sábado, 23 de outubro de 2010

Mostra de SP // Visões do paraíso



As infinitas sessões da 34ª Mostra Internacional de Cinema podem ser uma visão do paraíso. No entanto, antes há o purgatório da escolha, que passa por optar entre uma retrospectiva nórdica com presença do diretor norueguês Bent Hammer ou a oportunidade de assistir aos clássicos de John Ford numa sala de cinema. A filosofia do evento é trazer para o país filmes que dificilmente viriam de outra forma. Daí se entende situações insólitas como filas para assistir filmes da Armênia, Sri Lanka, Estônia, Haiti, Eslováquia, Ucrânia, Vietnã e países da antiga União Soviética.

Hoje à noite, o dilema é entre a cópia restaurada de Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, e o novo corte de 280 minutos feito por Wim Wenders para Até o fim do mundo (1993). Convidado de honra do festival, Wenders estará na sessão e também abrirá o evento Os filmes da minha vida.

Na última terça-feira, o diretor alemão inaugurou exposição de fotografias Lugares, estranhos e quietos, que ocupa o primeiro andar do Masp. Ao longo dos anos, Wenders lançou seu olhar de viajante ao redor do planeta e o resultado está nessa mostra inédita. As imagens variam entre landscapes como a que mostra enorme cratera provocada por um meteoro na Austrália ou recortes da realidade, que como em seus filmes, revelam o que há de insólito ou fantasmagórico numa casual esquina urbana. O cruzamento de ruas, aliás, simboliza bem o espírito da busca de Wenders. Não se sabe muito bem o que iremos encontrar ao tomar um dos caminhos e isso é um estímulo e tanto para a imaginação.

Wenders também esteve na cerimônia de abertura, na noite de quinta-feira, em que a atração principal foi o novo longa de Manoel de Oliveira, O estranho caso de Angélica. Como o diretor português (introduzido no país pela própria Mostra, em 1979) não pode vir, mandou um vídeo pela internet, onde se diz desolado pelo impedimento de seu médico, que o fez trocar de marcapasso antes de viajar para a mostra. Por isso, ainda há a expectativa de que o mestre de 102 anos ainda possa estar entre nós.

O estranho caso de Angélica é de uma poesia sem fim. Sem a preocupação de parecer moderno ou de honrar suas várias décadas de experiência, Oliveira faz um cinema sem pressa, de tempo próprio. No filme, coprodução Brasil-Portugal, ele assume como alterego um fotógrafo (Ricardo Trêpa), um coletor de imagens munido de câmera mecânica. A história começa quando uma família importante o chama para fazer a última foto de Angélica, bela filha que morreu, mas mantém misterioso sorriso nos lábios. Há um quê de Blow Up de Antonioni quando, através do dispositivo ótico da câmera fotográfica, a falecida volta à vida, tamanho é o mistério das imagens.

Outro momento especial da abertura foi a presença de Teruyo Nogami, que trabalhou por mais de 50 anos ao lado de Kurosawa e trouxe para o Brasil exposição de desenhos (storyboards), lançados em livro pela CosacNaify. Ela disse emocionada que imaginou um encontro centenário entre Kurosawa e Oliveira, e saber que o diretor português estaria no país a motivou a fazer a viagem aos 83 anos de idade.

(Diario de Pernambuco, 23/10/2010)

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