quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Um espelho em alto mar



Apesar de se apropriar de imagens alheias, das quais não teve participação ou controle, o diretor Marcelo Pedroso assina a autoria de Pacific (Brasil, 2010). E o faz sem provocação alguma. O documentário sustenta um discurso próprio, estabelecido na edição. Ao retirar de seu destino natural - alguma insuportavel reuniao familiar - gravações feitas por turistas a caminho de Fernando de Noronha, Pedroso (KFZ-1348) propõe uma experiência que pode ser tão difícil quanto fascinante.

Pacific estreia amanhã no Cinema da Fundação e até outubro entra em cartaz em mais 13 capitais. O filme chega ao circuito comercial com elogios de importantes nomes do meio, como Eduardo Coutinho e Jean-Claude Bernadet. O mesmo Coutinho que, meses depois, lançou Um dia na vida, uma subversiva colagem de programas de TV exibidos na tela do cinema durante a Mostra de São Paulo. Sintonia fina.

Há o incômodo de se sentir preso por 70 minutos, em imagens trêmulas, que registram a viagem de cruzeiro, o “paraíso” all-included capaz de ofuscar o próprio destino. Tanto que os passageiros não comemoram o ano novo em terra firme, mas no próprio navio que dá nome ao filme. Em outro momento, um casal simula a famosa cena do Titanic. O quanto isso diz respeito a todos nós e aos valores que compartilhamos?

A proliferacao de câmeras gerou uma avalanche de videos caseiros. Pacific é um convite para pensar a natureza dessas imagens e que necessidades as levam a exisitir. É um espelho e, como tal, podemos rejeitá-lo por refletir o que não queremos ver em nós mesmos.

Entrevista >> Marcelo Pedroso: “Qualquer pessoa pode criar a própria narrativa”

Muitas vezes vemos os personagens do filme em situações ridículas. Pacific é uma crítica à “nova” classe média?
O conceito de ridículo é relativo e a proposta do filme não é criar juízo sobre isso. O que está em jogo é a noção de felicidade, que padrão de bem-estar é esse que buscamos, que nos é vendido, como o ideal de estar num navio de luxo, a caminho de uma praia paradisíaca. A noção do ridiculo não é um valor absoluto. A proposta não é criar um juízo, pois o que parece ridículo pode ser um momento singular para alguém. As pessoas foram muito generosas em ceder imagens e fizemos o possível para respeitá-las, sem abandonar um olhar que refletisse uma visão crítica do assunto.

Por que usar imagens feitas por turistas? De outra forma, o filme não seria possível?
Se tivesse ido para o navio filmar, poderia tocar em questões parecidas, não seria o Pacific. O filme tem uma marca da fabulação que remete a quem somos e quem queremos ser. Que personagem se cria quando estou no navio filmando, sem imaginar que aquilo poderá ser visto publicamente? Isso não é novo no documentário. Nos anos 1960, em vez de entrevistar, Jean Rouch filmava quem o personagem gostaria de ser. Então o filme parte para um grande retrato do devaneio, das narrativas em que nos colocamos como protagonistas e, com isso, se recria um mundo. Ser feliz se torna uma compulsoriedade, há quase uma obrigação de ligar a câmera, se ver e se mostrar realizado. Apertar o REC é quase um deflagrador da felicidade. É a apologia da imagem como determinante das situações.

Hoje milhões de pessoas têm acesso a câmeras e Pacific reflete esse momento. Como você avalia essa produção?
Hoje qualquer pessoa pode criar a sua própria narrativa, voce filma o objeto e se filma. Com isso está desenvolvendo um estar no mundo. E isso tem a ver com realização de desejos. Ao olhar para essas imagens, o filme busca mapear a iconografia do que está no extracampo. Que traços da cultura audiovisual estão ali, determinamo a busca daquelas pessoas? São referências da TV, da publicidade, que referendam um modo de vida capitalista, voltado ao consumo e a um deteminado padrão de beleza.

(Diario de Pernambuco, 18/08/2011)

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