sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Liberdade é a estrada



Um filme sobre mochileiros, nômades, viajantes. Wanderers, hitchhickers, andarilhos, caronistas. Gente alheia à sociedade de consumo, que ousa divergir, na prática, da manada dos normais. E por isso, gente invisível, temida, desprezada. Acima de tudo, Estradeiros é sobre liberdade.

Rodado no Brasil, Argentina, Bolívia e Peru, o primeiro longa-metragem do casal Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro tem trilha sonora de DJ Dolores e será exibido hoje, às 20h, no Cinema São Luiz, a convite da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife. Ele chega à cidade com a chancela da Semana dos Realizadores, no Rio de Janeiro, onde foi eleito melhor filme no mês passado.

Em conversa com o Diario, Sérgio conta que Estradeiros é a realização de um desejo antigo de fazer um filme sobre os hippies. “Sempre me atraem pessoas ou grupos que praticam liberdade. E os hippies têm a possibilidade de ir e vir, de se locomover com uma liberdade que a maioria das pessoas não tem”.

Sérgio e Renata já haviam se dedicado a outro universo alvo de preconceito em Faço de mim o que quero, sobre a cena brega do Recife. Seu curta mais recente, o premiado Praça Walt Disney, é um belo exemplo de liberdade criativa sobre as imagens da cidade. Aprovado pelo edital Longa Doc, o projeto teve início quando Sérgio encontrou um casal no centro do Recife. “Eles estavam no meio da balbúrdia, sentados calmamente na calçada, tomando vinho. Falei com eles e no dia seguinte os encontrei em Calhetas”. A dupla é Cubano e Tatiana, com quem Sérgio, Renata e o diretor de fotografia, Pedro Urano, se jogaram na estrada.

Mas Estradeiros é mais do que os protagonistas que compartilham uma cultura alternativa. É sobre a conexão espiritual com a natureza e forças ancestrais. “O filme é uma aproximação do continente, da terra. Utilizamos a tribo para descobrir a América do Sul, que hoje vive uma situação especial, a da liberdade de ir e vir, de fato. Eles vivem do artesanato que vendem, do malabares que fazem, para continuar em comunhão com a natureza”.

Uma das inspirações para o filme é o poeta norte-americano Walt Whitman, que defendia o “fluir da vida, admirar as coisas, ver novas paisagens, comungar com a natureza”, diz Sérgio. E as imagens da natureza são realmente exuberantes, de beleza impactante. Em algumas, há um movimento de câmera incomum, que gira as paisagens em 180º e outros ângulos, metáfora que pode remeter à outras formas de ver e viver o mundo, desafiando leis inabaláveis como a da gravidade.

“Somos os novos índios”, diz um personagem. Sérgio concorda. “Talvez eles sejam um novo grupo étnico, que desde os 1960 estão ocupando as calçadas, comungando valores e características culturais”.

Desapego material, e elevação da espiritualidade são valores aplaudidos quando promulgados por algum guru oriental, mas terminam por soar subversivos se colocados em prática por ocidentais jovens e cabeludos, à margem da sociedade de consumo. Em certo momento do filme, um casal afirma durante seis meses viveram com o equivalente a R$ 10. Em outro, um rapaz alerta para as ilusões de um suposto nirvana tecnológico. Não há nada de alienação aí. Ele busca a conexão com a terra, não com a internet. E faz pensar sobre as fragilidades e armadilhas no discurso hegemônico da aldeia global.

(Diario de Pernambuco, 11/11/11)

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