terça-feira, 5 de outubro de 2010
Tempo para pensar o cinema
De hoje a quinta-feira, o Recife sedia a maior encontro de ideias sobre cinema do Brasil. A 14ª reunião da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual - Socine mobiliza cerca 350 pesquisadores brasileiros, mais representantes três países: Portugal, Argentina e México. O convidado de honra, o francês Dominique Chateau, fará conferência de abertura hoje, às 19h30, no Cine São Luiz (Boa Vista), em evento aberto ao público. Logo depois, será exibido o curta Muro, de Tião.
Realizado ao custo de R$ 150 mil, o 14º Socine é organizado pelo curso de graduação de cinema da UFPE e consiste em dezenas de mesas, apresentações, seminários e lançamento de livros, se espalhadas pela UFPE. Para realizar o evento, foi necessário buscar apoio com a Capes, CNPq, Facepe e da Sociedade de Amigos da Cinemateca, via Secretaria do Audiovisual do MinC.
"A abertura do curso de cinema da UFPE foi decisiva. É um sinal de que há uma demanda no âmbito do audiovisual, tanto do ponto da produção como da pesquisa. A Socine vir pra cá é um reconhecimento disso", diz Mariana Baltar, secretária da diretoria e professora da Universidade Federal Fluminense. Para ela, o estabelecimento da Socine como referência está ligado ao crescimento do audiovisual no Brasil, não só de cursos, pós-graduações e linhas de pesquisa, mas da produção. "Inclusive as políticas do MinC tem contemplado a pesquisa, sinal de que para consolidar cinema e audiovisual no Brasil não se pode deixar de lado a reflexão. E nisso, a Socine é um norte".
Esta é a segunda vez que a cidade é escolhida para sediar um encontro da Socine - em 2004, o evento foi recebido pela Universidade Católica de Pernambuco. "Naquele momento não havia graduação em cinema na cidade. Hoje a gente tem várias e a nossa é a primeira do nordeste numa universidade pública", diz Ângela Prhyston, que com a Socine encerra sua última atividade como coordenadora do curso de cinema, em transição para Rodrigo Carrero.
Angela e Carrero fazem parte da comissão local de coordenação do Socine. "Para quem trabalha com cinema, esta é uma oportunidade singular ", diz Carrero. "Porque é não só o maior, mas o principal evento brasileiro onde se encontram as pessoas que pesquisam cinema no país. A área de cinema cresceu muito não só em filmes produzidos, mas em reflexão também. Do ponto de vista lógico, não teremos nada parecido no Recife nos próximos dez anos. Digo para os alunos que está é a hora de conhecer os autores dos livros que eles estudam".
Com presença de Ivana Bentes, Ismail Xavier, Arlindo Machado e Fernando Mascarello, o evento não é voltado somente a acadêmicos e estudiosos. Mediante inscrição de R$ 100, cinéfilos e demais interessados na linguagem do cinema podem participar dos encontros como ouvintes. A capacidade nas dez salas reservadas à Socine é de 750 pessoas.
Outro bom programa são as mostras cinematográficas. A partir de amanhã às 13h, até o próximo sábado, o Cineclube Dissenso promove sessões com filmes portugueses. De amanhã a sexta as sessões serão no Centro de Artes e Coumunicação (UFPE). No sábado, será no Cine São Luiz. Outros filmes serão exibidos: amanhã às 20h, haverá première do longa Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, no Cinema da Fundação. Antecede o premiado curta Recife frio, de Kleber Mendonça Filho. Na quinta, às 19h30, uma mesa sobre cinema pernambucano com Marcelo Pedroso e Sérgio Oliveira será mediada pelo professor Paulo Cunha.
Entrevista // Dominique Chateau: "A montagem no cinema é primordial"
Professor da Universidade de Paris I Pantheon Sorbonne, Dominique Chateau diz que, antes de o cinema ser usado em prol da filosofia, é preciso perceber como a filosofia pode ajudar a entender o cinema. Nessa perspectiva, ele tem dedicado décadas de estudo sobre a montagem como recurso definidor da estética do cinema. Chateau antecipa alguns pontos da conferência que preparou para a abertura do 14º encontro da Socine. No fim da conversa, o mestre pede uma última palavra: "É uma grande oportunidade viver na época do cinema, que é uma arte extraordinária".
De que forma a filosofia pode ser utilizada para entender o cinema?
Não trabalho com filósofos específicos, mas com elementos da filosofia. Um bom exemplo é o que acontece com a montagem. Existe uma teoria em torno da montagem no cinema, que surgiu precisamente a partir de 1918, com o cineasta russo Lev Kuleshov. Ele escutou diretores de fotografia franceses a palavra "montagem", que para o que até então era usado o nome inglês, edti. E ele entendeu que a montagem ia muito além da técnica da edição. E que o cinema, por si, designa uma filosofia própria.
É comum ouvir que a diferença entre o cinema e as demais artes está na montagem.
A montagem existe em outras artes como na fotografia, na música e na literatura, mas no cinema ela é primordial a ponto de, historicamente, o cinema moderno começar pela montagem. Isso vale até mesmo para o cinema em que a montagem não era tão importante, como no neorealismo italiano e na nouvelle vague que utilizavam longos planos. Hoje, Deleuze tremeria na tumba se pudessever a hipermontagem dos blockbuster. Ao contrário da imagem-tempo que ele identificou, há uma montagem histérica, de decupagem de planos e efeitos sonoros extremamente rápidos. A semente dessa hipermontagem vem de Eisenstein, com a diferença de que ela tinha utilidade ideológica, que ficou um pouco fora de moda.
Internet e videogames estão cada vez mais presentes nos filmes. Essa é uma tendência passageira ou definitiva?
Não trabalho diretamente com isso mas posso dizer que não é uma moda. Assim como a tentativa de introduzir efeitos 3D no cinema, esses filmes buscam o realismo da percepção, que funciona com efeitos e simultaneidade visual e sonora da hipermontagem. A maioria dos filmes derivados de jogos não são bons. Mas esse é um tema importante porque lida com dois níveis de violência. Um está na montagem histérica, que Walter Benjamin identificou como a necessidade do traumatismo. E o outro está em efeitos visuais que espalham sangue para todos os lados. A estética da violência está a obra de arte como Laranja mecânica. Mas também em Kill Bill e sua violência incessante e sem profundidade, que o torna apenas um espetáculo.
(Diario de Pernambuco, 05/10/2010)
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