domingo, 27 de novembro de 2011
Filme que vale uma vida
George Harrison não foi somente o “Beatle quieto”. Dos quatro, era o que mais evitava contato visual. E quando o fazia, revelava um olhar misterioso. Na sequência inicial do documentário Living in material world, oculto por flores, ele mira a câmera. É justamente essa a imagem que convenceu Martin Scorsese a dirigir a produção, a convite da viúva do músico. Apesar de recluso e discreto, Harrison queria dirigir o filme da vida dele, mas faleceu antes disso. Após assistir No direction home, sobre a vida e obra de Bob Dylan, Olivia Harrison decidiu confiar o material ao cineasta.
O resultado é uma incursão em imagens de arquivo e depoimentos tão longo e instigante quanto a feita com Dylan. Há inclusive o momento Like a Rolling Stone, em que Scorsese reconstrói o contexto até que explode no áudio a canção mais conhecida de Harrison (sem os Beatles), My sweet lord. É o ponto culminante, síntese dos mundos que ajudou a conciliar, o da cultura pop com o do movimento Hare Krishna. À época, tanto a música quanto o álbum triplo All things must pass (1970), foram ao topo das paradas.
Depoimentos de amigos e familiares ajudam a entender a busca artística e espiritual do músico. Inicialmente tímido perante as personalidades desenvoltas de John, Paul e Ringo, o talento de George fluiu aos poucos, em composições cada vez mais elaboradas. Ele tinha apenas 15 anos quando John e Paul o chamaram para o The Quarrymen, mas depois da temporada na Índia e a amizade com Ravi Shankar, ninguém mais o via como o caçula.
Isso fica claro quando os Beatles estão mais próximos do fim. Nas sessões do Álbum branco, conta George, como ninguém levou a sério While my guitar gently weeps, ele convidou Eric Clapton, no que se tornou a primeira interferência externa na banda. Na mesma época, quando Ringo se sente preterido e resolve sair, ele decora o estúdio com flores, e o baterista fica. Em Abbey road, como se sabe, foi generoso e se despediu com Something e Here comes the sun, as duas melhores canções do álbum.
Momentos controversos não são evitados por Scorsese. Ao tratar do episódio em que perdeu a esposa para Clapton, o diretor ouviu o guitarrista. “Quando disse que estava apaixonado por Patty, ele disse: ‘fique com ela’”. Ele ficou e, disse Clapton, George se enfureceu.
Terry Gilliam e Eric Idle, do grupo Monty Phyton, também deram depoimentos interessantes. No fim dos anos 1970, George se envolve na produção de dois filmes do grupo de comediantes anarquistas: The Rutles: all you need is cash (ácida paródia dos Beatles) e A vida de Brian, pelo qual penhorou a casa para completar o orçamento. Conta Idle que no lançamento dos Rutles, os Pythons confundiram muita gente ao se passar pelos próprios Beatles. George estava lá, mas passou despercebido.
Talvez fosse isso o que sempre quis, ficar longe dos holofotes. Dizer que estar no topo do showbiz e desfrutar da fama não passam de ilusões do mundo material. Sua música, não. Esta permanece.
(Diario de Pernambuco, 27/11/2011)
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