sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A água refletida no cinema

Inovador do cinema antropológico e da própria linguagem audiovisual, Jean Rouch (1917-2004) é um dos principais nomes do chamado cinema direto. Vida e obra do documentarista e etnólogo francês são tidos como exemplares e vitais para realizadores em diferentes partes do mundo. No Recife, não são poucos os admiradores, sendo a produtora Vídeo nas Aldeias, cuja metodologia rendeu filmes como Corumbiara e As hiper mulheres, a mais destacada entre os multiplicadores locais do trabalho de Rouch.

Não deve ser coincidência o fato de o Recife ser a cidade escolhida pelo Ateliers Varan, escola de cinema fundada por Rouch em 1981, para iniciar uma série de oficinas sobre o problema da água. As inscrições estão abertas até segunda-feira, pelo site do Laboratório de Imagem e Som (www.ufpe.br/lis) do curso de cinema da UFPE, parceira do projeto junto com a Fundação Gulbenkian. Gratuita, a oficina se realizará entre 5 e 16 de dezembro.

Professora do Ateliers Varan, a brasileira Adriana Komives explica que a experiência do Recife é uma prévia para um curso maior, de três módulos e doze semanas. Desde que se mudou para a França, cursou cinema na Femis, em Paris, onde monta documentários para a TV. Ao Diario, ela conta que montar um atelier Varan no Brasil “é um sonho antigo que agora está se realizando”. (André Dib)

Entrevista >> Adriana Komives: “Acreditamos que o cinema feito assim pode sensibilizar o mundo”

Que princípios norteiam a metodologia do Ateliers Varan?
A metodologia Varan é totalmente baseada na prática. Consideramos que a experiênca fílmica vivida em direto é a melhor formação e por isso os alunos saem para filmar logo no primeiro dia.

Como será a dinâmica do curso no Recife?
Um estágio Varan clássico dura doze semanas e é composto de três partes. O curso em dezembro é preparatório para o clássico. Em duas semanas, a ideia é esboçarmos com os alunos os roteiros e que eles filmem uma sequência que ilustre o projeto. Alguns exercícios permitirão aos alunos um primeiro contato com os princípios do cinema direto, e a discussão em seguida girará em torno de seus enfoques sobre a água. Como o tempo é curto, pedimos aos candidatos que já apresentem sua ideia de filme em uma página. Partindo daí, trabalharemos as noções de personagem, relação, improviso, enfoque, ponto de vista.

O que o cinema direto de Jean Rouch pode acrescentar à discussão sobre a água, que outros filmes não fizeram?
O cinema direto se define nos ateliers Varan como um cinema de relação. Os filmes não são feitos sobre as pessoas, mas com as pessoas. Partindo dessa premissa ética, os filmes tornam-se documentos para sentir e compartilhar um contexto através de histórias. São filmes de imersão em uma realidade, seja ela vivenciada pelo cineasta, seja partilhada durante a aproximação daqueles que se quer filmar. Há troca entre filmadores e filmados, e não vampirização. Acreditamos que o cinema feito assim pode sensibilizar o mundo.

Por que o Recife foi escolhido para inaugurar as os ateliês sobre água?
A questão da água é essencial para o planeta e encontra no Recife um exemplo do desafio que se coloca hoje aos homens; saneamento, abastecimento, regularização do uso, distribuição populacional são algumas das vertentes que os filmes poderão contar, através de personagens reais confrontados de maneira concreta a esse contexto. A água é onipresente na cidade e constitui um dos principais recursos ecológicos e sociais a ser cuidado pelo poder público. Para a organização deste ateliê, esperamos poder nos associar a diferentes organismos ou instituições internacionais que fazem da água sua preocupação principal.

O que será feito do material produzido?
Esperamos criar um fundo documentário, ao longo dos estágios, que proporcionará um diálogo aberto entre os países. Ele poderá ser utilizado por organismos ligados à água, para sustentar suas políticas de sensibilização.

(Diario de Pernambuco, 28/10/2011)

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