terça-feira, 29 de novembro de 2011

A mordida do vampiro



Tem sido cada vez mais recorrente o circuito de exibição brasileiro ter metade das salas ocupadas por um único filme. Somente este ano, tivemos três: em abril, o desenho Rio, de Carlos Saldanha, estreou em 1.024 salas; o último Harry Potter, 915; agora, assistimos à quarta sequência da saga Crepúsculo, Amanhecer - Parte 1, chegar a 1.100 salas do país. Além da onipresença, o blockbuster se tornou a maior abertura da história brasileira - somente no primeiro fim de semana, 1,721 milhão de pessoas assistiram ao romance dos vampiros.

É sem dúvida uma relação bem sucedida entre distribuidores, exibidores e público. No entanto, se duas produções do mesmo porte forem lançadas ao mesmo tempo, teremos de 2.225 salas exibindo dois filmes. No mínimo, uma anomalia. Seria esta uma prática de mercado razoável, ou uma ocupação vampiresca?

Daqui por diante, o parque exibidor receberá lançamentos cada vez maiores e por menos tempo em cartaz. É a forma encontrada pela indústria para obter lucro máximo e driblar a pirataria. Talvez por isso, nos Estados Unidos, a queda na bilheteria de Amanhecer foi de 76% entre as duas primeiras semanas, a maior entre todos os filmes da série. Enquanto alguns comemoram, outros setores reagem. Em seu blog, a Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (www.abraccine.wordpress.com) publicou uma série sob o título “O Crepúsculo do circuito brasileiro”.

Luiz Zanin, crítico do Estadão e presidente da Abraccine, diz que a Argentina cobra imposto progressivo sobre megalançamentos. Aos defensores da não-regulamentação, pergunta: “Não se dão conta de que uma ocupação militar do mercado, como essa, é que é o verdadeiro atentado à livre circulação das (outras) obras?”

Programador do Cinema da Fundação, Kleber Mendonça Filho lembra do modelo francês, que direciona parte das grandes bilheterias para o cinema nacional. “A ideia é tão boa que não vejo sendo usada no Brasil. Imagine, todos torcendo para Amanhecer deixar R$ 40 milhões para a produção local”. Enquanto os vampiros invadiam o circuito comercial, o Cinema da Fundação colocou em cartaz três filmes nacionais, ao mesmo tempo. A partir de sexta, serão 40 produções em dez dias, na Retrospectiva 2011/Expectativa 2012.

“Claro que nunca é bom metade da nação ser coberta por um único filme”, avalia Kleber. “O público pode até gostar, mas o efeito é o de uma escola onde as pessoas são direcionadas para determinada visão de mundo. É como decretar que todo o país vai comer McDonald’s. Do ponto de vista da cultura, não é nada saudável. Mas pode parecer ingenuidade pensar em cultura quando o que existe é o mercado”.

Doutor em sociologia, o professor da UEPB Luciano Albino diz que Hollywood está monopolizando um mercado cada vez maior e ao mesmo tempo, reduzido para a concorrência. “É assim em outros setores da economia, como o automobilístico. Grandes empresas controlam o mercado. Junto com esses produtos está se consumindo uma carga simbólica, um indissociável padrão ideológico. Concorrer com esse padrão é complicado. Mais fácil é juntar-se a ele, como a Globo vem fazendo”.

São pontos estratégicos, que apontam para questões de supremacia. Será que o público de fato escolhe o que vai assistir no cinema? Responde o pensador francês Jean Baudrillard: “a liberdade e a soberania do consumidor não passam de mistificação”.

Blockbusters como aliados?

No mercado há 30 anos, o programador dos complexos UCI Ribeiro Pedro Pinheiro diz que não é comum um filme atrair tanto público fora do período de férias ou feriado prolongado. Ao contrário dos críticos, ele vê os blockbusters como aliados dos demais filmes. “Eles subsidiam os demais. Avatar, por exemplo, subsidiou o mercado 3D e a abertura de novas salas. Isso ajuda os filmes que virão depois. Este ano, Woody Allen bateu recorde de público porque havia mais salas, para ele e para os filmes nacionais. Um bom exemplo é O palhaço, que entrou em 500 salas e fez 1 milhão de espectadores”.

Kleber Mendonça discorda. “Amanhecer traz luxo e riqueza para o mercado, mas não significa que pode ter expansão da variedade. O parque exibidor aumenta para exibir a mesma coisa. Nos anos 1990, o Recife tinha oito salas para Hollywood e nenhum espaço para outros filmes. Hoje temos 44 salas e continua a mesma coisa. Recife é cidade estranha pois tem base de cultura muito forte e o circuito continua pobre, não reflete o perfil de cultura da cidade. Mas público é como água, sempre vai achar maneira de ir atrás do que gosta”.

(Diario de Pernambuco, 29/11/2011)

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