segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Amizade na guerra



Inédita no país, Corto Maltese - A juventude, acaba de ganhar uma versão nacional. Concebida por Hugo Pratt em 1981, por encomenda do jornal francês Le Matin, a HQ revela a origem da parceria entre o aventureiro do mar e o fascínora russo Rasputin, sob auspícios do escritor Jack London. O livro ainda inclui vasta introdução com texto de Marco Steiner e fotografias de Marco D’Anna, dois colaboradores constantes de Pratt.

União entre realidade (fatos históricos) e fantasia (personagens fictícios), a série Corto Maltese tem uma das narrativas mais elaboradas das histórias em quadrinhos. Em A juventude, a trama se passa em 1905, durante a guerra russo-japonesa, que disputavam territórios na Coreia e Manchúria. Mesmo com o rendimento do Império Russo, soldados rebeldes continuaram a lutar, entre eles, Rasputin. Sem dilemas, ele deserta das forças imperiais e mata sem piedade quem se colocar no caminho.

A presença de Jack London, autor de O chamado da floresta, é um dos elementos reais utilizados por Pratt para dar consistência à obra. Enviado da imprensa norte-americana para cobrir o conflito, foi no front da Manchúria que o escritor obteve a experiência que resultou em O Andarilho das estrelas. Mais do que o elo entre dois personagens centrais, Hugo Pratt faz de London um protagonista do que seria a primeira das histórias do famoso marinheiro.

Mesmo sem Rasputin demonstrar um único traço de civilidade, ele enxerga no russo algo de especial, que certamente interessaria a seu amigo, Corto Maltese. Antes do encontro, no entanto, o foco está no desafio de morte feito por um chefe do exército a London, por desrespeito ao código de honra nipônico.

Com acabamento de luxo e formato original europeu, Corto Maltese - a juventude chega às lojas pela editora mineira Nemo, que entre outros autores, adquiriu os direitos de publicação das obras de Hugo Pratt (que já foi da L&PM e, mais recentemente, da Pixel).

A Nemo entrou no mercado dos quadrinhos em julho, com o lançamento de Arzach, de Moebius, outro clássico inédito no Brasil. Os próximos lançamentos serão A guerra de trincheiras, de Jacques Tardi (As aventuras de Adèle Blanc-Sec), Absoluten Calfeutrail, de Moebius e uma adaptação de Dom Casmurro por Wellington Srbek (editor da Nemo).

Ao Diario, Srbek adianta que mais dois títulos inéditos de Corto Maltese serão lançados em 2012. A editora também está trabalhando em versões digitais para plataformas IOS e Android.

Serviço
Corto Maltese - A juventude (96 páginas)
Editora: Nemo
Quanto: R$ 45

Saiba mais

O autor: Hugo Eugenio Pratt nasceu na Itália em 1927. Sua vida explica muito da obra. Em 1937, se mudou para a Etiópia, onde se juntou ao pai, soldado posteriormente capturado pelos britânicos e morto em 1942. Na Argentina, criou seus primeiros personagens: Anna da Selva e Capitão Comorant. De volta à Itália, em 1967, publicou a primeira história de Corto Maltese. Morreu em 1995, na Suíça, aos 68 anos.

O personagem: Espírito livre, Corto Maltese é o alterego de Hugo Pratt, que desde cedo presenciou a violência gerada pela Segunda Grande Guerra. A viagens de Pratt e sua admiração pela literatura e anti-heróis de carne e osso foi fundamental para que Corto encontrasse Butch Cassidy, o Barão Vermelho e o Cangaceiro Corisco, durante aventura na Bahia.

(Diario de Pernambuco, 31/10/2011

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A água refletida no cinema

Inovador do cinema antropológico e da própria linguagem audiovisual, Jean Rouch (1917-2004) é um dos principais nomes do chamado cinema direto. Vida e obra do documentarista e etnólogo francês são tidos como exemplares e vitais para realizadores em diferentes partes do mundo. No Recife, não são poucos os admiradores, sendo a produtora Vídeo nas Aldeias, cuja metodologia rendeu filmes como Corumbiara e As hiper mulheres, a mais destacada entre os multiplicadores locais do trabalho de Rouch.

Não deve ser coincidência o fato de o Recife ser a cidade escolhida pelo Ateliers Varan, escola de cinema fundada por Rouch em 1981, para iniciar uma série de oficinas sobre o problema da água. As inscrições estão abertas até segunda-feira, pelo site do Laboratório de Imagem e Som (www.ufpe.br/lis) do curso de cinema da UFPE, parceira do projeto junto com a Fundação Gulbenkian. Gratuita, a oficina se realizará entre 5 e 16 de dezembro.

Professora do Ateliers Varan, a brasileira Adriana Komives explica que a experiência do Recife é uma prévia para um curso maior, de três módulos e doze semanas. Desde que se mudou para a França, cursou cinema na Femis, em Paris, onde monta documentários para a TV. Ao Diario, ela conta que montar um atelier Varan no Brasil “é um sonho antigo que agora está se realizando”. (André Dib)

Entrevista >> Adriana Komives: “Acreditamos que o cinema feito assim pode sensibilizar o mundo”

Que princípios norteiam a metodologia do Ateliers Varan?
A metodologia Varan é totalmente baseada na prática. Consideramos que a experiênca fílmica vivida em direto é a melhor formação e por isso os alunos saem para filmar logo no primeiro dia.

Como será a dinâmica do curso no Recife?
Um estágio Varan clássico dura doze semanas e é composto de três partes. O curso em dezembro é preparatório para o clássico. Em duas semanas, a ideia é esboçarmos com os alunos os roteiros e que eles filmem uma sequência que ilustre o projeto. Alguns exercícios permitirão aos alunos um primeiro contato com os princípios do cinema direto, e a discussão em seguida girará em torno de seus enfoques sobre a água. Como o tempo é curto, pedimos aos candidatos que já apresentem sua ideia de filme em uma página. Partindo daí, trabalharemos as noções de personagem, relação, improviso, enfoque, ponto de vista.

O que o cinema direto de Jean Rouch pode acrescentar à discussão sobre a água, que outros filmes não fizeram?
O cinema direto se define nos ateliers Varan como um cinema de relação. Os filmes não são feitos sobre as pessoas, mas com as pessoas. Partindo dessa premissa ética, os filmes tornam-se documentos para sentir e compartilhar um contexto através de histórias. São filmes de imersão em uma realidade, seja ela vivenciada pelo cineasta, seja partilhada durante a aproximação daqueles que se quer filmar. Há troca entre filmadores e filmados, e não vampirização. Acreditamos que o cinema feito assim pode sensibilizar o mundo.

Por que o Recife foi escolhido para inaugurar as os ateliês sobre água?
A questão da água é essencial para o planeta e encontra no Recife um exemplo do desafio que se coloca hoje aos homens; saneamento, abastecimento, regularização do uso, distribuição populacional são algumas das vertentes que os filmes poderão contar, através de personagens reais confrontados de maneira concreta a esse contexto. A água é onipresente na cidade e constitui um dos principais recursos ecológicos e sociais a ser cuidado pelo poder público. Para a organização deste ateliê, esperamos poder nos associar a diferentes organismos ou instituições internacionais que fazem da água sua preocupação principal.

O que será feito do material produzido?
Esperamos criar um fundo documentário, ao longo dos estágios, que proporcionará um diálogo aberto entre os países. Ele poderá ser utilizado por organismos ligados à água, para sustentar suas políticas de sensibilização.

(Diario de Pernambuco, 28/10/2011)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Os filmes mais relevantes da temporada



Um olho no mundo, outro no Recife. A 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife anunciou ontem programação completa, com 160 filmes e demais atividades. Até então, o evento havia divulgado a seleção de curtas e a retrospectiva Stanley Kubrick, inédita no país, em que todos serão abrigados pelo Cinema São Luiz. E a recém-revelada programação de longas só confirma o que a mostra organizada por Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux vinha sinalizando desde que foi criada, em 2008: não é preciso mais sair do Recife para assistir no cinema aos filmes mais relevantes da temporada.

Entre outros filmes, de 4 a 13 de novembro, no São Luiz e Cinema da Fundação, poderemos assistir a O garoto da bicicleta, dos irmãos Dardenne (melhor direção em Cannes); Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Beto Brant; a produção pernambucana As hiper mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro; No lugar errado, dos irmãos Pretti e primos Parente (Alumbramento); e Estradeiros, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Conforme antecipado pelo Diario, abre a programação o longa Febre do rato, de Cláudio Assis.

A Janela é aberta para o mundo, mas o diálogo com o Recife parece ser tão primordial quanto. Além de exibir filmes como os inéditos Quarteto simbólico, de Josias Teófilo, e o coletivo [projetotorresgemeas], a urgência em discutir a cidade suscitou o debate O cinema e o espaço urbano do Recife. A ação mais experimental e ousada, no entanto, será o Cinema de Rua, que colocará um potente projetor digital de 33 mil ansilumens instalado no São Luiz, jogando imagens do Recife no prédio do antigo Cine Trianon, do outro lado do Rio Capibaribe.

Com mais patrocínio - este ano, além do Funcultura, entra a Petrobras e Chesf - a Janela está crescendo, a ponto de, em 2012, talvez precisar de mais espaço. Mas qual seria essa sala? Cinema Apolo? Parque Dona Lindu? “Queremos crescer até a dimensão que o Recife pode oferecer”.

Saiba mais

Sarajevo - Um dos destaques da 4ª Janela é a retrospectiva da Sutjeska Film, a Escola de Documentário de Sarajevo. São 20 curtas em 35mm, realizados nos anos 1960 e 1970, sob o regime comunista. Originalmente exibido no Festival de Oberhausen, na Alemanha, a coleção pertence ao Filmski Centar Sarajevo, na Bósnia e Herzegovina. Kleber Mendonça Filho diz que, apesar da distância cultural e idiomática, não são filmes difíceis.

Janelinha - Pela primeira vez, o festival traz filmes para crianças de 8 a 12 anos. São seis curtas, entre eles New London calling (EUA), de Alla Kovgan e Las palmas (Suécia) de Johannes Nyholm.

Locarno - A cada ano, a Janela Internacional convida um “festival amigo” para elaborar um programa especial. A seleção deste ano será feita por Agnès Wildenstein, do comitê de seleção do Festival de Locarno, na Suíça. Fazem parte os pernambucanos Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, e Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, premiado pelo festival, em agosto último.

(Diario de Pernambuco, 25/10/2011)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Novo espaço para o humor gráfico

Após quatro anos de abstinência, Pernambuco volta a contar com um evento exclusivo para as artes gráficas. O Salão Internacional de Humor Gráfico acaba de ser aprovado pelo edital do Funcultura e deve realizar sua primeira edição em 2012. A notícia é das melhores. Salões são importantes para aquecer o mercado. Forma público, incentiva novos profissionais e coloca o estado de volta ao mapa mundi de eventos do gênero.

“Recife é uma cidade tão rica em cultura e não conta com um espaço para o humor gráfico”, diz Samuca, presidente da Associação dos Cartunistas de Pernambuco, entidade responsável pelo evento. O salão ainda não tem data nem local definidos, mas ele adianta que o SIHG terá mostras, premiação (um total de R$ 20 mil) e oficinas, mas a proposta difere um pouco do Festival de Humor e Quadrinhos, que após nove edições se despediu do público em 2007.

O novo evento irá se concentrar somente em cartuns e caricaturas e a cada ano trabalhará um tema diferente. O do primeiro já está definido: será “mulher”. “Geralmente os temas valem só para cartuns, mas neste salão, se vier caricatura de Ronaldinho, não entra”, diz Samuca.

Além de tema dos trabalhos, o salão irá homenagear as artistas com mostras especiais. Entre as possíveis convidadas estão a argentina Maitena (Mulheres Alteradas), a gaúcha Chiquinha (Elefoa), a carioca Clara Gomes (da tira Bichinhos de Jardim), a paranaense Pryscila Vieira (Freeakomics) e a caricaturista portuguesa Cristina Sampaio.

(Diario de Pernambuco, 24/10/2011)

domingo, 23 de outubro de 2011

Lewis Trondheim: "Quadrinhos podem gerar menos dinheiro, mas são um ambiente criativamente mais rico"


Auto-representação do artista: "desenho mais animais do que humanos. Prefiro os traços simples"

Apesar de não ter livros publicados no Brasil, o cartunista Lewis Trondheim tem sido tratado com distinção em sua pasagem pelo país. Iniciados sabem que sua importância vai além do prestigiado Grand Prix de la Ville d'Angoulême, honraria máxima concedida em 2006 pelo festival de mesmo nome, tão importante para as artes gráficas quanto o de Cannes para o mundo do cinema. “Por dez minutos, senti certa agonia. Pensei que este seria o fim, mas depois aceitei como um desafio para fazer coisas novas”, disse Trondheim, durante encontro com cerca de 30 pessoas na Aliança Francesa do Recife, na última segunda-feira.

Para quem perdeu o encontro com o artista, a boa notícia é que Gênesis apocalípticos e Os inefáveis, a primeira versão brasileira de trabalhos de Trondheim, acabam de ser lançadas em volume único pela editora paraibana Marca de Fantasia, que o recebeu com a Aliança Francesa em João Pessoa.



O momento culminante de Trondheim no Brasil será hoje, dentro da programação do Rio Comicon, na capital carioca, ao lado de outro talento francês, o veterano Edmond Baudoin. “Essas convenções são chatas, mas pagam as viagens. Se for para dar autógrafos, prefiro ficar na França. Encontros como estes são muito melhores”, disse o artista.

A visita ao Recife está devidamente registrada em seu caderno de desenhos, em esboços como os feitos na Praça da República, enquanto tomava um café no Teatro de Santa Isabel. Como bom desenhista, ele é observador e não lhe escapou a peculiar árvore da Praça do Arsenal, no Recife Antigo, sustentada por uma estrutura de ferro. “Pensei: é bom que as pessoas se ocupem de árvores e nesse momento alguém passou e fincou uma garrafa de água vazia no tronco”.

Outras amostras de seu humor sarcástico e direto foram dadas durante a conversa, em que produziu uma história inédita inspirada em sua experiência no aeroporto do Rio. “Meu tema preferido é a decapitação de crianças”, declarou. Logo depois, amenizou para não chocar demais a plateia: “gosto de falar de situações de poder e sobre o livre arbítrio que as pessoas podem ter”.

Trondheim conta que começou tarde nos quadrinhos, pois não acreditava ter o talento necessário. Primeiro estudou publicidade e, aos 24 anos, passou a criar fanzines. O primeiro contrato para fazer um livro veio aos 30. Hoje, são mais de 150. Mesmo assim, e com o reconhecimento em Angoulême, ele não se considera um autor de sucesso e se define como preguiçoso. “Por isso desenho mais animais do que humanos e prefiro os traços simples”. Mas chegar ao simples, ao traço mínimo, não é tarefa fácil. É uma arte para poucos.


Trecho de Gênesis Apocalípticos, publicado no Brasil pela Marca de Fantasia

“Tive a sorte de ser bem recebido pela imprensa, mas vendo muito menos do que outros autores franceses. E ganho o suficiente para continuar fazendo o que gosto. Se vendesse mais, o dinheiro me obrigaria a fazer sempre a mesma série, o mesmo personagem. Seria um prisioneiro, não um autor”. Inevitável não lembrar de René Goscinny e Albert Uderzo, os criadores de Asterix e Obelix. “Antes do sucesso, eles criaram outra série, que não funcionou”.

Perguntado se tem algum guru, Trondheim responde que admira o trabalho de alguns artistas mas que procura não pensar muito nisso. “Para não me inspirar demais e correr o risco de fazer uma cópia ou comprometer a originalidade do trabalho; a França tem grandes mestres que são copiados, sem que exista uma compreensão do processo por trás do traço. Para mim, mestre é uma questão de atitude, como Bill Waterson, que desenhou Calvin e Haroldo por dez anos e parou para ficar íntegro, pois quiseram fazer merchandising com os personagens”.

Trondheim é também fundador da L’Association, editora com a qual ele, Menu, Stanislas, Mattt Konture, Killoffer e David B. (Epiléptico) renovaram o quadrinho francês no anos 1990. A ideia não era questionar o mercado editorial do país, um dos maiores do mundo, mas provocar mudanças estéticas.



Entrevista >> Lewis Trondheim

O que motivou a criação da L’Association?
Queríamos fazer algo diferente do convencional para a época, como narrativas autobiográficas e baseadas em sonhos, ou histórias feitas em um único quadro por página. Também fizemos desenhos sem texto, para outra pessoa escrever e vice-versa.

O que acha de adaptações dos quadrinhos para o cinema, como Gainsbourg - vie heroique e Persépolis?
Não assisti. E mesmo assim, prefiro os originais. Sou amigo de Joan Sfar (autor da HQ e do filme sobre Serge Gainsbourg) e disse a ele: se você vai fazer um filme, faça algo próprio, de forma autêntica. Na França há mais cartunistas do que cineastes. Posso compreender a frustração deles e a vontade de fazer cinema. Mas seria algo perigoso se eles fizessem sucesso no cinema. Isso significa mais dinheiro, e portanto, mais problemas. Os quadrinhos podem gerar menos dinheiro, mas são um ambiente criativamente mais rico, o que pode render resultados mais surpreendentes em termos narrativos do que o cinema.

O que importa mais, a qualidade do traço ou a ideia?
Se a HQ for feia, mas tiver ideias interessantes, o leitor vai chegar ao fim. O contrário também funciona assim. É comum artistas gráficos competentes fazerem bons desenhos, mas histórias nem tanto. Eu prefiro uma boa história a um bom desenho.

(Diario de Pernambuco, 23/10/2011)

sábado, 22 de outubro de 2011

Ajustes são cobrados no Funcultura

2011 está sendo um ano atípico no cenário cultural pernambucano. Se por um lado o estado aumentou o investimento direto em produções independentes, o atraso no anúncio dos projetos selecionados atrapalhou a continuidade e o calendário de vários eventos. É o caso do festival Sertão Itaparica Mundo, que aconteceria em setembro e teve que ser adiado, talvez para o ano que vem. “Não sei se teremos tempo hábil para realizar esse ano”, diz Paloma Granjeiro, da Sambada. Além do festival, a produtora teve aprovado o projeto da reprensagem do álbum / DVD Eu tiro o couro do dançador, do grupo Coco de Tebei.

Entre os pontos positivos do edital deste ano, Paloma elogia a precisão aritmética adotada pelas comissões de análise. “Também há uma progressão em termos de volume de recursos. Mas a demora do resultado desprogramou muita gente que esperava uma resposta em junho. O próprio secretário falou do esforço da instituição em manter um programa viável. Isso precisa ser revisto”.

Todos os produtores procurados pelo Diario concordam que o Funcultura é um edital importante que precisa de ajustes. Para Paulo de Castro, que irá tocar três projetos para frente é outro a criticar a demora na divulgação do resultado. Mesmo assim, sem a confirmação de recursos estatais, realizou em julho a nona edição da Mostra de Dança. “Tem que marcar uma data e cumprir. Fazer as coisas no tempo certo para que todos possam se programar. 70% das produções são feitas com recursos estaduais e se um edital atrasa, acaba a cultura pernambucana”.

Por contratempos como esses, Paulo acredita que não dá pra depender dos editais. “O Funcultura melhorou. Mas é preciso pensar em outras formas de trabalhar”. De acordo com o secretário de cultura Fernando Duarte, o atraso foi ocasionado pela troca de gestão e não vai se repetir no próximo edital. Mas de acordo com os produtores, outros pontos merecem ser apontados. Paulo defende a criação de editais específicos para cada área cultural. Este ano, os projetos de música ficaram com 30% dos recursos.

Afonso Oliveira avalia que este ano o Funcultura analisou os projetos pelo viés mais técnico do que qualitativo. E aponta para a necessidade de haver mais transparência no processo de seleção. “Bons projetos caíram na análise técnica por falta de um documento. Sei de uma produtora que recorreu na primeira triagem, provou que estava qualificada e teve o projeto aprovado. Mas e as centenas de outros, que não tiveram como recorrer ?”

A colocação de Afonso contempla o caso de Joana D’Arc Ribeiro, que teve seu projeto de patrimônio para o Engenho Poço Comprido, de Vicência, indeferido por que no julgamento da comissão, foi inscrito na linha de ação errada. “Inscrevi como manutenção e eles entendem como obra. Mas a restauração já foi feita, em 2004”.

Críticas dos produtores à Fundarpe

1. Atraso - Marcado para junho, o resultado do edital foi anunciado somente ontem; isso comprometeu eventos com data definida no calendário cultural.

2. Falta de transparência - Junto com a divulgação dos projetos aprovados, a Fundarpe deveria dispor a lista dos indeferidos e a justificativa que levou à reprovação. No sistema atual, produtores precisam requisitar o motivo pelo site da instituição para que possam contestar a decisão. O prazo são cinco dias úteis.

3. Remuneração - A Comissão deliberativa, deve ser remunerada.
A assessoria de imprensa da Fundarpe informa que, apesar dos gestores serem a favor, isso não é possível pois a lei
não permite.

4. Separação de áreas - Criação de um edital para cada área cultural, como acontece com o cinema desde 2008.

Críticas da Fundarpe aos produtores

1. A maioria (63,1%) dos produtores apresentou seus projetos no último dia do prazo de inscrição (25 de março);

2. A maioria (84,8%) dos produtores apresentou projetos como pessoa física; para a Fundarpe, é preciso formalizar pessoa jurídica para aumentar a profissionalização do setor.

(Diario de Pernambuco, 22/10/2011)

Alma Mambembe



Nada mais especial do que a pré-estreia recifense de O palhaço, segundo longa dirigido por Selton Mello, acontecer dentro da programação do 7º Festival de Circo do Brasil. Mais ainda, no Cinema São Luiz, um dos últimos cinemas de rua do país e que nos anos 1970 e 1980 recebeu shows dos Trapalhões, que vinham à cidade promover seus filmes. Estrelado pelo próprio Selton, O palhaço é uma bela homenagem aos artistas de circo, foco na trupe mambembe que viaja pelo interior de Minas Gerais. O longa estreia no dia 28. A sessão de hoje conta com a presença do diretor, da produtora Vânia Catani e de parte do elenco: Fernanda Barbosa, Alessandra Brantes, Kuxixo e Luiz Alves Pereira Neto, o Ferrugem.

Premiado quatro vezes em Paulínia (direção, roteiro, figurino e ator coadjuvante para Moacyr Franco), O palhaço conta a história de Benjamin (Selton), o palhaço Pangaré, que nasceu no Circo Esperança e pela primeira vez entra em crise vocacional. Perdeu o gosto pelo picadeiro, sempre que pode contempla o infinito e desenvolveu uma estranha fixação por ventiladores. Por um lado, a condição de herdeiro o oprime - seu velho e cansado pai (Paulo José), o palhaço Puro Sangue, já não pode cuidar do circo sozinho. Por outro, a paixão por uma garota o faz perceber que o mundo é maior do que pensava.

Se na busca Benjamin está a alma do filme, o corpo está na forma sensível com que o mundo do circo e das cidades pequenas são mostrados. Ao contrário do sombrio Feliz Natal, seu primeiro longa, as cores de O palhaço são quentes e os cenários, quase sempre iluminados. A fotografia é moderna, mas também lembra a de filmes antigos, de acordo com o viés nostálgico, que remete à infância. Nesse sentido, contam a favor as participações de Tonico Pereira, Ferrugem, Jorge Loredo (o Zé Bonitinho) e Moacyr Franco no papel de delegado, uma das melhores sequências do filme.

Como diretor, Selton demonstra ter evoluído para uma linguagem mais acessível, sem abrir mão de uma narrativa inteligente, sutil e bem-humorada. Momentos cruciais se resolvem diálogos precisos, onde o principal está no silêncio. É o movimento circular do ventilador como metáfora para a reticência existencial, que revela a melancolia naquele cuja função é fazer rir.

Entrevista >> Selton Mello: "Queria falar sobre o peso e a beleza que o destino exerce na busca de cada um"

A pré-estreia no Recife será especial, integra a programação do Festival de Circo.
Será uma honra exibir o filme dentro do Festival de Circo. Estou ansioso para ver como irão receber nosso filme, que foi algo feito com muito carinho e enorme pesquisa sobre o universo circense, que enaltece o trabalho de todos que vivem do circo no Brasil. E é sempre um prazer estar no Recife, cidade que adoro, e poder sentir como o filme chegará nos corações dos artistas circenses e no público pernambucano.

O elenco traz artistas novos e outros conhecidos. O que o orientou na escolha?
Gosto de misturar nomes consagrados com desconhecidos, como é o caso de Giselle Motta, com experiência em circo e estreando em cinema. Outro que estreia no cinema, aos 75 anos, é Moacyr Franco. Uma honra pra mim, ser o responsável pela estreia desse grande ator. Gosto também de atores em papéis inusitados: Fabiana Karla, atriz fabulosa do Zorra Total, faz uma participação singela e bem poética; Teuda Bara, do Grupo Galpão, interpreta Dona Zaira, a mãezona da trupe.

O filme concilia um incrível respeito pelos artistas do riso. O circo está diretamente ligado à sua vida pessoal e profissional ou ele se restringe a algo puramente simbólico, do picadeiro como metáfora para a vida?
Perfeita sua colocação, trata-se de uma metáfora para a vida. Através dos olhos de um palhaço poder falar de coisas que são caras a todos, destino, o que fazemos com nossas vidas. O filme fala sobre escolhas, sobre vocação, mas é também uma homenagem à família circense. Mas, na minha carreira, nunca havia interpretado um palhaço. Nem eu nem Paulo.

Pangaré, o palhaço que supera uma crise vocacional, é uma autorreferência a seus dilemas, pessoais ou profissionais?
Sem duvida me identifico com Benjamim e suas questões, mas não é autobiográfico, meus dilemas pessoais não renderiam um filme, ou melhor, renderiam um filme em que eu sairia no meio (risos). Queria discutir o lugar no mundo de um indivíduo a partir de suas escolhas, de seus dilemas. Queria falar sobre o peso e a beleza que o destino exerce na busca de cada um.

A presença de Paulo José como o pai de Benjamin pode ser entendida como uma projeção de sua condição perante ele. Você se sente filho (ou herdeiro) do ator?
Paulo José é um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. A convivência com ele é sempre rica,um aprendizado a cada dia da beleza de minha profissão. Se esse filme fosse feito há 30 anos o Paulo seria o intérprete perfeito do Benjamim. Quando crescer eu quero ser o Paulo José.

Pangaré lembra aquela imagem do palhaço triste, que deixa escorrer a lágrima. Você acha que a melancolia é condição inerente ao palhaço?
Essa é uma história clássica que sempre ouvimos. A figura do palhaço triste atravessa gerações. No caso do filme, meu personagem vai descobrindo aos poucos a grandeza do que faz, levar o riso ao espectador é algo nobre. O que mais me chama a atenção nas apresentações que fizemos até agora é que o público reage como se esperasse um filme assim. Fazemos muitos filmes duros, agressivos e poucos são os que se aventuram a realizar uma investigação do lado bendito da vida.

(Diario de Pernambuco, 22/10/2011)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Mais um prêmio para Samuca



Entre os destaques do 33º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos está o artista pernambucano Samuel Rubens de Andrade, o Samuca. Cartunista do Diario de Pernambuco, ele foi agraciado com menção honrosa pela charge Chegou o Natal, publicada em 24 de dezembro de 2010. Nela, um garoto em situação de rua cheira cola enquanto ávidos consumidores transitam pela calçada.

Os profissionais de jornalismo premiados nesta edição foram divulgados na última segunda-feira, pelo blog www.vladoherzog.blogspot.com. O prêmio principal da categoria Artes foi para FCLopes, por trabalho publicado no Correio Braziliense, outra empresa do grupo Diários Associados. A cerimônia de premiação será dia 24 de outubro, em São Paulo.

A charge de Samuca transforma em objeto a famosa tarja preta, recurso utilizado pela mídia para supostamente proteger sua identidade, e que acaba servindo de estigma social. “Ele não pode ver porque está com uma tarja preta no olho, mas pode sentir, pelo movimento, que o Natal chegou”, interpreta o autor.

Uma das influências mais fortes de Samuca vem do brasileiro Renato Canini. Desde criança, ele admirava o traço do artista que melhor desenhou o Zé Carioca. Mas sua trajetória profissional começou na adolescência, quando, aos 14 anos, tornou-se auxiliar de Romildo Araújo Lima, o RAL.

Desde então, atua na imprensa local, tendo trabalhado do periódico O Rei da Notícia e na antiga Folha de Pernambuco. Seus trabalhos passaram a ser publicados no Diario a partir do ano 2000. Em 2010, Samuca assumiu a presidência da Associação Pernambucana dos Cartunistas - Acape.

Reconhecimento - Este não é o primeiro Vladimir Herzog da carreira de Samuca. Ano passado, ele recebeu menção honrosa pelo trabalho Cuba Libre, uma crítica à ditadura imposta ao povo cubano. Também em 2010 ele foi premiado pelo HQMIX - prêmio máximo dos quadrinhos brasileiros, pelo livro de cartuns Sem palavras (2009). Em 1999, ele havia sido contemplado pelo HQMIX com seu livro de estreia, A vida por uma linha. Além disso, já ganhou os prêmios Cristina Tavares (2008), por uma coletânea de charges publicadas no Diario e o 18º Salão Carioca de Humor (RJ). Mas o prêmio principal de sua carreira foi obtido em abril deste ano, quando o World Press Cartoon, o mais importante salão de humor editorial do mundo, premiou Samuca com o primeiro lugar na categoria desenho de humor.

(Diario de Pernambuco, 19/11/2011)

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O show da realidade



Foi sem dúvida mais um momento histórico, talvez o maior dos oito anos de Coquetel Molotov. O motivo foi show de encerramento, a cargo dos rappers Racionais MC’s, que atraíram mais gente do que o espaço permite comportar. Se não havia como prever como terminaria a madrugada de sábado para domingo, no Teatro da UFPE, quando uma das portas de vidro foi destruída por invasores, a sensação era a de que tudo poderia acontecer. Apesar da produção ter demonstrado certo despreparo para lidar com a situação, é inestimável o valor cultural do ocorrido.

Nos últimos anos, o festival saiu do gueto indie ao convidar artistas famosos, como Milton Nascimento. Ampliar o público é algo que pega bem com os patrocinadores, que permitem uma zona de conforto para o festival convidar bandas pequenas e desconhecidas para seu igualmente modesto público sedento por novidades. Na noite de sábado, por exemplo, bons shows de Copacabana Club, Hindi Zahra, Rômulo Fróes e The Sea and Cake são a prova disso.

Quando o pernambucano China subiu ao palco, parte do público dos Racionais já ocupavam as cadeiras. Alguns demonstraram interesse no show, mas a maioria estava lá somente para ver os MC’s do Capão Redondo. Do lado de fora, alguns tentaram entrar sem pulseira, em vão. No entanto, quando o grupo começou a tocar, cerca de 70 pessoas espalhadas pelo câmpus conseguiram entrar. Na confusão, uma das portas foi quebrada, o que afugentou parte do público. Por um instante, o show foi interrompido e, para evitar mais problemas, luzes se acenderam sobre a plateia até o fim da apresentação. Tudo foi desmontado rapidamente no foyer do Centro de Convenções e o after party com DJs Golarolê foi cancelado. Em comunicado oficial, o evento descreve o episódio como “um pequeno tumulto”, que ninguém entrou sem pulseira e que o corpo de seguranças estava preparado para conter a situação. Não foi bem assim.

Durante o show, os Racionais se mostraram mais preparados para lidar com várias centenas de pessoas, prontas para entrar em processo de catarse coletiva, do que os oito seguranças engravatados, que deixaram a entrada a cargo dos bombeiros e foram para a a beira do palco. Na falta de pessoal, os próprios organizadores entraram na turma da contenção. O que se viu foi uma apresentação contida, em que hits como Capítulo 4 Versículo 3 e Diário de um detento foram sabiamente evitados. Era como lidar com um barril de pólvora, controlado unicamente pelo poder da palavra de Mano Brown, que habilmente conseguiu conciliar a Torcida Jovem do Sport e Inferno Coral. Na última música, o público invadiu o palco e os MCs cantaram protegidos pelos seguranças.

Por um lado, o Coquetel Molotov acertou ao promover um encontro inédito naquele espaço, entre habituées do festival e o público da periferia. Por outro, a organização demonstrou despreparo por não prever que poderia ser “engolido” pelas circunstâncias, como o consumo aberto de drogas, superlotação e o exército de fumantes, que elevou o risco de incêndio num teatro que já pegou fogo em 1997.

Momentos de pregação incitaram a consciência social – “esse país é seu, temos que reconquistar o que é nosso e está em mãos alheias”, disse um dos MCs, para logo elogiar Pernambuco, que estaria em situação melhor do que da última vez em que estiveram aqui. Outra fala certeira: “Racionais é risco constante. Adrenalina na direta. Na televisão é reality show, aqui é o show da realidade”.

Os indies quiseram brincar de periferia, mas suaram frio. Aprenderam na prática que, com periferia não se brinca, ainda mais se isso envolve seu espelho mais fiel. De qualquer forma, nada de grave aconteceu. E o resultado foi memorável. De proporções bíblicas, como Lobão descreveu o próprio show, na noite anterior.

Sexta-feira - Marcada por shows medianos, a noite de sexta foi salva por Lobão, atração de última hora que se mostrou das mais acertadas. O compositor carioca demonstrou vitalidade incomum para um senhor de 50. Ele e banda fizeram uma apresentação vibrante, equilibrada no fio da navalha, entre técnica e emoção. Lobão, que já fez shows em estado deplorável, como o do Abril Pro Rock em 2001 ou rodeado de vinte violões, em versão acústica no mesmo APR em 2009.

Elétrico, Lobão se mostrou em sua melhor forma. Invocou os parceiros mortos, Cazuza e Julio Barroso. Como guitarrista, demonstrou competência em solos instigantes. Rock na veia, redondo, potente, direto ao assunto. Lavou a alma do público que o esperava desde abril, quando teve o show cancelado na Concha Acústica, ao lado do teatro. E apesar de algumas falhas de som no começo do show, Lobão não teve muito do que reclamar, pois as condições de palco oferecidas pelo festival foram muito boas. “Obrigado Recife, foi lindo. Foi bíblico!”, disse o músico, no final.

De uma forma geral, antes do tsunami provocado pelos Racionais, a organização do Coquetel Molotov se mostrou exemplar. No foyer, stands dos patrocinadores, feirinha alternativa e barracas de alimentação conviveram harmonicamente. O espaço da Petrobras ofereceu um terceiro palco, para bandas gravaram seus vídeos. Já a Sala Cine, que abrigou o lado B da programação, merecia melhor climatização, o que rendeu a ela o apelido de “Sauna” UFPE.

(Diario de Pernambuco, 17/10/2011)

domingo, 16 de outubro de 2011

Reinvenção da trupe do Vivencial



Uma base de produção está em pleno vapor no sítio histórico de Olinda. O casarão de número 200 da Rua de São Bento, mais conhecido como a faculdade de direito da Aeso, foi ocupado pela equipe de Tatuagem, uma união de talentos que em breve culminará no primeiro longa de ficção de Hilton Lacerda. Não que a atividade cinematográfica seja novidade na cidade-patrimônio. A Parabólica de Claudio Assis funciona ali, virando a esquina. Na casa vizinha à da base montada pela REC Produtores estão os domínios de Alceu Valença, que esta semana encerrou as filmagens de sua Luneta do tempo. E rumo ao mar, Ladeira de São Francisco, está a Video nas Aldeias, de Vincent Carelli.

O que coloca Tatuagem em patamar diferenciado no cenário de produção local é combinação da estrutura privilegiada, que permite uma melhor organização e sintonia entre diferentes departamentos. No térreo estão o figurino, sala de objetos e a salão de ensaio. No primeiro andar, os departamentos de produção, direção, fotografia, financeiro e arte. De acordo com João Jr., tais condições fazem revelar o potencial da equipe. “Percebo uma evolução na carreira de muitos profissionais, principalmente de produção e arte, que têm atendido muito bem as demandas de produção de um longa-metragem”.

O projeto, de dimensões poético-anarquistas, recria livremente a experiência do grupo de teatro Vivencial, que conta com o cada vez melhor Irandhir Santos no papel de líder da trupe pós-tropicalista. As filmagens de começam no próximo dia 25, em Olinda, Recife, Bonito e Paudalho.

Aprovado pela Ancine para captação de até R$ 2,48 milhões, o longa ainda precisa captar 40% para a finalização e comercialização, mas já conta com a distribuição da Imovision, responsável por Cinema, Aspirinas e urubus e Verônica, de Marcelo Gomes. Apoios culturais como os da Prefeitura do Recife, UFPE e Aeso, diz João, são fundamentais para filmes de baixo orçamento. “Graças a eles, contamos com estagiários e licença para filmar em espaços públicos”.

Um deles é o Nascedouro de Peixinhos, onde uma construção está sendo erguida especialmente para o filme. Lá será a sede da trupe Chão de Estrelas, coletivo artístico ligado à tradição do circo e teatro. No papel do diretor está Irandhir, que descreve seu personagem como alguém que enxerga a beleza no gestos dos atores, para levar ao palco. “Somos desafiados a criar uma cena em poucas horas. Isso é muito estimulante. E Peixinhos será o espaço onde pessoas tolhidas pela ditadura pode ser homens, mulheres, bichos e bichas”, diz o ator, premiado ator por Tropa de Elite 2 e Febre do Rato. Não é de hoje que Irandhir fala em uma volta para o teatro, onde se formou. Curioso que isso venha a acontecer pelo cinema.

Parceira de Hilton desde o curta A visita (2001), Renata Pinheiro conta como a direção de arte expande o conceito do roteiro, que apesar de ambientado em 1978, não pretende reconstituir a época à risca. A ideia é construir um tempo ficcional. “Como espaço simbólico, a sede do grupo Chão de Estrelas revela o contexto político da época. As ruínas representam a destruição de um sistema. Material reciclado surge entre restos de obra, uma exuberância de cores sobre o cinza, seco e mofado do militarismo em decadência. Queremos ocupar aquele espaço de forma orgânica, como um câncer às avessas, que traz de volta à vida”, explica Renata.

A concepção da fotografia, em 16mm, combina a imagem limpa do cinema convencional com a linguagem experimental de aspecto envelhecido do Super 8, que será simulado por uma câmera Bolex e filmes vencidos. Ivo Lopes de Araújo, do coletivo cearense Alumbramento, explica a busca de uma precariedade apropriada para o conceito do filme. “A ideia é trabalhar com o erro próprio do teatro mambembe. Por isso preferimos a luz natural aos refletores. Procuramos a inadequação, algo que aproxime da condição dos personagens”.

Entrevista >> Hilton Lacerda: “Temos um público grande e mal aproveitado”

“A única coisa boa de ser só roteirista é que você pode botar a culpa no diretor. Agora, se algo não der certo, tenho que assumir”, brinca Hilton Lacerda. Roteirista dos mais atuantes do cinema brasileiro, ele é parte fundamental de uma filmografia que passa por Baile perfumado, Amarelo manga, Árido movie e o recente Febre do rato. Como diretor, assina dois curtas - Simião Martiniano, o camelô do cinema (em parceria com Clara Angélica) e A visita - e o longa documental Cartola - Música para os olhos, com Lírio Ferreira. Agora chegou o momento de realizar seu trabalho 100% autoral.

Em Tatuagem, Hilton Lacerda faz um livre retorno ao início de sua vida adulta, momento delicado em que sonhos se projetam. A dez dias do início das filmagens, ele fala ao Diario sobre o que está por trás do filme.

Como surgiu a ideia do filme?
Na década de 1980, li o livro Devassos no paraíso, de João Silvério Trevisan, que faz um apanhado da questão homossexual na cultura brasileira. Nele tem o personagem de Tulio Carela, que sempre me encantou. Em torno de 1995, tive acesso ao livro dele, Orgia, que ainda não tinha sido reeditado. Quando fui morar em São Paulo, em 1998, me tornei vizinho de João Silvério e falei com ele sobre a a vontade de filmar a história de Tulio. Ele me disse que achava mais importante olhar para o grupo Vivencial, que se tornou uma referência muito afetiva para a construção do roteiro. Mas o filme não é sobre o Vivencial, é sobre a influência que exerceu no Recife, o que aquilo tudo gerou, a expectativa de futuro.

Como você adaptou aquela realidade?
Através da história de um grupo de teatro anarquista, com foco no líder desse grupo de 12 atores, o Chão de Estrelas. Estamos há quatro semanas ensaiando as coreografias, direcionadas no sentido do deboche, do exagero. Clécio, vivido por Irandhir, comanda o processo ao lado do braço direito dele, interpretado por Rodrigo Garcia.

Tatuagem guarda certa semelhança com a vocação anárquica de Febre do rato, que também traz Irandhir como protagonista. São filmes-irmãos?
Escrevi os dois roteiros ao mesmo tempo. Ficava com medo da proximidade, mas hoje estou tranquilo. E Irandhir está no projeto antes de entrar em Febre do rato, antes mesmo de Baixio das bestas. Desde o começo do projeto, escrevi o personagem pensando nele.

Como líder da trupe, ele é seu espelho como diretor?
Ele é o homem da ponte, que está lá na frente, responsável pelo olhar teatral, pelo registro burlesco. Eu trabalho com o registro do cotidiano, de conflitos como o do soldado Fininha, que vem de uma cidade pequena e se encontra com Clécio. É quando o núcleo militar e dos artistas se misturam.

Como o filme se relaciona com a sua própria história?
Clécio tem um filho de 13 anos, que é a idade que eu tinha em 1978. Para mim, foi o momento em que comecei a ter vida própria, sair pra festa, o início da vida sexual. Havia o processo de abertura e do milagre econômico, tinha a expectativa do que iria acontecer no país. Era um respiro de sexo livre e pílula anticoncepcional, mas também um momento de certo desencanto, que logo depois levou um golpe grande, da Aids como fator moralizante do discurso. Depois houva a discussão de gênero, mas antes disso toda uma geração pagou um preço muito caro. Toda essa construção de futuro bateu com um fato prático, de que as pessoas estão correndo um risco e a ideia de pecado vinha junto. A discussão do filme gira em torno disso, do futuro sonhado e suas consequências.

Sem chegar a ele?
A ideia é abordar o que se sonha agora, e como isso pode reverberar no futuro. Como podemos imaginá-lo, de que forma podemos provocar consequências. Na época, a expectativa era a de um mundo libertário, em que as questões de gênero foram superadas. O filme quer reconstruir um passado em que se faz uma projeção utópica do futuro, que, na prática, é o nosso presente. No grupo tem um personagem, Joubert, que produz um filme de ficção em Super 8, que se passa no futuro. É um viés completamente anarquista, em torno de uma estrutura melodramática. Por um lado, é o Super 8 como uso político do cinema como arma. Por outro, é a estrutura mercadológica, de um cinema mais convencional.

Qual é sua intenção em abordar esse tema?
É a minha forma de tentar fazer as pazes com o presente. Acho o cinema estabelecido uma chatice, uma caretice tão grande, é raro alguém fazer uma desconstrução. O Brasil, quando tem a possibilidade de estar na ponta, fica representando o último estágio de algo esgotado. Em vez de investir na possibilidade de criar um público radical, o cinema brasileiro apela para a linguagem estabelecida, para satisfazer um mercado que está se esgotando. Pode ser uma estratégia boa para os próximos cinco anos, mas depois não fará sentido. Temos um público grande e mal aproveitado. Fazer filme de 150 mil espectadores no Brasil é uma glória, mas podemos dar um passo além.


Ficha técnica

Direção: Hilton Lacerda

Diretor Assistente: Marcelo Caetano

1º Assistente de Direção: Carol Durão

2º Assistente de Direção: Milena Times

Preparação de elenco: Amanda Gabriel

Produtor de elenco: Rutílio de Oliveira

Continuidade: Adelina Pontual

Produtor: João Vieira Jr.

Produtora Executiva: Nara Aragão

Diretora de Produção: Dedete Parente

Platô: Brenda da Mata

Diretora de Arte: Renata Pinheiro

Cenógrafa: Dani Vilela

Figurino: Chris Garrido

Diretor de Fotografia: Ivo Lopes de Araújo

Técnico de Som: Danilo Carvalho

Trilha Sonora: Helder Aragão

Patrocínio: Petrobras / Fundarpe - Funcultura / Chesf - Eletrobrás

(Diario de Pernambuco, 16/10/2011)

sábado, 15 de outubro de 2011

O tempo e o cinema: Sudoeste, de Eduardo Nunes



Como no ano passado, em que exibiu Ex-Isto, de Cao Guimarães, o Festival de Gramado selecionou como filme de encerramento outro filme incomum. Mesmo após nove dias de atividade intensa, a sessão de Sudoeste, primeiro longa do carioca Eduardo Nunes, gerou fascínio e estranhamento. Tanto pela fantástica história de Clarice, que em 24 horas passa por todos os estágios da vida, quanto pelo rigor estético enquadrado em formato de tela 3.66:1, um pouco mais estreito do que o cinemascope. A sensação é a de estar diante de uma obra ao mesmo tempo nostálgica e inovadora.

A nostalgia remete ao cinema silencioso, com ênfase em Limite (1931), de Mário Peixoto. O russo Andrei Tarkoviski (1932-1986) é outra referência é assumida pelo diretor, que já trabalhava o conceito desenvolvido em Sudoeste em seus curtas-metragens nos anos 1990. “Existem também influências de realizadores mais narrativos, como Léon Hirzman, David Lean e Sergio Leone, mas Tarkovski é a maior. Não apenas pelo seu cinema, mas por todo seu respeito a vida, que é tão belamente contado em no livro Esculpir o tempo. Tarkovski demonstra que o cinema pode ser algo único, de conseguir compartilhar uma experiência espiritual durante uma projeção”.



Nesse sentido, Sudoeste é um convite à contemplação. A fotografia em preto-e-branco de Mauro Pinheiro Jr. é de uma poesia rigorosa, milimetricamente construída. O trabalho de sonoplastia - que investe em sons da natureza como o vento e chuva - e da figurinista pernambucana Luciana Buarque (colaboradora do Luis Fernando Carvalho em Hoje é Dia de Maria, A Pedra do Reino) são igualmente incríveis. No elenco Simone Spoladore, Dira Paes e o paraibano Everaldo Pontes fazem atuações memoráveis.

Sudoeste foi filmado no Pontal do Massambaba, no Arraial do Cabo (RJ), uma antiga vila de salineiros que estava abandonada por mais de 40 anos. Nunes conta como foi encontrar esse lugar ermo, perdido no tempo. “Foi quase um milagre. O roteiro que eu e o Guilherme Sarmiento escrevemos se passa numa vila de pescadores que existia apenas em nossas cabeças. Como o filme tem um tom de fábula, era preciso encontrar uma locação que transmitisse essa ideia de abandono, do tempo atuando sobre as coisas e pessoas”.



O formato 3.66 é tido por Eduardo como um algo novo, inspirado em experiências de Abel Gance nos anos 20 e 30 em filmes como A roda e Napoleão, em que o quadro se adequava ao assunto tratado. “Acho que perdemos a vontade de experimentar para aumentar a potencialidade de uma narrativa”. Isso, aliado ao PB e aos 128 minutos de duração, colocam Sudoeste na contramão do cinema comercial. Por enquanto, não há data de lançamento ou outras exibições em festivais. “Acho que a história do filme está acima disso e todos os outros elementos estão em função desta história”.

Entrevista >> Mauro Pinheiro Jr.: "Abrimos mão da precisão tecnológica"

O fotógrafo pernambucano Mauro Pinheiro Jr. tem no currículo mais de 30 filmes, entre eles Linha de Passe, Os famosos e os duendes da morte e o recente VIPs. É parceiro constante de Camilo Cavalcante, Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, com quem desdenvolve novos filmes. Em entrevista ao Diario, ele conta que trabalhar em Sudoeste foi algo novo e desafiador.

Em preto-e-branco, o excesso de luz do litoral transforma o que seria uma paisagem tropical em algo gelado. Foi essa a intenção?
Acho que o céu azul, colorido e muito belo iria prejudicar o filme. O preto-e-branco, o formato de janela, o figurino, a arte, apresentam com uma coerência que foi fundamental. Foi a melhor solução para Sudoeste, que tem um universo próprio, a ação do tempo na vida da personagem, o tom de fábula, o PB se aproxima disso.

Solução bem diferente da usada em Cinema, Aspirinas e urubus.
Sim. Eu e Marcelo (Gomes) nunca pensamos no PB, mas também não queríamos um sertão de cartão postal. Nosso personagem era um alemão de olhos claros, que vai para região de luz abundante, e dali veio a inspiração para aquele plano de luz que fere o olho e que vai se acomodando mas nunca atinge a claridade normal. A luz permanece clara para sugerir que o personagem não se adapta nem fisicamente, nem culturalmente.

A pós-produção interferiu no aspecto das imagens de Sudoeste?
Filmamos em película 16mm e ampliamos digitalmente para 35mm, e o processo digital permite um controle enorme, fizemos questão de dar uma “erradinha”, deixar o branco invadir um pouco o preto, para não ficar correto demais. Buscamos a falta de controle do processo ótico. Abrimos mão da precisão tecnológica absoluta criando um recurso de linguagem.

Ao adotar a proporção 3.66, Sudoeste quebra com os padrões de formato de tela?
Uma das grandes questões do cinema desde seus primórdios foi desenvolver um formato padrão para que os filmes pudessem ser distribuídos mundialmente. Câmeras e projetores adotaram como padrão o formato de negativo 35mm de 4 perfurações. Hoje em dia, a finalização eletrônica nos permite filmar em qualquer bitola desde que, no final, seja respeitado o formato padrão de projeção. O que fizemos foi desenvolver um formato de imagem novo, mais panorâmico, mas que ainda fosse compatível com os projetores atuais de película. Filmamos em Super 16mm e aproveitamos o benefício da finalização eletrônica para ganhar uma liberdade estética desafiadora.

Como vocês chegaram a esse formato?
Eduardo sempre quis trabalhar com o formato 2.35, ideal para aquela região, horizontal. Antes de filmar, fotografamos a locação e no primeiro exercício de decupagem fiz recortes horizontais com o photoshop nas fotos de pesquisa do momento onde a garota sai da cabana e descobre o mundo. Imaginei um quadro que não tivesse o corpo humano como referência. O formato quadrado valoriza o corpo, encaixa o ser humano dentro dele. Nós tomamos não o corpo, mas o espaço como medida e o ser humano, se encaixando dentro desse espaço. Naquele momento, tivemos certeza de que buscaríamos a viabilidade daquele formato.

Como foi a experiência?
É como se estivesse zerando o olhar. É como pensar em uma outra língua, que não tem tradução. Quando você filma muito no mesmo formato, acaba viciando o olhar, é algo automático encaixar os objetos no lugar certo. Não estávamos pisando em campo completamente desconhecido, ao mesmo tempo não ficamos refém disso. O quadro não se tornou um assunto, não distraia o set. Foi uma questão minha e de Eduardo. Não foi uma questão de virtuose, logo nos acostumamos.

Você trabalha com Eduardo há quase 20 anos. Como funciona a dinâmica de criação?
Sudoeste foi muito singular, por mais que tenha características em comum com o que já fizemos. Em 1998, com a primeira versão do roteiro, visitamos locações e começamos a decupar o filme. Quando a filmagem ganhou perspectiva mais concreta, jogamos a decupagem fora e olhamos para o filme como somos agora. No começo, me angustiava imaginar onde posicionar a câmera. Hoje isso me impulsiona, é uma pergunta instigante, é um dos grandes estímulos para filmar, para procurar a linguagem. Eu procurava a certeza e hoje vejo que a dúvida é algo mais interessante. Ter esperado esse tempo talvez tenha sido bom para podermos pensar nisso.

(Diario de Pernambuco, 02/09/2011)

Humor negro na academia



Desde que estreou, na última Mostra de Cinema de Tiradentes, o curta-metragem Mens sana in corpore sano fez carreira em oito festivais e ganhou seis prêmios. O destaque mais recente foi a menção especial no 64º Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça. E acaba de ser convidado para a Mostra de Cinema de Santo Domingo, na República Dominicana. Sem dúvida, um ótimo começo de carreira. Esta semana, além de participar da Mostra Brasil do 22º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, o terceiro curta de Juliano Dornelles integra o programa especial de terror Dark Side, com curadoria de Paulo Sacramento.

Cinéfilo de carterinha, Juliano trouxe para seu filme vertentes do cinema norte-americano dos anos 1970, além de beber na estranha morbidez dos filmes de David Cronenberg. A opção pelo 35mm tem contado a favor, não só pelo aspecto que a película imprime na tela, mas também por questões de ordem técnica. "Ainda não dá pra ficar satisfeito com as projeções digitais no Brasil. Não existe padronização, em cada lugar que vi esse tipo de projeção, algo dá errado. E o cinemascope é o formato que mais sofre com isso, não quis arriscar".

Coprodução da Símio Filmes (da qual Juliano é um dos sócios) e da Cinemascópio (de Kleber Mendonça e Emilie Lesclaux), Mens sana in corpore sano faz humor negro com os excessos da cultura de academia. O personagem principal é um fisiculturista (Flávio Danilo), cuja obsessão o fez perder o controle sobre seu corpo. A fotografia é impressionante e privilegia a luz e sombra do funcionamento das máquinas, roldanas e músculos superdesenvolvidos.



Entrevista >> Juliano Dorneles: "O corpo humano é a imagem mais recorrente no cinema"

Como surgiu e se desenvolveu a ideia? Desde o começo era pra ser um filme de terror?
Na verdade, na ideia original o filme era bem mais de humor que de horror, tínhamos um narrador que dava explicações científicas erradas e em completa contradição com o que se via nas imagens... A ideia original partiu de uma conversa com um amigo depois de assistirmos a um quadro do programa Hermes e Renato, na MTV. O filme é dedicado à Gil Brother, talvez a figura mais bizarra e engraçada que já vi na TV brasileira.

Antes de tudo, Mens sana é um filme que estuda o corpo e seus movimentos. Como isso se relaciona com seu universo de interesse?
Acho que o corpo humano é a imagem mais recorrente no cinema, somos nós mesmos, o interesse por isso é natural e imediato. Também gosto de histórias épicas, Grécia antiga, essas coisas. Acho que só consigo pensar em filmes onde temos a estrutura da epopeia.

Em que sentido a escolha do cinemascope foi importante para o filme?
Foi fundamental o scope pois, em termos de estética, o que se aproxima mais dessas atmosferas grandiosas, imagens potentes que ocupam a tela inteira no cinema, tudo que tá dentro do universo do protagonista do filme. Conan é cinemascope.

Mens Sana tem narrativa silenciosa, que evita diálogos. Como isso serviu ao teu trabalho?
Foi depois de optar por excluir a figura do narrador, que simplesmente não funcionava. Passei muito tempo na montagem querendo que funcionasse, mas simplesmente não rolou. O filme não perdeu o humor e ganhou sobriedade. Foi mais importante o uso da música, entramos de cabeça no filme de gênero, gostei mais assim. O diálogo, num filme como esse, diminuiria a solidão do protagonista, que para mim, era fundamental para a história.

(Diario de Pernambuco, 02/09/2011)

Primeira noite do Coquetel Molotov foi de Lobão

Lobão reinou absoluto na noite de ontem, a primeira do festival No Ar Coquetel Molotov. Foram quase duas horas de apresentação, em que o compositor carioca demonstrou competência e carisma. O público, que o aguardava desde abril passado, quando uma tempestade inviabilizou o show um pouco antes de o artista subir ao palco, respondeu à altura. Mais da metade se levantou das cadeiras do Teatro da UFPE para dançar e cantar em frente ao palco, junto da banda. Duas pessoas conseguiram invadir o palco, na tentativa de abraçar o ídolo.

A formação da banda, guitarras, baixo e bateria, favoreceu o conceito do rock elétrico que o artista vem investindo nos últimos tempos. O repertório combinou músicas menos conhecidas com sucessos radiofônicos dos anos 1980: Radio Blá, Me chama, Vida bandida, Decadence avec elegance. O bis veio com uma versão para Help, dos Beatles e Corações psicodélicos. “Obrigado, Recife. Foi bíblico”, disse o cantor, no final da inspirada apresentação, às 2h50 da manhã.

Antes, o palco principal recebeu shows de Maquinado (PE), HEALTH (EUA) e Gillemots (UK). O primeiro, projeto solo de Lúcio Maia, não empolgou tanto, talvez por ter feito o show de abertura (começou às 21h15). A concentração de pessoas aumentou para asssistir o performático quarteto HEALTH, da California. O grupo combinou peso instrumental com a leveza dos vocais de Jake Duzsik, causando reação positiva na platéia. Logo depois, o Gillemots trouxe ao palco elementos do britpop melódico, no que foi o show mais bem executado, até que Lobão subiu ao palco.

Entre às 17h e 20h30, o palco montado na Sala Cine UFPE, ao lado do teatro, serviu de aquecimento para o que viria depois. Apesar de terem oferecido bons shows, não havia tanto público para assistir Nuda (PE), Kng Size (PE), M.Takara (SP) e Beans (EUA).

O festival No Ar Coquetel Molotov continua hoje, a partir das 17h, com as bandas Rua (PE), Trio Eterno (PE), Copacabana Club (PR), Hindi Zahra (França), Romulo Fróes (SP), The Sea and Cake (EUA), China (PE) e Racionais MCs (SP). Ingressos estão à venda na bilheteria do Teatro da UFPE, por R$ 40 e R$ 20 (meia).

(Diario de Pernambuco, 15/10/2011)

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Cai The Fall, sobe Lobão

A programação principal do festival No Ar Coquetel Molotov começa hoje, marcada pela troca repentina de atração principal. Cai The Fall, sobe Lobão. Em comunicado oficial, os produtores do Coquetel se disseram “chocados e tristes” com o cancelamento da banda de Manchester. Aos que compraram bilhetes somente para assistir aos ingleses, podem ter o dinheiro de volta até hoje, na bilheteria do Teatro da UFPE. De qualquer forma, a opção de permancer com os mesmos é altamente recomendável. Além de Lobão, a noite ainda reserva boas atrações como o projeto Maquinado, de Lúcio Maia, e as indies HEALTH (EUA) e Guillemots (UK).

De acordo com Ana Garcia, uma das organizadoras do Coquetel, a rejeição tem sido mínima. “Até agora trocamos só dez ingressos. E desde o anúncio de Lobão, a repercussão ficou maior”. Lobão, como o novo âncora, finalmente fará as pazes com o público do Recife. “Estamos na maior felicidade em saber que vamos tocar no Recife”, tuitou o compositor carioca, anteotem. “A gente está com aquele show cancelado no último instante entalado na garganta”, escreveu ainda, a respeito de seu último show na cidade, marcado para acontecer na Concha Acústica da UFPE e cancelado por uma combinação de transtornos climáticos e falta de organização. Agora, protegida pelo espaço fechado do teatro universitário, a alegria deve estar garantida.

A entrada de Lobão não pretende suprir a ausência do The Fall, até porque isso seria impossível. “O festival ficou um pouco mais pop. O The Fall é menos conhecido, uma banda ao mesmo tempo cultuada e imprevisível, capaz de fazer coisas desse tipo, como cancelar na última hora E o Lobão também é roqueiro, tem pegada punk, de rebeldia”, avalia Ana, que agora comemora a mudança refletida no aumento da venda dos ingressos.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Racionais em show imperdível

A presença dos Racionais MC’s no Recife faz do festival No Ar Coquetel Molotov o melhor programa do próximo sábado à noite. O grupo de rappers do Capão Redondo já fez shows em outros teatros parecidos com o da UFPE, mas no Recife será a primeira vez que o poder incontestável de sua apresentação, capaz de levar o público ao transe coletivo, poderá ser experimentado em um palco, digamos, classe média. Eles acabam de sair do estúdio, o sexto álbum deve nascer no começo de 2012 e a expectativa é de que o show traga algo do primeiro disco de inéditas após dez anos de jejum - o último lançamento, de 2006, foi 1000 Trutas, 1000 Tretas, gravado ao vivo.

No entanto, a promessa é a de uma noite de clássicos obrigatórios como Diário de um detento, Fórmula mágica da paz, Capítulo 4, Versículo 3 e Mágico de Oz, todas do álbum Sobrevivendo no inferno, de 1997. Quem garante é Paulo Eduardo Salvador, codinome Ice Blue, que com o primo Mano Brown e os parceiros KL Jay e Edy Rock fazem o núcleo original dos Racionais. Em conversa por telefone, ele diz ao repórter que a presença do grupo em teatros é sinal de evolução. “A banda está há 22 anos na ativa e a melhora do lugar tem a ver com o patamar diferenciado que ocupamos em relação a outras bandas de rap”.

Ice Blue é conhecido por conciliar a ação social e o tino para negócios. Além de organizar um festival de hip hop em São Paulo, ele leva novos talentos do gênero em shows pelo Brasil. “É uma forma de preparar a nova geração”. Ao mesmo tempo, ele mantém a própria grife de roupas. “Nosso discurso sempre foi o de não ficar só reclamando, e fazer pelos nossos. Isso pode ser na música ou no futebol. Pode ser abrindo uma loja ou até uma padaria. Estou com 42 anos, tenho filhos e a consciência de que não vamos viver de música a vida toda”.

Sobre o trabalho novo, ele diz que se a dinâmica de criação coletiva permanece, mas o resultado é novo. “Foram vários anos sem gravar, aconteceu muita coisa, o Brasil mudou, a periferia também. Quando começamos a fazer rap, a periferia passava mais vontade, poucas coisas eram possíveis. Com o governo de esquerda isso mudou e agora se reflete numa evolução musical”.

A relação dos Racionais com a internet também está prestes a mudar. Com o lançamento do novo álbum, vai ao ar o www.racionais.tv, plataforma que disponibilizará material em vídeo, shows e clipes do grupo. “Já estamos muito na internet, Youtube, programas de troca de arquivos. Queremos uma relação mais próxima com esse público”, diz Blue.

Já a postura estabelecida com a imprensa continua a mesma desde que os Racionais surgiram, em 1988. Entrevistas são escolhidas a dedo, ou por exigência de produtores. “Muitas vezes a imprensa esquece que o artista é um ser humano como qualquer outro, que tem familia e uma vida que não pode ser invadida”. Em plena cultura da superexposição, essa postura contribui não só para preservar a coerência crítica e a privacidade dos integrantes, como para aumentar a aura de um dos grupos mais cultuados do Brasil.

(Diario de Pernambuco, 13/10/2011)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A educação salva



“A humanidade é 90% formada por imbecis e o paraíso deles é a internet”. A afirmação contundente é de Ziraldo, 78 anos, criador de um universo de personagens que marcaram o imaginário brasileiro, entre eles o Pererê, A Supermãe, Mineirinho e Jeremias, o bom. No entanto, o mais emblemático, que atravessa gerações é o Menino Maluquinho, que rendeu duas adaptações cinematográficas de sucesso, a primeira de Helvécio Ratton, em 1994; a segunda, em 1999, por Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto.

Dele derivou o livro ilustrado Uma professora muito maluquinha (Melhoramentos), que acaba de ganhar reedição especial, motivada pela versão para o cinema está em cartaz. Dirigida por André Alves Pinto (sobrinho de Ziraldo) e César Rodrigues, a produção da Diler & Associados (responsável por filmes de Renato Aragão e Xuxa) remete ao espírito dos filmes antigos, aqueles que trazem mensagens construtivas, transmitidas pela emoção. No caso, a de que a escola pode ser um ambiente bem melhor para alunos e professores. Com Paola Oliveira no papel principal e participação especial do próprio Ziraldo, o filme é sobre como essa relação pode ser mais saudável.

“Enquanto o problema da educação não se resolver, vamos continuar batendo de frente”, disse Ziraldo, em palestra no último Festival de Brasília. A afirmação pode parecer óbvia, mas tão urgente quanto o problema da fome. “A escrita é o nosso sexto sentido. Temos que estabelecer o compromisso de que, a partir de hoje, não cresçam mais crianças analfabetas no país”.

Para ele, o mau uso da internet pode ser corrigido pela educação, pela palavra impressa. “A educação precisa ser pelo livro. Não adianta colocar internet na mão da criança. A palavra gravada mudou o mundo. Em 1500, o ser humano andava de charrete. 500 anos depois de Gutemberg, ele pisa na Lua. Não pode ser coincidência”.

Mas por que ambientar a história nos anos 1940? “Foram os anos em que cresci”, disse o escritor, em conversa com o Diario. “É uma década esquecida pelas artes. Os 1950 foram os anos dourados e os 1960, da revolução. Os 1940 ficaram de lado, marcados pela guerra”. E é uma boa forma de constatar que pouco se avançou em termos de educação.

Antes de tudo, o autor enxerga o filme como uma pequena história de amor para a família. “Somos filhos dos nossos pais, mas só ficamos prontos depois de passar pela professora. Escrevi o livro para levantar o amor próprio da professora brasileira. Para ela se perguntar ‘se eu posso ser isso, por que não sou’?”

(Diario de Pernambuco, 12/10/2011)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

São Luiz com projeção de DVD

Encerrada domingo, a mostra Play The Movie do Coquetel Molotov trouxe uma ótima seleção de filmes ao Recife. Por um lado, acertou em cheio ao lotar o Cinema São Luiz na última terça-feira, no cineconcerto O mágico de Oz. Mas, de forma geral, as condições em que foi realizada estão longe das ideais.

A exibição de Gretchen filme estrada, por exemplo, foi interrompida por problemas técnicos e a sessão de Daquele instante em diante foi antecipada em 30 minutos, sob justificativa de que funcionários do cinema não poderiam ficar até o horário previsto. Isso confundiu parte do público que aguardava na frente do cinema, quando o filme já havia começado.

No entanto, o principal problema foi a baixa qualidade da projeção digital, como ocorreu na projeção de A alma do osso, de Cao Guimarães. Isso aponta para um entrave maior: a falta de equipamento adequado para exibições do tipo no Cinema São Luiz. Em plena era da troca de arquivos em alta definição, não dá pra sair de casa e aturar a imagem “lavada” por insuficiência do projetor aliada à qualidade de DVD.

Após investimento de quase R$ 4 milhões para restaurar e adquirir o São Luiz, não seria absurdo esperar que o governo o equipasse à altura. Ou isso, ou ele continuará sendo um cinema público que ignora 90% da produção patrocinada pelo próprio estado.

(Diario de Pernambuco, 11/10/2011)

Festival Janela anuncia os curtas


Dia estrelado, de Nara Normande, estreia no festival

O festival Janela Internacional de Cinema do Recife anunciou ontem os curtas-metragens a serem exibidos em sua quarta edição. São 60 títulos de 17 países, selecionados pelos organizadores do evento, Emilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho, em curadoria coletiva feita com Luiz Otávio Pereira, Fernando Vasconcelos, Rodrigo Almeida, o repórter do Diario Luís Fernando Moura e Lis Kogan.

A seleção contempla o que há de melhor e mais relevante na produção recente, como Oma (SP), de Michael Wahrmann, e Raimundo dos Queijos (CE), de Victor Furtado. Além disso, lança obras inéditas como a animação stop-motion Dia estrelado, de Nara Normande, e Zenaide, de Mariana Porto, versão estendida do curta feito para o projeto Olhares sobre Lilith.

A seleção ainda traz para o Recife curtas locais que permaneciam inéditos na cidade, como Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Corpo presente, de Marcelo Pedroso, Ela morava na frente do cinema, de Leonardo Lacca, e Quarteto simbólico, de Josias Teófilo. Na competição internacional estão curtas de Gustavo Jahn & Melissa Dullius (Cat Effekt) e Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes (Incêndio).

A 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife ocorre de 4 a 13 de novembro no Recife, com projeções no Cinema da Fundação e no São Luiz, que receberá uma retrospectiva do diretor Stanley Kubrick, inédita no Brasil.

(Diario de Pernambuco, 11/10/2011)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

De Einstein a Fukushima: Picuí



Questões atômicas têm sido recorrentes no cinema contemporâneo. No último festival de Berlim, o longa de ficção russo Um sábado inocente (V Subbotu) tratou dos efeitos emocionais nos operários de Chernobyl, no dia em que o reator explodiu - 2011 marca os 25 anos do famoso desastre. O tema nunca saiu da pauta mundial, mas o recente caso de Fukushima, no Japão, levou a um grupo carioca a criar o Urânio em Movimento - Festival Internacional de Filmes sobre Energia Nuclear, que este ano teve itinerância por seis cidades (Recife incluído) e já prepara a segunda edição.

Mas não seria exagero todo um festival dedicado ao tema? Nem tanto. “O assunto voltou, estava meio esquecido, mas sempre foi atual”, diz Tiago Melo, um dos diretores do curta-metragem Urânio Picuí. O documentário, que estreia hoje na Mostra Premiére Brasil do Festival do Rio (Cine Odeon, Cinelândia), revisita a incrível hipótese de que o urânio retirado das minas de Picuí e Parelhas, no interior paraibano, teria sido utilizado na montagem das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.

“Não tenho dúvida de que o exército norte-americano extraiu urânio de lá. Se usaram para a bomba, eu não sei”, diz Tiago. Para ele, importa menos a busca pela verdade e mais o impacto que a operação gerou no imaginário da população local. No filme, mineradores e outros que conviveram com os visitantes gringos falam sobre casos de câncer, mutações genéticas e atividade alienígena: até os ETs querem o urânio de Picuí.

Sete anos atrás, bem antes do tema voltar à tona, Tiago já havia escrito o argumento para o curta. “É a cidade do meu pai, então é uma história que ouvia desde criança. Depois, já fazendo cinema, pesquisei e percebi a dimensão da história. Convidei Antônio Carrilho, com quem já havia trabalhado antes, para escrever o roteiro e fazer a codireção”. Entre a pré-produção e a filmagem, foram sete meses de convivio com as cidades, o que permitiu à equipe uma relação próxima com os entrevistados.

Mas Urânio Picuí não se concentra só nos depoimentos e “causos” dos que viveram aquela época, intercaladas com trechos de antigos filmes sobre ações militares feitos em Hollywood. Ele tem sequências ficcionadas e se interessa pelos efeitos reais do urânio sobre as pessoas, como o minerador quase cego que conta sobre o pai que morreu soterrado. Ou o cientista especializado no tema, que desmistifica os supostos males provocados pelo uso indevido das pedras.

Apesar de jovem, Tiago Melo não é um realizador estreante. Em 2003, havia dirigido o curta de ficção Um homem que viveu metade da vida e a outra metade passou relembrando. Em 2005, fez um documentário sobre a chegada do telefone celular em Picuí. “Ele passou em dois festivais e depois parei para investir no Urânio Picuí. Como assistente de direção, trabalhou em Febre do rato, de Claudio Assis e O presidente dos Estados Unidos, de Camilo Cavalcante. Como produtor, dos inéditos Jardim Atlântico , de Jura Capela, Todas as cores da noite, de Pedro Severien, ambos em finalização e Boa sorte, meu amor, de Daniel Aragão, atualmente em produção.

Urânio Picuí foi produzido com R$ 70 mil captados pelo edital Ary Severo (governo do estado) e SIC municpal, mais R$ 35 mil desembolsados pelo próprio Tiago. As prefeituras de Picuí e Parelhas também foram apoiadoras.

Ficha Técnica

Elenco
Dona Rita, Zé de Berto, Gersino, Bododa,Vidal, Antônio de Nego Biu, Inácio Zacarias, Nozinho dos Santos e Ebenézer Moreno

Produção Executiva
Tiago Melo

Roteiro
Tiago Melo e Antônio Carrilho

Fotografia
João Carlos Beltrão e Camilo Soares

Montagem
André Sampaio

Som
Pedro Moreira

Direção de Arte
Mozart Gomes

Trilha Sonora
Vitor Araújo

(Diario de Pernambuco, 10/10/2011)

Coquetel Molotov amadurece

Há dez anos, um grupo de jovens estudantes de jornalismo fundou o Coquetel Molotov, um programa de rádio sem pretensões maiores do que procurar e compartilhar informações sobre música. Eram apenas garotos de 20 anos, que não imaginavam que, ao chegar aos 30, seriam os organizadores de um dos melhores festivais do país.

“Tudo evoluiu de forma natural”, conta Jarmeson de Lima. Quando ele entrou na turma, Tathianna Nunes já fazia parte do Coquetel Molotov, ao lado de Thiago Marinho e Viviane Menezes. “Depois que entrei, descobriram que eu tinha discos bacanas”, lembra Ana Garcia. Thiago saiu em 2004, depois Viviane. Àquela altura, já estavam com o site no ar, a revista piloto e os louros de terem trazido a banda escocesa Teenage Fanclub pela primeira vez ao Brasil.

“A gente quis mostrar que é possível fazer as coisas do nosso jeito. Não dava para depender de dois ou três produtores ou de eventos promovidos pelo poder público”, conta Jarmeson. Mais do que possível, o Coquetel Molotov provou ser um sucesso. Ana evita definir o atual núcleo como um coletivo. “Somos três produtores que trabalham com vários colaboradores, diretores de arte, artistas, assistentes, técnicos, roadies, mais de vinte voluntários. Somando, são mais de 50 pessoas na equipe”.

Há cinco anos que o festival opera no limite, com ingressos esgotados. O recorde de público foi em 2009, com o Teatro Guararapes lotado para os shows de Beirut e Milton Nascimento e Lô Borges. Ano passado, os dois mil lugares do Teatro da UFPE não foram suficientes para receber o público de Otto. Outros grandes momentos: Coco Rosie (2006), Dinossaur Jr (2010) e Marcelo Camelo (2008), que escolheu o festival para estrear carreira solo.

Sim, o Coquetel Molotov cresceu. Este ano, são mais de 20 logomarcas a ocupar suas peças de mídia. Ele ainda pode ser chamado de indie? Pode, por servir de abrigo para artistas que assumem a carreira de maneira independente. E também por continuar garimpando bandas estrangeiras que, de outra forma, jamais se apresentariam ao Recife. “Mas nada de reducionismos”, pede Ana.

“Ele ficou diversificado, está mais com cara de festival. Em 2004 ele parecia uma festa para gente. Hoje, a base permanece e ele continua sendo feito com muito carinho, mas temos uma preocupação maior com a cidade, com o público”.

A divisão do trabalho existe, mas na prática, todos fazem de tudo um pouco. “Jarmeson assume o programa de rádio e a parte administrativa. Tathianna a faz a comunicação e lida com a parte institucional, com os patrocinadores. E fico com as bandas, apesar da curadoria passar pelos três”. Foi assim como o The Fall, banda ícone do pós-punk inglês, sugerida por Jarmeson. “Fizemos um brainstorm do que seria possível e o The Fall surgiu como uma banda importante que permanece na ativa, que desde 1989 não vem ao Brasil e que continua fazendo coisas novas. Por que não chamar?”

Além dos ingleses, as atrações principais do No Ar 2011 são Racionais MCs, The Sea and Cake, Rômulo Fróes, Maquinado, Guillemots, Health e China, que se apresentam no próximo fim de semana, no Teatro da UFPE. Ana Garcia diz que os planos mudam no caminho, mas que está satisfeita com a grade. “The Sea and Cake, eu venho paquerando há uns três anos, mas só agora deu certo. E os Racionais tem o melhor show que eu já vi. É legal ter uma banda forte assim no teatro”.

Show

O No Ar é o ponto alto da programação que engloba música, cinema, artes plásticas e moda. Começou no mês passado, com oficinas, debates, exposição de cartazes no Memorial Chico Science e shows no Pátio de São Pedro. E pelo segundo ano, haverá etapa em Salvador, nos dias 11 e 12, com atrações próprias, como Tom Zé, Retrofoguetes, Mombojó, O Círculo e Mundo Livre S/A, Health, Guillemots, The Fall.

Agenda

Sábado | 15 out

17h — Sala Cine UFPE
Nuda (PE)
King Size (PE)
Rodrigo Brandão e M.Takara (SP)
Beans (EUA)

21h — Teatro da UFPE
Maquinado (PE)
HEALTH (EUA)
Guillemots (UK)
The Fall (UK)

Domingo | 16 out

17h — Sala Cine UFPE
Rua (PE)
Trio Eterno (PE)
Copacabana Club (PR)
Hindi Zahra (França)

21h — Teatro da UFPE
Romulo Fróes (SP)
The Sea and Cake (EUA)
China (PE)
Racionais MCs (SP)

Serviço
No Ar Coquetel Molotov
Quando: 15 e 16 de outubro, a partir das 17h
Onde: Teatro da UFPE (Cidade Universitária)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia), 1º lote; e R$ 40 e R$ 20 (meia), 2º lote
Informações: www.coquetelmolotov.com.br

(Diario de Pernambuco, 10/10/2011)

sábado, 8 de outubro de 2011

Território do cinema



Após extensa carreira em festivais, estreia hoje o longa Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro. Como tudo o que vem fazendo, o diretor de Um lugar ao Sol e As aventuras de Paulo Bruscky, fica difícil definir o que é ficção e o que é documentário na nova obra. A única certeza é a de que seus personagens se encontram em uma geografia somente permitida no território do cinema.

Sob o argumento de registrar as mudanças recentes ocorridas no bairro de Brasília Teimosa, o projeto de Mascaro foi aprovado em 2007 no edital para documentários DOC TV. No entanto, o filme se construiu como obra autônoma, que utiliza recursos de linguagem na intenção de confundir percepções do que é real e o que é representação.

Se ao assistir ao cotidiano do garoto Caio, do cinegrafista amador Phábio, da manicure Débora e do pescador Pirambu, encontramos atitudes comuns à maioria dos recifenses, o jogo de luzes, a captação de som e a fotografia elaborada nos levam a questionar até que ponto tais cenas são espontâneas, ou “naturais”. É a partir desse estranhamento que, tênue, o filme se equilibra.

Avenida Brasília Formosa chega a várias capitais através da Sessão Vitrine, que no Recife tem como parceiro o Cinema da Fundação. Atenção para os horários, pois as poucas sessões acontecem hoje, amanhã e terça-feira. Antecede o curta Material bruto, de Ricardo Alves Júnior.



Mudança de rumo - No filme, ele trabalha num restaurante e faz frilas editando videos. Tem vida religiosa ativa e gosta de dançar. Mas nem a casa em que habita no filme, em Brasília Teimosa, ou o restaurante fazem parte do cotidiano de Phábio Mello. Na verdade, ele mora no bairro ao lado, o Pina. E se na época fazia bico como garçom, hoje, aos 26 anos, vende produtos de segurança eletrônica. E nos fins de semana, filma e coloca som em eventos.

Quando foi convidado para participar do filme, Phábio pensou que não precisaria sair da rotina. Quando percebeu que precisaria interpretar um personagem, aceitou, mas durante o processo pensou em desistir. “Não conhecia Brasília Teimosa por dentro. No começo achei legal, mas tinha outros compromissos. Aí chegamos num acordo de gravar somente no tempo livre”.

Desde o começo do ano, Phábio tem viajado, representando o filme em festivais: Tiradentes, Salvador, Triunfo, São Luís, Belo Horizonte. A experiência mexeu com seus planos. “Depois que minha foto saiu nos jornais, cresceu a demanda para filmagens. E despertou a vontade de fazer um curta. Vou pegar umas dicas com o Gabriel”.



Conversa de pescador - A bordo de seu barco, Pirambu atende o telefone e conversa com o repórter. Na época da filmagem, o pescador vivia no Conjunto Habitacional construído no bairro do Cordeiro, para onde foram transferidos os moradores das palafitas. Pirambu é Alexandro José de Olivera, 35 anos. Diz que gostou do filme, que se sente bem representado. A única diferença é que ele voltou a morar em Brasília Teimosa. O apartamento ficou com a tia. “Eu tenho um barco de pesca, não dá pra morar naquele meio de mundo. Meu trabalho é aqui”.

No mais, Pirambu diz que continua com a mesma vida de quando foi convidado para participar do filme. Nada de estranhar os equipamentos ou o movimento da equipe. “Já participei de várias reportagens para a TV sobre o dia a dia no mar. E a conversa dos pescadores é aquela mesma, só não é aquela parte de falar de mulher, não é assim não, era só a gente puxando conversa pra fazer a cena”, brinca. Quando soube a data em que seria publicada esta reportagem, ele lamenta não poder conferir o jornal. Pirambu está no alto mar e só volta em 10 dias. O nome do seu barco? "Deus Todo Poderoso".



Manicure extrovertida - “Aquilo ali é a minha realidade, o meu dia a dia, muito pouco foi mexido”, conta a manicure Débora Leite. Muito pouco? “Algumas coisas que eu falei, na forma de agir e a festa que a gente foi. Não frequento aquele barzinho. No mais, foi natural, não fiz cena”. Se a vontade de participar do Big Brother surgiu como proposta da produção, aos poucos foi sendo assumida por Débora como um desejo real, a ponto de ter mandado o vídeo para se inscrever no programa global, no ano passado. “A experiência de fazer o filme foi ótima, sou extovertida, adoro aparecer. Estou pensando em enviar o vídeo novamente este ano”.

De 2008 pra cá, Débora continua vivendo e trabalhando no mesmo lugar, o Salão Belas Unhas, que ontem completou 12 anos. “A única mudança na minha vida foi ter trocado de namorado”. Sobre a forma como Brasília Teimosa é apresentada no filme, a manicure de 32 anos diz que o bairro tem coisas bem melhores para se mostrar. “Por conta da compra dos terrenos ao redor, ele está menor do que antes, mas continua a mesma coisa em termos de comunidade”.

(Diario de Pernambuco, 08/10/2011)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

À mestra com carinho



No contexto de violência em que as salas de aula tem sido profanadas, um filme como Uma professora muito maluquinha (BRA, 2011) pode soar um tanto deslocado. E talvez por isso mesmo, necessário. A obra foca na relação de afeto entre a professora Cate (Paola Oliveira) e uma turma de infantes do ensino público.

Dirigida por André Pinto (sobrinho de Ziraldo, autor do livro) e César Rodrigues, a produção está ambientada nos anos 1940, em cidadezinha do interior de Minas Gerais. Tempo-espaço distante o suficiente para que nele se depositem todas as utopias. Na média, é um filme bem confortável, que remete à ingenuidade das comédias antigas e pode ser habitado sem medo.

Já a mensagem é urgente e defende algo mais do que a harmonia professor-aluno, por questionar métodos tradicionais de ensino como o sistema de avaliação por notas. Pela empatia que desperta nas crianças, Cate é observada com desconfiança pelas demais professoras, reduzidas a repressoras e infelizes fofoqueiras, todas de olho no potencial romance da rival com o padre Beto (Joaquim Lopes), o diretor da escola.

Cai bem a presença de Chico Anysio, como o sábio monsenhor, assistido por um Aramis Trindade bem próximo ao Batista, o coroinha de Irmão Carmelo, criado por Jô Soares nos anos 1980. Com sombrancelhas pretas e bigodinho que evocam Monteiro Lobato, o próprio Ziraldo faz ponta como o gerente do cinema onde a professora leva a classe para assistir Cleopatra.

Para os adultos, é nostalgia garantida. E o elogio à leitura e à sala de aula como espaço afetivo garante a adesão dos professores. Mas com tantas referências ao passado, Uma professora muito maluquinha funcionará com as crianças? A conferir.

(Diario de Pernambuco, 07/10/2011)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Szafir e o profeta Elias

Elias, o profeta do Antigo Testamento, terá uma versão contemporânea dirigida por Guilherme de Almeida Prado. O diretor, que estreou em 1981 com o filme As taras de todos nós e ganhou fama em 1988 com A dama do Cine Shanghai, foi convidado pela produtora recifense Anjoluz Filmes para realizar A palavra de Elias, protagonizado por Tuca Andrada. No entanto, o nome mais famoso é o de Luciano Szafir, que aterrissa na capital amanhã de manhã. Ele será Acabi, o rei politeísta que, no roteiro assinado por Prado e Tarciana Oliveira, retorna como o dono de uma emissora de TV.

As filmagens começaram na última segunda-feira, em Nova Jerusalém, e incluem sequências no Recife e Vale do Catimbau. Além de Szafir e Andrada, o elenco conta com Regina Remensius, Karina Barum, Rubens Teixeira e Germano Haiut. A fotografia é de Roberto Yuri. A direção de arte, de Luiz Rossi; O figurino, de Beto Normal. A montagem será de João Maria.

Prado, que não tem inclinação religiosa, descreve a história como um drama de inspiração bíblica, com elementos de comédia, trazido para os tempos atuais. “Há momentos de realismo mágico, que não chega a ser fantástico. Mas não vai ter ninguém de saias romanas andando por aí. São temas atu-ais como a indústria da seca, o uso da mídia, assuntos que já estão na Bíiblia, que também é uma história política do povo de Israel”.

De acordo com a produtora executiva, Zitah Oliveira, a ideia é gerar um produto para TV e DVD, mas uma edição para cinema não está descartada. Ela quer que A palavra de Elias seja o primeiro de uma série de adaptações. A próxima será A palavra de Eliseu, que susbstituiu Elias quando foi arrebatado para o céu em uma carruagem de fogo. Zitah, que é da Assembleia de Deus, não soube precisar o orçamento com que trabalha a produção, mas garante que não há patrocínio institucional.

(Diario de Pernambuco, 06/10/2011)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Coluna de lançamentos + notas de bastidores + "eu indico" da semana



Filme socialismo (França, 2010). De Jean-Luc Godard. 101 minutos. Imovision.

Aos 80 anos, o diretor francês oferece outra obra vigorosa e sem concessões. Como as ondas do Mediterrâneo por onde cruza o navio repleto de turistas que passam pelo Egito, Palestina, Odessa, Hellas, Napoles e Barcelona, Godard coloca imagens como derivações de seu pensamento estético e político sobre os descaminhos da humanidade. A completa liberdade com que o faz o reafirma como um dos maiores criadores do cinema.


Thor (EUA, 2010). Kenneth Branagh. 110 minutos. Paramount.

O dilema sheakespeareano orquestrado por Branagh conta a origem de mais um heroi Marvel, de olho na chegada de Os Vingadores em 2012. Em Asgard, o poderoso Thor (Chris Hemsworth) desobedece o pai Odin (Anthony Hopkins) e cai na provocação de inimigos do reino vizinho. Como castigo, seu pai o envia à Terra para aprender a ser menos arrogante. Lá ele encontra a cientista Jane Foster (Natalie Portman), que o ajuda a recuperar o martelo Mjolnir. Pena que o roteiro a reduza a um mero bibelô.



Uma manhã gloriosa (Morning glory, EUA, 2011). De Roger Michell. 102 minutos. Paramount.

Comédia crítica sobre bastidores da TV traz um Harrison Ford ranzinza como âncora de programa matinal de notícias. Entre receitas de bolo conduzidas por Diane Keaton e ouras amenidades, ele conta com a admiração da idealista mas atrapalhada nova produtora (Rachel McAdams) para enfrentar uma equipe preguiçosa para exercer o jornalismo com dignidade.

Bastidores

Imperdível - Em novembro, um paraíso cinéfilo se instalará no Cinema São Luiz. É quando a 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife promove uma retrospectiva de Stanley Kubrick inédita no país. Todos os filmes do diretor serão exibidos, com destaque para Laranja macânica, que completa 40 anos em versão restaurada em digital 4k.

Set - Três novos filmes de ficção estão em pleno vapor no Recife: Boa sorte meu amor, longa de estreia de Daniel Aragão (Símio Filmes); o curta Um Dia de Veraneio, de Henrique Paiva (Página 21); e Tatuagem, primeiro longa de Hilton Lacerda (REC Produtores), que está em preparação em Olinda.

Infantil - Começa na próxima quarta-feira o 9º Festival Internacional de Cinema Infantil. São mais de 100 filmes de 20 países, entre eles a ótima animação, Ponyo, de Hayao Miyazaki, que será debatido na sessão Pequeno Jornalista. No Cinema da Fundação.

Roteiro - De 25 a 28 de outubro, a roteirista mexicana María Escandón dará oficina no Recife. Sua obra mais conhecida é Santitos, traduzido para 22 idiomas e lido em 86 países. A oficina é gratuita, com limite de 25 vagas. Quem promove é o Centro Audiovisual Norte-Nordeste, sediado na Fundaj.

Residência - Com o curta As aventuras de Paulo Bruscky, Gabriel Mascaro foi contemplado pelo festival VideoBrasil (SP) com o prêmio de residência artística Videoformes, em Clermont-Ferrand, França.

Eu indico
Recomendo que assistam a trilogia O poderoso chefão (1972, 1974, 1989), de Francis Ford Coppola, seguidos e sem intervalo. São filmes muito bem produzidos e as interpretações são tão boas que chegam a dar agonia!

Oswaldo Montenegro, compositor

(Diario de Pernambuco, 06/10/2011)