terça-feira, 29 de novembro de 2011

A mordida do vampiro



Tem sido cada vez mais recorrente o circuito de exibição brasileiro ter metade das salas ocupadas por um único filme. Somente este ano, tivemos três: em abril, o desenho Rio, de Carlos Saldanha, estreou em 1.024 salas; o último Harry Potter, 915; agora, assistimos à quarta sequência da saga Crepúsculo, Amanhecer - Parte 1, chegar a 1.100 salas do país. Além da onipresença, o blockbuster se tornou a maior abertura da história brasileira - somente no primeiro fim de semana, 1,721 milhão de pessoas assistiram ao romance dos vampiros.

É sem dúvida uma relação bem sucedida entre distribuidores, exibidores e público. No entanto, se duas produções do mesmo porte forem lançadas ao mesmo tempo, teremos de 2.225 salas exibindo dois filmes. No mínimo, uma anomalia. Seria esta uma prática de mercado razoável, ou uma ocupação vampiresca?

Daqui por diante, o parque exibidor receberá lançamentos cada vez maiores e por menos tempo em cartaz. É a forma encontrada pela indústria para obter lucro máximo e driblar a pirataria. Talvez por isso, nos Estados Unidos, a queda na bilheteria de Amanhecer foi de 76% entre as duas primeiras semanas, a maior entre todos os filmes da série. Enquanto alguns comemoram, outros setores reagem. Em seu blog, a Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (www.abraccine.wordpress.com) publicou uma série sob o título “O Crepúsculo do circuito brasileiro”.

Luiz Zanin, crítico do Estadão e presidente da Abraccine, diz que a Argentina cobra imposto progressivo sobre megalançamentos. Aos defensores da não-regulamentação, pergunta: “Não se dão conta de que uma ocupação militar do mercado, como essa, é que é o verdadeiro atentado à livre circulação das (outras) obras?”

Programador do Cinema da Fundação, Kleber Mendonça Filho lembra do modelo francês, que direciona parte das grandes bilheterias para o cinema nacional. “A ideia é tão boa que não vejo sendo usada no Brasil. Imagine, todos torcendo para Amanhecer deixar R$ 40 milhões para a produção local”. Enquanto os vampiros invadiam o circuito comercial, o Cinema da Fundação colocou em cartaz três filmes nacionais, ao mesmo tempo. A partir de sexta, serão 40 produções em dez dias, na Retrospectiva 2011/Expectativa 2012.

“Claro que nunca é bom metade da nação ser coberta por um único filme”, avalia Kleber. “O público pode até gostar, mas o efeito é o de uma escola onde as pessoas são direcionadas para determinada visão de mundo. É como decretar que todo o país vai comer McDonald’s. Do ponto de vista da cultura, não é nada saudável. Mas pode parecer ingenuidade pensar em cultura quando o que existe é o mercado”.

Doutor em sociologia, o professor da UEPB Luciano Albino diz que Hollywood está monopolizando um mercado cada vez maior e ao mesmo tempo, reduzido para a concorrência. “É assim em outros setores da economia, como o automobilístico. Grandes empresas controlam o mercado. Junto com esses produtos está se consumindo uma carga simbólica, um indissociável padrão ideológico. Concorrer com esse padrão é complicado. Mais fácil é juntar-se a ele, como a Globo vem fazendo”.

São pontos estratégicos, que apontam para questões de supremacia. Será que o público de fato escolhe o que vai assistir no cinema? Responde o pensador francês Jean Baudrillard: “a liberdade e a soberania do consumidor não passam de mistificação”.

Blockbusters como aliados?

No mercado há 30 anos, o programador dos complexos UCI Ribeiro Pedro Pinheiro diz que não é comum um filme atrair tanto público fora do período de férias ou feriado prolongado. Ao contrário dos críticos, ele vê os blockbusters como aliados dos demais filmes. “Eles subsidiam os demais. Avatar, por exemplo, subsidiou o mercado 3D e a abertura de novas salas. Isso ajuda os filmes que virão depois. Este ano, Woody Allen bateu recorde de público porque havia mais salas, para ele e para os filmes nacionais. Um bom exemplo é O palhaço, que entrou em 500 salas e fez 1 milhão de espectadores”.

Kleber Mendonça discorda. “Amanhecer traz luxo e riqueza para o mercado, mas não significa que pode ter expansão da variedade. O parque exibidor aumenta para exibir a mesma coisa. Nos anos 1990, o Recife tinha oito salas para Hollywood e nenhum espaço para outros filmes. Hoje temos 44 salas e continua a mesma coisa. Recife é cidade estranha pois tem base de cultura muito forte e o circuito continua pobre, não reflete o perfil de cultura da cidade. Mas público é como água, sempre vai achar maneira de ir atrás do que gosta”.

(Diario de Pernambuco, 29/11/2011)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cabeça na animação, raízes em Pernambuco



Um dos animadores de Happy feet 2 está no Recife. Alemão radicado na Austrália, Matthias Reiche veio à cidade por motivos bastante pessoais: sua esposa é pernambucana e o casal quer que o filho seja brasileiro. Enquanto isso, Matthias segue trabalhando com animação digital. Diz que quer conhecer a cena local e fazer contatos no Porto Digital. “Tenho visto boas animações na TV. Na Austrália isto não é tão comum”.

A Austrália tem crescido como set de cinema. Matthias cita dois grandes exemplos: Matrix e Superman. Diz que os cineastas Baz Luhrman (Moulin Rouge), Philip Noyce (Salt) e George Miller (Happy feet 1 e 2) continuam os maiores nomes do país. E Miller, por muito tempo mais conhecido como diretor da trilogia Mad Max, o mais influente do mercado de desenhos animados. Os estúdios se multiplicam. Há cinco anos, diz Matthias, era apenas um. “Hoje são quatro. Em 2012, serão oito”.

Para realizar Happy feet 2, Miller fundou seu próprio estúdio, o Dr. D, sediado em Sydney. Ano que vem, o diretor deve realizar lá seu Mad Max 4: Fury Road. Happy feet 2 foi praticamente todo feito lá, exceto a sequência inicial, em que a câmera faz um megazoom, do globo terrestre ao vale dos pinguins, e da gravação das vozes, feita em São Francisco, nos Estados Unidos. Seiscentas pessoas foram mobilizadas, de diferentes partes do mundo, sob a direção de arte de Rob Coleman, o mesmo da nova trilogia Star wars.

Durante um ano e meio, Matthias fez parte da equipe que adaptou o movimento de dançarinos de carne e osso para a reduzida estrutura física dos pinguins digitais e transferiu os personagens para diferentes pontos do quadro. “Como editor de animação, recebo o script com os diálogos e as indicações de movimento e preciso tornar crível, fazer o público acreditar que eles não são feitos por humanos, mas por um pinguim”. Com 30 pessoas, a equipe processou cerca de 900 cenas.

São imagens produzidas em escala industrial, onde pouco se vê da mão dos trabalhadores. Mesmo sem tanta liberdade criativa, Matthias conseguiu emplacar detalhes fora do roteiro, como um pinguim bebê que consegue escapar de ser “atropelado” por um Leão Marinho. “O diretor achou engraçado e decidiu manter. Como em qualquer fábrica, são pequenos momentos de diversão”.

Mensagem duvidosa - Happy feet 2 se passa no gelo da Antártida e foi produzido por um estúdio australiano. No entanto é um típico produto norte-americano, que nos últimos anos vem alimentando certa obsessão por pinguins. Em 2006, quando surgiu o desenho que deu origem a esta sequência, já havia Madagascar, que gerou sua própria leva de pinguins. E, um ano antes, o documentário francês A marcha dos pinguins já quebrava recordes de bilheteria. Este ano, antes da volta dos aves dançarinas, Jim Carrey foi ofuscado por outras, em Os pinguins do papai.

Com efeitos realistas, Happy feet 2 é uma bela incursão ao Polo Sul em 3D. A naturalidade dos movimentos se soma a detalhes impressionantes. Há bonitas sequências de dança, que parodiam as produzidas pela indústria de entretenimento. Numa delas, encontramos os felizes pinguins-imperadores, até que uma geleira isola o vale e os impedem de buscar comida.

Cabe a Mano (voz original de Elijah Wood, no Brasil, de Daniel Oliveira), agora um pinguim crescido, seu filho Erik (Yago Machado) e seus primos e amigos Ramon (Robin Williams/Guilherme Briggs) e Amoroso (Robin Williams/Sidney Magal) salvarem a pátria. Incompreendido por não querer dançar como todos, Erik foge e, incentivado por um estranho pinguim voador e de bico colorido, está determinado a voar também. O pai vai buscá-lo de volta, mas a relação está comprometida.

Paira em Happy feet 2 um discurso moral duvidoso, já encontrado em outros desenhos, como Toy story 3. A estratégia não vem de hoje. Vendido como diversão para a família e munido de efeitos digitais impressionantes, os bichinhos reproduzem o modo de vida, valores e padrões da sociedade de consumo.

A sensação de ser diferente e buscar o desconhecido ou desejar o inalcançável são vistos não como legítimos, mas como desvarios da juventude. Ou alucinações, como a do camarão que adquire consciência e desvia do grupo para descobrir que sua espécie não passa de comida para peixes. O mundo é um lugar inóspito para quem ousa ficar longe da asa da mãe, a não ser quando extremamente necessário. Aí, o perigo se torna desafio. Os desviados logo aprendem a lição: assumir “quem você é” e aceitar aqueles que o reconhecem como tal. Estes estão livres para dançar, em alegre conformismo.

(Diario de Pernambuco, 28/11/2011)

domingo, 27 de novembro de 2011

Filme que vale uma vida



George Harrison não foi somente o “Beatle quieto”. Dos quatro, era o que mais evitava contato visual. E quando o fazia, revelava um olhar misterioso. Na sequência inicial do documentário Living in material world, oculto por flores, ele mira a câmera. É justamente essa a imagem que convenceu Martin Scorsese a dirigir a produção, a convite da viúva do músico. Apesar de recluso e discreto, Harrison queria dirigir o filme da vida dele, mas faleceu antes disso. Após assistir No direction home, sobre a vida e obra de Bob Dylan, Olivia Harrison decidiu confiar o material ao cineasta.

O resultado é uma incursão em imagens de arquivo e depoimentos tão longo e instigante quanto a feita com Dylan. Há inclusive o momento Like a Rolling Stone, em que Scorsese reconstrói o contexto até que explode no áudio a canção mais conhecida de Harrison (sem os Beatles), My sweet lord. É o ponto culminante, síntese dos mundos que ajudou a conciliar, o da cultura pop com o do movimento Hare Krishna. À época, tanto a música quanto o álbum triplo All things must pass (1970), foram ao topo das paradas.

Depoimentos de amigos e familiares ajudam a entender a busca artística e espiritual do músico. Inicialmente tímido perante as personalidades desenvoltas de John, Paul e Ringo, o talento de George fluiu aos poucos, em composições cada vez mais elaboradas. Ele tinha apenas 15 anos quando John e Paul o chamaram para o The Quarrymen, mas depois da temporada na Índia e a amizade com Ravi Shankar, ninguém mais o via como o caçula.

Isso fica claro quando os Beatles estão mais próximos do fim. Nas sessões do Álbum branco, conta George, como ninguém levou a sério While my guitar gently weeps, ele convidou Eric Clapton, no que se tornou a primeira interferência externa na banda. Na mesma época, quando Ringo se sente preterido e resolve sair, ele decora o estúdio com flores, e o baterista fica. Em Abbey road, como se sabe, foi generoso e se despediu com Something e Here comes the sun, as duas melhores canções do álbum.

Momentos controversos não são evitados por Scorsese. Ao tratar do episódio em que perdeu a esposa para Clapton, o diretor ouviu o guitarrista. “Quando disse que estava apaixonado por Patty, ele disse: ‘fique com ela’”. Ele ficou e, disse Clapton, George se enfureceu.

Terry Gilliam e Eric Idle, do grupo Monty Phyton, também deram depoimentos interessantes. No fim dos anos 1970, George se envolve na produção de dois filmes do grupo de comediantes anarquistas: The Rutles: all you need is cash (ácida paródia dos Beatles) e A vida de Brian, pelo qual penhorou a casa para completar o orçamento. Conta Idle que no lançamento dos Rutles, os Pythons confundiram muita gente ao se passar pelos próprios Beatles. George estava lá, mas passou despercebido.

Talvez fosse isso o que sempre quis, ficar longe dos holofotes. Dizer que estar no topo do showbiz e desfrutar da fama não passam de ilusões do mundo material. Sua música, não. Esta permanece.

(Diario de Pernambuco, 27/11/2011)

sábado, 26 de novembro de 2011

Da palavra à imagem



O escritor paulista Marçal Aquino está no Recife. O motivo é dos melhores, uma conversa sobre cinema e literatura. Quem promove é a 2ª Mostra Sesc de Literatura Contemporânea. O evento será hoje, às 19h, no salão de eventos do Sesc Santa Rita, com entrada franca. Autor de 13 livros e dezenas de roteiros para cinema e TV, Marçal esteve na cidade pela última vez em 2009, a convite da Bienal do Livro. Agora volta para tratar de questões relativas à adaptação da palavra à imagem. Entre os escritores brasileiros, é o mais tarimbado no assunto. E um dos poucos que adaptam o próprio trabalho para o cinema.

Seu currículo inclui os roteiros de todos os filmes de Beto Brant (Os matadores, Ação entre amigos, O invasor, Crime delicado e o recente Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios), além de Nina e O cheiro do ralo, de Heitor Dhalia. Para a TV, é responsável (com Fernando Bonassi) pelo seriado global Força-tarefa. A parceria deu certo. Já preparam outra série policial, que estreia ano que vem.

Formado em jornalismo - daí a familiaridade com o mundo cão e situações limite, Marçal não vê conflito entre as atividades. Diz que sua prioridade sempre foi a literatura. “É a minha casa. Me preparei para isso a vida inteira, é efetivamente o que gosto de fazer. Os roteiros são meu ganha-pão. Não fosse isso, estaria trabalhando em alguma redação”.

Marçal diz que, a não ser como espectador, nunca quis nada com o cinema. Entrou por acaso. “Em matéria de atividade economicamente inviável, já basta a literatura”, brinca. “Enquanto Beto filmava Os matadores, encontraram dificuldade na adaptação e eu disse o que faria se fosse o roteirista. Não tinha experiência nenhuma, só um curso na faculdade”.

A sintonia com Beto Brant, de quem não se diz roteirista, mas “parceiro de aventuras cinematográficas”, vem de um pouco antes. “Ele quis adaptar um livro meu. Não deu certo, mas nos aproximamos e estabelecemos uma relação de amizade. Ele é muito afetado pela literatura, todos os filmes dele têm base literária. Meu trabalho é criar condições para que ele realize o seu trabalho”.

Como cinéfilo, usa o pouco tempo livre para assistir à produção sul-coreana. “No momento, na minha opinião, ninguém faz cinema como eles”. Não são violentos demais? “Não tanto quanto Sam Peckimpah (Meu ódio será tua herança) ou Gaspar Noé (Irreversível). O que me atrai neles é a próximidade à história em quadrinhos”.

E é justamente pelos quadrinhos, sua primeira paixão, que se explica a força imagética da prosa de Marçal. “Dizem que minha ‘literatura visual’ tem a ver com o trabalho como roteirista, mas meu primeiro impulso artístico vem dos quadrinhos, que é o cinema estático. Já cheguei a desenhar, mas hoje sou só leitor. Meu trabalho é a palavra”.

Atualmente, além de trabalhar para a Globo, o escritor se dedica ao próximo livro, Como se o mundo fosse um bom lugar. Sobre ele, nem uma palavra. “Decidi não falar sobre o que está sendo feito. Não é superstição. Vou descobrindo o livro na medida em que escrevo. Quanto mais certezas eu tiver, pior”.

(Diario de Pernambuco, 26/11/2011)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Cinema, cidade e solidão



O cinema independente tem sido pródigo ao refletir sobre a desordem urbana das grandes cidades. A produção argentina Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual, de Gustavo Taretto, é uma bela investigação de como o tema incide nas relações e subjetividades que produzem o sentimento de estar só, mesmo na multidão. A boa carreira em festivais (somente em Gramado, foram três prêmios principais) contribuiu para que o filme chegasse ao circuito nacional. No Recife, conseguiu janela na programação do Cine Rosa e Silva, programada por Carol Ferreira.

Medianeras é mais uma prova da vitalidade do cinema argentino contemporâneo. A sequência inicial deflagra recortes da paisagem urbana de Buenos Aires, em instigante montagem costurada pela voz do protagonista (Javier Drolas), jovem webmaster de tendências depressivas e que passa 99% da sua vida na internet. Ele chama atenção para as “irregularidades éticas e estéticas” da cidade, que se expande “sem planejamento, como nossas vidas”.

Medianera, o próprio filme explica, é a parede sem janelas dos edifícios, geralmente mofadas ou usadas como outdoor publicitário. Em um desses prédios está a arquiteta vivida por Pilar Lopez de Ayala (a bela falecida de O estranho caso de Angélica, de Manoel de Oliveira), arquiteta recém-separada que tenta se readaptar à casa em que morou há quatro anos. O exercício de “procurar beleza onde não existe”, nas medianeras, levará ao encontro, à religação?

Uma sequência em desenho animado, referências diretas a Onde está Wally?, e o espírito de melancolia pop fazem do filme uma ode à juventude viciada no mundo online - e pouco à vontade fora dele. No entanto, a maior influência do filme está em Woody Allen, assumida quando uma sequência inteira de Manhattan (1979) preenche a tela. Buenos Aires não é Nova York. Mas para o cinema, isso é o que menos importa.

(Diario de Pernambuco, 25/11/11)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Divertida viagem no tempo


Guitarrista Kid Andersen e Rick Estrin, no palco de Garanhuns

Rick Estrin & The Nightcats estão de volta. Acabaram de chegar de Buenos Aires para apenas duas apresentações no Brasil. Em março passado, eles foram a principal atração do Garanhuns Jazz Festival, onde fizeram um dos shows mais divertidos do ano. Agora é a vez do Recife, onde tocam hoje, às 22h, no encerramento do Oi Blues by Night 2011, no Spirit Music Hall (Rua do Futuro, 821. Fone: 3241-9446).

O que se verá hoje é coisa rara por aqui. Geralmente, os “bluseiros” norte-americanos tocam no país acompanhados por músicos brasileiros, nunca a banda completa. No grupo desde sua formação, em 1976, Rick Estrin lidera os Nightcats desde 2008, quando o guitarrista Little Charlie se aposentou. Em seu lugar está o prodígio Kid Andersen. Completam a banda Lorenzo Farrel (baixo e teclado) e J. Hansen (bateria).

Nascido em 1950, em San Francisco, ao contrário de seus colegas, o então adolescente Estrin não se envolvia com a música de Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jefferson Airplane. “Os primeiros shows que me emocionaram foram de Muddy Waters, Buddy Guy e Howlin’ Wolf. Decidi me mudar para Chicago, onde fui chamado para tocar por Lowell Fulson (um dos principais nomes do blues dos anos 1940-50)”, diz. Ainda nos anos 1970, Estrin tocou com Muddy Waters, até que com Little Charlie fundou o Nightcats. Após 30 anos de carreira, o que o mantém na estrada? “Estou muito velho para o crime”, brinca.

Ao ouvir o álbum Twisted, lançado pela conceituada Alligator Records, fica evidente o talento de Estrin como compositor, cantor e músico (ele toca gaita diatônica e cromática). Ao vivo, a experiência se completa com a força da performance. Seu show é um bem-humorado passeio pelos diferentes estilos de blues e rock dos anos 1950. Apesar do blues ter nascido do lamento negro nos campos de algodão, Estrin acredita que também é alegria: “blues é vida, e como tal, alcança todas as experiências humanas. Alegre ou triste, ele faz as pessoas se sentirem melhor”.

Com seu topete aerodinâmico, óculos e bigodinho, Estrin é antes de tudo um entertainer, e como tal, criou um personagem para si (chega a tocar com a gaita dentro da boca) e é respeitado por gaitistas de todo o mundo, como Flávio Guimarães, produtor da turnê latino-americana do grupo. Antes do show, Guimarães se apresenta com a Uptown Band e a Handmade Blues Band faz show acústico. Ingresso: R$ 30 (homem) e R$ 20 (mulher).

(Diario de Pernambuco, 23/11/2011)

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Fascinante técnica de animação



O Recife comporta um novo festival de cinema? Sim, o Brasil Stop Motion. É o primeiro e único evento do país e um dos poucos do mundo dedicado à essa técnica de animação tão antiga quanto o cinema. A programação traz filmes do mundo todo e começa hoje, às 19h30, no Cinema São Luiz, com homenagem ao artista uruguaio Walter Tournier, que vem à cidade apresentar uma mostra de oito curtas. E termina no sábado, com cerimônia de premiação e exibição do curta pernambucano Dia estrelado, de Nara Normande.

“A produção de Pernambuco chegou a um nível de complexidade que se reflete no panorama de eventos. Se por um lado temos grandes festivais como o Cine PE e o Janela Internacional de Cinema, é importante ter espaço para nichos específicos”, diz Paulo Cunha, organizador do festival, ao lado de Ana Farache e Clara Angélica.

Hoje, outra mostra especial traz dois títulos do estúdio polonês Se-Ma-For, duas vezes vencedor do Oscar de melhor curta de animação. Amanhã, é a vez da OQO, da Galícia (Espanha), e do início da mostra competitiva, com 51 animações. Pelo menos um programa, intitulado Narrativas do Medo (na próxima quinta), é proibido para menores. Nele está a animação belga As gêmeas da Rua Sunset, tenebrosa fábula às avessas sobre gente que come criancinhas.

Na quarta, se destacam dois trabalhos do holandês Johan Rijpma. Em Tegels, ele fotografa milhares de lajotas das calçadas para simular movimento. E Tape generations experimenta o mesmo com rolos de fita adesiva. No mesmo programa, Fábio Yamaji (O divino, de repente) apresenta O planeta dos boi-peixes, que com apenas um minuto de duração revisita o clássico Planeta dos macacos.

Na sexta, cinco produções pernambucanas serão exibidas, destaque para o inédito Lol fight, de Alan Tonello, livre apropriação do girl power de Tarantino em Kill Bill. E Brecha, de Júlia Araújo e Nathália D’Emery, uma bem-humorada subversão da sexualidade dos bonecos Barbie e Ken.

Além de Tournier, o Uruguai está representado pela diretora, artista plástica e ilustradora Laura Severi, que, às 10h de hoje, faz palestra na Unicap (Boa Vista).

Com orçamento de R$ 47 mil, é uma façanha um evento render tantas atividades. Patrocinado pelo Funcultura, o Brasil Stop Motion está sendo viabilizado com apenas um terço do montante proposto à Fundarpe. “Como esta é a primeira edição, o orçamento atravessou o teto estabelecido pelo edital”, conta Clara Angélica, que buscou apoio com as prefeituras do Recife e Olinda, além da iniciativa privada.

(Diario de Pernambuco, 22/11/2011)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Canavial expande fronteiras



Otto e Quinteto Violado em Vicência. Chico César e Silvério Pessoa em Nazaré da Mata. Tribo de Jah em Goiana. Estas são apenas os nomes principais do Festival Canavial 2011, que pela primeira vez cruza as fronteiras da região da Zona da Mata e se envereda pelo Sítio Histórico de Olinda e João Pessoa, na Paraíba. Nos próximos 23 dias, o evento traz mais de 60 atrações para oito cidades, com entrada franca.

A programação começa hoje, em Vicência, com o seminário Celebração da Consciência Negra - Matriz Africana e Brasilidade e apresentação da Orquestra 15 de Novembro. Será às 14h, no Ponto de Cultura Poço Comprido. A etapa em Goiana começa amanhã e traz, a partir das 19h Nova Goiana, o Caboclinho Tapuia Canindé, Sete Flexas, Pretinhas do Congo e Coco da Yá.

No último fim de semana, dias 10 (Olinda) e 11 de dezembro (João Pessoa), a atração principal será a dupla Jorge Mautner e Nelson Jacobina, que apresenta o show Maracatu Atômico – Kaosnavial com Afonjah, Mestre Zé Duda e o Maracatu Estrela de Ouro. Além do show, haverá a estreia do filme Maracatu Atômico – Kaosnavial, dirigido por Afonso Oliveira e Marcelo Pedroso, da Símio Filmes.

Além do rol de ilustres visitantes, o Festival Canavial reúne boa parte dos artistas sediados na Zona Mata, a saber: Ticuqueiros, João Limoeiro, Italo Pay e a Zabumba Mundi, Toadas de Pernambuco, Cavalo Marinho Mestre Batista, entre outros. Em Tracunhaém (dias 5 e 6), por exemplo, além da programação de shows, haverá oficina de ciranda com o Mestre Genivaldo, da Ciranda Girassol do Amor (Condado).

Outra novidade da edição 2011 é que a programação de cinema cresceu e se tornou um evento autônomo, a Mostra Canavial de Cinema (leia matéria na página 2). Isso não exclui as sessões do cineclube Cinemata, marcadas para os dias 19 e 20, em Vicência. Programação completa no site www.festivalcanavial.com.br.

Curtas-metragens no canavial - Começa amanhã a Mostra Canavial de Cinema, o primeiro evento do gênero sediado na Zona da Mata Norte pernambucana. Durante os próximos nove dias, onze curta-metragens serão exibidos em seis cidades: Goiana, Condado, Tracunhaém, Nazaré da Mata, Vicência e Aliança. A entrada é franca.

“Queremos trazer algo para a Zona da Mata que não seja televisão. Apresentar novas possibilidades. Tenho certeza maioria do público nunca foi ao cinema”, justifica o coordenador da mostra, Caio Dornelas. Sobre a seleção, ele explica que o relevante não é se são filmes da nova safra, mas o conteúdo que eles representam. “Alguns são de 2003, mas continuam inéditos na Zona da Mata”.

Mais do que exibir, a ideia é promover a troca de ideias e estimular a cadeia produtiva regional a curto, médio e longo prazo. Como pontapé inicial, foi organizado o 1º Seminário Arranjo Produtivo Local em Audiovisual na Mata Norte, que reúne produtores independentes, representantes de Pontos de Cultura, entidades do audiovisual, técnicos, gestores públicos e ativistas. O cunho político é explícito. “Da mesma forma que, em nível nacional, os recursos estão concentrados no eixo Rio-SP, em Pernambuco eles estão na capital. Vamos olhar para essa dicotomia e fazer uma autorreflexão. Os recursos existem e sua distribuição é teoricamente democrática. Precisamos acelerar esse processo”.

Outra boa notícia trazida pelo evento é a reocupação do Cineteatro Polytheama, restaurado pelo governo do estado e gerido pela prefeitura de Goiana. “O governo reformou e a prefeitura tomou pra ela”, critica Dornelas, com razão. Atualmente, apesar de contar com um projetor digital Rain, o espaço é ocupado por diferentes atividades, menos a exibição de filmes. “O cineclube funcionou lá por seis meses, todos os domingos, mas a prefeitura determinou que não pode funcionar nos fins de semana. Agora estamos exibindo no terreiro de Mãe Nininha (bairro do Mutirão)”.

Realizado com R$ 67 mil captados pelo edital do Funcultura/Fundarpe, além de apoios das prefeituras envolvidas e investimento próprio, a Mostra Canavial surgiu a partir da demanda percebida por Dornelas nas cidades em que esteve como oficineiro da Federação Pernambucana de Cineclubes. “Boa parte demandas são as mesmas”, conta. “O problema da exibição foi minimizado pela proliferação de cineclubes (são dez, em 19 cidades da Mata Norte), mas faltam estratégias de distribuição e formação continuada. A produção existe, mas apenas de forma empírica”.

(Diario de Pernambuco, 18/11/2011)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Liberdade é a estrada



Um filme sobre mochileiros, nômades, viajantes. Wanderers, hitchhickers, andarilhos, caronistas. Gente alheia à sociedade de consumo, que ousa divergir, na prática, da manada dos normais. E por isso, gente invisível, temida, desprezada. Acima de tudo, Estradeiros é sobre liberdade.

Rodado no Brasil, Argentina, Bolívia e Peru, o primeiro longa-metragem do casal Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro tem trilha sonora de DJ Dolores e será exibido hoje, às 20h, no Cinema São Luiz, a convite da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife. Ele chega à cidade com a chancela da Semana dos Realizadores, no Rio de Janeiro, onde foi eleito melhor filme no mês passado.

Em conversa com o Diario, Sérgio conta que Estradeiros é a realização de um desejo antigo de fazer um filme sobre os hippies. “Sempre me atraem pessoas ou grupos que praticam liberdade. E os hippies têm a possibilidade de ir e vir, de se locomover com uma liberdade que a maioria das pessoas não tem”.

Sérgio e Renata já haviam se dedicado a outro universo alvo de preconceito em Faço de mim o que quero, sobre a cena brega do Recife. Seu curta mais recente, o premiado Praça Walt Disney, é um belo exemplo de liberdade criativa sobre as imagens da cidade. Aprovado pelo edital Longa Doc, o projeto teve início quando Sérgio encontrou um casal no centro do Recife. “Eles estavam no meio da balbúrdia, sentados calmamente na calçada, tomando vinho. Falei com eles e no dia seguinte os encontrei em Calhetas”. A dupla é Cubano e Tatiana, com quem Sérgio, Renata e o diretor de fotografia, Pedro Urano, se jogaram na estrada.

Mas Estradeiros é mais do que os protagonistas que compartilham uma cultura alternativa. É sobre a conexão espiritual com a natureza e forças ancestrais. “O filme é uma aproximação do continente, da terra. Utilizamos a tribo para descobrir a América do Sul, que hoje vive uma situação especial, a da liberdade de ir e vir, de fato. Eles vivem do artesanato que vendem, do malabares que fazem, para continuar em comunhão com a natureza”.

Uma das inspirações para o filme é o poeta norte-americano Walt Whitman, que defendia o “fluir da vida, admirar as coisas, ver novas paisagens, comungar com a natureza”, diz Sérgio. E as imagens da natureza são realmente exuberantes, de beleza impactante. Em algumas, há um movimento de câmera incomum, que gira as paisagens em 180º e outros ângulos, metáfora que pode remeter à outras formas de ver e viver o mundo, desafiando leis inabaláveis como a da gravidade.

“Somos os novos índios”, diz um personagem. Sérgio concorda. “Talvez eles sejam um novo grupo étnico, que desde os 1960 estão ocupando as calçadas, comungando valores e características culturais”.

Desapego material, e elevação da espiritualidade são valores aplaudidos quando promulgados por algum guru oriental, mas terminam por soar subversivos se colocados em prática por ocidentais jovens e cabeludos, à margem da sociedade de consumo. Em certo momento do filme, um casal afirma durante seis meses viveram com o equivalente a R$ 10. Em outro, um rapaz alerta para as ilusões de um suposto nirvana tecnológico. Não há nada de alienação aí. Ele busca a conexão com a terra, não com a internet. E faz pensar sobre as fragilidades e armadilhas no discurso hegemônico da aldeia global.

(Diario de Pernambuco, 11/11/11)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ritual poderoso para o cinema



As hiper mulheres chegaram ao Recife. Produto da parceria entre realizadores brancos e índios, o longa aborda a transmissão de conhecimento entre gerações. Não só pelo tema, mas pelo exercício de linguagem cinematográfica, é um dos melhores da temporada. A sessão será hoje, às 21h30, no Cinema da Fundação.

Esta nova cria da produtora Video nas Aldeias, assinada por Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro, venha a público na 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife, evento que organiza uma retrospectiva do diretor Stanley Kubrick - o filme de hoje (às 18h30, no Cinema São Luiz) é o claustrofóbico Nascido para matar (1987), ambientado na guerra do Vietnã.

Se comparados, é possível exergar o legado de Kubrick na composição, perspectiva e movimentos de câmera adotados para representar o ritual das mulheres do Xingu. Ali está a grandiosidade épica de Spartacus, o silêncio primitivo de 2001 - uma odisseia no espaço, a montagem rigorosa de Laranja mecânica.

“Amo o cinema de Kubrick, mas essa proximidade vem dos próprios Kuikuro, que são extremamente caprichosos tanto no ritual quanto nos movimentos de câmera”, diz Leonardo Sette, que participa de debate no fim da sessão. “Talvez a montagem responda de forma orgânica ao preciosismo das imagens. O trabalho foi muito intuitivo, havia um fluxo de não pensar que aquilo era um documentário, mas um filme de ficção, que é o cinema que eu mais vejo”.

Premiado nos festivais de Gramado e Brasília, mesmo que rodado no Mato Grosso, As hiper mulheres é defendido por Sette como um filme pernambucano. “Tanto pelo meu lado, quanto pelo do Vídeo nas Aldeias, que é sediado em Olinda. Isso talvez evidencie o Recife cosmopolita e eclético, ao lado da inegável e celebrada originalidade regional que a cidade tem”.

(Diario de Pernambuco, 09/11/2011)

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Sessão especial para Lolita, de Kubrick

Aretrospectiva Stanley Kubrick promovida pela 4ª Janela Internacional de Cinema traz hoje, às 21h, o clássico Lolita, adaptação feita em 1962 para o famoso romance de Vladimir Nabokov. Se na época as metáforas da aproximação amorosa entre a personagem-título, uma garota de 14 anos, e seu padrasto (James Mason) chocaram setores mais conservadores, à luz da atualidade as mesmas cenas podem soar ingênuas. É importante lembrar que o filme foi realizado na Inglaterra, há 50 anos. De lá para cá, ele se sustenta em dois grandes pilares: a visão ácida de Kubrick sobre a caretice vigilante da sociedade norte-americana - ele acabara de trocar os EUA pela Europa - e a performance dos atores, com destaque para Peter Sellers no papel de Clare Quilty, o jornalista bisbilhoteiro que se disfarça de policial, psicólogo e fiscal da escola para observar e interferir na dinâmica dos protagonistas.

Lolita volta ao Cinema São Luiz em cópia restaurada em digital 2k, oportunidade única para apreciar ao filme com as melhores condições de imagem permitidas pela tecnologia. Após uma série de contratempos, a sala parece estar afinada para os próximos dias. Diretor artístico do Janela, Kleber Mendonça Filho garante que os problemas com a projeção 35mm foram corrigidos e imagem e som estão bem melhores do que no inicio do evento. Como o Diario vem apontando em matérias anteriores, Kleber critica as limitações técnicas do São Luiz, ao mesmo tempo em que reconhece a importância de sua restauração.

“No sábado à noite, na sessão de Laranja mecânica, tivemos uma demonstração do tipo de equipamento moderno que o São Luiz precisa ter o ano inteiro, e não apenas durante o Janela. Do som perfeito via processador especialmente instalado à imagem do projetor, o São Luiz tornou-se uma sala de referência e é assim que ele deve ser sempre. O próprio governo de Pernambuco incentiva o formato digital, mas o São Luiz não está equipado para projetá-los”.

Antes de Lolita, às 18h, o São Luiz será palco de outro momento especial. O programa O Cinema e o Espaço Urbano, com os filmes Quarteto simbólico, de Josias Teófilo; Eiffel, de Luiz Joaquim; Menino Aranha, de Mariana Lacerda; Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira; [projetotorresgêmeas], filme coletivo. No Cinema da Fundação, a partir das 15h, três programas trazem uma amostra do que de melhor tem sido feito no formato curta-metragem. Programação completa em www.janeladecinema.com.br.

(Diario de Pernambuco, 08/11/2011)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Multidão e atropelos no cinema



A 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife encerrou o primeiro fim de semana com público de quase cinco mil pessoas. O evento cresceu, não só em bilheteria, mas pela qualidade do que foi exibido, e pode ser considerado um marco. O Cinema São Luiz esteve lotado duas noites seguidas, sexta-feira com Febre do rato e sábado com Laranja mecânica, 1.200 pessoas em cada sessão, boa parte ocupando corredores, sentadas no chão. Como não ver beleza em um multidão atrapalhando o trânsito da Rua da Aurora para assistir a um filme? Sim, o Recife tem cinema de rua.

Problemas técnicos ameaçaram, mas não tiraram o brilho do evento. O som de Febre do Rato, filme tão visual quanto verborrágico, foi a principal vítima. Para entender o que o poeta vivido por Irandhir Santos dizia, muita gente apelou para as legendas em inglês. Foi um balde de água fria também para Cláudio Assis e equipe. Walter Carvalho, que pouco antes elogiava a beleza da catedral em que pisava, logo depois, do lado de fora, teceu duras críticas às condições de exibição do filme. Na cabine, Kleber Mendonça Filho fez o possível e lamentava o transtorno: “tenho carinho pelo filme de Cláudio. Aquilo foi uma violência contra mim que quero exibir os filmes da melhor forma possível”.

Kleber explica que o problema com o som foi consequência da falta de compatibilidade com o projetor Christie, trazido da França para a retrospectiva Kubrick. No sábado, às 17h, mais tensão no São Luiz: a lâmpada do projetor 35mm simplesmente não ligava, o que atrasou em 20 minutos a sessão de A guerra está declarada. Ontem, uma pane elétrica cancelou o programa matinal Janelinha, transferido para o próximo domingo. E até o fechamento desta matéria, às 17h, a sessão de Spartacus, prevista para as 15h, não havia começado.

Contratempos do tipo estressaram a dedicada equipe do evento e da Fundarpe e só são positivos no sentido de servir de alerta ao Governo do Estado: nas últimas semanas, eventos como o Play The Movie Coquetel Molotov, a pré-estreia de O Palhaço e agora com o Janela são a prova do potencial do Cinema São Luiz em injetar vida no centro da cidade. Após investimento de quase R$ 4 milhões para comprar e restaurar o São Luiz, é coerente esperar que ele esteja equipado à altura.

“O São Luiz é uma sala fantástica cuja estrutura técnica remonta a pelo menos 22 anos atrás. Quando fazemos ela se comunicar com um equipamento de 2011, acontece esse tipo de coisa. O São Luiz é um investimento que está dando certo, um espaço real, vivo, que as pessoas amam. Mas hoje um cinema precisa ser compatível com todos os formatos. O certo é chegar com o HD, conectar no projetor e pronto”.

No sábado à noite, contrariando a maré de contratempos, com Laranja Mecânica restaurado em digital 4k, o São Luiz se tornou um cinema dos sonhos. Um grande filme, imagem brilhante e cristalina. Na plateia em transe, gente sentada nos corredores e nem um pio sequer.

O bel prazer e a voracidade com que o Recife tem sido explorado pelo poder econômico, em contraste com a passividade ou conivência dos poderes públicos é um dos temas abrigados pelo Janela deste ano. Um pouco antes de Laranja Mecânica, um “vurto” de Marcelo Pedroso e Gabriela Alcântara com depoimento de gerente da Moura Dubeux provocou vaias, seguidas de aplausos. Um pouco antes, no Cinema da Fundação, a primeira sessão pública de [projetotorresgemeas] gerou um belo debate. “Tentamos chegar à dureza da realidade. A maioria jovem, mas não quer um discurso mais ou menos. Sentimentalmente posso falar ‘meu Recife’. Mas na prática, principalmente como pedestre, não sinto que a cidade é minha”, desabafa Tião, um dos 57 participantes da obra coletiva.

“O Brasil tem uma cidadania débil, herança do regime militar, que nos deixou com medo. Coletivamente, encontramos mais força para tratar do assunto”, diz Mariana Porto. Marcelo Lordello, recontextualiza. “Antes era a ditadura militar, hoje é do capital. Basta vez o jornal de domingo, os maiores anunciantes são as construtoras”.

Autor da trilha sonora, Tomaz Alvez tem calafrios ao imaginar uma cidade em que os programas se reduzam a ir a shoppings e à Livraria Cultura. Marcelo Pedroso abre o foco dizendo que o problema não é só do Recife, mas das grandes cidades, com projetos urbanísticos atrelados ao capital e sem passar por debate público. “No nosso caso, um projeto aplaudido e endossado pela própria prefeitura”. O debate continua amanhã, às 18h, no São Luiz.

A prefeitura foi à berlinda mais de uma vez. Na sexta à noite, Cláudio atacou a atual gestão. Durante a sessão, ele xingou o som ruim, mas no final saiu para a rua e subiu na Variant usada na filmagem de Febre do rato. Aplausos. Risos. A cidade pulsa,como diz Zizo, “reinventando sonhos, evitando pânicos”. Continua hoje, às 18h, com o Cinema de Rua no antigo Trianon. Acompanhe a programação pelo site do festival: www.janeladecinema.com.br

(Diario de Pernambuco, 07/11/2011)

Entre o psicológico e o sobrenatural



Suspense psicológico acima da média, A casa dos sonhos (Dream house, EUA, 2011) chama a atenção já pelo cartaz: duas garotas, de costas, têm a estampa de seus vestidos fundida com o papel de parede da casa, supõe-se, onde moram. Seriam elas fantasmas ou fruto do delírio? O segundo atrativo é o elenco, liderado por Daniel Craig, Rachel Weisz, Naomi Watts e Elias Koteas. Isso, aliado à direção do irlandês Jim Sheridan (Meu pé esquerdo, Em nome do pai, O lutador), é suficiente para valer a ida ao cinema.

Lá encontramos Craig no último dia de trabalho. Pediu demissão, quer se dedicar mais à família, para a qual acaba de comprar uma casa nova, no subúrbio. Em conversa com a esposa (Weisz), ele comenta sobre o livro que pretende começar a escrever. O sossego acaba logo que Craig descobre um grupo de adolescentes no porão, em culto para o assassino que matou brutalmente os antigos moradores. Teria ele levado sua família para uma casa amaldiçoada?

O roteiro traz uma série de reviravoltas ao redor de Craig, o que evita a vala comum dos filmes de serial killer. Novas informações causam vertigem, e quando o chão lhe falta aos pés, a vizinha da frente (Naomi Watts) se revela aliada, ao contrário de seu ex-marido. Entre o psicológio e o sobrenatural, A casa dos sonhos está diretamente ligado a O iluminado, de Kubrick, não somente pela referência às irmãs que vagam no Overlook Hotel. Há nele o fantasma de Jack Torrance, vivido com maestria por Jack Nicholson. Claro que o filme de Sheridan não chega a tanto. Ao contrário, pelo tanto que promete, fica aquém das expectativas. Mesmo assim, vale a sessão.

(Diario de Pernambuco, 06/11/2011)

domingo, 6 de novembro de 2011

Críticas sobre a cidade



Olhar para a cidade é um exercício que remonta aos primórdios do cinema. Em 1895, os irmãos Lumiére fizeram história como registro de operários saindo da fábrica. Da mesma forma, no começo dos anos 1920, Ugo Falângola e J.Cambiere filmaram as novidades do Recife moderno: o bonde, o movimento do porto, os armazéns. Um século se foi e um novo boom econômico está remodelando esse mesmo espaço. Mas ao contrário dos pioneiros do cinema, realizadores contemporâneos olham para as mudanças de forma bastante crítica.

Parte dessa produção foi reunida pela 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife, que na próxima terça-feira promove o programa especial O cinema e o espaço urbano do Recife, que inclui cinco curtas. Considerando as diferentes abordagens e discursos dos filmes, que vão da leveza poética ao protesto radical, o debate entre cineastas e arquitetos deve render bons momentos.

Antes, na segunda-feira, o próprio Janela fará uma intervenção inédita: a partir da cabine do Cinema São Luiz, imagens serão projetadas na parede externa do antigo Cine Trianon, do outro lado do Capibaribe. “Será uma sequência de imagens que passam por filmes exibidos pelo Janela, clássicos como Hitchcock e Pulp Fiction, junto com imagens urbanas do Recife”, diz Cris Gouveia, que coordena a atividade. “Como fosse um farol, do São Luiz sairá uma ponte de luz. Do outro lado há o antigo Trianon, um prédio emblemático, que representa um vazio particular, que chama a atenção para outros silêncios, anônimos”.

Para falar dos caminhos e descaminhos do Recife enquanto cidade, o Viver entrevistou os diretores dos curtas [projetotorresgemeas] e Quarteto simbólico, que estreiam no Janela Internacional, e o arquiteto urbanista Milton Botler, coordenador do Instituto da Cidade da Prefeitura do Recife. Deste último, surge um bom começo de conversa: “Tenho inveja dos cineastas, que em poucos anos podem ter seu filme montado. Quanto a mim, vou morrer sem ver a cidade como a planejamos”.

Gigantes na mira dos artistas - “Meia duzia de magnatas decidem o destino da cidade”. A frase, dita em certo ponto do [projetotorresgemeas], revela uma preocupação legítima. No filme, realizado por quase cinquenta artistas, são dados nomes aos bois dos que agem sem controle público ou em desacordo com um plano racional de urbanização.

Ideias podem ser bombas. O alvo, como sugere o título, são as torres monumentais, cravadas em território onde um dia foi anunciado um complexo cultural. Seu correspondente fálico, o órgão sexual masculino em riste, é a metáfora nada suave adotada pelo filme para descrever a situação. Mas o curta não trata somente do objeto, mas das mentalidades que o permitiram existir. Enquanto uma faxineira olha, do alto da área de serviço, para Brasília Teimosa, do outro lado, alguém faz o oposto e mira a sombra das torres no mar. Na rua, a ocupação dos sem-teto no antigo prédio público é vista por dentro. Em breve, ali será um centro de compras. “É uma escolha política fazer projetos arquitetônicos para a classe A quando se sabe que o centro da cidade pode oferecer uma série de opções para quem vive o déficit habitacional”, diz Felipe Peres Calheiros, um dos integrantes do projeto.

Se o aspecto visual do curta é o de uma colcha de retalhos, um correspondente estético ao caos urbano do Recife, o discurso é afiado. Há momentos de ironia e outros de alguma ingenuidade. Em comum, o signo da denúncia. “Não há projeto público socialmente referendado para o desenvolvimento do Recife. O que há é um projeto particular das empreiteiras, que conseguem implementar sem debate ou passar por um órgão regulatório dessas ações”, diz Marcelo Pedroso, outro membro do coletivo.

Felipe explica que foi questão de coerência realizar o filme coletivamente. “A beleza está na forma como pesquisamos um processo do fazer cinematográfico tão questionador quanto o conteúdo. Sem alguém que dirigisse despoticamente, conseguimos dar uma identidade para a obra”.

Milton Botler, arquiteto do Instituto da Cidade, diz que a discussão sobre preservação urbana perdeu a legitimidade porque tem sido restrita à academia e especialistas, não faz parte do cotidiano da cidade. “Acho bom que o cinema coloque essas questões, que devem vir mais vezes a público”.

Botler relativiza as reações contra a verticalização. “Ela representa menos de 20% da cidade, passa longe das periferias e bairros populares. Não dá pra ficar no conservadorismo, em que nada se mexe. Temos que olhar para a cidade e a memória pela dinâmica das transformações. A Avenida Guararapes, por exemplo, arrasou quarteirões e casarões coloniais, mas abriu espaço para arquitetura moderna”.

Memória arquitetônica - “Acho interessante que esse desconforto urbano da cidade se reflita no cinema, mas vejo alguns problemas, no geral. Um deles é falta de uma relação maior com a memória - é tudo muito focado na atualidade. Outra coisa é uma visão exclusivamente social da arquitetura, o que exclui a estética. Vejo também uma repetição da questão da verticalidade. Esse tema já foi muito explorado e de modo geral, de maneira rasa”.

A análise é de Josias Teófilo, jornalista radicado em Brasília. Seu novo curta, Quarteto simbólico, trata da obra de Delfim Amorim, um dos principais nomes da arquitetura moderna. Seus projetos trazem marcas típicas, como o uso de cobogós combinados com azulejos brancos e azuis. No Centro do Recife, dois de seus edifícios são emblemáticos: o Santa Rita, atrás do Cinema São Luiz, serve de plano inicial para o filme, que de um detalhe dos azulejos abre para a Rua da Aurora; e o Barão de Rio Branco, também na Boa Vista, uma de suas construções mais preservadas.

Josias explica que Quarteto simbólico, título retirado de música de Villa-Lobos, vem da relação quádrupla da narrativa: “entre o Recife moderno e o contemporâneo, e de Delfim e seu filho, que nos dá o relato”. É de Luiz Amorim, considerado o maior especialista no assunto, que parte o viés acadêmico e afetivo adotado pelo filme. “Fiquei fascinado em estudar a herança de Amorim em dois aspectos: o do Recife, com relação ao patrimônio, e o do filho diante da obra do pai. Algo se conectou no filho dele que, na cidade em geral, não houve”.

Ao mesmo tempo em que denuncia o descaso coletivo de uma cidade com sua própria história, Josias busca uma delicada aproximação com a obra de Amorim. Nesse sentido, o uso da música (escrita por Ana Lúcia Altino sob um quinteto de Brahms) é fundamental. “Na época que escrevi o roteiro tinha acabado de ler o livro Eupalinos ou o Arquiteto, de Paul Valéry. Lá ele fala que a arquitetura e a música se assemelham em muitos aspectos. As duas nos envolvem”.

Serviço

Cinema de Rua - projeções no antigo Cinema Trianon
Segunda, às 18h

Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira.
Domingo, às 19h, no Cinema da Fundação
Segunda, às 17h15, no Cinema São Luiz
Sábado (12), às 20h, no Cinema da Fundação

Programa O cinema e o espaço urbano do Recife
Quarteto Simbólico, de Josias Teófilo; Eiffel, de Luiz Joaquim; Menino Aranha, de Mariana Lacerda; Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira; e [projetotorresgêmeas], filme coletivo. Sessão seguida de debate com os realizadores, e Luiz Amorim, Milton Botler. Mediação: Ângela Prysthon.

Terça-feira, às 18h, no Cinema São Luiz

(Diario de Pernambuco, 06/11/2011)

sábado, 5 de novembro de 2011

Stanley Kubrick por completo



“Viddy well, little brother. Viddy well”. Veja bem, diz Alex, antes de iniciar mais uma sessão de ultraviolência. De olhos bem abertos, o escritor amarrado assiste o líder da gangue violentar sua esposa, até a morte. Pouco depois, é a vez do agressor ter os olhos escancarados, em processo de lavagem cerebral. Estas são apenas duas das impressionantes imagens criadas por Stanley Kubrick (1928 - 1999) para Laranja mecânica, que completa 40 anos se reafirmando como uma das mais influentes obras do cinema.

Hoje, o Recife terá a rara oportunidade de assistir ao filme no Cinema São Luiz, em cópia restaurada e projeção digital 4k. A sessão faz parte de retrospectiva organizada pela 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife. Antes, às 14h, o Cineclube Dissenso exibe os dois primeiros curtas (Flying padre e Day of fight) e o primeiro longa, Medo e desejo, banido pelo próprio diretor.

Kleber Mendonça ressalta a importância não só da mostra, inédita no Brasil, como do local que a abriga, o Cinema São Luiz e o ritual que isso representa. “Há algo indissociável entre o cinema e o espaço em que ele se realiza. Para as sessões de Spartacus e 2001, por exemplo, recebemos um email com orientações sobre quando devemos abrir e fechar a cortina”. Além de contar com a realeza do São Luiz, há que ressaltar a qualidade técnica com que Laranja mecânica será exibido, a partir de um projetor Christie de 33 mil ansi lumens, o mesmo utilizado no Festival de Cannes. O técnico alemão Ali Sozen, que projetava filmes em 70mm no ZooPalast em Berlim, irá operar o equipamento.

Escrita por Anthony Burguess como forma de expurgar a violência que sofreu na mão de vândalos, Laranja mecânica é um libelo pelo livre arbítrio. Para o autor, não se pode exterminar o crime pelo controle da mente. E a violência institucional é bem pior do que a praticada à base do Moloko Velocet, droga utilizada por Alex e seus droogues. Por sua vez, Kubrick tornou um garoto pervertido e obcecado por Beethoven em vingador da alta cultura contra a mercantilização da arte.

Laranja mecânica segue rendendo tributos e interpretações. “É um filme virtuoso, de alma punk, de uma energia impressionante”, diz Kleber, na tentativa de compreender a vitalidade do filme. O mesmo ocorre com 2001, O iluminado, Nascido para matar.

“Olhar bem” é mais valioso convite feito por Kubrick em seus filmes. O rigor e precisão com que construiu imagens (“em cada foto está o filme”, repara Kleber) e manipulou o tempo são impressionantes. Mesmo em sua fase inglesa, continuou exercitando gêneros. Fez filmes noir, comédia, de época, guerra, terror e ficção científica. Seu último longa, De olhos bem fechados (Eyes wide shut, de olhos arregaladamente fechados), volta à questão central de sua obra.

A abismal diferença entre ver, essa atitude mecânica e condicionada a que estamos nos reduzindo enquanto espécie e o olhar, exercício capaz de levar à iluminação, ao que nos torna humanos. HAL, o cíclope tecnológico que tudo vê de 2001. Bebê-estrela, olhe por nós.

Programa

Hoje
22h30 - Laranja mecânica (1971)

Domingo
15h - Spartacus (1960)

Segunda
21h15 - Glória feita de sangue (1957)

Terça
21h - Lolita (1962)

Quarta
18h30 - Nascido para matar (1987)

Quinta
16h30 - De olhos bem fechados (1999)

Sexta
22h - O iluminado (1980)

Sábado
16h15 - O grande golpe
18h30 - A morte passou por perto (1955) - Cinema da Fundação
22h30 - 2001, uma odisseia no espaço (1968)

Domingo
17h - Dr. Fantástico (1963)
19h - Barry Lyndon (1975)

(Diario de Pernambuco, 05/11/2011)

Outras projeções do Janela

Bons curtas se destacam neste sábado e domingo de Janela Internacional. Oma, do uruguaio Michael Wahrmann, é um deles. Avós, seu curta anterior exibido na Janela do ano passado, estuda relações familiares - geracionais e chama atenção para o estudo de linguagem e diferentes suportes: HD, Super 8, 35mm. Agora, Wahrmann se volta à própria história com avó alemã, exposta em imagens íntimas e precárias, captadas em visitas esporádicas. Cabe discutir a proposta, inclusive, ética, do realizador. Hoje, às 21h, no São Luiz.

No mesmo programa, mais dois bons títulos inéditos: o pernambucano Zenaide, de Mariana Porto, livre leitura para poema homônimo de Cida Pedrosa, em que a diretora constroi uma mulher fictícia a partir de depoimentos documentais; E Na sua companhia, é o retorno do paulista Marcelo Caetano ao mundo gay. Se em Bailão, um dos curtas mais premiados de 2010, ele adentra a noite das boates frequentadas pelos mais maduros, agora aborda os jovens de periferia, a partir dos olhos de um professor da rede pública.

Ainda no sábado, às 16h, o Cinema da Fundação traz a estreia de [projetotorresgêmeas], manifesto coletivo que externa a insatisfação de dezenas de realizadores com o que tem se tornado a urbanidade do Recife; às 19h30, o plasticamente belo Movimento de um tempo impossível, do coletivo italiano Flatform simula em um único plano-sequência as quatro estações. O mesmo curta será reprisado no domingo, às 20h15, no São Luiz. Ainda no domingo haverá a estreia do pernambucano Dia Estrelado, de Nara Normande e do longa O garoto da bicicleta, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, premiados no último Festival de Cannes.

(Diario de Pernambuco, 05/11/2011)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Utopia anárquica no Recife



Sexta à noite, 1º de outubro de 2010. Cláudio Assis e equipe rodavam a sequência final de Febre do rato na beira do Rio Capibaribe, lado oposto ao Cinema São Luiz. À época, o cinema serviu de base de produção de figurino e camarim. Cláudio disse que passava por trás da tela. Do lado oposto, o cinema exibia o clássico Belíssima, de Luchino Visconti. Na plateia - e logo depois da sessão, em vista ao set - estava Kleber Mendonça Filho, que pouco mais de um ano depois inicia o Janela Internacional de Cinema do Recife com o novo longa de Assis.

O ciclo se fecha. O próprio São Luiz está no filme, em belo travelling feito do leito do Capibaribe, evocando a New Orleans de Down by Law (1986), de Jim Jarmusch. “Febre do rato é um retrato artístico do Recife. Como este ano a Janela volta-se para a cidade e para o mundo, não deu muito trabalho encontrar o filme de abertura”, diz Kleber. De volta ao São Luiz, desta vez do lado de cá da tela, Febre do Rato deve causar reações parecidas com outros filmes do diretor de Amarelo manga e Baixio das bestas. Ou adorado, ou de rejeitado.

Difícil é permanecer indiferente à utopia que Cláudio Assis imprime ao roteiro e poesia de Hilton Lacerda. Além da dupla, a exibição de hoje terá presença maciça de equipe e elenco: Julia Moraes, Walter Carvalho, Renata Pinheiro, Karen Harley e os atores Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Juliano Cazarré, Mariana Nunes e Tânia Moreno. Nanda Costa ainda não sabe se virá, está gravando série da Globo em Santa Catarina.

No filme, Irandhir é Zizo, poeta de rua, anarquista convicto, vetor que movimenta o filme. Em ascensão meteórica, o ator oferece o que pode ser a sua melhor performance, até o momento. Já a global Nanda Costa é Eneida, musa inspiradora de Zizo, com quem protagoniza a famosa cena de nudez, que no Sete de setembro de 2010 culminou em ação policial na Rua da Aurora, notícia dada com exclusividade pelo Diario.

Matheus Nachtergaele é o coveiro Pazinho, que com o travesti Vanessa, faz o casal mais conservador da turma, com direito a traição, crises de ciúme e DR em público, com choro e reconciliações. Cazarré e Mariana, ao lado dos músicos Vitor Araújo e Hugo Gila, formam a ala radical do amor livre. Delírio, prazeres e celebração são o combustível para Zizo / Cláudio convocar a população contra as dores de se morar no Recife. É o cinema como poesia, calcado em um olhar crítico e sem concessões sobre uma cidade em tons de cinza. E contrastes preto e branco.

Uma cidade feita de sonhos - Hoje o Recife assistirá a primeira exibição de Febre do Rato depois da consagração no Festival de Paulínia - nada menos do que oito prêmios. Depois, garante Cláudio, só quando o filme estrear, em março do ano que vem. Ou então, talvez, em grande festival internacional. “Embora não faça filmes para ganhar prêmio, ter sido reconhecido faz bem pois a mídia espontânea pode atrair mais público”, conta o diretor, na ladeira de São Francisco, Olinda, pouco antes de visitar o set onde Hilton Lacerda roda seu primeiro longa, Tatuagem.

Hilton é parceiro de primeira hora de Febre do rato, que surgiu em 2003, nos Quatro Cantos de Olinda, durante as filmagens de Amarelo manga. Não deve ser coincidência que o mesmo local é ponto de encontro da poesia marginal, principal inspiração para o filme. Agora, é a vez de Cláudio contribuir na produção do amigo, onde faz participação especial. Matheus Nachtergaele, que veio prestigiar o lançamento de Febre, também visitou o set e acabou entrando nas cenas.

Febre do rato é amor, de acordo com Cláudio. Mas também é revolta, rebeldia, indignação com um Recife de fortes diferenças. Daí a fotografia em preto-e-branco. Se a poesia do corpo é de Irandhir, a declamada é escrita por Hilton. No entanto, Cláudio cita Carlos Pena Filho para explicar a relação de amor e dor com a cidade.

“Cheguei ao Recife pelo movimento estudantil e sei que essa cidade é boa e ruim, o quanto ela pode ser cruel, maltratar principalmente quem mora nas favelas. Por um lado é bela, Veneza Americana, porta de entrada da Europa, mas os verdadeiros moradores da cidade, como os dos Coelhos, no centro da cidade, vivem em condições vergonhosas. O cinema tem que denunciar isso. Sem ser panfletário, pois não sou político, sou cineasta”.

Na apresentação do filme, Cláudio disse que quer mostrar ao público a quantidade de profissionais pernambucanos que fazem parte da equipe. E continua a tecer duras críticas à prefeitura do Recife, que prometeu, mas não investiu dinheiro no filme. “A prefeitura não tem política cultural. A não ser aquela virada eleitoral, aquela enganação”.

Quanto ao governo do estado, principal patrocinador do filme ao lado da Petrobras, só elogios. “Fui contemporâneo de Eduardo Campos na faculdade de Economia da UFPE. Sempre foi acessível. O Baile perfumado só existe por causa dele, que liberou o dinheiro que faltava para o filme terminar”.

E agora, que se transbordou de tanto amor e poesia, que fará Cláudio Assis? Planos não faltam. “Tenho três projetos, um deles para fazer um filme infantil com Paulo Lins (escritor de Cidade de Deus). Os outros dois é adaptar um livro inédito de Xico Sá, já aprovado pelo fundo setorial do audiovisual e outro com Anna Muylaert, chamado Piedade, que é sobre homens, tubarões e extração petróleo”.

Saiba mais

Depois da sessão de Febre do rato, tem festa de abertura do Janela de Cinema. A discotecagem com DJ Tutu Moraes (Festa Santo Forte / SP), Jr. Black e Claudio N. (Chambaril), em novo espaço para eventos no centro do Recife: o terraço do Edifício Tebas (Av. Nossa Senhora do Carmo, 60 - Santo Antônio). Ingressos à venda no Castigliani Cafés Especiais (Cinema da Fundação - Derby) e no local, a R$ 20.

Durante todo o festival (de hoje a 13 de novembro), haverá um espaço de convivência no primeiro andar do Cinema São Luiz. Segundo a organizadora, Cris Gouveia, a ideia é criar um "espaço de remanso", com opções culturais e gastronômicas.

Serviço
Cerimônia de abertura da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife
Onde: Cinema São Luiz
(Rua da Aurora, 184 - Boa Vista)
Quando: Hoje, 20h30
Quanto: R$ 4 e R$ 2 (meia)
Informações: 3184-3157

(Diario de Pernambuco, 04/11/2011)

Janela para o mundo dos cinéfilos

Começa hoje a 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife. Até o próximo 13 de novembro, mais de 160 filmes serão exibidos nos Cinemas São Luiz (Boa Vista) e da Fundação (Derby). Este primeiro fim de semana promete. Hoje à noite, após cerimônia de abertura no São Luiz, haverá a aguardada sessão de Febre do rato, de Cláudio Assis. E amanhã, no mesmo local, a retrospectiva Stanley Kubrick começa com Laranja Mecânica em cópia restaurada em digital 4K. Antes, às 14h, o Cineclube Dissenso (Fundação) exibe os primeiros filmes do cineasta: os curtas Flying Padre e Day of fight e o longa Medo e desejo. No domingo às 15h, outro clássico: Spartacus, com Kirk Douglas.

Para além das sessões principais, vale destacar a primeira exibição do [projetotorresgemeas], manifesto coletivo que representa criticamente o descaminho urbanistíco do Recife. Sábado, 16h, no Cinema da Fundação. Às 17h30, no curta sueco Las Palmas, o diretor Johannes Nyholm usa a própria filha como protagonista de uma animação com marionetes e técnicas mistas. O mesmo pode ser visto no domingo, no programa para crianças Janelinha, às 10h30, no São Luiz.

Ainda no sábado, às 21h no São Luiz, atenção para Oma, de Michael Wahrmann; e a estreia de Zenaide, de Mariana Porto, e Na sua companhia, de Marcelo Caetano. No domingo, às 18h45, outro inédito na cidade, também no São Luiz: Raimundo dos Queijos, de Victor Furtado (Alumbramento).

No cinema da Fundação, às 17h30, a produção alemã The voice of God, de Bernd Lützeler, reprocessa imagens de arquivo indianas, sob o ritmo de uma poderosa voz sem legenda: Deus, a serviço de Bollywood. Às 19h haverá a estreia recifense de Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira e a premiére mundial da animação Dia estrelado, de Nara Norrmande. Encerra o programa o longa O Garoto da Bicicleta, dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne.

(Diario de Pernambuco, 04/11/2011)