sábado, 22 de outubro de 2011
Alma Mambembe
Nada mais especial do que a pré-estreia recifense de O palhaço, segundo longa dirigido por Selton Mello, acontecer dentro da programação do 7º Festival de Circo do Brasil. Mais ainda, no Cinema São Luiz, um dos últimos cinemas de rua do país e que nos anos 1970 e 1980 recebeu shows dos Trapalhões, que vinham à cidade promover seus filmes. Estrelado pelo próprio Selton, O palhaço é uma bela homenagem aos artistas de circo, foco na trupe mambembe que viaja pelo interior de Minas Gerais. O longa estreia no dia 28. A sessão de hoje conta com a presença do diretor, da produtora Vânia Catani e de parte do elenco: Fernanda Barbosa, Alessandra Brantes, Kuxixo e Luiz Alves Pereira Neto, o Ferrugem.
Premiado quatro vezes em Paulínia (direção, roteiro, figurino e ator coadjuvante para Moacyr Franco), O palhaço conta a história de Benjamin (Selton), o palhaço Pangaré, que nasceu no Circo Esperança e pela primeira vez entra em crise vocacional. Perdeu o gosto pelo picadeiro, sempre que pode contempla o infinito e desenvolveu uma estranha fixação por ventiladores. Por um lado, a condição de herdeiro o oprime - seu velho e cansado pai (Paulo José), o palhaço Puro Sangue, já não pode cuidar do circo sozinho. Por outro, a paixão por uma garota o faz perceber que o mundo é maior do que pensava.
Se na busca Benjamin está a alma do filme, o corpo está na forma sensível com que o mundo do circo e das cidades pequenas são mostrados. Ao contrário do sombrio Feliz Natal, seu primeiro longa, as cores de O palhaço são quentes e os cenários, quase sempre iluminados. A fotografia é moderna, mas também lembra a de filmes antigos, de acordo com o viés nostálgico, que remete à infância. Nesse sentido, contam a favor as participações de Tonico Pereira, Ferrugem, Jorge Loredo (o Zé Bonitinho) e Moacyr Franco no papel de delegado, uma das melhores sequências do filme.
Como diretor, Selton demonstra ter evoluído para uma linguagem mais acessível, sem abrir mão de uma narrativa inteligente, sutil e bem-humorada. Momentos cruciais se resolvem diálogos precisos, onde o principal está no silêncio. É o movimento circular do ventilador como metáfora para a reticência existencial, que revela a melancolia naquele cuja função é fazer rir.
Entrevista >> Selton Mello: "Queria falar sobre o peso e a beleza que o destino exerce na busca de cada um"
A pré-estreia no Recife será especial, integra a programação do Festival de Circo.
Será uma honra exibir o filme dentro do Festival de Circo. Estou ansioso para ver como irão receber nosso filme, que foi algo feito com muito carinho e enorme pesquisa sobre o universo circense, que enaltece o trabalho de todos que vivem do circo no Brasil. E é sempre um prazer estar no Recife, cidade que adoro, e poder sentir como o filme chegará nos corações dos artistas circenses e no público pernambucano.
O elenco traz artistas novos e outros conhecidos. O que o orientou na escolha?
Gosto de misturar nomes consagrados com desconhecidos, como é o caso de Giselle Motta, com experiência em circo e estreando em cinema. Outro que estreia no cinema, aos 75 anos, é Moacyr Franco. Uma honra pra mim, ser o responsável pela estreia desse grande ator. Gosto também de atores em papéis inusitados: Fabiana Karla, atriz fabulosa do Zorra Total, faz uma participação singela e bem poética; Teuda Bara, do Grupo Galpão, interpreta Dona Zaira, a mãezona da trupe.
O filme concilia um incrível respeito pelos artistas do riso. O circo está diretamente ligado à sua vida pessoal e profissional ou ele se restringe a algo puramente simbólico, do picadeiro como metáfora para a vida?
Perfeita sua colocação, trata-se de uma metáfora para a vida. Através dos olhos de um palhaço poder falar de coisas que são caras a todos, destino, o que fazemos com nossas vidas. O filme fala sobre escolhas, sobre vocação, mas é também uma homenagem à família circense. Mas, na minha carreira, nunca havia interpretado um palhaço. Nem eu nem Paulo.
Pangaré, o palhaço que supera uma crise vocacional, é uma autorreferência a seus dilemas, pessoais ou profissionais?
Sem duvida me identifico com Benjamim e suas questões, mas não é autobiográfico, meus dilemas pessoais não renderiam um filme, ou melhor, renderiam um filme em que eu sairia no meio (risos). Queria discutir o lugar no mundo de um indivíduo a partir de suas escolhas, de seus dilemas. Queria falar sobre o peso e a beleza que o destino exerce na busca de cada um.
A presença de Paulo José como o pai de Benjamin pode ser entendida como uma projeção de sua condição perante ele. Você se sente filho (ou herdeiro) do ator?
Paulo José é um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. A convivência com ele é sempre rica,um aprendizado a cada dia da beleza de minha profissão. Se esse filme fosse feito há 30 anos o Paulo seria o intérprete perfeito do Benjamim. Quando crescer eu quero ser o Paulo José.
Pangaré lembra aquela imagem do palhaço triste, que deixa escorrer a lágrima. Você acha que a melancolia é condição inerente ao palhaço?
Essa é uma história clássica que sempre ouvimos. A figura do palhaço triste atravessa gerações. No caso do filme, meu personagem vai descobrindo aos poucos a grandeza do que faz, levar o riso ao espectador é algo nobre. O que mais me chama a atenção nas apresentações que fizemos até agora é que o público reage como se esperasse um filme assim. Fazemos muitos filmes duros, agressivos e poucos são os que se aventuram a realizar uma investigação do lado bendito da vida.
(Diario de Pernambuco, 22/10/2011)
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