domingo, 31 de outubro de 2010

Nem tudo é mentira



Ele já foi policial, olheiro da seleção brasileira, DJ, líder de rebelião no Bangu, repórter da MTV, membro do narcotráfico no Paraguai, guitarrista do Engenheiros do Hawaii, piloto de avião e megaempresário. Agora, a incrível história de Marcelo Nascimento chega aos cinemas. No papel principal está Wagner Moura, como o rapaz que adentrou o high society recifense fingindo ser um dos donos da Gol. Nos quatro dias em que durou o golpe, ele foi o centro das atenções e chegou a aparecer duas ao vivo em rede nacional, no Programa Amaury Jr.

Produzido pela O2 de Fernando Meirelles e distribuído pela Universal Pictures, Vips (Brasil, 2010) tem direção de Toniko Melo, foi o grande vencedor do último Festival do Rio e está na programação da Mostra Internacional de São Paulo, onde foi exibido pela primeira vez na quarta-feira, com a presença de produtores e elenco.

A fotografia é do pernambucano Mauro Pinheiro Jr. (Linha de passe, Cinema, aspirinas e urubus), que utilizou referências da cidade para filmar cenas do carnaval de Olinda em Santana do Parnaíba, Região Metropolitana de São Paulo. No Recife, há cenas do Galo da Madrugada e no resort Nannai, onde Marcelo recebeu tratamento especial por fingir ser Henrique Constantino, um dos sócios da Gol.

No filme, o personagem é um polimorfo inteligente e imaturo, em busca de aceitação social e familiar. Ele quer se tornar piloto como o pai, só que alcança seu objetivo trabalhando para o narcotráfico, sob o apelido de Carrera. De volta para casa, arma o golpe do Recife para agradar a mãe, que sonha com o filho famoso. No Recife, ele entra para o clube dos ricos e famosos no papel de patrocinador do Recifolia e, via televisão, transmite a farsa em rede nacional. Atrás das grades sob o nome de Juliano, ele foi mediador de uma rebelião em Bangu, onde fingiu ser do PCC e pleiteou direitos dos presidiários, novamente para todo o Brasil.

Na pele de Wagner Moura, Marcelo ganha ainda mais poder de convencimento pois não conta somente com a astúcia, mas com o carisma de um dos atores mais valorizados do país. É certo que Moura faz o Marcelo Nascimento de forma menos dedicada do que o Capitão de mesmo sobrenome. As comparações ficariam por aqui não fosse o cruzamento de realidades de Tropa de Elite 2 e Vips, que passam pelo mesmo levante em Bangu. É estranho, mas o mesmo ator está nos dois lados da mesma situação, mostrada em filmes diferentes.

"Essa parte foi eu quem escrevi", diz Toniko Melo, autor do roteiro ao lado de Bráulio Mantovani. "Foi minha forma de brincar com o tema". Em conversa depois da sessão, o diretor disse que ao Marcelo da vida real fez apenas uma pergunta: por que, depois de enganar as pessoas do Recife, ele voltou para o Rio? "Isso não foi coisa de alguém genial. Ele demorou um mês para me responder e disse que fez isso porque não conseguiu sair do personagem. Para mim, isso é característica de um psicopata. Por outro lado, quem já não passou do limite e esqueceu de pôr o pé no freio moral?", questiona.

É inevitável comparar Vips com Prenda-me se for capaz (Catch me if you can, EUA, 2002), de Steven Spielberg. Toniko rebate e diz que entre os personagens há uma clara diferença. "Leonardo Di Caprio interpreta um falsário, enquanto o meu personagem é farsante". Ambos, no entanto, gostam de se dar bem com as mulheres.

"Marcelo ficou com várias garotas que pensavem que ele era rico, mas uma certa empresária recifense sabia que era um golpe e ainda assim ficou com ele", garante Toniko.

Para compor os vários personagens criados por Marcelo, Wagner Moura disse que utilizou o método de Stanislaviski. "Construí uma psicologia para cada identidade assumida por ele". Longe do fascínio pelo crime, Moura não investiu no papel do bandido mas daquele que está à procura de si. "Ele não é herói de nada, é um bandido perigoso. Como não me identifico com nada disso, fiz a opção estética que me pareceu mais interessante".

O elenco de Vips ainda conta Milhem Cortaz, Luciano Cazarré e Arieta Corrêa. Na trilha sonora estão Lúcio Maia, Pupillo e Edgard Scandurra. Antes de estrear, em março de 2011, o filme deve ter uma première no Recife. Amigo do diretor há 20 anos, Fernando Meirelles disse ao Diario que acredita no futuro comercial do longa. "Ele tem apelo, é inteligente e interessante e por isso pode funcionar bem com o público e se tornar um grande filme no ano que vem".



O Marcelo da vida real - Vips é uma adaptação do livro de Mariana Caltabiano (Jaboticaba, 2005), atualmente na 2ª edição e 17ª reimpressão. Quando leu uma reportagem sobre Marcelo, ela viu na história um bom filme e procurou por ele. Para entrevistar Marcelo, a autora o visitou diversas vezes quando estava detido numa prisão em Curitiba. As entrevistas renderam o documentário Histórias reais de um mentiroso, também lançado durante a Mostra, com depoimentos da família, polícia e vítimas de Marcelo, como o apresentador Amaury Jr e o ator Ricardo Macchi. O filme estreia pouco depois da estreia da versão ficcional, com distribuição pela Imovision.

Mariana tem uma visão generosa do personagem, mostrado como alguém amigo, querido pela mãe e de raciocínio afiado. "Ele é um cara muito inteligente e ansioso, não consegue esperar o tempo certo para atingir os objetivos. Suas vítimas sempre foram quem queria se dar bem por puro interesse, como no Recifolia. Não teria feito um filme sobre ele se fosse um bandido comum, que rouba de velhinhas. Ele é um estelionatário que tem certa ética".

"As pessoas dizem que foi a gafe da minha vida", diz Amaury Jr., no documentário. "Mas não foi bem assim. Ele não só me iludiu, como iludiu o Recife inteiro. Todos foram enganados pelo gênio que é esse rapaz". No livro, Amaury corrobora com Mariana na visão de que Marcelo não é um bandido comum. "Não o vi pedir dinheiro pra ninguém. Só querendo ser o centro das atenções. Dá impressão de que ele tem carências de se sentir uma pessoa importante".

Assim como a família dos donos da Gol, ele também é de Maringá, interior do Paraná. Após a morte do pai, se fez passar pelo filho do dono de empresa de transporte e assim viajou por várias cidades assumindo outras identidades. Bom contador de histórias que é, Marcelo acaba de terminar seu primeiro romance, que também será publicado pela Jaboticaba.

Outro fato impressionante de sua carreira foi a análise que fez da tragédia aérea que matou 199 pessoas no aeroporto de Congonhas, entre elas, dois irmãos de Mariana Caltabiano.A pedido dela, Marcelo escreveu uma carta de seis páginas onde diz que havia uma mulher além dos pilotos na cabine de comando, que houve falha humana e técnica e que a TAM estaria assumindo a responsabilidade sozinha para poupar a imagem da fabricante Airbus. Meses depois, a imprensa chegaria à mesma conclusão.

Para Mariana, o fato de Marcelo ter conseguido certa fama seria suficiente para ele parar com os golpes. Mas há quatro anos ele voltou a ser preso em Tocantins, de onde tentou sequestrar um avião. "Várias vezes me dei bem porque mexo com a ambição das pessoas", disse Marcelo, que por estar na cadeia não pode assistir às versões de sua história no cinema.

(Diario de Pernambuco, 31/10/2010)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mostra de SP // "Um dia na vida", de Eduardo Coutinho

Um dia na vida (Brasil, 2010), novo trabalho de Eduardo Coutinho, quase não pode ser chamado de filme. É pouco menos do que experimento, algo mais do que provocação. Como de praxe na obra do documentarista, seu método foi revelado no início do longa. Só que, desta vez, as regras também valem para a exibição.

Nada a ver com A day in the life, a clássica canção dos Beatles. O que Coutinho batizou de "material gravado como pesquisa para um filme futuro" é resultado de 19 horas de programação da TV aberta, editados em 94 minutos. O recorte foi feito para ser exibido uma única vez, durante a 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Quem não assistiu, nunca mais.

A manobra é uma clara demonstração de que o diretor de Cabra marcado para morrer (1964-84), Edifício Master (2000) e Jogo de cena (2008) não está nem aí para o que as pessoas esperam dele. Ao contrário, se arrisca como se esse fosse o primeiro – ou o último – projeto de sua vida. "De criativo meu trabalho não tem nada", disse Coutinho, para cerca de 500 pessoas na noite de quinta-feira. "O princípio é da pilhagem. Tudo a certa medida é plágio, cópia, referência. A figura do artista original é uma farsa romântica".

A exclusividade do evento, aliado ao prestígio do realizador, culminou em sala lotada, mesmo que nem uma linha, exceto as aspas acima, fosse antecipada sobre o que seria mostrado. O motivo da estratégia foi evitar qualquer possibilidade de Coutinho e equipe (liderada por João Moreira Salles) sofressem sanções legais por uso indevido de imagens.

No fim da projeção, a colagem foi explicada e defendida pelos amigos Jorge Furtado e o montador Eduardo Escorel, que ressaltaram o princípio da descontextualização da obra original. Ao transferir imagens da TV para o cinema, surge o valor documental. De forma que esse "troço", como o próprio Coutinho define, só não foi uma arapuca armada de forma maliciosa porque sim, remete a uma experiência interessante na medida em que potencializa as aberrações transmitidas diariamente para milhões de narcotizados – ou ávidos pela cultura trash, como bem colocou o crítico pernambucano Rodrigo Almeida, na plateia.

Com os olhos bem abertos, assistimos programas e comerciais da Globo, SBT, Record, Band, Rede TV!, MTV, TV Brasil, zapeadas nas vésperas da escolha do Brasil como sede das Olimpíadas 2016. "Escolhi um período sem decisão de futebol, eleição ou grandes tragédias. Quando não acontece nada de relevante é que as coisas relevantes aparecem", crê o diretor.

A edição começa com o telecurso e termina com o ritual do copo d'água às 2h da manhã. No meio do caminho, encontramos garotas seminuas caçando caranguejo, o cirurgião da moda ditando regras sobre o corpo feminino, propaganda do partido comunista e Wagner Montes dando a receita para se lidar com uma mulher rebelde: “Não precisa bater, basta segurar os braços”.

Durante o debate, Jorge Furtado demonstrou que foi pego de surpresa e estava tão consternado quanto outras pessoas da plateia. "Cinema e televisão usam a mesma linguagem. A diferença está na atenção que prestamos. A TV não foi feita para ser vista assim. No cinema ela grita, nos ofende. Jean Claude Carrière diz que o cinema ama o silêncio. Já a TV odeia o silêncio". Na busca de caminhos, ele propõe uma via educacional para que alunos de universidades possam pensar a natureza do conteúdo televisivo. "Vamos contar quantas vezes se fala em Deus para ganhar dinheiro. Ou quantas vezes os pobres são humilhados pelos ricos".

Já Coutinho não tem dúvida quanto à função social de tal programação. "Como máquina de despolitizar, a TV é perfeita".

Mostra de SP // Caterpillar, de Kôji Wakamatsu



Com foco no patriotismo que sustentou a bravura japonesa durante a Segunda Guerra, o longa Caterpillar (Japão, 2010) olha para as mazelas provocadas por esse estado de espírito mantido até a eclosão das bombas de Hiroshima e Nagazaki. O filme de Kôji Wakamatsu foi exibido na quarta à noite na Mostra de São Paulo poderia ter contado com melhor projeção (a imagem digital estava um tanto opaca) mas isso não impediu que uma sala lotada percebesse sua alta qualidade.

A história começa cinco anos antes, durante a guerra Sino-japonesa, da qual o Tenente
Kurokawa (Keigo Kasuya) volta para casa sem braços, pernas, voz e audição. Sua mulher, Emi (Shinobu Terajima, prêmio de melhor atriz em Berlim) recebe a missão de cuidar do marido, nomeado pelo Império japonês como Deus da Guerra e heroi local.

Inicialmente considerada um fardo por Emi, a missão se mostra parcialmente vantajosa, já que a condição do marido atrai doações em comida, coisa rara durante a guerra, e reconhecimento social. A aparência de seu marido, apelidado de “lagarta” (caterpillar em inglês), aos poucos se mostra menos monstruosa do que seu passado, que volta em forma de alucinações e pesadelos.

Pelo tom ideológico antibélico e a inevitável analogia física dos protagonistas, Caterpillar dialoga com Johnny vai à guerra (Dalton Trumbo), também pelo impedimento físico decorrente da ação em campo de batalha. Outra referência imediata é a HQ Gen - Pés Descalços, de Keiji Nakazawa, desenhista que sobreviveu à bomba. Principalmente ao assistir dos que vão orgulhosos para a morte e a expressão de desespero de Emi enquanto canta o hino do país com a cabeça do marido no colo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Mostra de SP // "Boca do Lixo", de Flávio Frederico



Boca do Lixo teve primeira exibição na Mostra de São Paulo na última terça-feira.

Com o Arteplex 3 da Frei Caneca lotado, o diretor Flávio Frederico apresentou equipe e elenco, entre os quais os atores Daniel de Oliveira, Milhem Cortaz, Hermila Guedes, Paulo César Pereio e Leandra Leal.

Com bons recursos de fotografia, montagem e direção de arte, Boca do Lixo narra a história de Hiroito de Moraes Joanides, tido como o rei do local na virada dos anos 50-60.

O filme é baseado em relato do próprio Hiroito, vertido em livro. De orçamento limitado (os atores são co-produtores), o filme deve estrear no segundo semestre de 2011, com distribuição própria independente).

Quem vive o controverso personagem é Daniel de Oliveira, (de novo) no papel de bandido (de novo) febril. Ele veio de família classe média, mas não hesitou em entrar com os dois pés no mundo do crime. Como um gângster de Scorsese, ele é perseguido pela polícia enquanto vive o glamour da boemia paulistana.

Hermila Guedes interpreta a mulher por quem Hiroito se apaixona e casa. Ela está ótima como consorte no amor e nos negócios da prostituição. As drogas vieram em decorrência, traficadas com a conivência vendida pelo delegado vivido cinicamente por Peréio.

Boca do Lixo peca na interpretação pouco fluente do texto, que parece decorado na boca dos atores. No entanto, merece ser visto pela impressionante reconstituição de época (arte de Alberto Grimaldi). Para recuperar a arquitetura da São Paulo de 50 anos atrás, foi preciso rodar parte do filme em Santos.

Mas as melhores imagens do longa são internas, feitas em dois edifícios antigos da capital paulista. A fotografia de tons sombrios de Adrian Teijido, premiada no Festival do Rio, é outro ponto a favor.

Igualmente interessante é assistir ao filme tendo em mente que na área controlada por Hiroito está o que hoje é conhecido como Cracolândia.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mostra de SP // "Avenida Brasília Formosa", de Gabriel Mascaro

Na noite de terça-feira, Gabriel Mascaro apresentou seu novo longa, Avenida Brasília Formosa.

Matéria sobre o filme aqui.

O público gostou, aplaudiu e ficou para o debate no fim da sessão. Entre as perguntas, a dúvida mais recorrente foi a respeito da natureza do filme. Documentário? Ficção? Quem são aquelas pessoas mostradas no filme? Mascaro explicou que o filme nasceu como ficção que propõe o encontro entre quatro personagens mas foi aprovado em edital para documentário.

"O que me interessa é essa confusão que leva a pensar a credibilidade do filme", disse Mascaro. "Por isso busquei a ambiguidade, a discrepância. O resultado vem de pactos e negociações que possibilitaram obter um pouco deles. Mas a ideia principal foi promover o descontrole, inclusive o meu, que nunca tinha certeza absoluta do que estava fazendo".

A ausência de "pistas" óbvias que levem a certezas sobre o que é real ou ficção nos protagonistas do filme se equilibra com o jogo de luz e a captação de som que criam um aspecto artificial na produção. "Quis criar tecnicamente o espaço de questionamento do real", diz o realizador, que em novembro apresenta o filme durante o Janela Internacional de Cinema do Recife.

Ainda em novembro, ele estará na França, onde submete a patrocinadores seu novo projeto, Valeu boi. "Quero olhar para as cidades do interior contemporâneo, sob influência do desenvolvimento econômico e cultural, e como isso influencia as relações. Sinto falta dessa leitura no cinema, de buscar um Sertão menos idealizado e romântico".

O circuito de vaquejadas será o fio condutor de Valeu Boi e por isso o diretor vem fazendo sua pesquisa in loco, viajando em boleias de caminhão.

Mostra de SP // "Cópia Fiel", de Abbas Kiarostami



Entre o mar de filmes disponíveis na Mostra Internacional de São Paulo, Cópia fiel é um revigorante e tanto para seguir maratona adiante. Para olhos cansados pela quantidade de filmes assistidos diariamente, alguns, apostas não acertadas, a nova obra do iraniano Abbas Kiarostami (Através das oliveiras, Dez) funciona como um colírio. A começar pela performance de Juliette Binoche, que rendeu à atriz o prêmio de melhor atuação feminina no festival de Cannes. Sua personagem, Elle, se equilibra fragilmente no papel de mãe solitária, à procura de um companheiro. Nós a encontramos no evento de lançamento do novo livro de James Miller (William Shimell) estudioso dedicado à questão da originalidade nas obras de arte.

Antes de o autor voltar para a Inglaterra, Elle o convida para um passeio para a região da Toscana. No caminho, o jogo de espelhos proposto por Kiarostami confunde na medida em que o escritor assume outra identidade, a do ex-marido. Uma cópia fiel, que por alguns momentos preencha a necessidade afetiva de sua cicerone. Imagens do casal dentro do carro e um plano-sequência em que discutem arte na praça de uma vila (um dos turistas é Jean Claude Carrière) estão entre os melhores momentos do filme e reforçam a liberdade poética e o doce descompromisso assumidos pelo diretor. O filme será distribuído no Brasil pela Imovision e precisa ser visto.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mostra de SP // Metropolis, 2010



Uma única sessão de cinema foi capaz de reunir mais de doze mil pessoas no Parque do Ibirapuera. Como ignorar a projeção, na parede externa do auditório desenhado por Oscar Niemeyer, da cópia restaurada do clássico do expressionismo alemão Metropolis (Alemanha, 1927), de Fritz Lang? A singularidade do programa o tornou irresistível e atraiu diferentes tribos e gerações.

Sincronizado com o som da Orquestra Jazz Sinfônica, que interpretou o music score original composto por Gottfried Ruppertz, o filme de 248 minutos teve sua primeira exibição na América Latina, promovida pela Mostra Internacional de Cinema. Era uma noite de domingo fria e úmida, o filme-evento teve dois intervalos para descanso da orquestra, mas o público resistiu até o fim. E aplaudiu de pé.



Foi um cenário e tanto. Árvores escuras, em contraste com o céu monocromático, poderiam ser a extensão em 3D do da distopia futurista criada por Lang. Oitenta anos depois, em silêncio, a metrópole assiste a si mesma. Entre os convidados do evento estava o diretor alemão Olav Saumer, que participa da mostra competitiva com seu longa de estreia, Clube do suicídio. "Nunca imaginei que sairia da Alemanha para assistir Metropolis no Brasil. A última vez que assisti esse filme foi em VHS".

A quantidade de pessoas e a quietude da sessão poderia supor uma liturgia, mas cigarros acessos e garrafas de vinho não permitiriam tanto. Bicicletas deitadas na grama, pessoas idem. Algumas trouxeram animais de estimação, como a estudante de arquitetura Luana Teodoro. "Foi uma grande ideia dos organizadores da Mostra. A sessão de hoje entrou pra história de São Paulo", disse, ao lado de seu dálmata.



Metropolis foi restaurada pela Fundação Murneau em Wiesbaden, após a descoberta de um negativo em 16mm no Museu do Cinema de Buenos Aires. Promovida pela Mostra Internacional de Cinema, a sessão no Ibirapuera teve os mesmos moldes da realizada durante o Festival de Berlim, quando a versão completa do filme foi projetada no Portal de Brandenburgo.

(Diario de Pernambuco, 26/10/2010)

Cinema retrata ditadura no Nordeste

A ditadura militar no Nordeste está na pauta de novas produções de cinema. Atualmente, há pelo menos três projetos em andamento: Sobre cães e homens - o calvário da ditadura militar no Nordeste, de Elinaldo Rodrigues; Alexina, de Cláudio Bezerra e Stella Maris; e História de um valente, de Cláudio Barroso. Todos tratam de grandes lideranças que resistiram à força dos generais, como Francisco Julião, Alexina Crespo, Gregório Bezerra, João Pedro Teixeira e Miguel Arraes.

Alexina, de Bezerra, é o único com orçamento fechado. Será rodado com o patrocínio de R$ 80 mil concedido pelo concurso Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco. Para realizar o curta, a equipe levará de volta à Cuba a ex-guerrilheira Alexina, hoje com 82 anos. Alexina foi a primeira esposa de Francisco Julião e ficou exilada em Cuba de 1964 a 1971, onde conviveu com Che e Fidel. "Queremos revirar esse passado e o que ainda resta dele. Vamos visitar os lugares onde ela e os filhos moraram, onde fizeram os treinamentos. Também vamos tentar falar com Fidel", diz Cláudio Bezerra.

Para ele, retornar ao período ditatorial é valorizar as pessoas que tinham uma atitude perante o mundo e dedicaram suas vidas a uma causa. "Não queremos fazer julgamento de valor, mas levantar a discussão. A nossa ditadura é o equivalente à Segunda Guerra para os europeus. É preciso estar sempre alerta, nunca esquecer o prejuízo que aquilo representou para nos afirmar cada vez mais como democracia, como sociedade mais tolerante".

Aprovados em editais públicos, Sobre cães e homens e História de um valente buscam recursos na iniciativa privada (investimento direto) e na lei de incentivo via renúncia fiscal. Orçado em R$ 1,7 milhões, Sobre cães e homens parte do livro A ditadura dos generais (Bertrand Brasil, 2007), de Agassiz de Almeida, para buscar com recursos de documentário (depoimentos e pesquisa de arquivo) e dramatização os fundamentos psicológicos que regeram as mentalidades da época.

"A parte encenada toca no lado grotesco e cruel da opressão, mas também em ações militares que soam de forma ridícula, como a tendência de endeusar generais", diz Elinaldo, que tem no currículo o longa Zé Ramalho - o herdeiro de Avohai (2009). "Quando Agassiz foi preso, num momento de tortura psicológica, cornetas tocaram na praça para os generais, recebidos com euforia. Quero confrontar esse compasso militarista, de tomada de poder personalista que endeusava alguns generais, mesmo que sua ação fosse baseada no massacre".

A pesquisa de Rodrigues inclui o posicionamento político de artistas como Abelardo da Hora e os cineastas Vladimir Carvalho e Eduardo Coutinho, que com Cabra marcado para morrer dirigiu o primeiro filme a tratar da ditadura no Nordeste. Em 1964, Coutinho teve o equipamento apreendido e só conseguiu concluir a empreitada 20 anos depois. O episódio também estará abordado por Cláudio Barroso, em História de um Valente, sobre Gregório Bezerra, político pernambucano que foi arrastado e torturado em praça pública.

"A câmera que usavam era russa e isso aumentou a paranóia de que a equipe era comunista. E naquela época não precisava muito para prender todo mundo e descer porrada", diz Barroso, que já retratou a ditadura em Pedras de fogo (1982) sobre João Pedro Teixeira e Margarida Maria Alves (1983). Com 30% do filme revelado, o novo longa está parado por falta de recursos. A morte recente de seu produtor, Germano Coelho, dificulta ainda mais a realização, mas Barroso diz que agora é questão de honra finalizá-la.

"Há certa rejeição. O filme é chamado de comunista porque fala de um líder revolucionário. Estamos vivendo um retrocesso, em que uma eleição é definida por temas como aborto e casamento gay enquanto os arquivos da ditadura continuam fechados. Por exemplo, estou há quatro anos com o projeto e ainda não consegui as imagens de Bezerra torturado, apesar de terem sido transmitidas em rede nacional. Dizem que está nas mãos de um general e ninguém mais tem acesso".

Autor dos livros Francisco Julião - vida, paixão e morte de um agitador (Alepe, 2001) e Francisco Julião, as ligas camponesas e o golpe de 64 (Comiunigraf, 2004), o repórter especial do Diario, Vandeck Santiago, diz que o interesse do cinema em redescobrir lideranças regionais que enfrentaram a ditadura está ligado ao fluxo natural de resgate da história.

"Primeiro vieram nomes nacionais como Leonel Brizola e João Goulart", diz Santiago. Para ele, a ação do regime militar foi mais drástica para o Nordeste do que para o Brasil. "O golpe definiu o destino do Nordeste. Perdemos Paulo Freire, Josué de Castro, Celso Furtado, Francisco Julião, Gregório Bezerra e Miguel Arraes, que não deixaram sucessor e fariam falta a qualquer país".

(Diario de Pernambuco, 24/10/2010)

Mostra de SP // Entre lendas do cinema



Um fim de semana com lendas do cinema, teatro e da cultura pop. Ao menos no recorte deste repórter, que entre as dezenas de opções no cardápio da Mostra Internacional, escolheu assistir Lope (Espanha/Brasil, 2010), de Andrucha Waddington, Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, O garoto de Liverpool (Inglaterra, 2009) e Machete (EUA, 2010), de Robert Rodriguez. Filmes díspares, que de alguma forma, deram liga.

Em tom apaixonado, Lope mostra a juventude do poeta Félix Lope de Vega Carpio (Alberto Ammann), que largou a guerra com Portugal e revolucionou as artes cênicas ao inserir elementos de comédia nas tragédias. Melodramático, o filme reza na cartilha hollywoodiana e foi um dos candidatos para a indicação brasileira ao Oscar. Mesmo tendo sido funcionário da Santa Inquisição na maturidade, Lope é mostrado como um ser libertário e brilhante, cujo talento só foi superado pela sinceridade com que levou relações amorosas e de trabalho. E como todo ser livre que desafia o poder, Lope pagou caro.

Sexta à noite, Waddington estava na sessão e disse que antes o projeto nasceu quando esteve na Espanha para exibir seu longa anterior, Casa de areia e recebeu o roteiro de Jordi Gasull e Ignacio del Moral .“Sabia que ele era um grande dramaturgo mas não conhecia sua história”, disse o diretor. “Passei os quatro últimos anos mergulhado no século de ouro espanhol, para poder filmar com alguma propriedade”.

Lope estreou na Espanha há seis semanas e foi rodado no Marrocos ao custo de 12 milhões de euros. Waddington escolheu como locação a medina portuária de Sauira, que tem influencia ibérica e preserva o aspecto das ruas da antiga Madri. Há participações rápidas de Sônia Braga, como mãe do poeta, e Selton Mello, como abastado senhor que contrata Lope como ghost-writer. Ao Diario, Waddington diz que não sabe que direção pretende tomar agora que deu o primeiro passo em carreira internacional. “Não há nada certo mas tenho um projeto na Ucrãnia, onde minha mãe nasceu, e dois no Brasil”.



O garoto de Liverpool cai como uma luva para nos 70 anos de nascimento de John Lennon. Estrelado por Aaron Johnson (Kick-ass), muito bem como roqueiro rebelde, o filme de Sam Taylor-Wood reconstitui depoimentos e fotos clássicas e se sustenta na satisfação do fetiche em e assistir o futuro Beatle em momentos essenciais para a sua formação. Se ele era uma criança quando foi a Hamburgo, anos antes vivia dividido entre duas mulheres, a severa Tia Mimi (Kristin Scott Thomas), que o criou, e sua mãe Julia (Anne-Marie Duff), a quem redescobre aos poucos. O longa desvenda as raízes afetivas que se tornariam a base de sua carreira e a consequente importância de Julia, cuja personalidade despreparada e contraditória renderam a John a matéria-prima com a qual lidou pelo resto da vida.



Machete tem tudo para agradar fãs do cinema pervertido de Rodriguez (El mariachi, Planeta Terror). O filme traz seu ator predileto, Danny Trejo como Machete, ex-policial chicano bom de faca que desafia uma rede de poder que controla o tráfico - Steven Seagal é um dos chefões. Para revidar, ele convoca centenas de lavadores de pratos, sorveteiros e motoristas de caminhão para um levante na fronteira. Mas Rodriguez trata da imigração ilegal apenas para ampliar seu arsenal de releituras e bizarrice, com direito a tripas que servem de cipó e carros que saltam e esmagam. De quebra, temos Robert DeNiro de volta ao volante de um taxi.



Sábado à noite, na Cinemateca Nacional, Rashomon emocionou uma sala lotada não só pela poderosa narrativa de Kurosawa e a interpretação visceral de Toshiro Mifune mas pela presença de Teruyo Nogami, que no filme foi continuísta e anos depois se tornou a produtora do cineasta. Após a sessão ela contou que este foi seu primeiro trabalho ao lado do mestre. “Foi difícil realizar. Estávamos há cinco anos do fim da guerra e haviam poucos rolos de filme. Poucos dias antes da estreia, um incêndio destruiu nosso local de trabalho e as películas. Por sorte não eram os negativos. Caso contrário, Rashomon nunca viria ao mundo. Ele foi um filme de grande importância para o Japão, que abriu a porta do país para o mundo”. No ano seguinte, o longa seria o vencedor em Veneza. “Como ninguém estava representando o filme, procuraram algum oriental e entregaram a ele. Até hoje não sei quem foi”, diz a senhora Nogami, que conta sua trajetória com Kurosawa no livro À espera do tempo, lançado durante a Mostra.



Kurosawa, por sinal, é um dos cineastas que marcaram a vida de Wim Wenders. Sábado à noite, após sessões de Até o fim do mundo (1993) e Asas do desejo (1987), o diretor alemão inaugurou a terceira edição do ciclo Filmes da Minha Vida. Wenders disse que estudava medicina e queria ser pintor, mas Harold Lloyd, Jean Renoir e Ingmar Bergman o fizeram mudar de plano. “Os filmes de Bergman me impressionaram porque transcendem a realidade, são capazes de fazer uma metáfora da vida. Depois de assistir a todos os seus filmes desisti de estudar medicina”.

A vontade de escrever sobre filmes veio depois de assistir The man of the west, de Anthony Mann. “Como um arquiteto, ele constroi tijolo por tijolo unidades de tempo e espaço”. Fasbinder, Antonioni, Jim Jarmush, Glauber Rocha (Deus e diabo na terra do sol), Easy Rider e filmes underground feitos por Andy Warhol, Stan Bakhrage e Michael Snow também estão na lista de Wenders, na qual o japonês Yasujiro Ozu tem lugar especial. “Já estava velho para descobrir meu mestre, mas aconteceu”.

sábado, 23 de outubro de 2010

Mostra de SP // Visões do paraíso



As infinitas sessões da 34ª Mostra Internacional de Cinema podem ser uma visão do paraíso. No entanto, antes há o purgatório da escolha, que passa por optar entre uma retrospectiva nórdica com presença do diretor norueguês Bent Hammer ou a oportunidade de assistir aos clássicos de John Ford numa sala de cinema. A filosofia do evento é trazer para o país filmes que dificilmente viriam de outra forma. Daí se entende situações insólitas como filas para assistir filmes da Armênia, Sri Lanka, Estônia, Haiti, Eslováquia, Ucrânia, Vietnã e países da antiga União Soviética.

Hoje à noite, o dilema é entre a cópia restaurada de Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, e o novo corte de 280 minutos feito por Wim Wenders para Até o fim do mundo (1993). Convidado de honra do festival, Wenders estará na sessão e também abrirá o evento Os filmes da minha vida.

Na última terça-feira, o diretor alemão inaugurou exposição de fotografias Lugares, estranhos e quietos, que ocupa o primeiro andar do Masp. Ao longo dos anos, Wenders lançou seu olhar de viajante ao redor do planeta e o resultado está nessa mostra inédita. As imagens variam entre landscapes como a que mostra enorme cratera provocada por um meteoro na Austrália ou recortes da realidade, que como em seus filmes, revelam o que há de insólito ou fantasmagórico numa casual esquina urbana. O cruzamento de ruas, aliás, simboliza bem o espírito da busca de Wenders. Não se sabe muito bem o que iremos encontrar ao tomar um dos caminhos e isso é um estímulo e tanto para a imaginação.

Wenders também esteve na cerimônia de abertura, na noite de quinta-feira, em que a atração principal foi o novo longa de Manoel de Oliveira, O estranho caso de Angélica. Como o diretor português (introduzido no país pela própria Mostra, em 1979) não pode vir, mandou um vídeo pela internet, onde se diz desolado pelo impedimento de seu médico, que o fez trocar de marcapasso antes de viajar para a mostra. Por isso, ainda há a expectativa de que o mestre de 102 anos ainda possa estar entre nós.

O estranho caso de Angélica é de uma poesia sem fim. Sem a preocupação de parecer moderno ou de honrar suas várias décadas de experiência, Oliveira faz um cinema sem pressa, de tempo próprio. No filme, coprodução Brasil-Portugal, ele assume como alterego um fotógrafo (Ricardo Trêpa), um coletor de imagens munido de câmera mecânica. A história começa quando uma família importante o chama para fazer a última foto de Angélica, bela filha que morreu, mas mantém misterioso sorriso nos lábios. Há um quê de Blow Up de Antonioni quando, através do dispositivo ótico da câmera fotográfica, a falecida volta à vida, tamanho é o mistério das imagens.

Outro momento especial da abertura foi a presença de Teruyo Nogami, que trabalhou por mais de 50 anos ao lado de Kurosawa e trouxe para o Brasil exposição de desenhos (storyboards), lançados em livro pela CosacNaify. Ela disse emocionada que imaginou um encontro centenário entre Kurosawa e Oliveira, e saber que o diretor português estaria no país a motivou a fazer a viagem aos 83 anos de idade.

(Diario de Pernambuco, 23/10/2010)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Coluna de Cinema da semana



Superjovem 1 - Adaptação dos quadrinhos concilia senso de época, ritmo e humor ao contar história de um adolescente geek (Aaron Johnson) que, sem poderes ou treinamento, se lança como super-herói. Ele leva várias surras até encontrar Big Daddy (Nicolas Cage) e sua filha, Hit Girl (Chloe Moretz), paródia de Batman e Robin em busca de vingança contra o mafioso Frank D'Amico (Mark Strong). Já o bandido patrocina os delírios do filho, que se torna o hipster Red Mist. Sangue, risos e boa música garantidos.
Kick Ass - quebrando tudo (EUA, 2010). De Matthew Vaughn. 117 minutos. Universal.


Superjovem 2 - A partir de livro Mano, de Gilberto Dimenstein, a diretora de Bicho de Sete Cabeças aborda com propriedade o universo escolar da classe média, movido a pequenos dramas invisíveis para adultos, ambiente de leis próprias e bullyng via internet. Foco nas conquistas e infortúnios de Mano (Francisco Miguez), 15 anos, oprimido pela separação dos pais. Em paralelo, professor (Caio Blat) é assediado por aluna (Gabriela Rocha) e o irmão de Mano (Fiuk) enfrenta depressão.
As melhores coisas do mundo (Brasil, 2010). De Laís Bodanzky. 105 minutos. Warner.

Bastidores

Oito pernambucanos no Amazônia Doc: Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro; Uma Aldeia Chamada Apitwtxa, de Txirotsi Ashaninka; Kene Yuxi, as voltas do Kene, de Zezinho Yube; e os curtas Arte do açúcar, de Adelina Pontual; Confessionário, de Leonardo Sette; Lugar das histórias, de Luiz Felipe Botelho; Do Morro?, de Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro; e Peixe Pequeno, de Vincent Carelli e Altair Paixão.

A segunda edição do Festival Internacional de Cinema Ambiental tem como tema A Terra é Vida e está em pleno andamento em Fernando de Noronha. Semana que vem, a programação (curadoria de Kátia Mesel) vem para o Recife, onde ocupa a Torre Malakoff (dia 28) e o Cinema São Luís (dia 29). Mais em www.ecocinenoronha.com.br.

A TV no Parque está de volta. A primeira mostra competitiva será domingo, das 16h às 19h, numa lona armada no Parque 13 de Maio (Boa Vista). Serão exibidos 11 filmes, além de entrevistas ao vivo com Queops Negão. Após a exibição, dois filmes serão premiados com R$ 1.000 cada.

O Film Festival Roterdam, na Holanda, com inscrições abertas para longas até 1º de novembro. www.filmfestivalrotterdam.com.

Letreiro no Cinema São Luiz lamenta a ausência do produtor Germano Coelho Filho, falecido no domingo último. Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe, estuda a melhor forma de homenageá-lo de forma permanente.

Eu indico


Bárbara Formiga - cantora
Foto: Mary Gatis

Eu indico Onde vivem os monstros (Where the wild things are, EUA, 2009), de Spike Jonze. Ele não tem medo de adentrar nossa floresta interior e trazer aos olhos os monstros que formam a nossa natureza humana de uma maneira linda e poética. É um verdadeiro processo de crescimento pessoal: fugas, descobertas, surpresas, reconhecimento e interiorização. A briga que temos com nós mesmos não importa em que fase da vida nos encontramos.

Um festival, 400 filmes


O estranho caso de Angélica, de Manoel Oliveira, abre a Mostra hoje à noite

Com mais de 400 filmes na programação, a 34ª Mostra Internacional de São Paulo começa hoje à noite, com a exibição de O estranho caso de Angélica, novo filme de Manoel de Oliveira. O centenário diretor português viria para a abertura, mas precisou fazer uma operação de emergência para troca de marcapasso. De acordo com Leon Cakoff, organizador da mostra e coprodutor do filme, o cineasta está bem e deve comparecer para a cerimônia de encerramento.

A partir de hoje, o Diario estará no evento cuja grandiosidade só é superada pela qualidade da programação. A começar pelos clássicos, Metropolis (1927) de Friz Lang será projetado em parede externa do auditório do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer. Será a primeira exibição clássico restaurado com cenas inéditas e musicado ao vivo pela Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo.

Presente no evento, Wim Wenders inaugura exposição inédita de fotos, também publicadas em livro editado pela Mostra e terá retrospectiva de filmes emblemáticos como O filme de Nick, Asas do desejo, Paris Texas e Até o fim do mundo, este em nova edição de 240 minutos. O cinema alemão também está representado pela presença de atriz Hanna Schygulla, a preferida de Fassbinder. Outro convidado especial é Alan Parker, que preside o júri e terá mostra com O expresso da meia-noite (1978), Pink Floyd The Wall (1982) e Mississippi em chamas (1988).

Os 100 anos de Akira Kurosawa são lembrados com exibição de Rashomon (1950), Madadayo (1993) e exposição de 80 desenhos originais do mestre, organizada em parceria com o Instituto Tomie Ohtake. É a primeira vez que a coleção será exposta fora do Japão.

A grandiosidade da mostra que mobiliza equipe de 500 pessoas e custa R$ 6,2 milhões só é superada pela qualidade da programação de filmes aplaudidos em Cannes, Berlim, Veneza e produzidos em países díspares como Tailândia, Haiti, Coreia do Sul, Palestina e Noruega.

A capacidade de se renovar permite que nomes consagrados como Woody Allen, Sofia Copolla, Zhang Yimou e Jean Luc Godard convivam com novos realizadores como o pernambucano Gabriel Mascaro, que já participou da Mostra com KFZ -1348 (dele e Marcelo Pedroso) e agora volta com o desafiante Avenida Brasília Formosa.

"Não tem megalomania, é amor ao cinema", diz Cakoff, por telefone. Para marinheiros de primeira viagem na Mostra, como este repórter, a dica é simples: "Sabe nadar? Mergulha".

(Diario de Pernambuco, 21/10/2010)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Festival de Brasília 2010 divulga selecionados


Longa 35mm Vigias, de Lordello, estreia no festival

Quatro filmes pernambucanos participam da competição do 43º Festival de Brasília. Na categoria 35mm, concorrem o longa Vigias, de Marcelo Lordello, e os curtas Café Aurora, de Pablo Polo e Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros. My way, de Camilo Cavalcante, foi selecionado na categoria curtas digitais.

Cavalcante tem um histórico de premiações em Brasília e em 2009 foi vencedor de melhor curta com Ave Maria ou mãe dos sertanejos. Em 2008, Lordello concorreu ao Candango com o curta Nº 27. Calheiros e Polo são estreantes no festival.

"Por tudo o que o festival representa, estrear em Brasília é algo que queríamos muito", diz Pablo Polo, que escreveu, dirigiu e montou o filme que o leva pela primeira vez a Brasília. Viabilizado pelo edital do Funcultura, Café Aurora conta a história de amor entre um barista (Henrique Ponzi) e uma artista plástica (Mariangela Valença). Na equipe estão Beto Martins (fotografia), Nicolas Hallet (som) e Giu Calife (arte).

O doc Acercadacana é sobre Dona Maria Francisca, moradora da Zona da Mata Norte que enfrenta a hostilidade de uma grande empresa que quer expulsá-la da casa onde mora há quatro décadas.

Gravado no Galo da Madrugada com o ator Silvio Pinto e fotografia de Camilo Soares, My way marca a volta de Cavalcante ao suporte digital e é definido pelo diretor como "a alegoria da melancolia".

Primeiro longa de Lordello (e de sua produtora, a Trincheira Filmes), Vigias desdobra o projeto contemplado em 2009 pelo concurso Rucker Vieira, da Fundaj. Outros longas em competição são A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande; Amor?, de João Jardim; O mar de Mário, de Reginaldo Gontijo e Luiz F. Suffiati; O Céu Sobre os Ombros, de Sérgio Borges; e Transeunte, de Eryk Rocha.

A seleção de longas foi feita pela produtora executiva Andréa Glória, os cineastas Bruno Safadi, Jeferson De e o jornalista e crítico do jornal O Tempo, Marcelo Miranda. A de curtas 35mm, pelos cineastas Daniel Ribeiro, Leonardo Lacca, Douro Moura e da diretora de fotografia Kátia Coelho. Os curtas em suporte digital foram escolhidos por Allan Ribeiro e o diretor/roteirista Cláudio Moraes. Todas as comissões foram coordenadas por Fernando Adolfo, diretor do festival.

O Festival de Brasília 2010 se realiza entre 23 e 30 de novembro e será aberto com a cópia restaurada de Liliam M. - relatório confidencial, de Carlos Reichenbach e o curta 50 Anos em 5, de José Eduardo Belmonte.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Luto no cinema pernambucano

Germano Porto Carneiro Coelho morreu na tarde de domingo, aos 52 anos. Produtor e articulador do audiovisual, seu legado passa por obras fundamentais para a recente produção no estado, como Baile perfumado (1996), O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas (2000) e Deserto feliz (2007), todos premiados e exibidos no exterior. Ontem pela manhã, o enterro mobilizou cerca de 100 pessoas no cemitério Parque das Flores, entre amigos, familiares e profissionais de cinema.

Não se sabe o motivo da morte. Germano morava só no bairro de Aldeia, o que dificulta apurar a causa. Inicialmente havia a hipótese de dengue ou infecção bacteriana, que teria sido adquirida ao manusear um livro empoeirado, hipóteses refutadas em comunicado oficial emitido pelo Hospital Santa Joana, onde o produtor foi internado, por volta das 3h da manhã de sábado, com febre e dores corporais. De acordo com o boletim, ele foi imediatamente transferido para a terapia intensiva. Os sintomas foram seguidos de problemas respiratórios e do coração. Germano não resistiu e faleceu às 13h40 do domingo.

De São Paulo, onde edita seu novo filme, País do desejo, Paulo Caldas lamenta a perda do amigo. "Estava com ele na quarta-feira passada, estava animado muito bem, esperançoso que ia terminar o filme. Ele era como um irmão pra mim. É muito lamentável que tenha desaparecido subitamente, de forma tão brutal". Lírio Ferreira, parceiro de Caldas na direção de Baile, também não pôde estar no funeral de Germano pois está no Rio de Janeiro a trabalho.

Marina Tigre, filha do produtor, estava inconsolável. Segurando flores amarelas, ela não se conteve e, acompanhada da mãe, chorou durante o sepultamento do pai. Germano também deixou duas irmãs. Uma delas, Verônica, é médica e irá participar da apuração da causa mortis do irmão.

Durante o sepultamento, uma loa foi cantada em homenagem de Germaninho, como era conhecido para não ser confundido com o pai, duas vezes prefeito de Olinda e um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular. Aos 82 anos, Germano pai demonstrou equilíbrio perante a perda do filho. "Ele se foi muito cedo. Por fora estou forte mas eu me desmorono por dentro".

À imprensa, o ex-prefeito foi generoso e anunciou que prepara o livro Histórias do MCP, no qual o filho participaria produzindo um documentário em DVD. "Desde criança Germaninho participou do meu trabalho na luta pela cultura popular. Enganchado no meu pescoço, ele participou da primeira Marcha dos Camponeses no Recife, com Francisco Julião. Também esteve quando Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir me visitaram na Rua da Hora".

Além de profissional do cinema, Germano Coelho era pesquisador da cultura popular. Quando trabalhava na Prefeitura de Olinda, juntou-se a Cláudio Assis em projeto de mobilização comunitária através do audiovisual. Quem lembra é o amigo Roberto Viana, que nos anos 1990 dirigiu a série Expresso Brasil, veiculada na TV Cultura. Na equipe estavam Germano, Marcelo Gomes, Hilton Lacerda e Helder Aragão, o DJ Dolores. "Eu e Germano íamos começar um novo projeto, sobre a nascente do Beberibe,um pedaço de mata preservada próximo de onde ele morava", diz Viana.

Desde ontem, o Cinema São Luiz, na Rua da Aurora, ostenta em sua fachada o pesar coletivo pela ausência de Germano. Em vez do próximo filme em cartaz, diz o letreiro: "Cinema pernambucano de luto". Carla Francine, coordenadora de cinema da Fundarpe, diz que o plano é exibir um filme produzido por Germano no São Luiz até a próxima sexta-feira. "Ele foi uma peça fundamental na construção da políticas públicas, fazia parte do conselho setorial do audiovisual, do Centro Audiovisual Norte/Nordeste e colaborou na construção do nosso edital de fomento".

A produtora cultural Andréa Mota diz que Germano é um dos responsáveis pela retomada do cinema pernambucano e sua memória precisa ser preservada com a criação de um prêmio inédito, específico para produtores.

Germano Coelho também será homenageado em abril de 2011, durante o festival Cine PE. "Já estava no nosso plano celebrar os 15 anos de Baile Perfumado, que coincide com os 15 anos do festival.Agora será algo ainda mais importante para nós", diz Alfredo Bertini, diretor do Cine PE.

Produtor deixa obra inacabada

Germano Coelho não viveu para terminar seu último trabalho, o longa História de um valente. Na última quinta-feira, após meses de afastamento, ele retomou o trabalho com o diretor Cláudio Barroso, amigo de 25 anos. "Fizemos reunião de cinco horas, ele estava animadíssimo, planejamos atividades até fevereiro de 2012. Depois fomos para um restaurante em Aldeia, onde selamos a nossa amizade e nosso desejo em terminar o filme. Na quinta à noite, ele me ligou se queixando de dores no corpo. Vinte e quatro horas depois, ele estava no hospital", conta Barroso.

A produtora de Germano, Camará Filmes, é a proponente de História de um valente junto ao sistema de fomento da Agência Nacional de Cinema - Ancine. Com Francisco Carvalho e Edmílson Barros no elenco, o filme narra a vida do político pernambucano Gregório Bezerra, que em 1964 foi torturado em praça pública pela ditadura militar.

Esta é a segunda morte envolvendo a equipe do longa. Em outubro do ano passado, um acidente automobilístico vitimou um dos motoristas, Alfredo Pereira Lamego Júnior, e deixou mais seis pessoas feridas. Logo depois, a filmagem foi paralisada por falta de recursos. Prestes a ser retomado, o filme sofre novo revés com a morte do produtor.

"Terminar esse filme é uma questão de honra. A ideia é fazer contato com a Ancine, saber o que a lei prevê e assim que a situação se regularizar, seguir o último cronograma traçado por Germano", diz Barroso, que depois da eleição se reúne com Paulo Caldas, Pedro Severien e Amin Stepple para fazer ajustes no roteiro.

(Diario de Pernambuco, 19/10/2010)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Lendas do Recife inspiram micrometragens


Cena de A emparedada da Rua Nova, de Marlom Meirelles

A perna cabeluda e a emparedada da Rua Nova, duas lendas do Recife, viraram tema de produções que disputam o posto de melhor filme no Cel.U.Cine - Festival de Micrometragens. A terceira edição do festival online selecionou dez concorrentes entre centenas de inscritos. Quem elege os melhores é um júri especializado formado por José Wilker, Cora Rónai, Selton Mello, Adriana Alcântara e Esmir Filho. O público também elege seu preferido (prêmio de R$ 3mil), assistindo e votando pelo site do evento, entre os dias cinco e 22 de outubro. O resultado será revelado em cerimônia no próximo dia 29, no cinema Odeon Petrobras, durante o Festival internacional de Curtas do Rio de Janeiro.

Com 2 minutos e 38 segundos de duração, A emparedada da Rua Nova é uma ficção de Marlom Meirelles, 21 anos, que dirigiu, fotografou, editou e escreveu o roteiro. O filme foi realizado em Bezerros, terra natal do diretor, com uma filmadora miniDV e uma câmera fotográfica convencional. "Ele foi gravado de uma maneira bem simples. Em uma tarde eu captei o material todo e no outro fiz a edição e o envio", diz Meirelles. Há quatro anos, ele se mudou para o Recife para estudar cinema na Faculdade Maurício de Nassau e hoje trabalha em projetos de formação. Devaneio, outro curta de sua autoria foi vencedor na categoria universitária do último Festival de Vídeo de Pernambuco.


Cena de A emparedada da Rua Nova, de Marlom Meirelles

"Sempre participo de festivais online. Acho que eles dão bastante visibilidade e são uma boa porta de entrada para quem está começando. Acho muito interessante observar esse novo contexto do audiovisual e por isso estou utilizando a convergência midiática como fonte de estudo no meu projeto de conclusão de curso".

De São Paulo, Bruna Vidal, 23 anos, e Déborah Duarte, 25, descobriram a lenda da perna cabeluda através do livro Assombrações do Recife Velho, de Gilberto Freyre. O filme de cerca de três minutos traz depoimentos do cineasta Daniel Bandeira, do músico André Balaio e participação do grupo de atores Os Fofos em Cena, que dramatizam a lenda ao som de maracatu.

"Sempre gostei de lendas urbanas. Elas são importantes para marcar os momentos históricos como a perna, que marcou a ditadura. Comecei a pesquisar na internet e descobri uma infinidade de histórias novas que o Recife é a cidade mais assombrada do Brasil. Queria fugir um pouquinho das histórias de halloween e investir no folclore brasileiro, apresentar o que temos aqui e nem sempre conhecemos", diz Bruna, que aproveitou as férias e veio para o Recife com uma equipe de três pessoas. O material coletado vai render uma série de pequenos documentários sobre o Papa-figo, A emparedada e dois locais mal-assombrados: a Cruz do Patrão, no Porto do Recife, e o Açude do Prata, no Horto dos Dois Irmãos.

O Cel.U.Cine é pioneiro no incentivo à criação e difusão de conteúdo audiovisual em novas mídias. Lançado em abril no Cine PE, sua terceira edição teve como temas O mundo é uma bola e Lendas Urbanas. O primeiro eleito pela comissão julgadora receberá R$ 15 mil; o segundo lugar, R$ 7 mil; e o terceiro, R$ 5 mil.

Novas experiências em audiovisual
De hoje a quarta-feira, o Recife sedia a série de encontros Um cutro cinema francês: outra estética, outra tecnologia, sobre a nova produção alternativa do cinema francês. Para isso, o Santander Cultural convidou o professor Roger Odin, doutor em linguística e cinema na Universidade de Paris III Sorbonne-Nouvelle. O objetivo é refletir sobre o que muda com a entrada do celular no campo da realização cinematográfica. Este será o foco de atenção do professor Odin, mas obras criadas em bitolas Super-8 e pequenos dispositivos de vídeo estão incluídas em sua análise.

Entre os dias 25 e 28 (de segunda a quinta), o Santander promove uma mostra especial de filmes, alguns raros, divididos em seis programas: Cinema sem fio (Seleção do Pocket Film Festival, Paris), Filmar o íntimo (Seleção de dez cinématons em Super-8), Ficções com celular, Filmes ensaios, Vencendo as limitações e Outra estética.

Os encontros com o professor Odin serão das 19h às 22h, no Santander Cultural Recife (Recife Antigo). Inscrições podem serfeitas pelo email ecine@santander.com.br, mediante taxa de $ 50,00 e R$ 25,00 (estudantes).

(Diario de Pernambuco, 18/10/2010)

domingo, 17 de outubro de 2010

Morre o produtor de cinema Germano Coelho Filho

Morreu o produtor de filmes Germano Coelho Filho, 52 anos.

Ainda não há certeza, mas o possível motivo foi a contração de uma bactéria. No sábado ele deu entrada às 3h no Hospital Santa Joana, com fortes dores no corpo. A suspeita era de dengue. Os sintomas foram seguidos de problemas respiratórios e do coração. A morte ocorreu em torno das 13h40 de hoje.

Entre os principais filmes produzidos por Gemano estão Baile Perfumado, O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas e Deserto Feliz.

Pelos amigos, o produtor era conhecido como Germaninho, como forma de diferenciá-lo do pai, ex-prefeito de Olinda.

Na última quinta, após meses de afastamento, ele retomou o trabalho com Cláudio Barroso, diretor do longa História de um valente.

"Fizemos reunião de cinco horas ele estava animadissimo, pois planejamos as atividades até 2012. Depois disso fomos para um restaurante em Aldeia, onde selamos a nossa amizade e nosso desejo em terminar o filme. 24 horas depois, ele entrou em coma no hospital", conta Barroso.

A produtora de Germano, Camará Filmes, é a proponente de História de um valente junto à Ancine. Com Francisco Carvalho e Edmílson Barros no elenco, o filme narra a vida do político pernambucano Gregório Bezerra, que foi vítima da ditadura militar. Com a morte do produtor, Barroso ainda não sabe como a situação será resolvida.

A notícia pegou de surpresa e abalou a comunidade ligada ao cinema no Recife.

"É preciso honrar a memória dele. Além de ser uma grande figura, Germano é um dos responsáveis pela retomada do cinema pernambucano. Era uma pessoa sem arestas, doce, que batalhava pelos sonhos, comprometida e bem humorada", diz a produtora cultural Andréa Mota.

"Estou completamente chocado. Talvez seja uma das maiores perdas para a produção cinematográfica pernambucana", diz o pesquisador Lula Cardoso Ayres Filho. "O cinema vai sofrer um grande baque com a falta dele. Germano conseguiu se impor dentro do mercado, de forma muito consistente. Sua formação intelectual muito sólida. Seu pai é um personagem vivo da cultura pernambucana, um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular, e Germaninho desenvolveu o trabalho dele. Acho que se não fosse Germaninho não haveria Baile Perfumado, ele foi um ponto de equilíbrio, trouxe um lado mais empresarial para o sonho de Lirio e Paulo".

"Germano era uma pessoa super-atuante no cenário local e nacional", diz Carla Francine, na coordenadora de cinema da Fundarpe. "Ele foi uma peça fundamental na construção da políticas públicas, fazia parte do conselho setorial do audiovisual, colaborou na construção do edital. E além de tudo era um grande amigo. Ainda não estou acreditando".

"É uma perda enorme", diz Cynthia Falcão, presidente da ABD-PE/Apeci. "Germano tem importância enorme como articulador do audiovisual pernambucano e ainda mais para o processo atual do nosso cinema. Ele participou do grupo de realizadores que construiu a proposta levada em 2007 para o governador e até hoje adotada pela Fundarpe, que coloca o audiovisual enquanto estratégico o desenvolvimento de Pernambuco.

O corpo de Germano Coelho Filho está sendo velado no cemitério Parque das Flores, bairro do Curado. O enterro será amanhã, às 10h.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Osmário indica: "Mademoiselle Chambon"



O amigo, designer e fotógrafo Osmário Marques escreveu um breve texto sobre o filme que para ele é um dos mais tocantes dos últimos tempos. Com ele, a palavra.

"Mademoiselle Chambon (2009), de Stéphane Brizé, possibilita uma reflexão sobre as responsabilidades familiares e o pouco espaço que pode restar para a paixão ou um novo amor. Brizé constrói personagens convincentes em sua humanidade e complexidade, com texto econômico, onde o silêncio e a música ganham uma eloqüência que prescinde a Palavra"

Tropa 2 só poupa você



Antes mesmo de ser lançado, ficou claro que Tropa de elite 2 seria não apenas um filme, mas um evento. Até ontem, os números apontavam para quase 3 milhões de espectadores e R$ 22,8 milhões arrecadados. É a maior abertura do cinema nacional desde a retomada, a quinta maior de todos os tempos no circuito brasileiro. O fenômeno levou a rumores de que Spielberg quer comprar os direitos e rodar a própria versão. Elit Squad 2.

Na segunda semana, o longa de José Padilha quebra o próprio recorde e aumenta a ocupação de 636 salas para 40 a mais. Em Pernambuco, o número de salas subiu de 17 para 23. O sucesso inibiu novas estreias comerciais pela primeira vez no ano.

O inquestionável carisma de Capitão Nascimento (Wagner Moura) não é o único motivador. Somente a estratégia de divulgação custou R$ 4 milhões. Não se sabe se o esquema segurança ajudou efetivamente, mas acrescentou notoriedade ao todo. A proteção contra a pirataria funcionou bem até ontem, quando uma versão vazou em sites de compartilhamento. E contra o download, nem o Bope.

Nas mídias sociais, o barulho é grande. Curioso acompanhar a reação de quem assiste no Twitter, assim como nas salas de exibição, onde se torce a favor de Nascimento como se fosse jogo de futebol. De nada adianta seu suposto antagonista e futuro aliado, o deputado Fraga (Irandhir Santos) defender os direitos humanos. Pelo público, ele é hostilizado como fosse do time adversário. E tome gritos, xingamentos e comentários bizarros.

No entanto, na medida em que Nascimento é alçado a níveis mais altos de poder, o silêncio cresce na sala. Durante o processo, ele descobre que o inimigo não são "vagabundos" dos morros ou playboys que consomem maconha, mas um ser sem rosto chamado "sistema". Crítica necessária, mas que evita tocar na parcela de responsabilidade de cada um pela violência em que vivemos. Se o céu é o limite, apontar a arma na cara do espectador pode ser bastante comprometedor.

(Diario de Pernambuco, 15/10/2010)

Blue is the color



Avatar está de volta aos cinemas, somente em salas 3D.

O longa de James Cameron será exibido em versão 2.0, com 8 minutos de cenas inéditas. Assim, a versão estendida da aventura atinge quase três horas de duração.

A distribuidora Fox não adianta qual o conteúdo dos minutos adicionais. Diz apenas que eles incluem "novas criaturas e cenas de ação".

O retorno do mega-blockbuster é uma prévia da edição especial em DVD/Blu-Ray, que chega em novembro, com três versões do filme, uma delas com 16 minutos a mais e 8 horas de extras.

Com Sam Worthington, Zoe Saldanha e Sigourney Weaver no elenco, Avatar é a mais cara produção da história do cinema e a maior bilheteria.

Somente no Brasil, o público foi de quase 10 milhões. O filme narra a resistência de uma raça alienígena hostilizada por humanos que querem explorar seu planeta.

(Diario de Pernambuco, 15/10/2010)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Coluna de Cinema da semana

Lançamentos em DVD



Memória - Este belo filme representa as lembranças de Suleman, reorganizadas no terreno da fição. O território é da memória, mas o sentido se constrói no presente. Por isso, cenas se repetem com pequenas mudanças. Um dos episódios se passa no tempo de seus pais, quando Israel ocupa território palestino em Jerusalém. Em determinada sequência, na escola, crianças árabes cantam músicas judaicas. Em outra, o pequeno Elia é reprimido por dizer que os norte-americanos são colonialistas.
O que resta do tempo (The time that remains, Inglaterra, 2009). De Elia Suleman. 105 minutos. Imovision.



À mão - Não faz muito tempo que Miyazaki marcou o cinema mundial com A viagem de Chihiro (2001). Representante da escola de animação tradicional, feita à mão, seu novo filme conta a história do garoto Sosuke que adota a peixinha Ponyo, capaz de se transformar em gente. O problema é que o pai de Ponyo, um ser subaquático poderoso e vingativo, quer a filha de volta e joga as forças do mar contra a vila de Sosuke. O filme se baseia na mitologia japonesa, em que deuses têm forte ligação com a natureza.
Ponyo - uma amizade que veio do mar (Gake no ue no Ponyo, Japão, 2008). De Hayao Miyazaki. 101 min. Playarte.



Blindado - A superprodução une comédia e ação vertiginiosa a partir do encontro entre o espião Roy (Tom Cruise) e a garota June (Cameron Diaz), que se trombam num aeroporto e no minuto seguinte fogem de gângsters atrás de tecnologia capaz de destruir o mundo. Eles estão apaixonados, isso basta para que escapem de tiroteios sem nenhum arranhão. Em perseguição de alta velocidade, Cruise pilota e atira enquanto Diaz senta em seu colo e faz o mesmo, mirando na retaguarda. Anseios de um país que se traduz pelo cinema.
Encontro explosivo (Knight and Day, EUA, 2010). De James Mangold. 109 minutos. Fox.

Bastidores

O documentário Pacific, de Marcelo Pedroso, será exibido no próximo dia 18 na Bienal de São Paulo. A sessão conta com presença do diretor e a realizadora e crítica de cinema Ilana Feldmann, cujo mestrado sobre reality shows e pesquisa sobre o documentário brasileiro contemporâneo deve render um ótimo debate.

Avatar está de volta aos cinemas em versão 2.0. Amanhã, somente em salas 3D, o filme de James Cameron entra em cartaz com oito minutos de cenas inéditas. Agora, serão 2h51 de projeção.

A 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo anuncia sua programação. São mais de 400 filmes, entre eles, os novos filmes de Woody Allen, Sofia Copolla (premiada em Veneza), Jean-Luc Godard e do tailandês Apichaptong Weerasethakul (premiado em Cannes). O centenário diretor português Manoel de Oliveira é o convidado de honra e Wim Wenders estará presente para uma mostra cuja cereja do bolo é a versão estendida de Até o fim do mundo (1992). Não bastasse, a cópia restaurada de Metropolis (1927), de Fritz Lang, será exibida no gramado do Ibirapuera. Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, representa Pernambuco.

No Recife, os cineclubes em plena atividade. Hoje, às 12h30, o Centro Cultural Correios (Recife Antigo) exibe Esta noite encarnarei no teu cadáver, de José Mojica Marins. Amanhã, às 18h30, o Nascedouro (Peixinhos) faz sessão de O castelo animado, de Hayao Miyazaki; Já o Cineclube Dissenso continua sua residência no Cinema São Luiz, a convite do projeto cineCabeça. Sábado, às 20h40, o grupo apresenta Fragmentos de um filme-esmola (Portugal, 1972), de João César Monteiro.

Eu indico



Indico o curta-metragem De volta à terra boa (Brasil, 2008), de Vincent Carelli e Mari Corrêa. A primeira vez que o assisti foi na Mostra Etnografica do Recife, na qual estava participando com meu filme A Cambinda do Cumbe. Me emocionou muito conhecer a realidade indígena através das suas lendas, contadas de forma simples e cotidiana, sem muitos truques ou efeitos de edição. No caso, do Povo Panará, desconhecido da maioria dos brasileiros, mais um grupo massacrado e destituído da Terra Mãe pelo avanço do progresso e da modernidade. Vale conferir o retorno de um povo para o local de onde nunca deveria ter sido retirado!

Luca Barreto, fotógrafo

(Diario de Pernambuco, 14/10/2010)

Pagando bem, eles voltam



Um pelo dinheiro, dois pelo show. Blue suede shoes, canção escrita por Carl Perkins em 1955 e eternizada por Elvis Presley revela a lógica que rege o rock'n'roll desde sua origem. Não necessariamente nesta ordem. Corta. Brasil, 2010. O grupo Los Hermanos está de volta para cinco apresentações. É a segunda vez desde que seu fim foi declarado, há três anos. Como nos shows que abriram para o Radiohead no Rio e São Paulo, o retorno é pontual. São cinco vezes e só. A primeira foi no último sábado, durante o festival SWU. A segunda será amanhã, no Recife, com cerca de 20 mil ingressos esgotados. Sábado, eles voam para o Ceará Music. Domingo e segunda, é a vez do público de Salvador. Depois, cada barbudo volta a cuidar dos próprios projetos.

Não é de hoje que bandas cultuadas por fãs voltam de tempos em tempos. Agrada aos fãs e também aos bolsos de artistas, produtores, empresários. Três anos atrás, o The Police fez um revival comemorativo cuja turnê passou pelo Maracanã, em show históricopara 70 mil pessoas. Mas de todos os retornos, o mais cínico foi o da banda punk Sex Pistols, que em 1996 fez turnê intitulada Filthy Lucre (Lucro Imundo). Ao longo desta década, voltaram mais duas vezes. No próprio SWU, isso está ilustrado não somente pelo revival do quarteto carioca. Mas pelo Pixies, que acabou em 1993 e desde 2004 faz turnês esporádicas e o Rage Against The Machine, que após a saída do vocalista continuou como Audioslave e desde 2007 vai e volta, sem planos de gravar disco novo.

Os shows de Los Hermanos no Recife e Salvador são patrocinados pela marca de chocolates Bis, que pretende associar sua marca à música. Os do Ceará e São Paulo, vieram em decorrência. As negociações começaram no fim do ano passado, quando o empresário da banda foi procurado pelo escritório regional da Kraft Foods Brasil, subsidiária da Kraft Foods Global Brands, a primeira indústria de alimentos nos Estados Unidos e a segunda maior no mundo. Esta é a primeira de uma série de ações para promover o produto no Nordeste. "Fizemos uma pesquisa para entender qual era o status da marca e um dos resultados mais fortes é que, mesmo sem uma estratégia de comunicação específica, a marca é percebida e lembrada pelo público jovem", diz Mariana Amazonas, gerente de marketing da regional.

Mariana não revela o valor do cachê mas diz que a primeira proposta, feita pelo empresário da banda, foi exorbitante. "Foi bem difícil. A banda vale o que pediu mas há questões de marketing e o projeto só foi viável porque houve muita vontade dos dois lados para chegar a um meio-termo". Havia também a exigência de que o show fosse restrito para menos de mil convidados. "Chegamos a desistir para não gerar frustação nas pessoas. A ideia é fazer um 'bis' de uma banda muito querida, como Los Hermanos, e achamos que um show fechado poderia gerar uma imagem negativa. Após muita negociação, chegamos ao formato aberto, mais viável financeiramente".

"Resolvemos assumir em consideração à relação de carinho que temos com o público dessas duas cidades", disse otecladista Bruno Medina, em entrevista ao Diario. Na mesma conversa, por e-mail, ele garante que esta é a última chance de assistir Los Hermanos no palco. "2010 realmente fechou a tampa, e por enquanto não há qualquer perspectiva para shows adicionais em 2011. Se alguém ouviu diferente, pode apostar que é mentira".

(Diariod e Pernambuco, 14/10/2010)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A lógica no liquidificador



Suspense com fortes doses de humor negro, Reflexões de um liquidificador (Brasil, 2010), de André Klotzel, faz uma leitura bastante particular da máxima do eletrodoméstico como o melhor aliado da dona de casa. A história está longe da estratégia marqueteira para vender tais objetos, assim como do senso comum machista que diz que lugar mulher é na cozinha.

Ao contrário, o objeto fetiche do filme (voz de Selton Mello) representa a improvável função de cúmplice de um crime passional, praticado por Elvira (Ana Lúcia Torre), senhora que suspeita ser traída pelo marido (Germano Haiut). O longa de Klotzel (Marvada carne, Memórias póstumas) estreia nesta sexta-feira no Cinema da Fundação. Hoje, às 20h20, ele tem pré-estreia especial com a presença do diretor e dos atores Haiut e Aramis Trindade.

O filme observa quase tudo do ponto de vista do liquidificador, manifestação inconsciente da culpa de Elvira e cujo desenho industrial retrô é explorado com sabor. A fantasia gera graça diametralmente oposta à sequência final. Por sua vez, este é antecipado pela narrativa estruturada em retrospectiva. O filme começa na delegacia, com Elvira dando queixa do sumiço do marido. O caso é investigado pelo detetive Fuinha, tipo cafajeste interpretado por Aramis Trindade.

A trilha sonora à moda antiga e personagens pitorescos geram leveza necessária para encarar o sangrento desenrolar dos acontecimentos. Além de Fuinha, sabujo farejador e catalizador do suspense, há a vizinha Milena (Fabíula Nascimento) e o carteiro bisbilhoteiro (Marcos Cesana, em seu último papel).

Este é o primeiro papel principal de Ana Lúcia Torre, nome respeitado no teatro, rosto conhecido nas novelas com carreira de doze longas. Mas o astro do filme é mesmo o liquidificador, que desenvolve visão peculiar da natureza humana e suas contradições. Para ele, pensar é moer. "O sentimento humano é uma hélice de dois gumes. Uma lâmina alisa a tua vaidade. A outra corta fundo o teu orgulho", dispara o eletrodoméstico, afiado.

Quando a lanchonete em que dedicou a vida é fechada, Elvira não sabe bem o que fazer com o tempo livre e passa a confidenciar com o liquidificador. O marido arruma emprego de vigia e ela fica em casa empalhando animais para passar o tempo e completar o orçamento. O tempo de sobra abre brecha para o ciúme, sentimento capaz de alterar radicalmente as percepções da realidade. São eles, o ciúme e o delírio, que fazem girar o aparelho - e o filme - de forma eficiente.

Entrevista // Aramis Trindade: "Precisamos refletir não só sobre a exibição"

A partir de sexta-feira Aramis Trindade poderá ser visto em dois filmes em cartaz nos cinemas: Reflexões de um liquidificador e Nosso lar. Elvis e Madonna, de Marcelo Lafite, Casamento brasileiro, de Fausi Mansur e Uma professora muito maluquinha, de André Alves Pinto e César Rodrigues, são outras produções que entram ainda este ano com o ator pernambucano no elenco. Na TV, ele participa da série As cariocas, baseada em contos de Stanislaw Ponte Preta. Ele está no sexto episódio, A desinibida do Grajaú, ao lado de Marcelo D2 e Grazi Massafera.

Ao Diario, o ator fala sobre o detetive Fuinha, o "bicho tinhoso" que o diretor André Klotzel o convidou para interpretar em seu novo filme, e que acrescenta mais um à sua galeria de 35 personagens. E aproveita para fazer sua crítica ao suposto bom momento do cinema nacional. (André Dib)

Este não é o primeiro agente da lei que você interpreta no cinema.
Não. Em Baile perfumado fiz um tenente da volante, no Auto da Compadecida fiz o Cabo Setenta. Meu pai, Bóris Trindade, era do mundo das artes, mas também era advogado criminalista. Antes da anistia, me lembro de jipes do exército lá em casa, de militares peitando meu pai, que trabalhava no escritório que ficava num oitão. Ele tinha muitos clientes que almoçavam lá, então respirei muito essa atmosfera, da jurisprudência.

No que Fuinha difere de outros personagens que você já fez?
Para ele procurei usar um sotaque mais neutro, pois ele é um policial contemporâneo. O método de ator que eu uso é o mesmo, um sentimento de ator que eu empresto para o personagem. É um pouco sofrido, mas depois de pronto, o personagem te retribui com alegria.

Dois filmes brasileiros (Nosso lar e Tropa de elite 2) ocupam quase metade do circuito exibidor. Isso reflete o bom momento para o cinema nacional?
Acho que não. Precisamos refletir não só a exibição maso acesso a recursos para realizar um filme. Temos vários editais para captação mas não temos o caminho das pedras, de chegar nas pessoas certas. Não adianta ter o bônus se o projeto não vai conseguir captar um dinheiro que é público, mas que fica na mão do marketing das empresas. No caso da exibição é a mesma coisa, o espaço precisa ser melhor dividido. Veja o caso do filme de Klotzel poético, elogiado na imprensa, tem dificuldade de encontrar espaço para ser exibido. Não sei qual é o problema, mas alguma coisa está errada.

(Diario de Pernambuco, 12/10/2010)

sábado, 9 de outubro de 2010

"Antes que o mundo acabe" é a principal atração de hoje no Fici



Premiado no Festival de Paulínia 2009, Antes que o mundo acabe (Brasil, 2010) vem literalmente subindo o país. Porto Alegre, Rio, São Paulo. De acordo com sua distribuidora, a Imagem Filmes, o longa acumulou em torno de 20 mil espectadores. Público acima da média para uma produção independente. Não se sabe se ele realmente estreará no Recife, portanto, as sessões promovidas hoje (às 16h no Cine São Luiz) e segunda-feira pelo 8º Festival de Cinema Infantil podem ser a chance do público assisti-lo no cinema.

E faz todo o sentido que a exibição ocorra durante o Fici. O primeiro longa de Ana Luiza Azevedo é colorido, leve e lúdico. Personagem principal, Daniel (Pedro Tergoline) não é uma criança, mas acaba de deixar o posto para viver dilemas e tensões próprios da adolescência. Seu ritual para a vida adulta passa pela descoberta do pai que vive do outro lado do mundo, história ocultada pela mãe.

Antes que o mundo acabe é romance de formação sobre duas rodas - Daniel vive em Pedra Grande, cidade de 16 mil habitantes e oito mil bicicletas. O encontramos pouco antes de receber as primeiras cartas do pai, perdendo a namorada para o melhor amigo e incompreendido pela família, que recebe seu mau humor como uma variação de hormônios típica da idade. A irmã mais nova (Caroline Guedes) de língua solta assiste a tudo e solta comentários pontiagudos e engraçados. Entre o folk e o rock'n'roll, a trilha sonora alterna de acordo com o humor de Daniel.

O primeiro longa de Ana Luiza surge após extensa carreira de produtos para a TV e curtas, entre eles Barbosa, um dos melhores dos anos 1980. Foi assistente de Jorge Furtado em Ilha das Flores, O homem que copiava e Meu tio matou um cara. Em 2003, foi premiada no Cine PE por Dona Cristina perdeu a memória e ano passado dirigiu a série global Decamerão. Baseado em livro homônimo de Marcelo Carneiro da Cunha, que a diretora conheceu através de seus filhos, o filme reafirma a marca da Casa de Cinema de Porto Alegre em fabricar filmes bem cuidados e acessíveissem apelar para a vulgaridade.

(Diario de Pernambuco, 09/10/2010)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A batalha das corujas



Zack Snyder está de volta ao campo de batalha com A lenda dos guardiões (EUA, 2010), seu primeiro filme feito com personagens e ambiente 100% virtual. Desta vez a luta contra a tirania não é liderada pelos guerreiros de 300 ou os heróis perturbados de Watchmen, mas por corujas falantes. Se o método espartano evoca a coragem forjada a ferro e fogo, baseada no sacrifício, aqui a liberdade é defendida por seres frágeis, que aos poucos se descobrem fortes, sem abrir mão de supostas fraquezas, como compaixão e lealdade.

Assim como em filmes anteriores, o longa oferece uma realidade mais-que-perfeita. Se os protagonistas são outros, o discurso belicista "united we stand" permanece o mesmo. Ou seja, encarar "o mal", matar ou morrer. Para quem está na segurança do ninho, como os filhotes Soren e Kludd, a bravura dos Guardiões se resume a histórias fabulosas contadas pelo pai. Um dia eles caem no chão e são raptados pelos Puros, corujonas que querem dominar o mundo, escravizando os menores. Enquanto Kludd é cooptado pelo sistema, Soren foge, faz novos amigos e alerta os Guardiões sobre o perigo.

No treinamento, o mestre ensina o pupilo a "voar por dentro" e "usar a moela". Quando partem para a guerra, os bons vestem garras de ferro, mas não chegam a gritar "this is Sparta". Em vez de uniformes ou símbolos, os personagens se distinguem pelos olhos vermelhos (do mal), amarelos (os livres) e brancos. Estes últimos é resultado da "lunatização", processo de lavagem cerebral de escravos que passam a noite olhando pra Lua.

Baseado em clássico da literatura infantil, A lenda dos guardiões é também a estreia de Snyder no uso do 3D, ideal para o tipo de cinema por ele praticado. Lindo de ver, e só. Nesse sentido, os créditos finais são uma obra de arte na qual o diretor se aperfeiçoa a cada filme. Fica a dúvida de quantos podem sair lunatizados da sessão.

(Diario de Pernambuco, 08/10/2010)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Janela de Cinema anuncia curtas em competição


Foto de Haruo Ohara, fotógrafo e imigrante japonês cuja obra inspirou o curta de Rodrigo Grota

A 3ª Janela Internacional de Cinema do Recife anunciou ontem os curtas em competição. Eles serão exibidos entre 12 e 21 de novembro, no Cinema da Fundação e Cine São Luiz. Ao todo são 69 filmes, selecionados de um universo de 629 inscrições de 20 estados brasileiros e 37 países, alguns exibidos e premiados em grandes festivais como Cannes e Berlim.

Eles serão distribuídos em programas temáticos. Por exemplo, o premiado em Gramado Haruo Ohara (PR), de Rodrigo Grota, e Janela molhada (PE), de Marcos Enrique Lopes, devem ser vistos em uma única sessão, sobre a busca da memória via imagens de arquivo. "Os curtas ainda contam com poucos espaços de exibição e trazem uma diversidade e liberdade que não vejo nos longa-metragens", diz Emilie Lesclaux, produtora do evento.

Emilie também faz parte da comissão de seleção de curtas, ao lado do roteirista Luiz Otávio Pereira, do crítico Fernando Vasconcelos (Kinemail) e do jornalista Rodrigo Almeida (Cineclube Dissenso). Kleber Mendonça Filho, diretor artístico do festival, supervisionou o processo. Até o fim deste mês, cerca de 15 longas, mostras temáticas e retrospectivas com curadoria de KMF serão anunciados.

Realizadores com passagem anterior no evento, como os irmãos Pretti, de Fortaleza, e o italiano Blu, apresentados na cidade em edições anteriores do Janela, estão de volta com filmes recentes. Há inéditos, como Viagem à marte, de Antonio Castro e Permanências, de Ricardos Alves. Entre os estrangeiros, destaque para Chienne d'Historie, de Serge Avédikian, Palma de Ouro em Cannes 2010. Outros pernambucanos em competição são A banda, de Chico Lacerda, Aeroporto, de Marcelo Pedroso, Pacífico, de Jonathas de Andrade, As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro, Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio Lorena e Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante.

Programação completa e video aqui.

(Diario de Pernambuco, 07/10/2010)

Coluna de Cinema da semana

Lançamentos DVD



Funciona - De volta a Nova York, Allen continua a fase otimista e bem-humorada ao narrar o abismo entre o professor ranzinza Boris Yellnikoff (Larry David) e a bela e ingênua Melodie (Evan Rachel Wood), que se encontram, se apaixonam e casam em questão de minutos. A improvável relação entre um senhor intelectual e uma jovem cabeça-oca se dá pela sinceridade. Incontrolável, Allen se esbalda em ironia corrosiva que só não chega ao sarcarsmo pela crença na generosidade do acaso.
Tudo pode dar certo (Wathever works, EUA, 2010). De Woody Allen. 92 minutos. Califórnia.



Azeitado - O diretor de ascendência turca fez uma comédia baseada em personagens opostos, cujos conflitos geram situações absurdas e também certa graça e harmonia. Enquanto uma trilha esperta de músicas da cultura negra norte-americana se sucede, assistimos à gradativa ruína do imigrante grego Zinos (Adam Bousdoukos), proprietário do restaurante que dá nome ao filme. Ele está prestes a entregar o negócio para a especulação imobiliária, mas é convencido pelo irmão malandro a renovar o cardápio e contratar um DJ, o que gera antológica cena festiva embalada a afrodisíaco.
Soul kitchen (Alemanha, 2009). De Fatih Akin. 90 minutos. Imovision.



Instigado - Neste Tarantino em estado bruto e nível de mestre, o estranhamento surge já no primeiro instante, quando fotogramas corrompidos e erros grosseiros aparecem nos créditos iniciais. O diretor quis simular a estética B dos anos 1970 como se o próprio rolo do filme tivesse sobrevivido à ação do tempo. Esse exercício, que mistura violência e carros possantes, é bem maior do que a trama nada complexa em que o piloto do carro negro (Kurt Russell) reduz mulheres atraentes, fortes e sagazes em carne moída. Até que elas partem pra vingança.
À prova de morte (Death proof, EUA, 2007). De Quentin Tarantino. PlayArte.



Aventura - Fiel ao espírito da série de TV dos anos 1980, o longa reinventa a origem do grupo de mercenários sem comprometer seu carisma. Liam Neeson é Hannibal Smith, líder dos soldados que, após operação mal-sucedida, vai parar atrás das grades. Determinados a provar a inocência, eles traçam plano para denunciar esquema de falsificação e desvendar a corrupção no exército. Com tanques caindo do céu e explosões, o filme concilia ação-pipoca sem abrir mão dos neurônios.
Esquadrão Classe A (The A-Team, EUA, 2010). De Joe Carnahan. 125 minutos. Fox.

Bastidores

Hoje, às 19h30, o 14º encontro da Socine promove mais um evento aberto ao público: o debate Cinema Pernambucano em Perspectiva, com os realizadores Marcelo Pedroso (Pacific) e Sérgio Oliveira (Faço de mim o que quero). Será no anfiteatro do CCSA/UFPE.

Pedroso, aliás, acaba de rodar seu novo filme, um curta de ficção com patrocínio da Petrobras. A fotografia é do carioca Pedro Urano.

Já a Socine termina amanhã, com coquetel no Centro de Artes e Comunicação da UFPE. Antes, onze livros serão lançados, entre eles, os novos volumes da coleção gaúcha Indústria Cinematográfica e Audiovisual Brasileira: Entre lanternas mágicas e cinematógrafos - as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre (1861-1908), O filme nas telas - a distribuição do cinema nacional e Economia da cultura e do cinema - Notas empíricas sobre o Rio Grande do Sul. Já o livro Utopia provinciana - cinema, fotografia, melancolia, de Paulo Cunha, teve o lançamento adiado.

Cineclube Doze e Meia inicia hoje a mostra Marginal - Experimentando a memória, em cartaz em todas as quintas-feiras de outubro. O filme de hoje, às 12h30, é o documentário Candeias: da Boca pra fora e Blá Blá Blá, com direção de Celso Gonçalves e depoimentos de Zé do Caixão, Carlos Reichenbach e Jairo Ferreira. O cineclube funciona no auditório do Centro Cultural Correios (Av. Marquês de Olinda, 262, Recife Antigo). Entrada franca.

Paranã-Puca - onde o mar se arrebenta, de Jura Capela, foi premiado na Mostra Novos Rumos do Festival do Rio 2010. Com depoimentos de Gil Vicente e Paulo Bruscky, atualmente em cartaz na Bienal de São Paulo, o filme trata das artes plásticas no Recife. Paulinho do Amparo e Grilowsky participam com performances no Youtube. De volta à cidade desde ontem, Jura pretende organizar sessão do novo filme ainda esse mês.

Eu indico



"Eu indico Gritos e sussurros, de Ingmar Bergman. É um filme denso, que toca a fundo as relações humanas dentro do contexto familiar. Os momentos de silêncio no filme gritam de um modo lindamente profundo. Além de ter uma fotografia belíssima, me impressionei quando li o roteiro de Bergman, senti a mesma emoção de quando assisti ao filme. Coisa de gênio mesmo!"

Juliana Notari, artista plástica

Mais vendidos

Foi apenas um sonho (Revolutionary Road, EUA, 2008), de Sam Mendes
Grey's anatomy - 1ª temporada
Dexter - 1ª temporada.
Butch Cassidy and the Sundance Kid (EUA, 1969), de George Roy Hill.
Crepúsculo (Twilight, EUA, 2008), de Catherine Hardwicke
Star Wars - the clone wars (EUA, 2008), de Dave Filoni
Pixar Short Film Collection (EUA, 2009)
Vicky Cristina Barcelona (Espanha, 2009), de Woody Allen
O leitor (The reader, 2008), de Stephen Daldry
O fabuloso destino de Amélie Poulain (França, 2001), de Jean-Pierre Jeunet

Fonte: www.fnac.com.br

(Diario de Pernambuco, 07/10/2010)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"Avenida Brasília Formosa" tem première no Recife hoje, no Cinema da Fundação



Após passagem em festivais da Holanda, República Tcheca, Argentina, Peru e Rio de Janeiro, Avenida Brasília Formosa, novo longa de Gabriel Mascaro, será exibido pela primeira vez no Recife hoje. Até então, o projeto contava com uma versão de 50 minutos para a TV, patrocinada pelo programa de fomento ao documentário DocTV.

Assim como ele, a versão longa apresenta quatro protagonistas, que têm no bairro de Brasília Teimosa, localizado entre a Zona Sul e Centro do Recife, um palco de histórias particulares. A sessão será às 20h, no Cinema da Fundação, somente para participantes do 14º encontro da Socine.

Enquanto a câmera esquadrinha a geografia do local, o filme se constrói na subjetividade de um rapaz que divide seu tempo entre o ofício de garçom e videasta, uma cabeleireira que sonha em entrar no Big Brother, um pescador retirado das palafitas e que agora precisa cruzar a cidade atrás do ganha-pão, e uma criança simplesmente entregue à infância, incólume.

O grau de autorrepresentação com que essas pessoas se mostram, sem nunca olhar para a câmera (a ponto de torná-la invisível). Nas entrelinhas está o recorte urbano já explorado por Mascaro em Um lugar ao Sol.

Aqui de outra forma, mas que continua a dizer muito sobre arranha-céus que assombram a região - historicamente, a comunidade desafia a expansão imobiliária que a toque de caixa verticaliza a cidade. Daí a dificuldade de quem procura classificar Avenida Brasília Formosa. Ficção ou documentário? No impasse, os dois. Ou melhor, até: cinema.

(Diario de Pernambuco, 06/10/10)