segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Cinema retrata ditadura no Nordeste

A ditadura militar no Nordeste está na pauta de novas produções de cinema. Atualmente, há pelo menos três projetos em andamento: Sobre cães e homens - o calvário da ditadura militar no Nordeste, de Elinaldo Rodrigues; Alexina, de Cláudio Bezerra e Stella Maris; e História de um valente, de Cláudio Barroso. Todos tratam de grandes lideranças que resistiram à força dos generais, como Francisco Julião, Alexina Crespo, Gregório Bezerra, João Pedro Teixeira e Miguel Arraes.

Alexina, de Bezerra, é o único com orçamento fechado. Será rodado com o patrocínio de R$ 80 mil concedido pelo concurso Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco. Para realizar o curta, a equipe levará de volta à Cuba a ex-guerrilheira Alexina, hoje com 82 anos. Alexina foi a primeira esposa de Francisco Julião e ficou exilada em Cuba de 1964 a 1971, onde conviveu com Che e Fidel. "Queremos revirar esse passado e o que ainda resta dele. Vamos visitar os lugares onde ela e os filhos moraram, onde fizeram os treinamentos. Também vamos tentar falar com Fidel", diz Cláudio Bezerra.

Para ele, retornar ao período ditatorial é valorizar as pessoas que tinham uma atitude perante o mundo e dedicaram suas vidas a uma causa. "Não queremos fazer julgamento de valor, mas levantar a discussão. A nossa ditadura é o equivalente à Segunda Guerra para os europeus. É preciso estar sempre alerta, nunca esquecer o prejuízo que aquilo representou para nos afirmar cada vez mais como democracia, como sociedade mais tolerante".

Aprovados em editais públicos, Sobre cães e homens e História de um valente buscam recursos na iniciativa privada (investimento direto) e na lei de incentivo via renúncia fiscal. Orçado em R$ 1,7 milhões, Sobre cães e homens parte do livro A ditadura dos generais (Bertrand Brasil, 2007), de Agassiz de Almeida, para buscar com recursos de documentário (depoimentos e pesquisa de arquivo) e dramatização os fundamentos psicológicos que regeram as mentalidades da época.

"A parte encenada toca no lado grotesco e cruel da opressão, mas também em ações militares que soam de forma ridícula, como a tendência de endeusar generais", diz Elinaldo, que tem no currículo o longa Zé Ramalho - o herdeiro de Avohai (2009). "Quando Agassiz foi preso, num momento de tortura psicológica, cornetas tocaram na praça para os generais, recebidos com euforia. Quero confrontar esse compasso militarista, de tomada de poder personalista que endeusava alguns generais, mesmo que sua ação fosse baseada no massacre".

A pesquisa de Rodrigues inclui o posicionamento político de artistas como Abelardo da Hora e os cineastas Vladimir Carvalho e Eduardo Coutinho, que com Cabra marcado para morrer dirigiu o primeiro filme a tratar da ditadura no Nordeste. Em 1964, Coutinho teve o equipamento apreendido e só conseguiu concluir a empreitada 20 anos depois. O episódio também estará abordado por Cláudio Barroso, em História de um Valente, sobre Gregório Bezerra, político pernambucano que foi arrastado e torturado em praça pública.

"A câmera que usavam era russa e isso aumentou a paranóia de que a equipe era comunista. E naquela época não precisava muito para prender todo mundo e descer porrada", diz Barroso, que já retratou a ditadura em Pedras de fogo (1982) sobre João Pedro Teixeira e Margarida Maria Alves (1983). Com 30% do filme revelado, o novo longa está parado por falta de recursos. A morte recente de seu produtor, Germano Coelho, dificulta ainda mais a realização, mas Barroso diz que agora é questão de honra finalizá-la.

"Há certa rejeição. O filme é chamado de comunista porque fala de um líder revolucionário. Estamos vivendo um retrocesso, em que uma eleição é definida por temas como aborto e casamento gay enquanto os arquivos da ditadura continuam fechados. Por exemplo, estou há quatro anos com o projeto e ainda não consegui as imagens de Bezerra torturado, apesar de terem sido transmitidas em rede nacional. Dizem que está nas mãos de um general e ninguém mais tem acesso".

Autor dos livros Francisco Julião - vida, paixão e morte de um agitador (Alepe, 2001) e Francisco Julião, as ligas camponesas e o golpe de 64 (Comiunigraf, 2004), o repórter especial do Diario, Vandeck Santiago, diz que o interesse do cinema em redescobrir lideranças regionais que enfrentaram a ditadura está ligado ao fluxo natural de resgate da história.

"Primeiro vieram nomes nacionais como Leonel Brizola e João Goulart", diz Santiago. Para ele, a ação do regime militar foi mais drástica para o Nordeste do que para o Brasil. "O golpe definiu o destino do Nordeste. Perdemos Paulo Freire, Josué de Castro, Celso Furtado, Francisco Julião, Gregório Bezerra e Miguel Arraes, que não deixaram sucessor e fariam falta a qualquer país".

(Diario de Pernambuco, 24/10/2010)

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