sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Cinema, cidade e solidão



O cinema independente tem sido pródigo ao refletir sobre a desordem urbana das grandes cidades. A produção argentina Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual, de Gustavo Taretto, é uma bela investigação de como o tema incide nas relações e subjetividades que produzem o sentimento de estar só, mesmo na multidão. A boa carreira em festivais (somente em Gramado, foram três prêmios principais) contribuiu para que o filme chegasse ao circuito nacional. No Recife, conseguiu janela na programação do Cine Rosa e Silva, programada por Carol Ferreira.

Medianeras é mais uma prova da vitalidade do cinema argentino contemporâneo. A sequência inicial deflagra recortes da paisagem urbana de Buenos Aires, em instigante montagem costurada pela voz do protagonista (Javier Drolas), jovem webmaster de tendências depressivas e que passa 99% da sua vida na internet. Ele chama atenção para as “irregularidades éticas e estéticas” da cidade, que se expande “sem planejamento, como nossas vidas”.

Medianera, o próprio filme explica, é a parede sem janelas dos edifícios, geralmente mofadas ou usadas como outdoor publicitário. Em um desses prédios está a arquiteta vivida por Pilar Lopez de Ayala (a bela falecida de O estranho caso de Angélica, de Manoel de Oliveira), arquiteta recém-separada que tenta se readaptar à casa em que morou há quatro anos. O exercício de “procurar beleza onde não existe”, nas medianeras, levará ao encontro, à religação?

Uma sequência em desenho animado, referências diretas a Onde está Wally?, e o espírito de melancolia pop fazem do filme uma ode à juventude viciada no mundo online - e pouco à vontade fora dele. No entanto, a maior influência do filme está em Woody Allen, assumida quando uma sequência inteira de Manhattan (1979) preenche a tela. Buenos Aires não é Nova York. Mas para o cinema, isso é o que menos importa.

(Diario de Pernambuco, 25/11/11)

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