quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O tempo de cada filme


Ela morava na frente do cinema, de Leo Lacca


Entre as discussões levantadas durante o Festival Internacional de Curtas de São Paulo, uma diz respeito à própria natureza do evento. Durante a seleção de filmes para sua 22ª edição, o curador William Hinestrosa se deparou com um dilema: se o regulamento do festival permite a entrada de produções de até 25 minutos, deveria ele ignorar a inscrição de bons filmes com 30 a 40 minutos de duração? De acordo com padrões pré-estabelecidos, tal metragem tampouco os elevariam à categoria de médias ou longas. Ou seja, estariam excluídos da maioria dos festivais ou salas de cinema comercial.

Pensando nisso, Hinestrosa concebeu a mostra especial O realizador e seu tempo, do qual faz parte Ela morava na frente do cinema, novo filme do pernambucano Leo Lacca (Décimo segundo). Com 30 minutos de duração, o filme de Lacca será exibido hoje na Cinemateca Nacional, junto com outros filmes de metragem intermediária: Cat effekt (Brasil/Alemanha/Rússia), de Gustavo Jahn e Melissa Dullius, De asfalto e terra vermelha (Brasil/França), Antoine d’Artemare e Camila Freitas e Permanências (Brasil), de Ricardo Alves Júnior.

“Queremos discutir a relação do cinema com o tempo. Os filmes têm um tempo próprio ou o diretor tem que forçar para caber em uma duração pré-determinada?”, questiona Hinestrosa. Lacca é incisivo em apontar para a primeira hipótese: “Não dá para fazer filmes pré-formatados. Cada filme tem um ritmo e tempo próprios. Me sentiria muito mal em me amputar para entrar em determinado festival. Não dá pra começar uma obra com essa limitação”.

O respeito pela duração de um filme pode garantir a integridade da obra, mas também pode ser um risco para sua carreira, pois terá menos espaço para circular. Outros realizadores já passaram por situação parecida, como Marcelo Lordello (Vigias, 70 minutos) e Marcelo Pedroso (Balsa, 50 minutos). E Tião (Muro), cujo novo filme, Animal político, começou como curta, aumentou para média e está sendo montado como longa-metragem de 80 minutos.

Antes de ser exibido no festival de São Paulo, Ela morava na frente do cinema estreou semana passada no Panorama Coisa de Cinema (Bahia), na categoria curta-metragem e recebeu menção honrosa para a atriz Renata Roberta. E em setembro vai para o 5º CineBH. Lacca diz que manter a duração que o filme pede pode também ser um ato político. “Tenho consciência de que posso ir para o limbo mas se outros realizadores fizerem o mesmo, isso pode gerar uma mudança nos festivais”.

(Diario de Pernambuco, 31/09/2011)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Curtas conquistam a metrópole



O cinema pernambucano é destaque no 22º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. O maior e mais importante do país, o evento selecionou oito filmes da produção recente, cinco deles para a mostra principal. Já na abertura, na última sexta, dois foram bem recebidos: o inédito Corpo presente, de Marcelo Pedroso, e Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles. No sábado e domingo, foram exibidos Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, Calma, Monga, calma!, de Petrônio de Lorena, e Ela morava na frente do cinema, o novo de Leo Lacca (Trincheira Filmes).

Novo rebento da Símio Filmes, Corpo presente é um belo estudo sobre morte e representação. O curta é de nítido rigor estético, assinado por Pedro Urano (fotografia), Juliano Dornelles (arte), André Antônio (montagem), Pablo Lamar (som) e Simone e Mari Jubert (produção executiva). Um rigor já visto em outros trabalhos do diretor, como o média-metragem Balsa (2009). Novidade em uma produção mais ligada ao cinema documental, Pedroso está de volta ao terreno da ficção, exercitado nos primeiros anos da carreira.

“Ele tem uma proposta de jogar com o espectador. Todo o processo é real, mas ele quer de certa forma testar sua relação com o filme”, diz William Hinestrosa, curador da Mostra Brasil, para a qual Corpo presente foi selecionado. Os demais curtas pernambucanos chamaram sua atenção por diferentes motivos.

“Talvez o que há em comum entre eles seja um senso crítico aguçado e a liberdade criativa. Praça Walt Disney, por exemplo, é de um hibridismo que não se define enquanto gênero, mas por outro lado discute a verticalização de Boa Viagem”. No sentido de olhar para a cidade, o filme de PWD dialoga com outros filmes do mesmo programa, como do coletivo cearense Alumbramento, Raimundo dos Queijos e o mineiro Adormecidos, de Clarissa Campolina.

Outros pernambucanos na programação são Coco de improviso e a poesia solta no vento, de Natália Lopes, que integra a mostra online KinoOikos Formação do Olhar e Menino-Aranha, de Mariana Lacerda, que em 2008 estreou no festival e agora volta como parte da Mostra Feminino Plural, tema principal do evento este ano.

O cinema feito por mulheres é o tema principal do 22º Festival Internacional de Curtas de São Paulo, que programou 44 produções brasileiras e internacionais para a mostra Feminino Plural. Mas o evento é muito maior do que isso. Até o dia 2 de setembro, 472 filmes de 48 países serão exibidos, com sessões gratuitas em oito salas espalhadas pela cidade. Há um sem-número de atividades paralelas, entre palestras, debates e oficinas. A grandiosidade do evento consiste em não só reunir os filmes, mas realizadores, imprensa e curadores dos principais festivais do país, de olho nas novidades.

Uma delas vem da Paraíba, que apresenta os primeiros resultados do coletivo Filmes A Granel. São curtas produzidos no sistema de cotas, em que 20 diretores investem R$ 50 cada. Uma vez por mês, o dinheiro é revertido para um deles. Como estímulo ao espírito empreendedor, o Sebrae entra mais R$ 1 mil. E assim surgiram Oferenda, de Ana Bárbara Ramos, e Lavagem, de Shiko.

Eles participam da Mostra Brasil, que este ano traz 56 curtas de 15 estados. Para chegar a eles, a equipe do curador William Hinestrosa assistiu mais de 600 produções. Ele diz que o objetivo é formar um painel da diversidade da produção atual. “O critério não é ‘gostei’ ou ‘não gostei’. Um bom sinal é se o filme dividiu opiniões. Não existe um único caminho”. Hinestrosa conta que um dos curtas que mais despertou debate foi Oma, de Michael Wahrmann, formado por imagens precárias feitas pelo diretor, em visitas à sua avó doente. “Se é exibível ou não, a gente vai discutir depois da sessão”.

Em seu sétimo ano, a mostra infantil é outro ponto interessante do festival. Além dos filmes (A mula teimosa e o controle remoto é um dos destaques), após a sessão há atividades em que as crianças fazem seus próprios filmes, editados na hora. Seu curador, Christian Saghaard, diz que educar para o audiovisual é questão de cidadania. “É uma linguagem que está em tudo ao redor. É preciso olhar para as imagens de forma crítica, para que sejam percebidas não como a realidade, mas como um entre os vários recortes possíveis”.

(Diario de Pernambuco, 30/08/2011)

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mais movimento para o stop-motion


Entre outros clássicos, festival exibirá trechos de Viagem à Lua, de Méliès

Em novembro, o Recife será sede de um novo festival de cinema. Não se trata de “mais um” entre as centenas de janelas para exibição de filmes, mas o primeiro evento do Brasil dedicado a apresentar, fomentar e refletir a produção mundial de stop motion. Com coordenação de Ana Farache, Paulo Cunha, Clara Angélica e patrocínio da Fundarpe (via Funcultura), o 1º Festival Internacional Brasil Stop Motion abre inscrições oficialmente hoje e se realiza entre os dias 21 e 27 de novembro, no Cinema São Luiz e na Universidade Católica de Pernambuco.

No cinema, ficarão as mostras competitivas e os programas especiais, trazidos em parceria com os festivais de Montreal e Anima Mundi. Na Unicap, haverá oficinas e palestras. Um terceiro espaço, ainda em negociação, será a Praça da Ribeira, em frente ao Museu do Mamulengo, em Olinda (além da Unicap, o evento conta com o apoio da Prefeitura de Olinda).

Entre os filmes confirmados estão o longa cubano 20 ãnos, de Bárbaro Joel Ortiz (que vem ao evento), e trechos de Minhocas, o primeiro longa-metragem em stop motion do Brasil, produzido em Florianópolis pelo estúdio Animaking. “Iremos também editar um filme que destaca as primeiras produções do gênero, juntando Eadweard Muybridge, George Méliès e outros”, diz Ana.

Entre os convidados, o construtor de bonecos uruguaio Fernando Sequeira e os brasileiros Quiá Rodrigues (Canal Brasil), Daniel Herthel e Patricia Alves Dias (Projeto de Animação Brasil-Cuba). De Pernambuco, participam os animadores Nara Normande (diretora do inédito Dia Estrelado) e Marcos Buccini e os fotógrafos Geórgia Quintas e Eduardo Queiroga.

Ana Farache entende o stop motion como um universo em expansão e vê no festival uma forma de incentivar essa produção no estado. “Minha ideia é criar um núcleo. Olhar para a experiência de outros países, como Cuba e Canadá”. Para ela, a técnica é uma saída viável economicamente (é mais barato do que realizar uma animação 3D) e favorável para exercitar duas criatividades locais: o artesanato e a tecnologia.

“Criar e dar mobilidade aos bonecos é um trabalho minucioso, no qual temos talento. E a modelagem inclui construção de cenários, direção de arte… Ao mesmo tempo, as imagens são capturadas e editadas digitalmente. É uma técnica fotográfica, de trabalhar quadro a quadro, que remete aos primórdios do cinema, desde Viagem à Lua, de Méliès”.

A ideia que levou ao festival surgiu quando Ana promoveu uma palestra na Unicap, onde é professora de artes e novas tecnologias para o curso de fotografia. “Chamei Nara Normande para fazer uma palestra e durante os exercícios, achei incrível como os alunos absorveram rápido e fizeram coisas interessantes. Disse a eles que seria bom inscrever os trabalhos em festivais e percebi que não havia tantas opções. Quando descobri o Festival de Montreal, que está no segundo ano, pensei em fazer algo assim no Brasil”.

As inscrições para o Brasil Stop Motion estão abertas até o dia 17 de outubro, pelo site www.brasilstopmotion.com.br. Podem participar da mostra competitiva obras com pelo menos 75% produzidas com a técnica.

(Diario de Pernambuco, 28/08/2011)

Entrevista // Felipe Peres Calheiros: "Precisamos de condições iguais"



Em conversa caudalosa, a frase quase passa despercebida: “meu esporte é problematizar”, diz Felipe Peres Calheiros. Daí seu interesse pela dimensão social e política da realidade, representada em filmes de viés humanista. A definição também vale para seu próprio trabalho, colocado em crise a cada realização. A última, o curta-metragem Acercadacana, foi eleito o melhor do último Festival de Brasilia. Desde então, percorreu mais de 20 festivais. Hoje, amanhã e quarta-feira, ele será exibido no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, o maior do país. Até outubro, vai para Biarritz (França), Santiago (Chile) e Suécia.

Felipe explica que o drama de Dona Francisca, agricultura ameaçada de perder a terra em que mora há 40 anos para um poderoso grupo usineiro, aponta para algo maior. “Temos vivido um boom econômico e uma aparente satisfação social com empregos e índices econômicos, mas para nós, isso não reflete em caminhos interessantes”.

O “nós” a que ele se refere é o Coletivo Asterisco, com quem desde 2006 desenvolve projetos como Mais um encontro em família, sobre a famosa noite cubana do Clube Bela Vista, no Alto Santa Terezinha. E Reforma universitária, o que eu tenho a ver com isso?, fruto de seu engajamento no movimento estudantil que participou durante os estudos nas faculdades de Direito (UFPE), Administração (UPE) e Rádio e TV (UFPE).

Antes, produziu um curta sobre um grupo quilombola que queria conhecer a praia. Assim nasceu Até onde a vista alcança, que desde 2007 percorreu 50 festivais em 16 países. Foi sua primeira experiência com a câmera, que veio a definir sua vida profissional. “Fizemos tudo em duas pessoas”.

A urgência em realizar e injetar dinamismo aos projetos levou Felipe a colocar no ar o site Vurto.com.br, criado em parceria com Marcelo Pedroso, outro realizador marcado pela inquietude estética e política. Aliados à educação, forma-se o tripé no qual Felipe pretende desenvolver os próximos trabalhos.

Como surgiu o projeto Acercadacana?
Em 2008 fui para Holanda com o Até onde a vista alcança e fiquei pasmo porque Lula esteve lá um pouco antes com uma campanha pelo uso do biocombustível. Havia faixas defendendo o combustível verde, como se o etanol fosse a salvação ecológica e social do mundo. E isso não é verdade, pois sabemos quais são as condições que o monocultivo da cana oferece para as pessoas e para o meio ambiente. Aí pensei em fazer um debate no cinema sobre isso. Fomos pesquisar junto com a Comissão Pastoral da Terra e ela apontou Dona Francisca entre os agricultures em situações semelhantes. Quando cheguei na casa dela, percebi que a situação era urgente e começamos a filmar. Fizemos três visitas e no começo de 2010 sentei com Paulo Sano, escrevemos o roteiro e montamos o filme.

Tudo sem edital?
Sem edital. Seria incoerente não realizar o filme, ao perceber a situação daquela agricultora que mora há 40 anos naquela terra, que tem uma ação à espera de julgamento para se confirmar o usucapião a que tem direito.

E o retorno dessa discussão?
Ainda estamos digerindo isso. A aceitação em festivais não foi tão ampla e não tivemos repercussão direta para o caso de Dona Francisca. O Tribunal de Justiça de Pernambuco não se propôs a julgar o caso de forma mais célere. Circular em festivais pode motivar pessoas a repensarem sobre o etanol, mas será que isso é o que devemos continuar fazendo? Agora que ele está aprovado pelo Funcultura para se tornar três episódios para a TV, estamos passando por esse debate, que também parte de entender como a cadeia produtiva do etanol e o desenvolvimentismo no Brasil tem se pautado.

E a ideia é interferir nisso de alguma forma.
Isso. E a questão é estende o filme para a TV ou fazer outra coisa. Tenho percebido que a educação é um caminho tangível e atraente para relacionar cinema com mudança, com novas atitudes. Isso é um indicativo do que vem por aí, uma tentativa paulofreireana de fazer cinema.

Acercadacana tem uma sofisticação estética e linguagem que o diferencia da ingenuidade de certos filmes de denúncia.
Procuramos conciliar ritmo, montagem e composição do filme, para representar de forma digna a história de Dona Francisca e sua luta para ganhar visibilidade. E de uma forma mais ampla, tentamos caminhar no sentido de construir uma narrativa coerente, partindo da compreensão de que cinema se constitui espaço de representação do mundo e portanto, necessariamente ligado a questões de poder. Ele tem papel fundamental no questionamento dessas relações, que estão mudando. Hoje temos uma liquefação da forma como as elites e os espaços de poder se organizam, e o cinema que vai tratar dessas questões não pode ficar restrito à mera denúncia. Por isso bebemos do cinema experimental, da ficção enquanto estudo estético, procuramos ferramentas de construção do cinema. Se queremos lidar com os mecanismos de poder, precisamos entender como funciona esses espaços no cinema, para levar uma mensagem e isso tudo fazer sentido pra gente. Isso passa por questões éticas, estéticas, pessoais.

Como resolver a questão ética de transformar um assunto delicado em produto?
Tem uma série de referências que lastreia nossa prática audiovisual, que vai muito além do cinema. Paulo Freire por exemplo, para mim é fundamental. Ele diz que ninguém chega para uma conversa sem conhecimento prévio, o que nos faz estabelecer um lugar de igualdade. Por exemplo, a Associação Quilombola do Sambaqui precisava construir uma sede. Fizemos 500 cópias do DVD, que foram vendidas na cidade de Panelas. Dona Francisca está esperando para fazer a casa dela de alvenaria. E tivemos a ideia de fazer cópias de Acercadacana. Já vendemos algumas e o dinheiro está sendo arrecadado pra ela construir a casa.

Como é circular nos festivais?
É um pouco complexo. Festivais oferecem diversas possibilidades de interagir com plateias. Há os que colocam a mim, curta-metragista iniciante, em hotel de luxo no Amazonas, junto com figuras do cinema hollywoodiano. E os que colocam todo mundo no mesmo quarto, mas promove uma discussão que faz com que o filme ganhe outra dimensão. Trafegar em festivais assim te reconstrói. Acho que isso agrada todo mundo que faz cinema com essa intenção. Por outro lado, fazemos concessões como dormir em casa de taipa num quilombo para gravar um filme, para depois levar um quilombola dormir em um hotel em Amsterdã. Isso gera muitas questões pessoais.

O que te levou a colocar no ar um site para veicular pequenos filmes?
O Vurto é parte disso que a gente está falando, crítica aos festivais, a uma estrutura como o cinema independente tem se comportado, produto que tem que chegar a uma distribuidora para pagar as contas de casa e de fazer cinema de uma forma mais livre e realmente independente. Acho que essas insatisfações que motivaram eu e (Marcelo) Pedroso a procurar um lugar diferente dentro dessa mobilidade do mundo, a internet se tornou o espaço para expressar essas críticas, questionamentos, espelhos, está em construção.

Considerando que os financiadores talvez não queiram se envolver em polêmicas, como viabilizar projetos que abordam assuntos difíceis, que mexem com gente poderosa?
Esse é um dos riscos que fazem parte dessa escolha, mas o principal deles é o risco de vida, que não chegou a mim diretamente, mas sim a Dona Francisca, quando estávamos lá e fomos abordados por seguranças armados. Quando exibimos, e amigos dizem que fosse 20 anos atrás, não estaríamos vivos. Sabemos quais são as condições de segurança para pessoas dispostas a enfrentar os lugares de poder. Não faltam exemplos. Este ano, 15 pessoas foram assassinadas por questões ligadas à terra. Quanto ao financiamento, precisamos de condições iguais tanto para obras que façam propagandas governamentais quanto obras que falam o contrário. Vozes múltiplas precisam ser ouvidas numa democracia.

Fale um pouco sobre o documentário sobre Zuleno.
O filme está em finalização. Diego Medeiros, que hoje é o produtor executivo dos nossos projetos, me convidou para fazer um filme sobre Zuleno, que era amigo dele. Pude conhecer um pintor que levou uma vida um tanto singular, que trabalhou com Lula Cardoso Ayres, tem quadro bem cotados, mas vivia na simplicidade, doava o dinheiro que ganhava para instituições. É um filme que não tem enfrentamento político, mas que me cativou porque tem um sentido de questionamento do mundo.

Você se apresenta como documentarista, não cineasta. Não se vê fazendo ficção?
Está cada vez mais difícil definir o que é ficção, mas um dos episódios de Malunguinho, série para a TV que está em fase de produção, será com recursos ficcionais, para representar o enfrentamento do povo quilombola do século 19 e as elites açucareiras.

Quais os próximos projetos?
Tenho dois roteiros novos. Blecaute, sobre sombras, escuridão, que existem tanto no fazer cinema quanto numa comunidade quilombola, que nascem em imagens que fiz durante um blecaute em Conceição das Creoulas e outro sobre sexualidade, roteiro em gestação que chama-se Viagem ao corpo interior, sobre homossexualidade, heterossexualidade e as diversas formas de interação cultural que existem do litoral ao sertão. Os dois filmes caminham para essa igualdade dialógica freireana, de discutir o poder da imagem e como nos relacionamos com o lugar de sermos vistos.

(Diario de Pernambuco, 28/08/2001)

O brega ao alcance da mão



O brega recifense já provou ter força suficiente para merecer um documentário. Explosão brega, de Hanna Godoy, cumpre essa missão ao dar tratamento cinematográfico à cena, aqui representada por Kelvis Duran, Michelle Melo, Banda Kitara, Musa do Calypso, Mc Leozinho, Mc Cego e Metal, Mc Sheldon, Remixsom. Produzido com recursos do 1º edital do audiovisual, o filme será exibido pela primeira vez hoje, às 19h, em pré-estreia no Cinema São Luiz, com presença dos artistas.

Ao contrário de outros lançamentos organizados às segundas-feiras no São Luiz, Explosão brega não terá entrada franca, mas ingressos a R$ 4 e R$ 2 (meia). O motivo é que, coerente com o tema, a produção tem como proposta desenvolver um modelo mais ligado com o público que com os editais. Se depender do apelo do filme, dos artistas e do volume do sistema de som, a sessão deve funcionar.

“Esse não é um filme de festivais. Ele compõe o desejo de produzir filmes com forte apelo de público, qualidade técnica de produção e que rendam bilheteria para que sejam autossustentáveis”, explica Hanna, que, para a divulgação, conta com a colaboração dos artisas em suas redes sociais, fã clubes e rádios comunitárias. “A escolha do São Luiz faz parte do desejo de percorrer o circuito de salas de cinema do estado”.

O longa de Hanna tem qualidades culturais e estéticas para agradar tanto aos amantes do brega quanto do cinema. O primeiro, irá se surpreender ao ver na tela grande os artistas em condições diferentes das estabelecidas pelos programas de TV. “Quando se pensa em brega a imagem que vem logo à cabeça é de algo tosco, sem requinte, exagerado e muitas vezes de mau gosto”, diz Hanna. “Ao entrar em contato com o movimento brega pernambucano percebi que há uma um enorme vontade de fazer as coisas bem feitas, com capricho e bom gosto estético, mas, às vezes, eles esbarram em dificuldades orçamentárias. Esse universo é rico e merece cuidado. E como no filme o personagem principal é a música tivemos cuidado redobrado com o som”.

A imagem seduz e abre caminho para a música, que ao vivo ou em estúdio, é utilizada para compor videoclipes. Um deles, de Kelvis Duran, faz uma paródia de Michael Jackson (Thriller) digna de Bollywood. Questões de mercado não ficam de fora. Em dado momento, o compositor de um dos grupos conta que muitos dos sucessos que geram lucro às bandas de forró eletrônico são originalmente compostas no bojo do movimento brega. Depoimentos e cenas de intimidade familiar completam a experiência.

As performances são fotografadas com apuro de luz e sombra, obra do fotógrafo gaúcho Juarez Pavelak, que já havia trabalhado em Pernambuco no curta Rapsódia para um homem comum, de Camilo Cavalcante. A edição, outro mérito do filme, é do carioca Rafael Mazza, montador de Onde a coruja dorme, de Márcia Berraik. A pesquisa é da antropóloga Márcia Mansur. Outro ponto interessante é que o filme evita especialistas ou pretensas autoridades para teorizar sobre o brega. No lugar, há o olhar 100% focado nos artistas e seu universo. Relação mais direta com o público, impossível. Dá até pra cantar junto.

O plano de Hanna é formar a Embaixada Brega, trilogia que vai se desdobrar sobre os bregas antigos e o tecnobrega. O segundo filme, Reis do brega, está em pré-produção e será anunciado hoje à noite, com presença do Conde do Brega, Paulo Marcio, Augusto César, Banda Labaredas, Paixão Brasileira.

(Diario de Pernambuco, 29/08/2011)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A dura vida de Serge Gainsbourg



Estreia hoje, no Cinema da Fundação, Gainsbourg - O homem que amava as mulheres (França, 2010). O longa dramatiza a vida de um dos maiores ícones dos anos 1960-70, Serge Gainsbourg (1928-1991), cujas criações artísticas foram indissociáveis das conquistas amorosas. Nesse sentido, suas parcerias com Brigitte Bardot e Jane Birkin foram das mais produtivas. O filme de Joann Sfar explora essa mitologia de forma cronológica, da infância assombrada pelo nazismo à decadência, após o abandono de Birkin, com quem teve a filha, Charlotte Gainsbourg (uma das protagonistas do ótimo Melancolia de Lars Von Trier, em cartaz na mesma sala)

Apesar do pouco criativo subtítulo nacional, que se apoia no famoso filme de Truffaut (o original, Vie héroïque, é bem mais ilustrativo), a produção acerta ao trazer a subjetividade do personagem para a estrutura, o que resultou em obra pouco comum às cinebiografias. Conta a favor a incrível semelhança dos atores com os personagens, principalmente de Eric Elmosnino com Gainsbourg. E o fato de Gainsbourg ser um filme essencialmente musical, que conta a gênese de clássicos da chanson francesa, como Je t'aime moi non plus.

De forma orgânica, recursos do cinema de fantasia (algumas, de animação) colocam Gainsbourg em diálogo com um alterego caricato, que exagera em sua incongruência nasal, orelhas de abano e dedos pontiagudos, remetendo ao Nosferatu do expressionismo alemão. É o contraponto ao artista sedutor, que desperta atração incontrolável nas mulheres.

Ponto alto é a sequência em que o artista é carregado de um conflito conjugal para fora de casa, céu estrelado de Méliès sob Paris, até um clube onde toca piano jazz até o último gole. A música é de arrepiar. E a despeito de seu potencial destrutivo, a vida heroica de Gainsbourg tem elementos de sobra para inspirar qualquer mortal.

(Diario de Pernambuco, 26/08/2011)

Do laboratório à angústia existencial



Uma das franquias mais cultuadas do cinema se rende à onda dos prequels, os filmes do tipo “como tudo começou”. Planeta dos macacos - a origem (The rise of planet of apes, EUA, 2011) faz jus ao melhor da série, os dois primeiros filmes, estrelados por Charlton Heston em 1968 e 1970. Se aqueles trazem a estranheza de reconhecer no futuro o fim da civilização humana, este leva a refletir sobre os erros que motivaram tal ruína. Longe da cosmética de Tim Burton em seu remake de 2001, o filme de Rupert Wyatt (O escapista) funciona como entretenimento, é visualmente instigante e faz pensar. O que mais podemos querer de um blockbuster?

Antes dos chimpanzés “humanistas” Cornelius e Zira, havia César. Quem acompanhou a série deve se lembrar dele por ter liderado a revolução dos símios em A conquista do planeta dos macacos (1972). Ele volta à vida, agora, via Andy Serkis (Sméagol, de O senhor dos anéis, e o rei gorila em King Kong). Ao lado dele, James Franco - cientista que testa a cura para o mal de Alzheimer (seu pai, John Lithgow, é uma vítima) em cobaias, como a mãe de César, que se rebela e morre. Sobra para Franco criar o filhote, com o qual desenvolve relação de afeto, incompreendida pelo mundo.

Revolução se faz com inteligência, estratégia e força bruta. Frente à arrogância e estupidez humana, não resta outra escolha a César. O filme desenvolve essas etapas até a monumental sequência de enfrentamento na ponte que liga a cidade de San Francisco à área verde que os macacos almejam dominar.

Impressiona a semelhança do filme com 2001 - uma odisseia no espaço. Não só na concepção dos símios, tão ou mais humanos que os próprios, como na abordagem filosófica. Assim como no clássico de Kubrick, os olhos são o princípio do irreversível processo de tomada de consciência, a mesma que leva à angústia existencial.

(Diario de Pernambuco, 26/08/2011)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

São Luiz de Pernambuco



Boa notícia, o Cinema São Luiz foi comprado pelo governo do estado. De imediato, dois benefícios decorrem desse movimento. A partir de agora, um dos últimos palácios do cinema em atividade pertence ao povo pernambucano. E o melhor, com a aquisição, o destino do São Luiz fica “imune” a mudanças políticas advindas da alternância de poder. O que falta resolver diz respeito a ajustes técnicos e estruturais, mas principalmente à crise conceitual de um cinema que ainda não encontrou público.

É notório que o São Luiz voltou à ativa porque foi tratado como prioridade pelo governador Eduardo Campos. Até a efetivação da compra, confirmada pelo secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, não havia como garantir que ele continuasse de portas abertas. Segundo Tadeu, o imóvel, de propriedade do Grupo Severiano Ribeiro, foi adquirido por R$ 2,584 mihões, a serem pagos em 12 parcelas. Durante esse período, o governo ganhará créditos de publicidade a ser veiculada na rede UCI Ribeiro (shoppings Plaza, Recife, Tacaruna e Boa Vista).

Para fechar o negócio, cada uma das partes requisitou avaliações comerciais, que levaram em conta o ponto e o metro quadrado. A proposta inicial da Severiano Ribeiro era de R$ 5 milhões. O valor final foi definido a partir do lance oferecido pelo governo, de R$ 3,83 milhões. “Desse valor, abatemos o que investimos na reforma, que não só restaurou o espaço como também agregou um novo valor. É uma relíquia”, considera o secretário. Avaliado em R$ 500 mil, o mural do artista Lula Cardoso Ayres, localizado no hall do cinema, entrou no pacote como uma doação do grupo.

“Fizemos questão que o painel não constasse em nenhuma das avaliações, assim como não levamos em conta os acabamentos, afrescos, vitrais e a aplicação do mármore”, diz Luís Henrique Severiano Ribeiro, gerente patrimonial do grupo, que veio do Rio de Janeiro ao Recife para participar das negociações. “O governo do estado teve uma atitude exemplar, fez reforma excepcional, demonstrou grande sensibilidade”.

As negociações começaram em 2010, mediadas pelo então secretário da Casa Civil, Ricardo Leitão, e Lula Cardoso Ayres Filho, um dos responsáveis pela restauração do São Luiz e, desde setembro, responsável pelo setor de engenharia e patrimônio do grupo Severiano Ribeiro no Nordeste. “O São Luiz é o único cinema do país preservado exatamente como foi construído”, diz Lula.

Ribeiro conta que o São Luiz foi construído por seu bisavô como forma de retribuição ao Recife, que foi fundamental para a prosperidade do grupo e continua sendo o escritório central da região. Outros dois cinemas São Luiz foram construídos na mesma época, um no Rio e outro em Fortaleza, terra natal de Severiano Ribeiro. “O governo do Ceará está negociando o São Luiz de Fortaleza, mas está vacilante. Uma igreja de lá fez oferta de R$ 10 milhões, mas recusamos. Nada contra as religiões, mas queremos que o local seja um espaço de cultura, que preserve a nossa história”.

Uma casa à espera de reformas - A princípio, a compra do Cine São Luiz pelo governo do estado não se reflete em mudança nas diretrizes de sua gestão. No entanto, para que o cinema funcione plenamente, faltam melhorias técnicas e estruturais, a principal delas, a aquisição de um equipamento de projeção digital.

“Hoje, 20% dos filmes disponíveis no mercado só circulam em suporte digital. É uma produção interessante, mas estamos fora desse circuito”, diz o programador do São Luiz, Geraldo Pinho. Segundo ele, entre setembro e outubro será aberta uma nova licitação para compra do equipamento digital. Enquanto isso, o cinema funciona com um projetor reformado, que data dos anos 1950, e som Dolby Stereo.

O cinema também sofre de problemas estruturais decorrentes da má conservação do Edifício Duarte Coelho. Infiltrações advindas dos andares superiores comprometem o forro de gesso. Esse e outros danos (como os provocados por lixo jogado dos apartamentos, no telhado do cinema) serão resolvidos por outra empresa, que também aguarda licitação. O equipamento de refrigeração, também original da década de 50, é outra deficiência que está sendo solucionada. Das seis máquinas, três estão funcionando e outra será reativada semana que vem.

A programação atual continua disponível de terça a domingo, em três horários. O filme em cartaz, Enfim viúva, pode ser assistido às 15h, 17h e 19h. Aos domingos, a sessão matinê traz Kung Fu Panda 2 (10h e 14h) e é responsável pela maior bilheteria do cinema, uma média de 400 pessoas por sessão. Programas especiais na segunda-feira, festivais e outros eventos culturais continuam na pauta.

Linha do tempo

1952 | Cinema São Luiz é inaugurado em 6 de setembro, com o filme O falcão dos mares, de Raoul Walsh.

Década de 1970 | Os filmes dos Trapalhões faziam tanto sucesso que os próprios comediantes subiam no palco do São Luiz para
lançar os filmes.

Década de 1980 | Auge de público do São Luiz, que alcançava a média semanal de 34 mil pessoas.

1997 | O São Luiz sedia a 1ª edição do Cine PE e exibe Baile perfumado, primeiro longa feito em Pernambuco em 20 anos

1998 | Recorde de público, Titanic, de James Cameron, atraiu tanta gente que foi preciso fechar o cinema com tapumes para que as pessoas não o invadissem

2007 | Em 31 de janeiro, o Grupo Severiano Ribeiro encerra as atividades do cinema com o filme Uma noite no museu. No mesmo ano, o Grupo Barros Melo, das Faculdades Barros Melo (Aeso), assumiu o restauro do espaço, para transformá-lo em centro cultural.

2008 | Após desistência da Aeso, Eduardo Campos anuncia, durante o Festival de Cinema de Triunfo, que o restauro e administração do São Luiz será responsabilidade do governo do estado, que investiu R$ 1,2 milhão para a reforma e passa a pagar aluguel mensal de R$ 20 mil ao Grupo Severiano Ribeiro

2009 | Em junho, é tombado como patrimônio artístico e cultural do estado de Pernambuco. Em dezembro, é reinaugurado, com sessão especial de Baile Perfumado.

2010 | Em janeiro, é reaberto para o público com sessões de curtas e longas pernambucanos. Em março, passa a ter curadoria de Lula Cardoso Ayres, que fica na função até outubro.

2011 | Em abril, passa 30 dias fechado para manutenção. Volta em maio, com Geraldo Pinho na função de programador. Em agosto, o governo anuncia a compra do imóvel.

(Diario de Pernambuco, 25/08/2011)

domingo, 21 de agosto de 2011

Sob o Sol de Glauber


Glauber em Lisboa, 1980. Foto de Paula Gaitán

Há 30 anos, a cultura brasileira perdeu um de seus mais inflamados defensores. Autor de uma obra que conciliou arte e política, Glauber Rocha morreu em 22 de agosto de 1981, mesma época em que a ditadura militar, “o dragão da maldade” que tanto perseguiu seus filmes, dava os últimos suspiros. Na busca de entender o legado de Glauber, o Diario de Pernambuco conversou com críticos e cineastas influenciados por sua obra.

Missivista compulsivo, tornou-se o principal articulador do Cinema Novo, movimento que rompeu com as chanchadas da Atlântida para se aproximar da vanguarda europeia. Em 1970, decepcionado com os caminhos do país e de alguns companheiros de cinema, ele mesmo se encarregou de sentenciar o fim do movimento.

Montador de Terra em transe, O dragão da maldade contra o santo guerreiro, O leão de sete cabeças e Cabeças cortadas, Eduardo Escorel diz que a duração quase instantânea do Cinema Novo teve razões históricas e de caráter utópico. “Houve um estardalhaço, fruto de uma militância cultural que talvez dê a impressão errada em termos de alcance e repercussão. No Brasil, havia muita oposição a esses filmes. Alguns até chegaram ao circuito de cinema, mas com resultados muito precários”.

Escorel acredita que, três décadas após a morte de Glauber, ele esteja passando por um ciclo de esquecimento. “Possívelmente, em algum momento haverá uma revisão e até a revalorização de alguns filmes dele. Mas o que percebo agora é um desconhecimento de sua obra, inclusive entre estudantes de cinema”.

O professor e crítico Alexandre Figueiroa explica que o cineasta baiano pagou um preço por ser à frente do tempo. “O cinema de vanguarda tem aceitação da crítica mas chega com dificuldade ao público. É o espaço do experimento, onde acontece as grandes mudanças. O Cinema Novo queria quebrar o monopólio e gerar bilheteria, mas se perdeu em certa radicalidade. Até hoje ele encontra dificuldade em ser compreendido”

Mesmo assim, a obra de Glauber irradia influência em realizadores contemporâneos. Um deles é Camilo Cavalcante, cuja produtora, Aurora Cinema, traz na logomarca o Sol estilizado da arte de Deus e diabo na terra do Sol. “É impossível pensar em filmes no Sertão sem se remeter a Glauber. Ele faz parte da forma como procuro tratar desse universo. Inconscientemente, no processo criativo ele está sempre pairando”.

Para Felipe Peres Calheiros, Glauber Rocha é marcante “principalmente para quem faz cinema preocupado em discutir poder e as chagas sociais”. “Não há como falar da crueza como esse país se organiza socialmente sem de alguma forma beber de alguma referência que passe pelo Cinema Novo”.

Camilo acredita que, sem Glauber, o cinema perdeu em criticidade. “Ele contestava, causava polêmica. Acho que hoje em dia está faltando um pouco disso, tudo virou uma pasmaceira, um olhar para o próprio umbigo”.

Tempo Glauber quase de portas fechadas

Fundada dois anos após a morte do cineasta baiano para preservar a sua obra, a organização Tempo Glauber tem vivido em crise nos últimos meses. Desde o começo do ano, com a mudança da equipe do Ministério da Cultura (MinC), não há repasse de verbas para a instituição carioca, administrada pela família de Glauber. Por problemas burocráticos, repasses financeiros previstos em convênio estabelecido com o MinC nunca chegaram.

“Estou em vias de fechar as portas”, diz a filha mais velha de Glauber, Paloma Rocha. “Nos últimos meses, mantive o Tempo Glauber com recursos pessoais, mas tive que demitir seis funcionários da equipe de arquivistas na semana passada”. Também na semana passada, a produção intelectual de Glauber (filmes e programas de TV) foi transferida para a sede Cinemateca Brasileira, em São Paulo. “Uma das últimas coisas que o Juca Ferreira fez como ministro foi comprar esse acervo, o que me deixa mais tranquila”.

No entanto, a biblioteca, centenas de desenhos, registros jornalísticos e a produção ligada ao Cinema Novo continuam com destino incerto. “Tudo foi feito com patrocínio da Petrobras e MinC, mas falta continuidade. O custo de manutenção mensal é de R$ 30 mil e este foi ano muito complicado para conseguir outros patrocínios. Já não estamos prestando serviço ao público. Mantemos somente o trabalho interno”, diz Paloma.

Além da desorganização burocrática, a administradora do Tempo Glauber aponta para a ausência de política pública para cultura. “Ampliar o debate, talvez essa seja uma boa maneira de lembrar o aniversário de morte do Glauber”.

Um pouco antes do fechamento desta edição, representantes do MinC procuraram Paloma Rocha para informar a chave de liberação que permite o recadastramento do projeto no sistema. A perspectiva é que o novo convênio seja liberado já em setembro.

(Diario de Pernambuco, 21/08/2011)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sentinela verde-esmeralda



As adaptações de personagens da DC Comics para o cinema têm sido modestas, se comparadas com a verdadeira desova da Marvel Studios. Desta, somente este ano, tivemos X-Men, Thor e Capitão América, enquanto o outro tradicional selo de quadrinhos se concentrou em um único herói, tão antigo quanto Superman e Batman, os filhos mais famosos.

Uma das grandes apostas da Warner para 2011, Lanterna Verde estreia hoje, com Ryan Reynolds (A proposta) liderando bom elenco (Peter Sarsgaard, Mark Strong e participação especial de Tim Robbins). O longa de Martin Campbell (007 - Cassino Royale) chega também em questionável 3D, aplicado após a filmagem.

Ao contrário de outros filmes do gênero, como Homem de Ferro, Lanterna Verde não tem poder de diálogo com um público mais amplo, mas deve funcionar bem para quem curte quadrinhos e cinema de fantasia. Reynolds é o piloto de caça Hal Jordan, o primeiro de vários humanos a integrar a tropa verde-esmeralda que zela pela paz nos mais distantes rincões do universo. Seus líderes estão preocupados com o avanço de entidade destruidora que se alimenta do medo de quem chegar perto.

A premissa é tão fantástica quanto infantil. Graças a um anel místico, os sentinelas são super-fortes, voam pelo espaço sideral e materializam qualquer objeto imaginável. Basta ter vontade e ousadia. Quando um deles sofre baixa nas cercanias da Terra, seu anel escolhe Jordan como substituto.

O auge da ação está quando o monstrão ataca Nova York, ao estilo Godzilla. Isso, mais o visual questionável (a roupa dos lanternas brilha como purpurina e a máscara de Jordan não colaria nem se fosse carnaval), seria uma grande barra forçada, não fosse a narrativa ágil e bem amarrada, capaz de manter a atenção do começo ao fim.

(Diario de Pernambuco, 19/08/2011)

A crise colorida de Bruna Lombardi



Há uma tentativa de crítica comportamental em Onde está a felicidade?, longa de Carlos Alberto Riccelli com roteiro de Bruna Lombardi, também protagonista. O filme narra as desventuras de uma apresentadora televisiva em crise conjugal e profissional, que, ao lado de seu produtor, viaja a Santiago de Compostela. Ela busca a iluminação espiritual; ele, um novo programa de TV.

Bruno Garcia é o marido abandonado, comentarista de futebol famoso, que com o coração partido ameaça se tornar uma pessoa mais sensível do que sua profissão permite. Sao boas oportunidades de desenvolver situações e personagens bidimensionais, mas o roteiro as desperdiça e não evolui.

A intenção de Riccelli e Bruna é ambígua: não se define entre simular a comédia romântica norte-americana ou uma tragicomédia ao estilo Almodóvar. Termina soando falso. A coisa descamba para o que poderia ser um institucional do governo do Piauí. E pra que tanta cor? Ah, o filme é patrocinado pela Suvinil.

(Diario de Pernambuco, 19/08/2011)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Um espelho em alto mar



Apesar de se apropriar de imagens alheias, das quais não teve participação ou controle, o diretor Marcelo Pedroso assina a autoria de Pacific (Brasil, 2010). E o faz sem provocação alguma. O documentário sustenta um discurso próprio, estabelecido na edição. Ao retirar de seu destino natural - alguma insuportavel reuniao familiar - gravações feitas por turistas a caminho de Fernando de Noronha, Pedroso (KFZ-1348) propõe uma experiência que pode ser tão difícil quanto fascinante.

Pacific estreia amanhã no Cinema da Fundação e até outubro entra em cartaz em mais 13 capitais. O filme chega ao circuito comercial com elogios de importantes nomes do meio, como Eduardo Coutinho e Jean-Claude Bernadet. O mesmo Coutinho que, meses depois, lançou Um dia na vida, uma subversiva colagem de programas de TV exibidos na tela do cinema durante a Mostra de São Paulo. Sintonia fina.

Há o incômodo de se sentir preso por 70 minutos, em imagens trêmulas, que registram a viagem de cruzeiro, o “paraíso” all-included capaz de ofuscar o próprio destino. Tanto que os passageiros não comemoram o ano novo em terra firme, mas no próprio navio que dá nome ao filme. Em outro momento, um casal simula a famosa cena do Titanic. O quanto isso diz respeito a todos nós e aos valores que compartilhamos?

A proliferacao de câmeras gerou uma avalanche de videos caseiros. Pacific é um convite para pensar a natureza dessas imagens e que necessidades as levam a exisitir. É um espelho e, como tal, podemos rejeitá-lo por refletir o que não queremos ver em nós mesmos.

Entrevista >> Marcelo Pedroso: “Qualquer pessoa pode criar a própria narrativa”

Muitas vezes vemos os personagens do filme em situações ridículas. Pacific é uma crítica à “nova” classe média?
O conceito de ridículo é relativo e a proposta do filme não é criar juízo sobre isso. O que está em jogo é a noção de felicidade, que padrão de bem-estar é esse que buscamos, que nos é vendido, como o ideal de estar num navio de luxo, a caminho de uma praia paradisíaca. A noção do ridiculo não é um valor absoluto. A proposta não é criar um juízo, pois o que parece ridículo pode ser um momento singular para alguém. As pessoas foram muito generosas em ceder imagens e fizemos o possível para respeitá-las, sem abandonar um olhar que refletisse uma visão crítica do assunto.

Por que usar imagens feitas por turistas? De outra forma, o filme não seria possível?
Se tivesse ido para o navio filmar, poderia tocar em questões parecidas, não seria o Pacific. O filme tem uma marca da fabulação que remete a quem somos e quem queremos ser. Que personagem se cria quando estou no navio filmando, sem imaginar que aquilo poderá ser visto publicamente? Isso não é novo no documentário. Nos anos 1960, em vez de entrevistar, Jean Rouch filmava quem o personagem gostaria de ser. Então o filme parte para um grande retrato do devaneio, das narrativas em que nos colocamos como protagonistas e, com isso, se recria um mundo. Ser feliz se torna uma compulsoriedade, há quase uma obrigação de ligar a câmera, se ver e se mostrar realizado. Apertar o REC é quase um deflagrador da felicidade. É a apologia da imagem como determinante das situações.

Hoje milhões de pessoas têm acesso a câmeras e Pacific reflete esse momento. Como você avalia essa produção?
Hoje qualquer pessoa pode criar a sua própria narrativa, voce filma o objeto e se filma. Com isso está desenvolvendo um estar no mundo. E isso tem a ver com realização de desejos. Ao olhar para essas imagens, o filme busca mapear a iconografia do que está no extracampo. Que traços da cultura audiovisual estão ali, determinamo a busca daquelas pessoas? São referências da TV, da publicidade, que referendam um modo de vida capitalista, voltado ao consumo e a um deteminado padrão de beleza.

(Diario de Pernambuco, 18/08/2011)

Vitrine inaugura segunda temporada

Pacific, de Marcelo Pedroso, e o curta Flash Happy Society, de Guto Parente, inauguram a segunda temporada de produções independentes selecionadas pela Vitrine Filmes para circular em 14 capitais brasileiras. No semestre passado, a distribuidora paulista colocou em prática estratégia inédita de lançamento de obras que, apesar da boa repercussão em festivais, chegam com dificuldade às salas de cinema.

Sílvia Cruz, idealizadora do projeto, diz que a média tem sido de mil espectadores por filme. É um bom número, considerando que os filmes ficam em cartaz por uma semana, em um horário por dia. “O formato tem dado certo. As pessoas se programam com antecedência”, diz Sílvia.

Para os longas, o projeto funciona como “empurrão” para uma possível sobrevida fora do circuito. É o caso de Estrada para Ythaca, dos irmãos Pretti, Pedro Diógenes e Guto Parente, que continuou em cartaz no Recife e no Rio de Janeiro. “Os exibidores estão sendo ótimos, muitas vezes promovendo debates”, conta Sílvia.

Nas próximas semanas, entram em cartaz os curtas A amiga americana, de Ivo Lopes e Ricardo Pretti, Adormecidos, de Clarissa Campolina, As sombras, de Marco Dutra e Juliana Rojas, Material bruto, de Ricardo Alves Júnior, e De volta ao Quarto 66, de Gustavo Spolidoro, que antecedem os longas A fuga da mulher gorila, de Felipe Bragança e Marina Meliande, Os Monstros, de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti, Desassossego (Filme das maravilhas), projeto coordenado por Felipe Bragança, Os residentes, de Thiago Mata Machado, Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, e Crítico, de Kleber Mendonça Filho.

(Diario de Pernambuco, 18/08/2011)

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana



Hotel Atlântico (Brasil, 2009). De Suzana Amaral. 110 minutos. Lume Filmes.

Sem destino, ator desempregado (Júlio Andrade) viaja de São Paulo para o Sul do país, onde mergulha em contextos inesperados. No caminho, acidenta-se e vive paixão com a filha do médico que o atende (Mariana Ximenes). A liberdade narrativa da diretora de A hora da estrela (1986) representa com propriedade o que há de transitório, absurdo e imprevisível na vida. Também no elenco, Gero Camilo e João Miguel.



A grande virada (The company men, EUA, 2010). De John Wells. 104 minutos. Califórnia Filmes.

O filme explora o drama de executivos que perderam o emprego após o cataclisma econômico de 2008. Ben Affleck é um deles. Mesmo sem renda, ele continua a manter um estilo de vida acima do seu novo padrão de consumo. Com quase 40 anos, percebe que ainda tem o que aprender com o pai marceneiro (Kevin Costner), enquanto seus antigos companheiros de trabalho (Tommy Lee Jones e Chris Cooper) passam por aperto semelhante com suas famílias.



Cópia fiel (Copie Conforme, 2010). De Abbas Kiarostami. 112 minutos. Imovision.

Juliette Binoche e William Shimell passeiam por uma vila da Toscana. Ele é crítico de arte e ela, dona de antiquário, mas suas identidades oscilam. São recém-conhecidos ou casados há 15 anos? Kiarostami não esclarece. Para ele, o que importa é discutir conceitos de originalidade e cópia, arte e vida. Ela procura nele o marido ausente. Ele quer provar sua teoria e entra no papel. Ou algo diferente se articula? Tal é a beleza de uma obra aberta.

Eu indico

Fiquei fascinado pelo filme Soy Cuba, realizado em 1964, com direção do soviético Mikhail Kalatozov. A fotografia P&B, a lente grande angular e os planos-sequência deixam qualquer cinéfilo intrigado. Como, naquela época, os russos revolucionaram a estética cinematográfica? Consegui um DVD do dito cujo e assisiti ao filme repetidas vezes. A megaprodução, que seria a menina dos olhos da propaganda comunista, tranformou-se num grande fracasso cinematográfico. Depois da estreia, o filme foi arquivado e redescoberto em 1990, por Scorsese e Coppola, que trataram de restaurar a obra. Imperdivel!”

Nilton Pereira, cineasta e coordenador da TV Viva

Bastidores

Saindo do forno - O novo curta da Trincheira Filmes, Ela morava na frente do cinema, de Leo Lacca, estreia amanhã no Panorama Coisa de Cinema (Salvador). No mesmo festival está Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, que acaba de ganhar Menção Especial no Festival de Locarno, na Suíça. Semana que vem, o curta de Dornelles estará no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, com outros pernambucanos: Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, Calma Monga, calma!, de Petrônio de Lorena, Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, e o inédito Corpo presente, de Marcelo Pedroso.

Canadá - Os brasileiros 360º, de Fernando Meirelles; Heleno, de José Henrique Fonseca; O abismo prateado, de Karïm Ainouz; e Girimunho, de Helvécio Marins e Clarisse Campolina,, foram selecionados para o Festival de Toronto.

Crítica - Estão abertas as inscrições para a Janela Crítica, oportunidade para quem gosta de cinema exercitar o pensamento. Ministrada pelo jornalista Luiz Joaquim, a oficina terá como objeto de análise os filmes programados pela 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife, que se realiza entre 4 e 13 de novembro. Para participar, basta enviar texto de até 2.500 caracteres sobre qualquer filme para o e-mail janelacritica@janeladecinema.com.br. Os selecionados integrarão o júri da crítica do festival.

Imaginário - O cineclube Curta Doze e Meia apresenta hoje os títulos Santa Helena em Os phantasmas da botija, de Petrônio de Lorena e Tiago Scorza; Pajerama, de Leonardo Cadaval; A menina do algodão, de Daniel Bandeira e Kleber Mendonça Filho; e A árvore da miséria, de Marcus Vilar. Após a exibição, o diretor Daniel Bandeira fala com o público. Às 12h30, no Centro Cultural Correios (Recife Antigo). Gratuito.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Começa hoje o 4º Festival de Cinema de Truinfo

Festival de Cinema de Triunfo começa hoje, levando ao Sertão do Pajeú 48 filmes de todo o Brasil. Neste ano o evento, que segue até 20 de agosto (sábado), homenageia o empresário Genivaldo Di Pace, o produtor de cinema Germano Coelho Filho (falecido em outubro do ano passado) e os atores Irandhir Santos e Matheus Nachtegaele, que trabalharam juntos no último filme de Cláudio Assis, Febre do rato. Promovido pelo governo do estado, o festival distribuirá R$ 47 mil em prêmios é será sediado no histórico Cine Guarany, inaugurado em 1922, recentemente reformado e equipado com projetor 35mm. A entrada é franca.

A programação inclui boa parte da atual safra produzida em Pernambuco, além de longas e curtas nacionais. Hoje, às 20h, o evento abre com dois longas em competição: os documentários Cinema de guerrilha, de Evaldo Mocarzel, e Vigias, de Marcelo Lordello. A entrega dos Troféus Caretas será no sábado, com a exibição fora de concurso de Di Melo - o imorrível, curta de Alan Oliveira e Rúbens Pássaro, e do longa Olhares sobre Lilith, de Alice Gouveia, Tuca Siqueira e mais 23 cineastas pernambucanas.

“O Festival tem crescido porque leva produções para o Sertão que de outra forma não seriam vistas pelos frequentadores locais”, destaca a coordenadora de cinema da secretaria estadual de cultura, Carla Francine.

Além das sessões no Guarany, este ano o festival promoverá exibição de filmes no bairro do Rosário, fruto de parceria entre o evento, a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis e o Sesc/PE. Debates e formação também estão na pauta, através do 3º Encontro de Cineclubes de Pernambuco, oficinas para realizadores e professores e 2º do Seminário sobre Desenvolvimento Sustentável do Audiovisual no Nordeste, que promove integração entre cineclubistas, realizadores e militantes da cultura de diferentes regiões do país. A programação completa está disponível no site www.festivaldecinemadetriunfo.blogspot.com.

(Diario de Pernambuco, 15/08/2011)

sábado, 6 de agosto de 2011

Em Gramado



Desde ontem estou no 39º Festival de Gramado.

Daqui, além da cobertura para a edição impressa do Diario de Pernambuco, terei o prazer de mandar notícias pelo blog, que fica no ar durante o evento. Sempre que possível, no mínimo uma vez ao dia, ele estará atualizado com videos, impressões e entrevistas.

Por isso, até o próximo fim de semana, vou dar um tempo no Quadro Mágico, que volta à ativa a partir do dia 15.

Para entrar no blog de Gramado, clique aqui.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana

A encruzilhada (Crossroads, EUA, 1985). De Water Hill. 99 minutos. Sony (produto exclusivo Livraria Cultura).

Inevitável comparar A encruzilhada com Karate Kid. Ambos colocaram Ralph Macchio no efêmero estrelato de garotos-prodígio - e a estrutura dos filmes é praticamente a mesma. Aqui, ele é Lightnin’ Boy, músico iniciante que se rebela contra a formação erudita e cai na estrada com bluesman rabugento (Joe Seneca), com quem aprende os segredos do gênero musical nos campos de algodão do Mississippi. Até o duelo final, entre Macchio e o guitarrista Steve Vai, evoca os tempos de Daniel-san. Hoje, sobrevive a fotografia em sépia e a bela trilha de Ry Cooder.

Mad men - 3ª temporada (EUA, 2010). 585 minutos (4 DVDs). Universal.

Esta série de TV criada por Matthew Weiner (de Família Soprano) se equilibra o competitivo ambiente de trabalho à silenciosa intimidade familiar. O tom, sóbrio e cool, conta a favor. O ponto em comum é a Sterling Cooper, agência publicitária gerida por novos e velhos conhecidos. Na vitória ou na derrota, eles nunca perdem a elegância. Situada nos anos 1960, a trama traz elementos que permitem observar as mudanças de comportamento, sempre que as entrelinhas permitem. Incomum para o padrão televisivo, a narrativa é sofisticada e traz uma surpresa a cada episódio.

Coleção Billy Wilder (3 DVDs). 392 minutos. Fox (produto exclusivo Livraria Cultura).

Três boas comédias de Wilder, esse especialista do comportamento humano. São filmes que, a partir de clichês e caricaturas sociais, emocionam e chegam a verdades profundas. Em todos, Jack Lemmon representa o homem puro, comum, um idealista num mundo corrompido. Ele é o bom empregado de Se meu apartamento falasse (1960), o músico que apoia as artimanhas de Tony Curtis para ficar com Marilyn Monroe em Quanto mais quente melhor (1959). E em Irma La Douce (1963), temos Shirley MacLaine de lingerie verde-limão, magnífica.


Eu indico

Indico O homem ao lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat, uma obra leve e profunda da nova safra argentina. Com um humor irônico e sofisticado, o filme trata da luz, do espaço e do outro a partir do desejo de um homem de abrir uma janela na parede que divide com o vizinho. É interessante ver e dialogar com esse olhar, em essência não tão diferente do nosso, sobre a cidade.

Mykaela Plotkin, realizadora e estudante no Observatorio de Cine

BASTIDORES

Censura em foco - A censura será tema de um dos seminários do 39º Festival de Gramado, que começa amanhã. Promovido pela Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), o encontro A censura voltou? O veto ao longa ‘A serbian film em questão’, terá nomes como Frederico Machado (Lume Filmes), Luiz Zanin Oricchio (presidente da Abraccine), Roger Lerina (presidente da ACCIRS) e Davi Pires (do Ministério da Justiça).

Itinerante - O projeto Conexão Cultural – Cinemóvel chegou a Escada, na Mata Sul. Hoje e amanhã, a sessão será às às 8h, 10h, 13h30, 15h30 e 19h30, na Escola Municipal Marechal Costa e Silva (Jaguaribe). No sábado, mesmos horários, será na Escola Fernando Campelo (Riacho do Navio). O público pode escolher o filme: O bem amado, O ano em que meus pais saíram de férias, Chico Xavier, O mundo em duas voltas, O grilo feliz, Orquestra dos meninos e As melhores coisas do mundo. O projeto promoverá 380 sessões pelo Brasil, em 11,4 mil pontos de exibição.

Festivais - Inscrições abertas para o Vitória Cine Video (ES), para a Semana dos Realizadores (RJ) e para o Brasil Cinemundi. Para este, um programa de co-produção para projetos em desenvolvimento, a serem apresentados na Mostra CineBH. O prazo termina amanhã.

Malick - Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, A árvore da vida, de Terrence Malick, estreia semana que vem, mas no sábado, às 10h30, tem pré-estreia no UCI Casa Forte. Haverá debate com os críticos Rodrigo Carreiro, Alexandre Figueirôa, Ronilson Araújo, Fernando Vasconcelos e Hugo Viana.

O desencanto de Trier



Melancolia (Dinamarca, 2011) reafirma Lars Von Trier enquanto criador de uma ácida visão do ser humano. Se comparado com Anticristo, seu último trabalho, é como se ele reformulasse os mesmos princípios - o do desencanto e descrença no projeto Ocidental de civilização, só que abolindo a tortura física e psicológica. É uma obra maior, tanto em abrangência filosófica quanto na elaboração visual.

Em termos de gênero, se aquele era uma históra de terror, este pode ser classificado de filme-catástrofe. Mas ao contrário dos produzidos em Hollywood, sem o fatídico final feliz. Nesse sentido, Trier deve ter desdobrado seu prazer iconoclasta em escalar um elenco significativamente caro para a indústria norte-americana. A começar por Kirsten Dunst (a Mary Jane da trilogia Homem-Aranha), a qual encontramos em processo de rompimento social e reconexão com impulsos ancestrais.

Logo de cara, ela protagoniza uma sequência plasticamente sublime, em que, vestida de noiva, é apropriada pelas forças da Terra. A diferença entre personagens homens e mulheres é outro elemento comum aos filmes de Trier. Todos eles, a começar pelo noivo (Alexander Skarsgård) e o pai de Justine (John Hurt) se mostram uns bobocas inseguros frente às mulheres, mães, fortes e ligadas à força da natureza.

Aparentemente, tudo ia bem na vida de Justine. A encontramos na festa de seu casamento, oferecida pelo cunhado (Kiefer Sutherland), cientista que estuda um estranho planeta cuja órbita fará uma pirueta em torno da Terra. Em processo deflagrado pelo desprezo da mãe (Charlotte Rampling) diante do vazio festivo (essa parte é muito parecida com Festa de família, queTrier produziu), Justine adquire outro semblante, à medida em que o planeta se aproxima.

O som é outro trunfo do filme, que aliás, parece ter sido escrito em partitura, tamanha a precisão de sua narrativa. A música-tema, Tristão e Isolda, de Richard Wagner, só reforça a ligação em comum entre o compositor e o diretor: Nietzsche. Em Melancolia, a ética da vida prescinde de valores como o bem e mal. Para ele, há tanta beleza na destruição quanto na criação.

Maior do que qualquer polêmica

Mais do que a principal estreia da semana, Melancolia é um dos melhores filmes do ano. Em maio, quando exibido pela primeira vez no Festival de Cannes, era sério candidato à Palma de Ouro, mas uma série de mal-entendidos diminuíram suas chances e fizeram Lars Von Trier ser banido do evento. Na época, o diretor dinamarquês “trolou” sem querer a própria coletiva de imprensa.

Primeiro, constrangeu seus atores ao brincar com a homossexualidade de Udo Kier e dizer que, agora que conhece Kirsten Dunst “sob todos os ângulos”, seu próximo filme será um pornô de três a quatro horas estrelado por ela e Charlotte Gainsbourg. “Mas precisaremos de uma hora de intervalo entre a sessão e a coletiva”, completou.

Mais na ânsia de chocar do que por sinceridade, Trier excedeu os limites quando, questionado sobre seu suposto antissemitismo. “Por muito tempo, pensei que era judeu e era feliz. Então conheci a Susanne Bier (diretora de Em um mundo melhor). Foi quando percebi que, na verdade, eu era um nazista. Minha família era alemã. Eu entendo Hitler. De certa forma, posso simpatizar um pouco com ele, ao vê-lo no fim da vida, em seu bunker”. Ao perceber que falar mais só pioraria a situação, encerrou dizendo: “Ok, sou nazista”. A repercussão foi a pior possível, o que levou o festival, mesmo após pedido público de desculpas, a tratá-lo como persona non grata.

Agora, com o filme em cartaz, é possível perceber que a polêmica ofuscou um filme impactante, um dos melhores do diretor de Dançando no escuro e Dogville . E que mesmo sendo melhor do que o vencedor em Cannes (A árvore da vida, de Terrence Malick), o festival reconheceu o belo trabalho de Kirsten Dunst, eleita melhor atriz. Foi o único prêmio conquistado pelo filme. É provável que nem o enfant terrible do cinema mundial esperava por essa.

(Diario de Pernambuco, 04/08/2011)

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Leitor do Diario em Gramado

Germano Rabello, 31 anos, já está preparando o gorro, a luva e a blusa de lã. Ele é o leitor selecionado para fazer parte do júri popular do 39º Festival de Gramado, que este ano se realiza entre 5 e 13 de agosto. Promovido anualmente, o concurso é uma parceria do Diario de Pernambuco com o evento de cinema sediado na Serra Gaúcha, um dos mais antigos e tradicionais do país. De acordo com as regras do concurso cultural, Rabello é o autor da melhor resenha crítica sobre qualquer filme em cartaz no Recife. Por isso, viajará para Gramado com todas as despesas pagas.

Como parte do júri, formado por leitores de jornais parceiros de todo o país, ele deverá assistir a todos os filmes da mostra competitiva, participar das discussões, até chegar ao veredito de qual será o melhor filme nas categorias curta, longas nacional e estrangeiro. “É a primeira vez que vou participar de um júri. Ainda não olhei com calma a programação, mas sei que tem nomes daqui, como Paulo Caldas e Leonardo Sette”.

Formado em jornalismo, Rabello desdobrou sua carreira em várias direções. Além de escrever, ele é desenhista, dirige videos e cria as músicas para a sua banda, Sabiá Sensível. Quando soube do concurso, foi ao cinema assistir Corumbiara, tendo em mente em escrever sobre o título. “Já queria assistir porque é um filme sobre a questão indígena, mas o concurso me motivou a não perder essa sessão”, conta.

O interesse por música e cinema o levou, ainda estudante, a dirigir o curta documentário Vamo fazer um clipe?, defendido como trabalho de conclusão de curso ao lado de Aroldo Araújo e Joly Campello. “Marcelo Pedroso, da Símio Filmes, fez a fotografia e montou Vamo fazer um clipe?”. Desde então fez outros curtas, como Rock’n’roll na veia (2006) e Ano passado em Itamaracá (2010).

Rabello escreveu sobre Corumbiara, documentário de Vincent Carelli, que foi o grande vencedor do Festival de Gramado em 2009, onde conquistou cinco prêmios. Leia o texto a seguir.

Espelho de mistérios - Germano Rabello

Corumbiara é um filme que quase não existiu. O assunto central é o massacre de uma população indígena, a busca por alguns de seus poucos sobreviventes, e a vontade de botar a limpo essa história. A negação da existência desse massacre e dessa população levou muitas vezes o cineasta Vincent Carelli a deixar de lado o projeto. Com mais de vinte anos de espaçamento entre a primeira filmagem e o lançamento do filme, a ideia de contar o que aconteceu foi abandonada e retomada. Para a nossa sorte, ela foi contada.

Em 1985, foram encontradas evidências de que uma aldeia de índios havia sido atacada em Rondônia. Foram encontrados objetos tipicamente indígenas em meio ao terreno desmatado, terraplanado. Os índios não estavam mais lá: ou tinham fugido ou estavam mortos. Mas essas evidências foram menosprezadas pela Justiça, Funai e outros órgãos federais, já que havia interesse de latifundiários naquela área.

O filme espelha os acontecimentos da vida real, como a tentativa de conhecer um mistério. O universo dos índios isolados, das etnias Canoê e Akunsu e de como foi o massacre, se haveria como culpar os mandantes e executores. Quanto à justiça, o realizador já parece descrente. A história segue na tela.

A beleza das imagens feitas de improviso, rolando soltas em longos planos, os ruídos de folhas secas sendo pisadas enquanto o câmera anda, tudo isso contribui para dar ao espectador a estranheza, o ineditismo do contato com essa realidade. O que os índios falam é parcialmente decifrado. Este é um filme de mistérios e mostra de maneira brilhante que ainda há lugar no mundo para eles.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2011)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ingênuo demais, até para o Capitão



Pelo que indicavam os filmes anteriores da Marvel Studios, Capitão América - O primeiro vingador (EUA, 2011) poderia ser bem melhor. Ainda mais por ser o último antes de Os vingadores, que em 2012 reunirá Thor, Homem de Ferro, Hulk e, como líder, este símbolo da invencibilidade norte-americana, que literalmente veste a bandeira de listras e estrelas. No entanto, o longa de Joe Johnston (que nos anos 1990 já havia feito uma boa adaptação, Rocketeer) fica engessado no que há de mais questionável no personagem, seu lado bom-moço, puro, disposto a morrer pelo país. Criado em 1941 por Joe Simon e Jack Kirby, nos anos 60 resgatado pela Marvel Comics, o personagem ja teve melhores encarnações.

Nao que o ator Chris Evans, conhecido como o Tocha Humana do Quarteto Fantástico, tenha sido ma escolha. Se isto fosse um problema, seria o menor deles. Com bastante manipulação digital, seu Steve Rogers surge como cachorro magrelo, candidato renegado para lutar nas linhas inimigas da Alemanha durante a Segunda Guerra. Até que o Dr. Erskine (Stanley Tucci) vê no garoto a cobaia ideal para se tornar o supersoldado, resposta "do bem" para os delirios da supremacia ariana.

Do lado de lá está a HYDRA, organização nazista chefiada por Johann Schmidt (Hugo Weaving), o primeiro a experimentar a fórmula do supersoldado,quando ainda estava incompleta. Ele toma posse de um poder ancestral, com o qual é capaz de passar por cima do próprio Fuhrer. Quando passa a controlar essa forca, deflagrada a partir de cubo encontrado numa piramide egípcia, se torna inevitável comparar o comportamento de Herr Schmidt com o vilão de The Matrix, Mr. Smith, interpretado de forma parecida por Weaving.

Assim como o grupo de matadores nazistas organizado pelo Capitão América, que lembra bastante o de Bastardos inglórios. No entanto, o que o filme de Tarantino tinha em atitude, este tem em ingenuidade. O affair com a oficial Peggy Carter (Hayley Atwell) não poderia ser mais pudico. O único beijo do casal é trocado como fosse biscoito. O filme acerta ao colocar o herói como peça de publicidade em shows e HQs enquanto o Coronel Phillips (Tommy Lee Jones) não se convence de sua real utilidade. Mas escorrega ao desdobrar esse espirito ao restante do filme, que alem disso adota um tom grandiloquente que nem de longe corresponde à sua força narrativa. Não foi dessa vez, Cap.

(Diario de Pernambuco, 01/08/2011)