segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cabeça na animação, raízes em Pernambuco



Um dos animadores de Happy feet 2 está no Recife. Alemão radicado na Austrália, Matthias Reiche veio à cidade por motivos bastante pessoais: sua esposa é pernambucana e o casal quer que o filho seja brasileiro. Enquanto isso, Matthias segue trabalhando com animação digital. Diz que quer conhecer a cena local e fazer contatos no Porto Digital. “Tenho visto boas animações na TV. Na Austrália isto não é tão comum”.

A Austrália tem crescido como set de cinema. Matthias cita dois grandes exemplos: Matrix e Superman. Diz que os cineastas Baz Luhrman (Moulin Rouge), Philip Noyce (Salt) e George Miller (Happy feet 1 e 2) continuam os maiores nomes do país. E Miller, por muito tempo mais conhecido como diretor da trilogia Mad Max, o mais influente do mercado de desenhos animados. Os estúdios se multiplicam. Há cinco anos, diz Matthias, era apenas um. “Hoje são quatro. Em 2012, serão oito”.

Para realizar Happy feet 2, Miller fundou seu próprio estúdio, o Dr. D, sediado em Sydney. Ano que vem, o diretor deve realizar lá seu Mad Max 4: Fury Road. Happy feet 2 foi praticamente todo feito lá, exceto a sequência inicial, em que a câmera faz um megazoom, do globo terrestre ao vale dos pinguins, e da gravação das vozes, feita em São Francisco, nos Estados Unidos. Seiscentas pessoas foram mobilizadas, de diferentes partes do mundo, sob a direção de arte de Rob Coleman, o mesmo da nova trilogia Star wars.

Durante um ano e meio, Matthias fez parte da equipe que adaptou o movimento de dançarinos de carne e osso para a reduzida estrutura física dos pinguins digitais e transferiu os personagens para diferentes pontos do quadro. “Como editor de animação, recebo o script com os diálogos e as indicações de movimento e preciso tornar crível, fazer o público acreditar que eles não são feitos por humanos, mas por um pinguim”. Com 30 pessoas, a equipe processou cerca de 900 cenas.

São imagens produzidas em escala industrial, onde pouco se vê da mão dos trabalhadores. Mesmo sem tanta liberdade criativa, Matthias conseguiu emplacar detalhes fora do roteiro, como um pinguim bebê que consegue escapar de ser “atropelado” por um Leão Marinho. “O diretor achou engraçado e decidiu manter. Como em qualquer fábrica, são pequenos momentos de diversão”.

Mensagem duvidosa - Happy feet 2 se passa no gelo da Antártida e foi produzido por um estúdio australiano. No entanto é um típico produto norte-americano, que nos últimos anos vem alimentando certa obsessão por pinguins. Em 2006, quando surgiu o desenho que deu origem a esta sequência, já havia Madagascar, que gerou sua própria leva de pinguins. E, um ano antes, o documentário francês A marcha dos pinguins já quebrava recordes de bilheteria. Este ano, antes da volta dos aves dançarinas, Jim Carrey foi ofuscado por outras, em Os pinguins do papai.

Com efeitos realistas, Happy feet 2 é uma bela incursão ao Polo Sul em 3D. A naturalidade dos movimentos se soma a detalhes impressionantes. Há bonitas sequências de dança, que parodiam as produzidas pela indústria de entretenimento. Numa delas, encontramos os felizes pinguins-imperadores, até que uma geleira isola o vale e os impedem de buscar comida.

Cabe a Mano (voz original de Elijah Wood, no Brasil, de Daniel Oliveira), agora um pinguim crescido, seu filho Erik (Yago Machado) e seus primos e amigos Ramon (Robin Williams/Guilherme Briggs) e Amoroso (Robin Williams/Sidney Magal) salvarem a pátria. Incompreendido por não querer dançar como todos, Erik foge e, incentivado por um estranho pinguim voador e de bico colorido, está determinado a voar também. O pai vai buscá-lo de volta, mas a relação está comprometida.

Paira em Happy feet 2 um discurso moral duvidoso, já encontrado em outros desenhos, como Toy story 3. A estratégia não vem de hoje. Vendido como diversão para a família e munido de efeitos digitais impressionantes, os bichinhos reproduzem o modo de vida, valores e padrões da sociedade de consumo.

A sensação de ser diferente e buscar o desconhecido ou desejar o inalcançável são vistos não como legítimos, mas como desvarios da juventude. Ou alucinações, como a do camarão que adquire consciência e desvia do grupo para descobrir que sua espécie não passa de comida para peixes. O mundo é um lugar inóspito para quem ousa ficar longe da asa da mãe, a não ser quando extremamente necessário. Aí, o perigo se torna desafio. Os desviados logo aprendem a lição: assumir “quem você é” e aceitar aqueles que o reconhecem como tal. Estes estão livres para dançar, em alegre conformismo.

(Diario de Pernambuco, 28/11/2011)

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