sábado, 5 de novembro de 2011
Stanley Kubrick por completo
“Viddy well, little brother. Viddy well”. Veja bem, diz Alex, antes de iniciar mais uma sessão de ultraviolência. De olhos bem abertos, o escritor amarrado assiste o líder da gangue violentar sua esposa, até a morte. Pouco depois, é a vez do agressor ter os olhos escancarados, em processo de lavagem cerebral. Estas são apenas duas das impressionantes imagens criadas por Stanley Kubrick (1928 - 1999) para Laranja mecânica, que completa 40 anos se reafirmando como uma das mais influentes obras do cinema.
Hoje, o Recife terá a rara oportunidade de assistir ao filme no Cinema São Luiz, em cópia restaurada e projeção digital 4k. A sessão faz parte de retrospectiva organizada pela 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife. Antes, às 14h, o Cineclube Dissenso exibe os dois primeiros curtas (Flying padre e Day of fight) e o primeiro longa, Medo e desejo, banido pelo próprio diretor.
Kleber Mendonça ressalta a importância não só da mostra, inédita no Brasil, como do local que a abriga, o Cinema São Luiz e o ritual que isso representa. “Há algo indissociável entre o cinema e o espaço em que ele se realiza. Para as sessões de Spartacus e 2001, por exemplo, recebemos um email com orientações sobre quando devemos abrir e fechar a cortina”. Além de contar com a realeza do São Luiz, há que ressaltar a qualidade técnica com que Laranja mecânica será exibido, a partir de um projetor Christie de 33 mil ansi lumens, o mesmo utilizado no Festival de Cannes. O técnico alemão Ali Sozen, que projetava filmes em 70mm no ZooPalast em Berlim, irá operar o equipamento.
Escrita por Anthony Burguess como forma de expurgar a violência que sofreu na mão de vândalos, Laranja mecânica é um libelo pelo livre arbítrio. Para o autor, não se pode exterminar o crime pelo controle da mente. E a violência institucional é bem pior do que a praticada à base do Moloko Velocet, droga utilizada por Alex e seus droogues. Por sua vez, Kubrick tornou um garoto pervertido e obcecado por Beethoven em vingador da alta cultura contra a mercantilização da arte.
Laranja mecânica segue rendendo tributos e interpretações. “É um filme virtuoso, de alma punk, de uma energia impressionante”, diz Kleber, na tentativa de compreender a vitalidade do filme. O mesmo ocorre com 2001, O iluminado, Nascido para matar.
“Olhar bem” é mais valioso convite feito por Kubrick em seus filmes. O rigor e precisão com que construiu imagens (“em cada foto está o filme”, repara Kleber) e manipulou o tempo são impressionantes. Mesmo em sua fase inglesa, continuou exercitando gêneros. Fez filmes noir, comédia, de época, guerra, terror e ficção científica. Seu último longa, De olhos bem fechados (Eyes wide shut, de olhos arregaladamente fechados), volta à questão central de sua obra.
A abismal diferença entre ver, essa atitude mecânica e condicionada a que estamos nos reduzindo enquanto espécie e o olhar, exercício capaz de levar à iluminação, ao que nos torna humanos. HAL, o cíclope tecnológico que tudo vê de 2001. Bebê-estrela, olhe por nós.
Programa
Hoje
22h30 - Laranja mecânica (1971)
Domingo
15h - Spartacus (1960)
Segunda
21h15 - Glória feita de sangue (1957)
Terça
21h - Lolita (1962)
Quarta
18h30 - Nascido para matar (1987)
Quinta
16h30 - De olhos bem fechados (1999)
Sexta
22h - O iluminado (1980)
Sábado
16h15 - O grande golpe
18h30 - A morte passou por perto (1955) - Cinema da Fundação
22h30 - 2001, uma odisseia no espaço (1968)
Domingo
17h - Dr. Fantástico (1963)
19h - Barry Lyndon (1975)
(Diario de Pernambuco, 05/11/2011)
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