquência bizarra (e Xica da Silva como música ambiente), Abreu parecia falar de um picadeiro ou pior, de um palanque político. A presença do ex-ministro José Dirceu, Cacá Diegues e de Luis Carlos Barreto, que participam de seminário sobre novas perspectivas do cinema nacional, foi novamente reforçada como um dos grandes momentos do festival.

Como protesto, o realizador brasiliense Adirley Queirós retirou seu longa A cidade é uma só? da competição Primeiros Filmes. “Fazemos filmes buscando outra perspectiva estética e política (não partidária, e sim política). (...)Transformar o festival em um pastiche, em um moribundo com cara de qualquer coisa. Isso são avanços?”, diz o texto do realizador, enviado para a organização do festival. E estamos apenas no primeiro dia.

Se o cerimonial foi um anticlímax, Rock Brasília teve recepção calorosíssima, com o teatro lotado e gente sentada no chão. O filme faz um retrato afetivo, social e político de uma geração de artistas, filhos de diplomatas e acadêmicos que vieram para a capital federal. Coincide com a época em que Vladimir Carvalho passou a morar na cidade. Ele chama aos músicos de “moçada”, que hoje tem entre 40 e 50 anos. Aos 76, Vladimir certamente os enxerga com e olhos de pai orgulhoso. “Eles são um ensurdecedor exemplo de perseverança”, disse, no palco. No hotel JK, base do festival, o diretor disse em entrevista que na época não chegou a curtir aquelas músicas (ele gosta mais de MPB), mas que se ligou muito a Faroeste caboclo, que para ele, é uma espécie de cordel ou repente. “Se tivesse que eleger uma música era essa”.

Para os pernambucanos, uma boa notícia: seu próximo projeto pode ser um documentário
sobre Cícero Dias. “Tenho admiração antiga pelo Cícero Dias. Ele foi uma figura notável das artes plásticas brasileiras. Por sorte, o filmei no seu ateliê na França e durante uma exposição entrevistei a viúva dele. Me interessa a ligação do surrealismo com o imaginário nordestino”.

(Diario de Pernambuco, 28/09/2011)

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cinema de fronteira



Vai começar o Festival Internacional de Cinema de Animação de Pernambuco - Animage 2011. A partir de sexta-feira, o público do Recife poderá conferir o melhor da produção mundial contemporânea, além de retrospectivas, oficinas e palestras. A principal novidade dessa terceira edição é que as atividades se estenderão por sete pontos da cidade: Cinema da Fundação, Centro Cultural Correios, Nascedouro de Peixinhos, Teatro do Imip, Cinema São Luiz e nos parques Dona Lindu e 13 de Maio. Todas as sessões têm entrada franca.

“Queremos chegar às pessoas, democratizar o acesso”, diz o idealizador e produtor do festival, Antonio Gutierrez. Para este ano, ele prevê um público de oito mil pessoas. Ano passado, só no Cinema da Fundação, 2.700 compareceram. De todas as idades, é bom ressaltar. “Na animação, há uma fronteira tênue entre público adulto e infantil. Mas alguns filmes não são para crianças, então criamos um bloco infantil”.

O festival inicia com chave de ouro nesta sexta, às 19h, tendo como filme de abertura o longa-metragem Alice (1988), do tcheco Jan Svankmajer, no Cinema da Fundação. Cultuado, o cineasta tem como admiradores ilustres Terry Gilliam e Tim Burton, cuja versão para o clássico de Lewis Carrol está léguas aquém da que será exibida logo mais. O filme integra uma mostra inédita do realizador no Recife, em 35mm, que inclui uma seleção de curtas.

“Svankmajer é um mestre. Abrir o festival com Alice será uma grande honra. Ele mistura como ninguém live action e stop motion e nos remete aos primórdios da animação, em que todos os efeitos eram feitos em stop motion. Poder exibir isso em plena era digital é sensacional!”, comemora a curadora do Animage, Nara Normande. Para compor a programação, Nara foi até o Festival de Annecy (França), o maior do gênero.

O resultado é uma programação de 66 filmes de 24 países, sendo 14 títulos inéditos no Brasil, como a produção japonesa Muybridge’s strings, de Koji Yamamura, e Oedipus, do premiado diretor holandês Paul Driessen. Já a mostra competitiva premiará com um total de R$ 13 mil os melhores curtas. O resultado será anunciado no próximo 7 de outubro, encerramento do festival.

De acordo com Nara, Alice é um bom definidor para a identidade que o Animage quer se inserir. “O festival vem dando grande importância às qualidades artísticas dos filmes. Buscamos longas que contem uma boa história, em técnica interessante, seja stop motion, 2D, recortes, areia, 3D ou lápis sobre papel”.

Ou seja, desenhos feitos com tecnologia de ponta e imagem cristalina, como Meu medo (PR), de Murilo Hauser, convivem com o intencionalmente “tosco” Céu, inferno e outras partes do corpo (RS), de Rodrigo John, e a técnica primitiva dos desenhos pintados no celuloide, como no curta Romance, de Georges Schwizegebel.

Profissionais tarimbados como o animador cearense Diego Aker, o carioca Marcelo Marão (de O anão que virou gigante) e o montador Eduardo Serrano (formado pela NFTS, uma das maiores escolas de cinema do mundo) participam das mesas e seminários, também gratuitos. A programação está no site www.animagefestival.com

(Diario de Pernambuco, 27/09/2011)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Uma escola para o olhar



Diariamente somos expostos a um sem número de imagens e sons. Eles vêm de todos os lados: TVs, computadores, celulares. E câmeras, cada vez mais câmeras. Mas as escolas normalmente não preparam crianças para entender a linguagem audiovisual. Será que estamos aptos a produzir, interagir e refletir sobre esse conteúdo? Tudo indica que não: com referenciais restritos, nos tornamos incapazes de responder à avalanche midiática ao redor.

Fundada no fim do ano passado, com patrocínio do Funcultura, a Escola Engenho procura agir nessa lacuna. É um projeto pioneiro, voltado para alunos do ensino público, com idades entre 6 e 12 anos, e realizado por um grupo de cineastas, fotógrafos e técnicos liderados por Mariana Porto. Não se trata de ensinar a fazer um filme. O objetivo é estimular a criticidade e o senso ético e estético das crianças.

“As imagens têm um poder arrebatador”, diz Mariana. “Procuramos ampliar o repertório dos alunos para que eles não sejam reféns e aprendam a se posicionar diante delas”. Como se trata de algo inédito, a busca é sistematizar a própria metodologia. “Nosso foco não é conteudista. Não tratamos o cinema enquanto discurso ou linguagem pura. As crianças não funcionam mediadas pela razão. Elas vêm aqui para brincar. Se usamos palavras demais, perdem a atenção. É um mundo muito concreto. Nesse primeiro momento, nós aprendemos mais do que eles”.

As oficinas deste primeiro ano foram ministradas por Marcelo Pedroso, Thelmo Cristovam, Tuca Siqueira, Gê Carvalho, Ana Lira, Caio Sales e Val Lima. Outros vêm se aproximando do projeto, como Daniel Bandeira. “O cinema é trabalhado enquanto prática, daí a importância de ter pessoas que de fato tenham vivência profissional”, afirma Mariana. “A necessidade de se concentrar, planejar ações e agir colaborativamente são valores que estão sempre em foco, e que nós julgamos edificantes não somente da vida de cada um, mas como pressuposto de convivência”.

Vivência - Inicialmente, as crianças se aproximaram através de um cineclube. Agora, organizam a própria filmoteca. A convivência entre oficineiros, monitores, convidados e as crianças leva a novas experiências. Ivan Pereira, o caçula da turma, adorou assistir ao curta paraibano Sweet Karolyne, de Ana Bárbara Ramos. Se identificou com a pobre galinha, prestes a ser degolada. Em outra aula, usou a câmera para filmar do ponto de vista de um gato, inspirado em Alice no País das Maravilhas. Na aula de som, um estetoscópio foi utilizado para ouvir os sons do corpo e uma história inteira foi contada somente com áudio.

“Nunca tinha sonhado em entrar num estúdio”, diz Daiane de Oliveira, sobre a visita à base da Cabra Quente Filmes. Otávio Campos aprendeu a identificar personagens através de cores: “se ele é calmo é azul, verde ou rosa; estressado, é amarelo, vermelho ou laranja”. “E se é sério, é branco, preto ou cinza”, completa Ruan Torres.

Entre os desafios enfrentados pelas crianças, está a de suportar o silêncio e até mesmo parar de falar para ouvir o outro. “Não dá pra ensinar a viver uma experiência estética, mas sim, a ampliar a sensibilidade. Procuramos algo que extrapola o audiovisual e vai para o campo da cidadania”, explica Mariana.

Quinta-feira passada foi o último dia de aula da primeira turma, no antigo Centro de Treinamento da Sudene, próximo à UFPE. Prevista para o começo do ano que vem, a segunda turma da Escola Engenho reunirá os alunos veteranos, mo papel de guias dos novatos. Vinte vagas estão disponíveis para alunos do ensino público do Engenho do Meio, Roda de Fogo e Sítio das Palmeiras. Mais informações: 8666-3456 e escolaengenho@gmail.com

Depoimentos

"Não achei que dava para aprender a assistir a um filme.
Fui ficando, principalmente, porque aqui eu uso a imaginação”
João Pedro Carvalho

"Quando passa um filme na TV, agora a gente sabe como ele é feito”
Vivian Guimarães

"Em casa, a gente assiste aos filmes e esquece; aqui, a gente conversa e o filme fica na memória”
Dayane de Oliveira

(Diario de Pernambuco, 26/09/2011)

Festival de Brasília começa hoje, sob nova direção

Entre rockers dos anos 1980 e políticos do alto escalão, começa hoje o 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O filme de abertura (fora de competição) é o documentário Rock Brasilia – Anos de ouro, de Vladimir Carvalho, com presença de membros dos grupos Plebe Rude, Capital Inicial e parentes de Renato Russo, da Legião Urbana. O documentário não pode concorrer “em casa”, pois o regulamento não permite que filmes premiados em outros festivais (no caso, em Paulínia) participem da competição. Céu, inferno e outras partes do corpo só concorre entre os curtas de animação porque foi premiado em Gramado, após o anuncio da seleção em Brasília.

Mas a criação de uma mostra de animação é a menor das mudanças. O festival chega a 2011 sob nova direção (a cargo de funcionários da secretaria de Cultura do DF), o que tem gerado burburinho entre jornalistas e cineastas. Um dos pontos mais criticados é a inclusão na competição de filmes exibidos em outros festivais. Até o ano passado, Brasília só selecionava filmes inéditos. Este ano, traz os bons Trabalhar cansa (exibido em Cannes e Paulínia), o pernambucano As hiper-mulheres (prêmio especial do júri em Gramado), Meu país (Paulínia), O homem que não dormia (o novo de Edgard Navarro, já exibido em Salvador) e os inéditos Vou rifar meu coração (de Ana Rieper) e Hoje (de Tata Amaral). Eles concorrem ao prêmio máximo de R$ 250 mil, valor idêntico ao concedido em Paulínia. São R$ 425 mil em prêmios.

A presença confirmada dos atores Rodrigo Santoro e Cauã Reymond, do elenco de Meu país, e Denise Fraga, de Hoje, se soma a do ex-ministro José Dirceu e a ministra Ana de Hollanda. Os dois participam do seminário Novas perspectivas para o audiovisual brasileiro, com os cineastas Luiz Carlos Barreto, Roberto Farias, Caca Diegues, Silvio Da-Rin e o exibidor Adhemar de Oliveira, no Hotel JK, o novo QG do festival. Fica a pergunta: qual serão os rumos (e o destino) do evento de cinema mais antigo e um dos mais conceituados do país? Os próximos dias serão decisivos para chegar a uma resposta.

(Diario de Pernambuco, 26/09/2011)

Cinema com viés social


Ovos de dinossauro na sala de estar (PR), de Rafael Urban, é um dos destaques da mostra

Com abertura às 19h no Cinema da Fundação (Derby), começa hoje o 3º Festival do Filme Etnográfico do Recife. É a oportunidade de conferir um panorama da produção recente – todos os filmes foram realizados de 2009 para cá. Ao todo, a mostra competitiva reúne 17 produções, de diferentes lugares do país, além de um média metragem paraguaio, Jopói, todos juntos, sobre a permanência do idioma guarani naquele país, que sera exibido ainda hoje à noite, junto com Quindim de Pessach, de Olindo Estevam, e Djero encontra Iketut em Bali, de Carmem Rial e Miriam Grossi. Na quinta, após a exibição dos filmes, haverá cerimônia de premiação.

A programação interessa tanto a quem gosta de sociologia pelo viés antropológico quanto de cinema. O curta paranaense Ovos de dinossauro na sala de estar (foto acima), de Rafael Urban, é ótimo exemplo. O filme apresenta a imigrante alemã Ragnhild Borgomanero, de 77 anos. Viúva de um diplomata italiano, com quem reuniu a maior coleção particular de fósseis da América Latina, ela se dedica a preservar sua memória, através da digitalização caseira de fotos, que apresenta à câmera de forma quase mecânica.

O filme passa amanhã, junto com outro paranaense, O corte do alfaiate, de João Castelo Branco, Aperreio (MA), de Humberto Capuci, Capa de índio (BA), de Aelson Pataxó, e Estranho amor (ES), de Lucia Caus.

O festival serviu de mote para que o Consulado Geral da França organizasse uma exposição Zo’é, do fotógrafo Serge Guiraud, sobre os últimos povos Tupi a entrar em contato com a sociedade. A abertura será amanhã, às 17h, na Aliança Francesa do Recife (Derby).

(Diario de Pernambuco, 26/09/2011)

domingo, 25 de setembro de 2011

Uma cidade sem palco e sem tela


Há 12 anos fechado, Teatro do Bonsucesso deve voltar em 2012

Ano que vem, Olinda completará 30 anos do reconhecimento, pela Unesco, como Patrimônio Cultural da Humanidade. No entanto, há tempos a cidade tem sido criticada por não oferecer espaços como um cinema ou um teatro municipal. Uma carência que está prestes a ser amenizada com a abertura de três equipamentos: o Cine Olinda, o Teatro do Bonsucesso e a Caixa d’Água do Alto da Sé.

Esta última está pronta e deve abrir para o público no próximo 3 de outubro. Três pavimentos serão usados como galeria. Fechado há 12 anos, durante a gestão de Jacilda Urquiza, o Teatro do Bonsucesso está previsto para voltar à ativa no começo do ano que vem. A primeira etapa foi concluída em 2008, com R$ 250 mil trazidos por emenda parlamentar pelo deputado Fernando Ferro - PT. Até o fim do ano, a obra será concluída com R$ 380 mil, retirados do cofre municipal, para aquisição de equipamentos, instalações elétricas, novas poltronas e acabamento.

Por mais de um ano, a utilização do novo Teatro do Bonsucesso tem sido o foco de discussão entre gestores públicos e a Associação de Teatro de Olinda, fundada em 1986, naquele mesmo espaço. A última discussão ocorreu no último 15 de agosto, na Câmara dos Vereadores. Ivo Rodrigues, que foi duas vezes presidente da associação, diz que o espaço já chegou a reunir 20 grupos da cidade. “Há uma mobilização no sentido de resgatar esse espaço e ocupá-lo com espetáculos, oficinas e laboratórios. Isso pode revigorar o movimento teatral de Olinda”.

Abandono - Reinaugurado em 1998, o Teatro Fernando Santa Cruz vive situação oposta. Interditado por falta de manutenção - entre outros problemas estão o sistema de ar condicionado, poltronas e o forro interno avariados-, o espaço voltará no bojo da requalificação do Mercado Eufrásio Barbosa, que receberá cerca de R$ 5 milhões para ser integralmente restaurado.

Quem informa é Márcia Souto, que desde 2006 ocupa o cargo de secretária de patrimônio e cultura de Olinda. “A gestão anterior cuidou de requalificar os espaços de convivência externos. Agora é a vez dos equipamentos culturais”. Sobre o Eufrásio, ela diz que a antiga área dos bares será usada como espaço para artesãos. As obras estão previstas para o ano que vem. Enquanto isso, o salão e jardim continuarão sendo usados para shows e festas.

Em ruínas, o Cine Duarte Coelho fechou as portas em 1982 para nunca mais voltar. A última vez que sua volta foi cogitada foi em 2004, quando um protesto de artistas gerou uma sinalização positiva dos poderes públicos. No entanto, há até pouco tempo, o local estava interditado para investigação de uso indevido de recursos públicos. “Quando entregou a gestão, Jacilda prestou contas como se tivesse feito o restauro”, lembra Márcia. No fim do mandato de Luciana Santos, o local recebeu liberação e está apto para captar novos recursos. A secretária diz que o projeto do Duarte Coelho está à espera de parceiros.

Aberto ao público - Outros espaços culturais geridos pela prefeitura de Olinda estão abertos para o público. Na Rua de São Bento fica Museu do Mamulengo, que mantém exposições sob curadoria de Tereza Costa Rego e é recordista de visitação na cidade. Na mesma rua, fica o Arquivo Público Antonino Guimarães (o único acervo municipal disponível em Pernambuco), que será ampliado e modernizado dentro dos padrões internacionais para acomodação de documentos históricos.

“Desde quando foi inaugurado, em 1983, vem funcionando de forma precária”, diz André Pina, arquiteto responsável pela reforma, que se estenderá para o casarão ao lado (entre o arquivo e a prefeitura), desapropriado em 2010. “Além de acomodar o acervo em local climatizado, haverá um laboratório de conservação de papéis, ligado ao de restauro de bens móveis, que funciona no Mercado da Ribeira”. No entanto, para executar todos as etapas, os R$ 980 mil captados via BNDES não serão suficientes. “Precisaremos de mais recursos”.

Além do Laboratório de Restauro citado por Pina, há outro, de Arqueologia, que desde 2009 funciona no subsolo do Mercado da Ribeira, que também oferece espaço para eventos.

(Diario de Pernambuco, 25/09/2011)

R$ 2 milhões para o Cine Olinda


Crédito da foto: Passarinho

O dinheiro que faltava para a volta do Cine Olinda chegou através de duas emendas parlamentares, obtidas pelos deputados federais Luciana Santos - PCdoB (R$ 1,5 milhão) e João Paulo - PT (R$ 500 mil). Com exceção de um breve período nos anos 1980, quando voltou a funcionar como Cine Bajado, o local está há mais de 40 anos sem exibir filmes. Se os recursos chegarem ainda neste ano, a previsão é de que seja reinaugurado no fim de 2012.

“Novos deputados têm direito a recuperar, no primeiro mandato, até R$ 1,5 milhão. Decidi direcionar tudo para o Cine Olinda”, conta Luciana. Após décadas de abandono, foi durante seu mandato como prefeita, entre 2002 e 2006, que o prédio foi restituído em sua arquitetura original art déco. “É uma grande conquista. Quando assumi o cargo, ele era uma ruína com risco de desabamento. Fizemos a recuperação física, mas ficou faltando recursos para o restante. Olinda é um pólo elevado de produção, tem uma juventude emergente, um núcleo de cinema de animação. A cidade não pode ficar sem cinema”.

Na mesma época, o projeto que instalaria a parte acústica, climatização, equipamento e mobiliário, seria executado com R$ 1,3 milhão do BNDEs, mas foi suspenso porque a Fade, proponente do projeto, não prestou as contas da primeira parcela corretamente. Após um período de auditoria pública, a obra foi liberada para uso em 2009, quando passou a abrigar cursos, oficinas e eventos esporádicos, como a Mostra de Cinema Sapo Cururu. Atualmente, o prédio está sendo adaptado para, a partir de 7 de novembro, sediar a Casa Cor 2011.

Primeira ação do Pólo Carmo - Quando ficar pronto, o Cine Olinda será a primeira unidade de um projeto maior, o Pólo do Carmo, que englobará o Clube Atlântico e os casarões anexos, até pouco tempo batizados de “Casas da Cidadania”. De acordo com Márcia Souto, o local manterá um cineteatro e um minicentro de convenções com dois auditórios (com capacidade para 80 e 40 pessoas), uma sala multimídia para 30 pessoas, espaço para copa e lanchonete. O salão principal comportará 320 cadeiras. A secretária justifica a opção pelo espaço múltiplo: “é difícil para um cinema se sustentar sozinho. Além disso, o público fica muito segmentado. É importante garantir a diversidade”.

O cineasta Cláudio Assis, que elegeu o Sítio Histórico para fincar a produtora Parabólica Brasil e, há sete anos, liderou um movimento pela volta do Cine Duarte Coelho, festeja a possível volta do Cine Olinda, mas alerta para que artistas e moradores fiquem de olho no uso do dinheiro destinado ao Cine Olinda.

“Quem garante que esse dinheiro vai ser aplicado onde deve? O Duarte Coelho recebeu dinheiro várias vezes, nas gestões de Germano Coelho, Zé Arnaldo e Jacilda Urquisa e não fizeram nada, ficou lá, abandonado. Placas foram colocadas, ficaram podres e o dinheiro não veio. Em 2006, o Cine Olinda foi ‘inaugurado’ com cadeiras de plástico, alugadas, porque era final de gestão. Temos que parar de achar que vão dar as coisas de mão beijada e fiscalizar. Se não, o dinheiro vai embora”.

(Diario de Pernambuco, 25/09/2011)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Um Bourne pós-adolescente



Poderia ser um “como tudo começou” para um Jason Bourne de 18 anos, mas não chega a tanto. Sem saída (Abduction, EUA, 2011), de John Singleton, existe mais para promover o frisson em torno de seu ator principal, Taylor Lautner, o Lobisomem da série Crepúsculo. Pois como filme de ação e entretenimento não passa de um produto mal-acabado, previsível e sem o mínimo de originalidade para se sustentar enquanto cinema.

A comparação com o famoso personagem de Matt Damon não é incidental. O próprio Natan (Lautner) se compara ao ator quando vê uma foto sua em site de crianças desaparecidas. Ele descobre que sua vida toda é uma farsa, ao lado de Karen (Lily Collins), seu par romântico. Quando vê seus supostos pais serem assassinados, começam as fugas e reviravoltas para que o mocinho saiba quem realmente é e porque a CIA (Alfred Molina e Sigourney Weaver são os agentes) e espiões russos estão atrás dele.

Como produto comercial, Sem saída funciona como um bom provocador de suspiros. No mais, força a barra até dizer chega. Para se ter uma ideia do nível, o casal de heróis está em um trem, tem uma DR pós-teen que termina com um beijo, seguido do comentário dela: “é melhor do que na oitava série”.

Escorado em fórmulas, Singleton oferece uma versão piorada do que já foi visto. Pega mal para o diretor que se lançou em 1991 com Os donos da rua (Boyz'n the hood), partiu para Um tira da pesada 3 (1994) e Shaft (2000). Por outro lado, serve de propaganda para a Apple, onipresente. Quando pelo menos três maçãzinhas de Steve Jobs surgem na tela, é a deixa para contrariar o filme: sempre há saída, nem seja a porta de entrada.

(Dairio de Pernambuco, 23/09/2011)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Tirando a ferrugem



A geração que deixou o cabelo crescer e colocou o pé na estrada chegou à terceira idade. Mamute (França, 2010), de Gustave de Kervern e Benoît Delépine, faz revisão do ideário de liberdade hippie pela perspectiva de quem o perdeu e o reencontra após virar sessentão.

Eis a história Gérard Depardieu gordo e decadente, o qual encontramos em seu último dia de trabalho. Recém-aposentado, ele abandona o quebra-cabeça que ganhou dos colegas para retornar aos lugares e pessoas com quem já viveu. Montado em uma chopper, ele é o mamute em si, ser anacrônico que carrega no corpo o peso do passado conturbado e anos de conformismo.

O motivo inicial da viagem, reunir papeis que comprovem à previdência seus anos de trabalho, perde a importância na medida em que ele percebe que passou boa parte da vida fugindo de traumas e se matando de trabalhar.

Mamute é um filme de estrada, e como tal, de descobertas existenciais. Os tempos mudaram e o casal Serge (Depardieu) e Catherine (Yolande Moreau) se adaptaram a eles. Sem formação escolar suficiente, ele passou a vida em trabalho braçal - o último foi no matadouro - e ela como funcionária de supermercado onde se conheceram.

O pano de fundo social denuncia não só as suas dificuldades, mas a degradação das condições de trabalho na França. A crítica também surge em momentos surreais como no supermercado, quando Serge cruza com um idoso caído no chão, sem socorro; ou quando visita a sobrinha, observa uma versão em miniatura do mesmo local, habitado por insetos.

A convivência sincera com essa sobrinha, interpretada pela artista Miss Ming, é decisiva para o processo de libertação de Serge. É uma interlocução com o século 21 através da experimentação da videoarte.

(Diario de Pernambuco, 16/09/2011)

Viver, amar e matar


Saudade desse aqui

Longe do humor implicito do filme que alçou Arnold Schwarzenegger, Conan, o bárbaro tenta adaptar na fonte o clássico dos quadrinhos de espada e feitiçaria criado por Robert E. Howard, mas erra feio.

Interpretado com requinte metrossexual por Jason Momoa, o bárbaro da Ciméria está bem representado fisicamente, mas tudo em sua volta é ruim e lembra uma cópia malfeita de outros filmes.

Os cenários digitais e o 3D são piores do que no remake de Fúria de Titãs. A vilã é uma mistura barata da Rainha Vermelha de Alice com a maquiagem nos olhos de Natalie Portman em Cisne Negro. Aos mais sensíveis, um alerta: a violência é explícita, quase pornográfica. Crânios são esmagados, cabeças e outras partes do corpo decepadas, sangue corre aos litros. No único momento “romântico”, o heroi diz à mocinha: “Eu vivo. Eu amo. Eu mato”. Mau gosto tem limite.

(Diario de Pernambuco, 16/09/2011)

Orgulho Glee



O que é ser diferente? Para os Glees, é ser emocional, colorido, feliz. E ter um palco, cantar com banda, dançarinos e luzes led piscando no fundo. A bem produzida série de TV vai para o cinema no mesmo padrão de qualidade. Mais até. Glee 3D: o filme (Glee: The 3D concert movie, EUA, 2011) é um primor em termos de som e imagem. Ser diferente está na moda.

Para quem não conhece, Glee é um musical que inverte a lógica high schooler ao colocar os “excluídos” em primeiro plano, enquanto os atletas e líderes de torcida são coadjuvantes. Para os fãs, é um devir.

A versão para o cinema mostra o grupo em turnê, no palco, bastidores e com depoimentos de fãs sobre o quanto Glee os ajuda a enfrentar o preconceito. O repertório traz boas versões para Queen (Somebody to love e Fat bottomed girls) e Paul McCartney, o mais Glee dos Beatles. No grupo, um coral de escola, há gays, bis, uma negra gorda, um oriental, um cadeirante, um judeu, latinos. É esquemático assim.

A catarse consiste em integrar as minorias ao dar a elas o verniz visual reservado a ícones da indústria do entretenimento. Poderia ser um projeto beneficiente de Britney, Beyoncé, Madonna. Mas ao contrário, celebridades pop fazem fila para ter suas músicas adaptadas para o mundo Glee.

Nos anos 1980, A vingança dos Nerds bagunçou o coreto dos populares com sua esquisitice. Ao contrário, em Glee não há nada de subversivo. É uma turma politicamente correta, que joga nas regras estabelecidas. Ao se adequar aos padrões do showbizz, se contenta em reafirmar o mecanismo que as exclui.

(Diario de Pernambuco, 16/09/2011)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Quando o mundo era partido em dois



Fernando Morais acaba de lançar seu novo trabalho. O título, Os últimos soldados da guerra fria (Companhia das Letras, 408 páginas, R$ 42), evoca o espírito de um período em que o mundo era dividido entre duas superpotências, os Estados Unidos e União Soviética. O autor está no Recife, onde dará palestra e sessão de autógrafos hoje, às 19h, na Livraria Cultura (Paço Alfândega).

O livro-reportagem de Morais conta a história do que aconteceu após o fim do regime comunista, quando o embate se reduziu aos esforços de organizações com base na Flórida em derrubar a supremacia de Fidel Castro em Cuba. No começo dos anos 1990, Havana passou a sofrer ataques terroristas, dedicados a abalar a principal fonte de renda da ilha, o turismo. Em resposta, o serviço de inteligência cubano inflitrou espiões em Miami, no que ficou conhecido como Operação Vespa. Tudo foi observado com complacência pela CIA, até o desmonte da operação em 1995. Protagonistas da narrativa, os agentes cubanos rendem ótimos personagens. São retratados em detalhes biográficos e situações relatadas com tal precisão que causam a impressão de que Morais esteve realmente lá.

Desde que escreveu o best-seller A Ilha, Morais estabeleceu boa relação com Fidel, o que facilitou o acesso a documentos até então restritos. Além de pesquisar tais arquivos, ele passou os últimos anos entrevistando quase todos os envolvidos e seus familiares. Com competêcia literária e jornalística, o livro é repleto de reviravoltas e ritmo de thriller cinematográfico. Coincidência ou não, o produtor de cinema Rodrigo Teixeira comprou os direitos de filmagem de Os últimos soldados da guerra fria. Morais já teve outros livros adaptados para o cinema, como Corações sujos e Olga, mas nenhum deles teve os direitos de filmagem comprado antes mesmo da obra ter sido escrita. Com o dinheiro, Morais viabilizou a produção da reportagem.

(Diario de Pernambuco, 13/09/2011)

Dura vida de atriz



Em cartaz no Cinema da Fundação, Riscado (Brasil, 2010), de Gustavo Pizzi, é um filme sofisticado e artesanal, na verdade feito a quatro mãos. Casado com a atriz Karine Teles, que também assina o roteiro, o diretor encontrou no cinema a forma de sublimar o ofício da esposa, que até então não havia sido reconhecida como tal. A declaração de amor surtiu efeito. Dois grandes festivais, o do Rio e o de Gramado, laurearam Karine como a melhor atriz do ano. “Minha vida é sua”, disse Karine para Gustavo, ao receber o Kikito em Gramado, onde o filme ainda recebeu prêmios pela direção, roteiro, trilha sonora e foi eleito o melhor pela crítica.

Filmado em bitolas digitais e analógicas, Riscado é mais um produto da Cavídeo, especializada em “tirar água de pedra”, ou seja, adequar pequenos orçamentos e ter como resultado bons filmes. E o de Gustavo talvez seja o melhor já administrado pela produtora carioca. O roteiro estabelece estética própria para três situações paralelas, costuradas pela busca da atriz em se realizar profissionalmente. Na primeira, a vemos na luta diária pela sobrevivência, encarando os ditames de um chefe arrogante, que promove festas com ações de marketing nas ruas do Rio de Janeiro. Com sorte, ela é chamada para animar aniversários e entregar presentes caracterizada de Marilyn Monroe, Bete Davis ou Carmem Miranda.

O desejo de se expressar na profissão que escolheu a leva a desenvolver com o marido uma peça de teatro, projeto abalado pelo convite de um diretor francês para estrelar seu próximo filme. A habilidade de Pizzi em conduzir a narrativa, aliada ao talento e entrega de Karine ao papel fazem de Riscado um dos melhores filmes nacionais do momento. Já nos primeiros minutos, o filme cativa pela verdade em seus olhos, em imagem trêmula, que fecha em Karine durante o teste de elenco para o filme. Um momento em estado puro, que deflagra a força de tudo o que virá depois.

(Diario de Pernambuco, 13/09/2011)

sábado, 10 de setembro de 2011

Lira do que virá



A partir deste domingo, o mundo será testemunha da reinvenção de um artista. É quando José Paes de Lira, o Lirinha, disponibilizará para download as músicas de seu novo álbum. Mais pop que nunca, Lira fica melhor a cada audição e já chega como sério candidato a melhor álbum do ano. As doze faixas refletem a necessidade de demarcar um novo território, ao mesmo tempo em que revelam um eficiente trabalho de estúdio. É o trabalho mais pessoal de Lirinha, que, por inquietações estéticas, encerrou o Cordel do Fogo Encantado em fevereiro de 2010.

A expectativa em torno do trabalho solo aumentou com o anúncio da banda, um power-trio formado por Pupillo (Nação Zumbi), Bactéria (ex-Mundo Livre) e Neilton (Devotos). Além de tocar uma bateria stand-up (com três tons, construída especialmente para o projeto), Pupillo assina a produção, mixada em Paris.

As participações são mais que especiais: Otto e Ângela Rô Rô cantam em Valete; Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e Miguel Marcondes (Vates e Violas) tocam violões em Sidarta; em sua última gravação em estúdio, Lula Côrtes toca tricórdio em Adebayor; outros convidados são Bozó, Maestro Forró, Sidclei e João Diniz Paes de Lira, filho de Lirinha. O álbum também demarca uma nova fase de Lirinha como cantor, mais contida e livre para experimentar novos timbres e texturas. “Tudo isso é muito novo pra mim. São canções melodiosas, tive que me reinventar como intérprete”.

Por mais ostensivo que fosse o culto dos fãs do Cordel, Lirinha sempre foi maior que o grupo. Em seu processo de rompimento, o regionalismo deixou de ser central para ser um elemento a mais em sua música. O compromisso com a poesia, no entanto, continua visceral. Lira, diz o Houaiss, é “repertório de letras de música popular reunidas em um volume”, ou “a poesia lírica; o estro, a inspiração, a arte poética”.

Lira parte de uma vontade urgente e legítima de ser novo, diferente. Arrisca e acerta. Tem muito de viciante. Mas principalmente, aponta para a importância de mudar, para que continuemos a nos reconhecer.

Entrevista >> Lirinha: “É a primeira vez que faço uma poesia tão pessoal”

Você está lançando material na internet no 11 de setembro, uma data bastante simbólica…
Na verdade não procurei uma data especial. Desde que terminamos o disco, já tinha o plano de lançá-lo na internet 15 dias antes do lançamento do CD, em outubro, e do primeiro show, que será em Natal. Escolhi o 11 de setembro, que marca a emancipação de Arcoverde e de uma série de cidades vizinhas. Mas sei que é também uma data impossível de se desvincular do ataque às Torres Gêmeas. Mas é um dia de desfiles em Arcoverde, então vou ajudar a enfeitar isso.

Lira conta com ótimos músicos. Como foi o processo de criação?
Foi dificil sair de um grupo estabelecido, de agenda cheia, para outro esquema, onde nada estava armado. Quando comecei construir as melodias, me juntei com Pupillo e pensamos como usar a linha de baixo, sintetizadores. Daí parti para o trabalho de letras, tocava todas as músicas em casa. Tudo levou um ano e meio.

As músicas refletem anseios atuais ou algo que você cultiva há tempos?
Esse trabalho tem uma mudança de conteúdo muito forte. É a primeira vez que faço uma poesia tão pessoal, com o meu olhar. No Cordel não me sentia nesse direito, pois era parte de um grupo. Agora me sinto em total liberdade e muito instigado a usar outros recursos de escrita, que trago comigo desde que comecei a carreira, mas nunca tinha utilizado. As composições são atuais mas tem a ver com toda a minha trajetória.

A sonoridade é bem diferente do que você vinha fazendo com o Cordel, que era mais ligada ao sertão. Por que você “desgarrou”?
Para encontrar a minha própria música. Fui pra um interior meu e nunca me senti tão autor. Por outro lado, minha lógica poética continua ligada a uma escola primeira, a dos cantadores. O exercício de ruptura com vem ocorrendo há alguns anos, desde que incorporei João Cabral, Alberto da Cunha Melo e as minhas próprias letras, que apontavam parra outras possibilidade que não a poesia trovadoresca, medieval.

Com o componente geográfico superado, que lugar você sente ocupar?
Estamos na década de 10, algumas discussões estão superadas. Nos anos 1990, tínhamos a necessidade de diferenciação territorial, devido à globalização e o surgimento da internet. E a música tinha objetivo de levantar bandeiras, por exemplo, misturar eletrônico e regional, para mandar o recado de ser cosmopolita e raiz. Isso foi perdendo o sentido, hoje fazemos música com todos os elementos possíveis, sintetizador, piano acustico, guitarra. Tudo está em transição, talvez esta geração esteja fazendo os últimos CDs. É como a metáfora das raizes e árvores. As raízes caminham, nos movimentamos. Isso é muito importante na construção da minha identidade.

Você tem shows marcados em Natal e São Paulo. Quando se apresenta no Recife?
Recife é forte, é a nossa casa. Quero chegar em novembro, com o show mais maduro.


(Diario de Pernambuco, 10/09/2011)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Eles também querem o ouro



Um pistoleiro sem nome, uma vila perdida no Arizona, um coronel ganancioso e seu filho inconsequente, uma tribo de Apaches. Poderia ser mais um filme de Sergio Leone ou Sam Peckinpah, não fosse a base alienígena instalada no desfiladeiro ao lado. Cowboys & aliens é uma adaptação dos quadrinhos feita por gente que sabe o que faz, do diretor Jon Favreau (Homem de Ferro) aos produtores Ron Howard (Apollo 13) e Steven Spielberg, que não deixaram a mistura de gêneros sair dos trilhos.

A começar pela escolha do elenco, liderado por Daniel Craig e Harrison Ford, à vontade como antagonistas que precisam se unir para expulsar os ETs. Os alienígenas são gosmentos e maus, uma mistura de Alien com Predador disposta a exterminar humanos para extrair ouro. Do outro lado estão personagens do faroeste, inconciliáveis até que precisam unir forças. Bons, maus e feios, além de uma mulher misteriosa (Olivia Wilde, de Tron).

Mocinho pós-moderno, Craig está armado e não guarda lembranças. Só sabe que precisa salvar a amada esposa, raptada pelos aliens. Em cena emblemática, ele, o 007 de Cassino Royale, anda com uma Colt 45 na mão direita e uma espécie de bracelete-radar-phaser que parece ter saído da cartela de armas de Guerra nas estrelas. Para sabotar os monstrengos, o mocinho precisa invadir um megaedificio alien, no meio do deserto. A sequência em que ele se mete em cavernas que desmoronam evoca a Indiana Jones e o templo da perdição. Precisa mais para justificar a presença de Harrison Ford, de chapéu surrado e fugindo de naves?

Não é preciso muito esforço para ver no todo um grande pastiche de referências. É como se, de tempos em tempos, Hollywood precisasse refrescar a própria memória. Desta vez, funcionou. Divertido e competente, Cowboys & Aliens é um dos melhores entretenimentos do ano.

(Diario de Pernambuco, 09/09/2011)

Um filme para Itamar



A vida e obra de Itamar Assumpção (1949-2003) permanece como uma das mais fascinantes da música brasileira. O documentário Daquele instante em diante (Brasil, 2011), que será exibido hoje, às 18h30, na Igreja da Sé, é uma ótima oportunidade para seus admiradores matarem a saudade do Nego Dito, ou ao menos, conhecê-lo melhor. Do álbum Beleléu (1980) ao derradeiro Pretobrás, o filme de Rogério Velloso paga tributo ao artista inquieto e singular que foi Itamar.

O filme faz parte da série Iconoclássicos, produzida pelo Itaú Cultural em homenagem a Itamar, Nelson Leirner, Zé Celso Martinez Corrêa, Rogério Sgarnzela e Paulo Leminski, que teve seu Catatau vertido para Ex-Isto, de Cao Guimarães.

A narrativa é linear no sentido percorrer sua biografia, do interior de São Paulo à juventude, no Norte do Paraná, onde cresceu e conheceu o futuro parceiro Arrigo Barnabé, aos últimos suspiros, no hospital. Se, por um lado, depoimentos da família e amigos revelam o quanto Itamar era original e único, sua insistência em preservar essa condição gradativamente o isolou no cenário artístico. “Ele é o talento mais desperdiçado pela música brasileira”, diz Arrigo.

O fato é que Itamar inventou a própria gramática. E enquanto tentava “descobrir com quantos nãos se faz um sim”, o filme tenta entendê-lo em imagens de arquivo, onde ele protesta contra as portas fechadas das gravadoras, provoca o público em shows e conversa com as plantas na intimidade de seu quintal. Luiz Tatit, Paulo Lepetit, Alice Ruiz, a filha Anelis Assumpção e a viúva Lena descrevem com emoção episódios e curiosidades sobre o compositor. Membros da banda Isca de Polícia e Orquídeas do Brasil, formada só por mulheres, revelam o processo de criação de um músico que não ouvia outros compositores, a não ser Bob Marley e Miles Davis.

No fim, encarou a morte com naturalidade, a dor como a última obra. “Ópio, édens, analgésicos/ não me toquem nessa dor/ ela é tudo que me sobra/ sofrer vai ser a minha última obra”, canta, em letra escrita com Paulo Leminski. Oriundo da videoarte, Velloso imprime ao filme um ritmo envolvente, em montagem ágil e fragmentada. O sentimento é o de assistir a tudo de um fôlego só. Daquele instante em diante é de tamanha intensidade que, como toda boa viagem, revela algo novo, e de alguma forma permanece depois que termina.

(Diario de Pernambuco, 09/09/2011)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana



Os filmes que sonhamos. Organização: Frederico Machado. 258 páginas. Lume.

A convite da distribuidora maranhense Lume Filmes, críticos brasileiros escreveram sobre 56 filmes de seu catálogo. O resultado é uma coletânea que abrange excelentes filmes, ao mesmo tempo em que reúne os atuais representantes do exercício da reflexão sobre cinema no país. De Pernambuco, participam Luiz Joaquim (Um anjo em minha mesa, de Jane Campion) e Filipe Marcena (Naked, de Mike Leigh).



Trajetória crítica. De Jean-Claude Bernadet. 344 páginas. Editora: Martins Fontes.

“A crítica especializada faz, em geral, a leitura da obra que interessa ao segmento social ao qual está ligada, com todos os matizes ideológicos que isto implica”, escreve Jean-Claude Bernardet. O livro reúne seus primeiros textos, escritos para jornais e revistas a partir de 1960. Através do pensamento politizado e provocativo do autor, que implora pelo prazer de ser esmagado pela imagem cinematográfica, acompanhamos as mudanças e convulsões do cinema nacional e mundial.



Barton Fink (EUA, 1991). De Joel e Ethan Coen. 116 minutos. Universal.

Dramaturgo do sucesso (John Turturro), reconhecido por sua arte, é chamado por grande estúdio de Hollywood para escrever o roteiro de um filme sobre luta livre. Recluso a um quarto de hotel barato, ele sofre de bloqueio criativo e sua frio para explicar isso aos patrões. O vizinho, um vendedor de seguros (John Goodman) tanta ajudar, mas o todo termina por adquirir dimensões surreais. Grande filme.

EU INDICO

Em 1974, o cantor/compositor Sérgio Ricardo rodou aqui em Pernambuco o longa-metragem A noite do espantalho, tendo como ator principal Alceu Valença e a participação de Geraldo Azevedo como um dos colonos, a quem o espantalho defendia da exploração do fazendeiro... Só assisti a esse filme uma única vez, em 1981, no DCE da Rua do Hospício. Mas as cenas e a trilha sonora me marcaram pra sempre.

Fábio Cabral, da loja Passa Disco

BASTIDORES

Candango - O 44º Festival de Brasília começa no dia 26, com algumas novidades: mostra competitiva de animação e várias paralelas, como a dedicada a diretores estreantes, filmes de temática infantil e de realizadoras premiadas pelo evento. Esta última começa na semana que vem (dia 14), com filmes como A hora da estrela, de Suzana Amaral, e Bicho de 7 Cabeças, de Laís Bodanzky, a serem exibidos na Ceilândia.

Igrejas - Pernambucana radicada em São Paulo, Mariana Lacerda (Menino-Aranha) está finalizando seu segundo curta-metragem. Nas palavras da diretora, será um documentário fantástico sobre as igrejas de Olinda, apresentadas em labirintos de histórias.

Etnodoc - Promovido pela pós-graduação em antropologia e comunicação da UFPE, o 3º Festival de Filme Etnográfico do Recife ocorre de 26 a 29 de setembro, no Cinema da Fundação. Vários filmes interessantes na programação, entre eles, o paranaense Ovos de dinossauro na sala de estar, de Rafael Urban, e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro.

Em Petrolina - A Universidade Federal do Vale do São Francisco promove semana que vem (16 a 18 de setembro) um ciclo de debates sobre cinema. A iniciativa é do grupo de pesquisa em cinema da Univasf, coordenado por Afonso Henrique Novaes Menezes. A ideia é promover intercâmbio entre realizadores e produtores do Sertão e da capital, como Felipe Calheiros (Acercadacana) e Chico Egídio (organizador do Vale Curtas).

(Diario de Pernambuco, 08/09/2011)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Admiráveis baianos


Sessão hoje, no Festival Mimo de Cinema

Quando estreou no Festival de Brasília de 2009, Filhos de João - Admirável mundo novo baiano chamou atenção por vários motivos. Primeiro pela pesquisa de imagens de arquivo sobre os Novos Baianos, costuradas com valiosos depoimentos de seus integrantes: Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Paulinho boca de Cantor, Luiz Galvão, Gato Felix e Dadi. Segundo, pela recusa de Baby Consuelo em participar do filme.

A cantora foi convidada, mas pediu um cachê alto demais para o orçamento do longa, que marca a estreia do diretor Henrique Dantas. Terminou liberando o direito de uso das imagens da época, entre elas, o registro dos anos em que viveram no mitológico sítio em Jacarepaguá, no Rio, onde compuseram o terceiro álbum, Novos Baianos F.C.

O nome do filme remonta à origem do grupo, apadrinhado de João Gilberto (Galvão é seu conterrâneo de Juazeiro), que frequentava o apartamento dos garotos no início dos anos 1970, em sessões de música e fumaça, que resultaram no clássico Acabou chorare.

Mais do que sobre um grupo de músicos, Filhos de João trata dos anseios de uma geração, que por um lado sofreu com a repressão militar e, por outro, experimentou uma vida libertária. O saldo está aí, para ouvir e, agora, assistir.

(Diario de Pernambuco, 06/09/2011)

Os olhos da música

A produção de filmes musicais tem crescido, mas a oportunidade de assistir a eles continua restrita a algumas sessões em festivais e mostras especiais, espalhadas pelo país. Em Pernambuco, há um evento específico, o Festival Mimo de Cinema, que começa amanhã. Até o próximo dia 11, quinze filmes serão exibidos no Seminário de Olinda e na Igreja da Sé, com entrada franca.

A cada ano, o festival apresenta uma seleção mais interessante. Mérito da curadoria de Lu Araújo (organizadora da Mimo) e da cineasta gaúcha Rejane Zilles, que buscaram os melhores representantes da temporada. São filmes com duas funções básicas: corresponder à expectativa dos admiradores de determinado artista ou gênero musical, ao mesmo tempo em que os apresentam a uma nova geração. Todos os longas são inéditos na cidade.

A maioria é de documentários que não escapam do formato depoimento-imagem de arquivo. Se não conquistam por qualidades estéticas, o fazem pelo tema. Alguns, conseguem as duas coisas. É o caso de Daquele instante em diante, sobre Itamar Assumpção, e Filhos de João - Admirável mundo novo baiano, sobre os Novos Baianos. E também do curta Bob Lester, uma leitura poética de Hanna Godoy e Mariana Penedo para a história do carioca (interpretado por Stênio Garcia) que integrou o grupo de Carmem Miranda, aprendeu a sapatear com Fred Astaire e hoje se apresenta na rua, por um trocado qualquer.

Hanna também dirige um dos filmes desta quarta, O mar de Lia, documentário de curta duração sobre a famosa artista de Itamaracá. Na sequência, outro curta documental, Concerto para Heloísa, apresenta um festival de rock caseiro que reuniu 500 pessoas em uma casa no Pacaembu, organizado para financiar o isolamento acústico na casa do Biel, baterista de quatro bandas que infernizam a vida da vizinha, a Heloísa.

Mais destaques: Clementina de Jesus: Rainha Quelé, sobre a trajetória da artista cujo canto remonta às tradições africanas; Sex Beatles, sobre a banda carioca produzida por Dado Villa-Lobos, que fez barulho em 1990; Vanja, mulher rendeira, curta sobre a atriz/cantora Vanja Orico; e À sua imagem e semelhança, projeto de graduação de alunos do curso de jornalismo da Unicap, que entrevistam grupos como Del Rey, Seu Chico e Beatles 4Ever para refletir sobre bandas cover. Encerra a programação Canções do exílio: a labareda que lambeu tudo, que traz Caetano, Gil, Jorge Mautner e Jards Macalé falando sobre a ditadura.

Programa

Dia 7 (quarta)

18h - Seminário de Olinda
Concerto para Heloisa (SP), de Pedro Moscalcoff
O mar de Lia (PE), de Hanna Godoy

19h - Igreja da Sé
Filhos de João, o admirável mundo novo baiano (BA), de Henrique Dantas

Dia 8 (quinta)

18h - Seminário de Olinda
O silêncio do mundo (CE), de Bárbara Cariry
Luthier do PVC (RJ), de Marcos Homem
Bob Lester (RJ), de Hanna Godoy e Mariana Penedo

19h - Igreja da Sé
Sex Beatles: memorabília (RJ), de Marcelo Martins

Dia 9 (sexta)

18h - Seminário de Olinda
Profissão: Músico (RS), de Daniel Vargas e Luciano Balen

18h30 - Igreja da Sé
Daquele instante em diante (SP), de de Rogério Velloso

Dia 10 (sábado)

18h - Seminário de Olinda
É muita areia pro meu caminhãozinho (SP), de Ana Paula Guimarães e Eduvier Fuentes Fernández
À sua imagem e semelhança (PE), de Thiago Lira

(Diario de Pernambuco, 06/09/2001)

No velho oeste ele nasceu



O italiano que reinventou o western, Sergio Leone, é o homenageado de hoje no Telecine Cult. São nada menos do que quatro filmes do mestre, a partir das 14h30. Uma forma de passar o feriado na companhia dos atores Clint Eastwood e Lee Van Cleef, os rostos principais da “trilogia do dólar”: Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito (1966).

Entre outros elementos que eternizaram os filmes de Leone na história do cinema, está a figura lendária de Eastwood, o “pistoleiro sem nome”. Ele renovou a mitologia do “lone ranger”, o cowboy que conta apenas com a mira e alguns princípios para sobreviver entre corrompidos e degenerados.

Com a trilogia, Leone forjou a vertente do western spaguetti, conhecido no Brasil como o “bang-bang à italiana”. São filmes de baixo orçamento, baseados na ação física e muitas vezes bem-humorada, quase uma caricatura do velho oeste hollywoodiano. Ironicamente, essas produções feitas na Itália, Espanha e Alemanha, trouxe de volta a reputação dos faroestes.

Sobrevivência e ganância são palavras-chave do velho oeste de Leone, feito com sons de tiros que reverberam muito além do real, imagens envelhecidas em tons sépia e a imbatível trilha sonora de Ennio Morricone. Ponto alto de em Três homens em conflito, há uma longa sequência de tirar o fôlego, em que os pistoleiros se enfrentam em alinhamento triangular. Um diálogo tenso e silencioso, estabelecido em olhares cortantes, em primeiríssimo plano.

A programação especial se encerra às 22h, com Quando explode a vingança (1972), em que James Coburn vive um revolucionário irlandês, especialista em dinamite, durante a Revolução Mexicana de 1913.

(Diario de Pernambuco, 07/09/2011)

A volta da inocência



Escrito, coproduzido, dirigido e estrelado por Tom Hanks, Larry Crowne - O amor está de volta (EUA, 2011) é uma comédia romântica de pequenas proporções, onde a marca autoral de Hanks faz toda a diferença. O tom afetivo e descompromissado predomina, principalmente, na evocação à cultura dos anos 1950 e 1960, já bem exploradas em seu projeto anterior, The Wonders (1996), banda-paródia dos Beatles. Há também ecos de Forrest Gump, papel que definiu sua carreira. De certa forma, pode-se dizer que, finalmente, Forrest fica com sua Jane. Ou melhor, com a professora Mercedes (Julia Roberts).

Assim como o personagem que lhe rendeu o Oscar, Larry tem um grande coração, mas apresenta certo déficit intelectual. Fez o serviço militar, se veste de forma cafona e tem um amigo negro, um vizinho com quem negocia bugigangas. Larry é o funcionário mais dedicado da loja em que trabalha, mas sua falta de formação acadêmica acaba por colocar um fim em sua carreira.

Atordoado, vai à faculdade e se matricula em um curso de comunicação e oratória, ministrado por Mercedes. Ela está desmotivada com o casamento e o ofício de professora, algo aparentemente dissonante, mas que - aos poucos - reaproxima a atriz Julia Roberts do papel de namoradinha no qual está eternizada.

O melhor está nas inúmeras referências, impregnadas de inocência. Na gangue de scooters (sim, eles andam de lambreta) que “adota” Larry, através de uma jovem colega da faculdade. Ou no professor de economia, vivido por ninguém menos que George Takei, o Sr. Sulu de Jornada nas Estrelas.

Tudo é retrô, simpático, caricato. A história de amor se parece com tantas outras do cinema norte-americano, só que contadas como tivéssemos cinco anos. Dá pra imaginar Tom Hanks saindo da sala de aula direto para o banco de praça, caixa de bombons a postos. É estranho perceber isso, mas 20 anos depois, Forrest dirige o seu próprio filme.

(Diario de Pernambuco, 07/09/2011)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Novas diretrizes e várias incertezas na Fundaj

Aos poucos, a Fundação Joaquim Nabuco vem desenhando os contornos da nova gestão. Há menos de um mês, veio o anúncio do enxugamento do quadro, que a pedido do ministro da Educação, Fernando Haddad, mobilizará cerca de 25 a 30 cargos comissionados para duas secretarias recém-criadas pelo ministério, em Brasília. Agora, vem à tona a notícia de que as diretorias de cultura e documentação serão fundidas em uma única pasta, a Diretoria de Memória e Cultura, a ser assumida por Silvana Meireles.

Sexta-feira passada, a pedido de Fernando Freire, presidente da Fundaj, Isabela Cribari (cultura) e Rúbia Campelo (documentação) entregaram seus cargos. Uma nova diretoria, de formação, será criada para cursos de mestrado, de curta duração e qualificação de servidores.

Há temores pelo que virá, principalmente no que diz respeito a atividades reconhecidamente relevantes, como o Cinema da Fundação, a editora Massangana e o espaço destinados às artes plásticas. Paira sobre funcionários a suspeita de que a transição seja o início de um desmonte promovido pelo governo Dilma. E do lado de fora, a insatisfação pela ausência de um debate público.

“É um fantasma como vários outros”, diz Silvana, que atuou como diretora de cultura da Fundaj até 2002, quando partiu para atividades no Ministério da Cultura. “Não acredito que a presidente Dilma tenha coragem de mexer com uma instituição criada por lei há mais de 60 anos, com papel importante na região. Há recursos orçamentários e a vontade política de tornar instituição cada vez mais eficiente”.

As mudanças estruturais irão refletir nas quatro coordenações que estavam sob o comando de Cribari: a Editora Massangana, a Massangana Multimídia (da qual faz parte o Centro Audiovisual Norte-Nordeste), as gerências de artes plásticas e cinema, e a coordenação de Difusão Científico-Cultural. Há indícios de que os quatro departamentos se tornem uma única coordenação.

“Mais importante do que os cargos de chefia, que estão ali para cumprir uma temporada, a prioridade é fortalecer e aumentar o número de funcionários através de concursos. É importante ter um quadro de servidores que dê continuidade aos projetos”, argumenta Meireles.

Silvana garante que projetos consolidados não sofrerão riscos, até porque muitos foram implantados por ela. “Enxergo somente pontos positivos. A relação entre memória e cultura é bastante estreita. Será um desafio articulá-la através dos projetos. Essa proposta pode vir a fortalecer ambas as áreas”.

Ainda vai levar certo tempo até que o processo de transição termine e as novas diretrizes venham a público, mas Silvana adianta que os trabalhos serão organizados em torno de quatro eixos: memória, arte, cultura, educação. “As palavras chaves da minha gestão serão reflexão, inovação e acesso ao conhecimento”.

Dever cumprido - Após oito anos e meio, a produtora e cineasta Isabela Cribari entrega a gestão de cultura da Fundaj. De lá para cá, o balanço é claramente positivo. “Trabalhamos para efetivar uma política cultural sólida. Não cabe a mim decidir sobre a continuidade. Saio tranquila pelo que foi feito. As pessoas frequentam a Fundação como fosse uma casa, se apropriaram dela como um lugar público”.

Entre as principais ações de Cribari estão a implantação do Canne, do concurso de roteiros para documentário Rucker Vieira e da primeira etapa de um centro cultural no Engenho Massangana, a edição da Coleção Educadores (“o maior projeto editorial do país, com 200 mil coleções de 63 volumes, distribuído em escolas, bibliotecas e universidades) e a realização do projeto Poemas animados, cujo primeiro episódio, Morte e vida Severina (também editada em HQ), foi transmitido pela TV Escola para 50 mil unidades de ensino no Brasil.

“Cheguei em março de 2003 e em abril o projeto do Canne estava pronto. Ele representa os anseios de toda uma classe, de duas regiões do país, de oferecer acesso gratuito aos bens de produção e capatitação para o audiovisual”.

Um dos projetos mais recentes, o cine-educação, leva um kit com 26 filmes e livros para as salas de aula. “Trabalhamos nele há dois anos e lançamos a primeira oficina durante o Festival de Cinema de Triunfo, junto com o Conselho Nacional de Cineclubes e firmamos convênio com a Secretaria de Educação para levá-lo a mil escolas”.

Quanto aos novos tempos, ela não se arrisca a fazer previsões, mas alerta que, em outros “enxugamentos”, a Fundaj encerrou atividades em música, teatro e dança. “Não são só os cargos, mas as áreas que podem se extinguir. A grande contribuição da Fundaj é fazer esse link, ser o elo perdido entre a cultura e educação. É a única instituição colocar as linguagens artísticas na escola, promover a educação do olhar, a formação do ser humano pela arte. E trabalhei com paixão nesse sentido”.

(Diario de Pernambuco, 05/09/2011)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O sentinela verde merecia mais



As adaptações de personagens da DC Comics para o cinema tem sido modestas, se comparadas com a verdadeira desova da Marvel Studios. Desta, somente este ano tivemos X-Men, Thor e Capitão América, enquanto o tradicional selo de quadrinhos se concentrou em um único heroi, tão antigo quanto Superman e Batman, seus filhos mais famosos.

Uma das apostas da Warner para 2011, Lanterna Verde estreia hoje, com Ryan Reynolds (A proposta) liderando bom elenco (Peter Sarsgaard, Mark Strong e participação especial de Tim Robbins). O longa de Martin Campbell (007 - Cassino Royale) estreia também em questionável 3D, aplicado após a filmagem.

Ao contrário de outros filmes do gênero, como Homem de Ferro, Lanterna Verde não tem poder de dialogo com um público mais amplo, mas deve funcionar bem quem curte quadrinhos e cinema de fantasia. Reynolds é o piloto de caça Hal Jordan, o primeiro de vários humanos a integrar a tropa verde-esmeralda que zela pela paz nos mais distantes rincões do universo. Seus líderes estão preocupados com o avanço de entidade destruidora que se alimenta do medo de quem chegar perto.

A premissa é tão fantástica quanto infantil. Graças a um anel místico, os sentinelas são super-fortes, voam pelo espaço sideral e materializam qualquer objeto imaginável. Basta ter vontade e ousadia. Quando um deles sofre baixa nas cercanias da Terra, seu anel escolhe Jordan como substituto. O auge da ação está quando o monstrão ataca Nova York, ao estilo Godzilla. Isso, mais o visual questionável (a roupa dos lanternas brilha como purpurina e a máscara de Jordan não cola nem se fosse Carnaval), seria uma grande barra forçada, não fosse a narrativa ágil e bem amarrada, capaz de manter a atenção do começo ao fim.

(Diario de Pernambuco, 02/09/2011)