segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Em Berlim



Faço as malas para Berlim. Será a segunda vez na cidade, novamente cobrindo a Berlinale. Curioso com o que virá pela frente, dos oscarizáveis à mostra especial sobre o mundo árabe. Da retrospectiva de cinema soviético aos 100 anos dos Estúdios Babelsberg.

O evento começa na quinta-feira, com exibição de Adeus, minha rainha, nova versão para a história de Maria Antonieta. Você poderá ler minha cobertura no caderno Viver e em blog especial, no ar a partir de hoje com todos os textos publicados no jornal, mais material exclusivo.

Enquanto estou a caminho, você pode explorar o blog com a cobertura do ano passado, do qual se destacaram o filme iraniano A separação, de Asghar Farhadi (atualmente indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro) e O cavalo de Turim, de Béla Tarr, ainda inédito no Brasil.

Boa leitura e até logo mais!

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Star Wars 3D



Star wars está de volta em 3D. Geek de primeira hora, George Lucas não poderia deixar de atualizar seu trabalho mais representativo para a nova tecnologia. Lançada em blu-ray no fim do ano passado, a saga completa está de volta aos cinemas. Mesmo que eliminado o suspense sobre os personagens principais, Darth Vader e Luke Skywalker, assistir os seis episódios na ordem “correta” (os tomos 4, 5 e 6 foram produzidos primeiro, entre 1977 e 1986) ainda é uma oportunidade e tanto. Efeitos visuais inovadores e o talento de Lucas em fundar mitologia própria fazem de Star Wars um marco do cinema mundial. O melhor ainda está por vir, com A vingança dos Sith (episódio 3) e O império contra-ataca (Episódio 5).

Episódio 1 – a ameaça fantasma, que estreia nesta sexta-feira, pode ser visto como um prelúdio de luxo, onde são apresentados o jovem Obi-Wan Kenobi (Ewan Mcgregor) e seu tutor, Qui-Gon Jinn (Liam Neeson), o mestre Yoda e os androides R2D2 e C3PO, com participação de Jabba Hut.

A história, que transforma a criança Anakin Skywalker em herói da Rainha Amidala (Natalie Portman, pós-adolescente) só não é mais infantil do que o Episódio 6 – o retorno de Jedi. Na melhor das hipóteses, serve para elucidar que o conflito entre a República (defendida pelo conselho Jedi) e a maligna Federação do Comércio começou por um problema fiscal.

Produzido em 1999, doze anos depois pouco resta de atraente no longa, calcado em referências visuais díspares: RPG, videogame, pré-história, a cidade retrô-futurista de Metropolis e a sintaxe de filmes bíblicos. Destes, além disso, herdou uma dramaturgia tacanha, incapaz de investir em condutores emocionais como serão Luke, Han Solo e Chewbacca, em um futuro não muito distante. Obi-Wan e Qui-Gon são praticamente os Reis Magos, que protegem Anakin, “o escolhido” para trazer o equilíbrio entre as nações, sem saber que nele reside o “Anticristo” Darth Vader.

Como a série não foi concebida para esta técnica, o 3D quase sempre fica aquém das expectativas. Em alguns momentos, é aplicado só nas legendas. Em outros, como na luta de sabres entre Jedis e o Lorde Sith Darth Maul e a corrida de Pod-racers, faz valer o preço do ingresso.

(Diario de Pernambuco, 11/02/2012)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O retorno à essência



Indicado a dez Oscar, O artista, produção francesa rodada nos EUA, remete a um tema crucial no cinema: a rapidez da evolução tecnológica e sua interferência na sintaxe fílmica. Antes de tudo, como bom filme, é uma história de amor. De todas as artes, o cinema é talvez a que mais expande fronteiras sem escrúpulos, de costas para o próprio passado. Foi assim com o advento da cor, do digital que “matou” a película e agora com 3D. De todas, a primeira transição foi do cinema mudo para o sonoro. Em busca de novos rostos para os novos tempos, Hollywood tornou os primeiros galãs em artigos de museu.

É o caso de George Valentin (Jean Dujardin), ator que forjou seu sucesso amparado por um bigodinho, meia dúzia de expressões faciais (do destemido ao galante) e um cachorro, seu fiel escudeiro. A referência é direta a Rodolfo Valentino, o primeiro símbolo sexual do cinema, morto precocemente em 1926. No filme, estamos em 1927, auge de Valentin, que abre caminho para a aspirante a estrela Peppy Miller (Bérénice Bejo), sem saber que em pouco tempo viveria a ruína profissional. É a vez de Peppy, apaixonada, salvar seu herói.

Mas O artista é mais do que o drama dos personagens. Ao incorporar a estrutura narrativa dos filmes silenciosos, o filme de Michel Hazanavicius é uma bela e ousada homenagem aos primórdios do cinema. Em momento algum se ouve a voz de Valentin e demais personagens. A não ser por risadas de jovens figurantes e de ruídos captados no seu camarim no momento em que o ator se dá conta de que a captação de som direto o tornou ultrapassado, toda a banda sonora do filme se resume a uma emocionante trilha sonora. Quase todos os diálogos se dão em cartelas de fundo preto e a “janela” do filme é o 4:3, próximo ao quadrado. A simulação é tão precisa que, a cada troca de rolo, os tons de cinza mudam de tonalidade.

É fascinante assistir a um filme assim em um complexo de shopping de cores gritantes e tomado por produções em 3D. Teóricos e realizadores defendem que as bases do cinema se desenvolveram justamente nessa época, os anos 1910-20. Ao emocionar com o mínimo de recursos, O artista é o retorno a essa essência.

(Diario de Pernambuco, 10/02/2012)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O Som ao Redor em Roterdã - repercussão



Único filme brasileiro a ser premiado do 41º Festival de Roterdã (Holanda), O som ao redor, primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, inicia a carreira com o pé direito. Ano passado, o filme não foi aceito pelo Festival de Brasília, no que parece ter sido um erro histórico para um evento que sempre acolheu e premiou o cineasta. Na última sexta, o filme foi eleito o melhor de Roterdã pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica - Fipresci, por “evocar uma atmosfera de paranoia e ameaça através do uso altamente ambicioso de fotografia e som”.

“Uma estreia ousada e promissora”, escreveu o crítico paulista Thiago Stivalleti, um dos responsáveis pela seleção da próxima Mostra de São Paulo. O crítico Jay Weissberg, da revista norte-americana Variety, fez elogios rasgados a Kleber: “um cineasta excepcionalmente talentoso, que sabe exatamente o que está fazendo e por quê o faz”. Sobre o filme, ele diz ser “um poderoso e sutil raio x da sociedade brasileira contemporânea (…) soberbamente construído, com hábeis atuações e lindamente fotografado (…) um exemplo de filme brasileiro que não precisa de um pé na favela para ganhar força no mercado internacional”.

Com atuações de Irandhir Santos, Gustavo Jahn e Maeve Jinkings, O som ao redor se passa numa rua de Setúbal, bairro da Zona Sul recifense onde mora o diretor. De acordo com material de divulgação do filme, moradores preocupados com a segurança contratam milícia que traz tranqulidade para alguns e tensão para outros.

“Juntei amigos e fiz o filme de maneira não tão diferente do que já estava habituado, exceto no quesito estrutura, pois esse é o meu filme mais caro até hoje”, diz Kleber, de Bourdeaux, onde passa férias. O orçamento de quase R$ 2 milhões foi captado via Ministério da Cultura, governo de Pernambuco, Petrobras e Fundo Hubert Bals, mantido pelo Festival de Roterdã.

Do ponto de vista prático, o prêmio da Fipresci deve abrir portas para o filme. “Críticos exercem o amor pelo cinema não apenas escrevendo, mas organizando mostras, festivais”, diz Kleber. Até o momento, são 28 convites para novas exibições. A próxima, diz Kleber, deve ser em Varsóvia (Polônia). “Há alguns apectos do chamado ‘cinema de gênero’ que parece ter batido bem. Tudo o que eu temia na minha visão do filme terminou revelando-se algo positivo”.

Ainda não há nada definido para uma sessão nacional de O som ao redor, que deve acontecer ainda este ano.

Saiba mais

As filmagens de O som ao redor foram feitas em seis semanas e quatro dias, entre julho e agosto de 2010; a montagem, assinada por Kleber e João Maria, levou um ano e dois meses para ficar pronta. O corte final de é de 131 minutos.

A trilha sonora é de DJ Dolores; a fotografia, de Pedro Sotero e Fabricio Tadeu; a direção de arte, de Juliano Dornelles.

Kleber Mendonça dirigiu diversos curtas, entre eles Enjaulado (1997) e Recife frio (2009). Alguns de seus filmes podem ser assistidos pelo site www.vimeo.com/cinemascopio

(Diario de Pernambuco, 07/02/2012)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O Som ao Redor, eleito pela Fipresci o melhor de Roterdã



O som ao redor, primeiro longa de ficção do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é o único filme brasileiro premiado no 41º Festival de Roterdã, Holanda. Com o ator Irandhir Santos no papel principal, o filme teve première mundial em Roterdã, onde foi eleito o melhor filme pelo júri da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica (formado por jornalistas dos EUA, Inglaterra, China, Holanda e Brasil), por “evocar uma atmosfera de paranoia e ameaça através do uso altamente ambicioso de fotografia e som”.

Julio Verne em 3D



Boa aventura em família, Viagem 2 - a ilha misteriosa, atualiza com honra o gênero de jornadas em lugares inóspitos e fantasiosos, no caso, a ilha e situações narradas por Julio Verne em livro homônimo e demais obras deste e outros autores. Neste caso, a técnica 3D pode causar tanto fascínio quanto os répteis em stop-motion dos filmes antigos.

O filme narra a jornada emocional de Sean (Josh Hutcherson), que procura o avô (Michael Caine) desaparecido há dois anos. Com a ajuda do padrasto com quem não se dá tão bem (Dwayne Johnson, no papel do brutamontes sensível e sorridente), o garoto se alia a pai e filha (Luis Guzmán e Vanessa Hudgens), que os conduzem a uma ilha perdida no Pacífico. Lá animais grandes são pequenos e os pequenos, gigantes. Ciência e fantasia, de mãos dadas, para novas e velhas gerações.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Amores à flor da pele



Amores imaginários (Canadá, 2010) é um filme jovem, com tudo de bom e ruim que isso possa significar. É igualmente despido de pré-julgamentos sobre a vida sexual de seus personagens, embora o que mais se vê na tela são clichês e referências estéticas explícitas a penteados e figurinos de James Dean, Morrissey e Audrey Hepburn. Mesmo incapaz de se movimentar sem as muletas do cinema alheio (principalmente, Quentin Tarantino e Wong Kar Wai), o longa de Xavier Dolan, 22 anos, faz um retrato bastante coerente com os seres humanos de sua geração, cuja cartela de opções sexuais hetero-homo é definida em escala de seis.

Festas e bares são o habitat natural da fauna na casa dos 20 e poucos anos, gente bonita de Montreal, foco na dupla Marie (a bela Monia Chokri) e Francis (o próprio Dolan), ambos arrebatados pelo carisma e beleza de Nicolas (Niels Schneider). Um trio amoroso se esboça mas resvala em carências e sentimentos confusos. Nicolas é um coiote, livre de maiores dilemas, acostumado a ser o centro das atenções e imune a cobiça monogâmica. Inseguros, Marie e Francis, não sabem o que fazer com tanta liberdade.

Todos agem intensamente, como se o mundo fosse acabar e cada momento, o último. Fumam comom condenados. Se comunicam com fala acelerada e comportamento ansioso, inquieto. Ao mínimo sinal de que relações podem sair da superfície, entram em desespero, como se não soubessem o que fazer com algo íntimo onde possam repousar. O ritmo nervoso do filme corresponde, a não ser em sequências estilizadas em câmera lenta que remetem à plastica impecável de Kar Wai em Amor à flor da pele, com o adendo de filtros coloridos. Nesses momentos, Dolan usa uma versão em francês para Bang Bang, usada por Tarantino em Kill Bill, na voz de Nancy Sinatra. Ou em depoimentos que remetem a um dispensável ar documental, que felizmente se dissipa assim que a trama continua.

(Diario de Pernambuco, 03/02/2012)

Alma não tem cor



Filmes sobre tensão racial são recorrentes nos Estados Unidos. Indicado a quatro Oscar, Histórias cruzadas revisa o tema sob o ponto de vista de mulheres, divididas entre negras netas de escravos e suas patroas, brancas e mimadas. Não é difícil se compadecer em lágrimas com o sofrimento e tragédias pessoais trazidos pelo filme. Elas protagonizam a miséria humana cotidiana, manifestada explicitamente no início dos anos 1960 em pequena cidade do Mississipi, sul dos EUA. Claro que, de maneira mais ou menos velada, são relações que poderiam ser encontradas em qualquer época ou lugar; estamos falando do ritual coletivo de submissão, não necessariamente racial. E nem é preciso ir tão longe. No Brasil, empregadas domésticas ainda são itens de necessidade básica.

Há boas chances de Histórias cruzadas se cobrir de estatuetas no fim deste mês. Ele é politicamente correto, emocionante e com grandes atuações. Principalmente Viola Davis (Intrigas de estado), que vive Aibileen, dedicada ama seca que a cada humilhação abaixa os olhos com um resignado “yes, mam”, mas os levanta carinhosamente para encorajar a pequena criança pela qual é responsável. A convite de Skeeter (Emma Stone, de Zombieland e Superbad), garota branca de viés liberal (ao contrário das demais jovens, prefere ser jornalista a caçar um marido), Aibileen começa a contar a sua história. O objetivo é organizar um livro que revele as crueldades cometidas na intimidade do lar. Criada por ama negra, a própria Skeeter tem motivos pessoais para levar à frente o projeto.

Dirigido por Tate Taylor, Histórias cruzadas remete a dois grandes momentos do cinema racialmente engajado, como Mississipi em chamas (Alan Parker, 1988) e A cor púrpura (Steven Spielberg, 1985). Enquanto Kennedy é assassinado, os discursos de Luther King transmitidos em rede nacional e as canções de Johnny Cash e Bob Dylan sopram no vento, uma aurora libertária é construída em escala microscópica, com a câmera fixada nas cozinhas e quintais.

Ponto de mutação para os direitos raciais, a escolha da época é precisa para ilustrar a tomada de consciência das mulheres negras, sintetizada na figura de Minny (Octavia Spencer), a empregada rebelde que se vinga da patroa má, para então se aliar à branca excluída Elisabeth (Ahna O'Reilly) contra a liga republicana da moral e bons costumes. A mesma que, aliás, obrigava aos negros a seguir um código de conduta surreal, um apartheid que inclui o uso de banheiros e livros escolares.

(Diario de Pernambuco, 03/02/2012)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana

Lançamentos DVD



Metal - Calcado no espírito dos filmes de aventura e ficção da geração 1970-80, esta é uma ótima resposta à atual desumanização do cinema comercial, total contramão dos filmes de robôs 100% calcados em pirotecnia e metal retorcido, como Transformers. Apesar do tom moralista e de encantamento tecnológico dos produtores Spieberg / Zemeckis, a real força do filme está na reaproximação entre pai (Hugh Jackman) e filho em mundo violento, já visto em O Campeão (1979) e Falcão - O Campeão dos Campeões (1989).
Gigantes de aço (EUA, 2011). De Shawn Levy. 127 minutos. Disney.



Estrada - Aos 60 anos, operário de um matadouro viaja pelo interior em busca de papeis que comprovem que cumpriu o tempo de serviço para receber a aposentadoria. Gordo e de cabelos compridos, Gérard Depardieu montado em uma chopper é o mamute em si, ser anacrônico que carrega no corpo o peso do passado conturbado e anos de conformismo. Mamute é um filme de estrada, e como tal, de descobertas existenciais e uma bela revisão do ideário de liberdade hippie pela perspectiva de quem o redescobre na terceira idade.

Mamute (França, 2010). De Gustave de Kervern e Benoît Delépine. 92 minutos. Imovision.



Elite - Drama familiar em que três irmãos de família rica (Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Débora Falabella) precisam lidar com as emoções e as responsabilidades provocadas pela morte do pai (Paulo José). Santoro volta da Itália com a esposa, encontra o irmão inconsequente (Raymond) ameaçado por dívidas e descobre que tem uma meia-irmã com deficiência mental (Falabella). A imersão nesse círculo íntimo de representantes da elite mostra que o país de Risturm está bem distante da realidade social brasileira.

Meu país (Brasil, 2011). De André Ristum. 90 minutos. Imovision.

Bastidores

Cubano - A Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba abre as inscrições para a seleção de estudantes brasileiros até 10 de março. As provas serão aplicadas em cinco cidades. Para participar, é preciso, entre outros requisitos, ter entre 22 e 29 anos. No Recife, a seleção será feita pelo Centro Audiovisual Norte-Nordeste (Canne). Mais informações: www.eictv.org.

Bola no pé - O Cinefoot - Festival de Cinema de Futebol procura filmes para compor sua edição de 2012. É o único festival latino-americano de longas e curtas-metragens sobre futebol. Até 1º de março.

Seminal - Uma sessão especial em homenagem ao cineasta Linduarte Noronha, falecido na última segunda-feira, será promovida pelo Cinema da Fundação. Com direção e roteiro de Noronha e fotografia e montagem de Rucker Vieira, o curta-metragem O cajueiro nordestino (1962) foi filmado dois anos depois do mítico Aruanda e será exibido em 16mm no próximo domingo, às 17h40, com entrada franca.

No centro - O CinePasárgada (Rua da União, 263 - Boa Vista) exibe nesta quinta o filme O leitor (2008), de Stephen Daldry. Após a sessão haverá debate com o coordenador do curso de cinema da UFPE, Rodrigo Carreiro. Às 19h, com entrada franca.

Eu indico

Recomendo Cadillac Records (EUA, 2008), de Darnell Martin. É um filme que dá oportunidade de se informar sobre a verdadeira história do surgimento do blues, jazz e do rock’n’roll.

Zé Brown é rapper e embolador

Relações entre cinema e saúde

A psicanalista, escritora e crítica literária Maria Rita Kehl está no Recife para participar de uma sessão de cinema bastante especial. Será hoje, às 14h, no auditório do 1º andar do Hospital Barão de Lucena, bairro da Iputinga. No programa está o longa argentino XXY (2007), de Lucía Puenzo, sobre uma garota que nasceu com ambas as características sexuais e precisa fugir para o interior do Uruguai e escapar dos autoridades médicas, que querem “corrigi-la” cirurgicamente. A entrada é franca.

Desde outubro, a produtora cultural Isabela Cribari vem promovendo sessões no Barão de Lucena, na intenção de trabalhar as relações entre cinema e saúde. Como diretora de cultura da Fundação Joaquim Nabuco, ela já vinha fazendo o mesmo em escolas públicas com o Cine-educação. “A ideia é valorizar o hospital como local para refletir multidisciplinarmente, um lugar de hospitalidade, não de doença, mas de vida”, diz Isabela. “Não se trata apenas de passar filmes, mas de como esses filmes podem ajudar na formação de profissionais e intermediar o tratamento das pessoas. Vejo a cultura como elemento central nesse processo”.

Para isso, Isabela optou por filmes contemporâneos que possam ter função terapêutica, sem abrir mão do valor cinematográfico. A programação é inspirada em casos práticos vividos no Barão de Lucena. Ricky, de François Ozon, inaugurou o projeto inspirado em mãe que teve dificuldades de lidar com o filho. Para falar sobre o filme foi chamado o cineasta Leonardo Sette e a psiquiatra Suzana Boxwell. Para falar sobre A criança, dos irmãos Dardenne, foram convidados o professor e crítico de cinema Alexandre Figueirôa e a psicanalista Paula Rocha, especialista em autismo infantil e fundadora do Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem. XXY, conta Isabela, apareceu de um caso raro, que tem gerado mobilização dos médicos. Todos os filmes tiveram os direitos liberados por sua distribuidora no Brasil, a Imovision.

Esta é a primeira sessão do cinema no hospital em 2012. O objetivo é, com as parcerias certas, promover exibições diárias com equipamento de projeção próprio, além de formar um acervo próprio e promover outras atividades, como oficinas de literatura. Artistas, produtores, pesquisadores e demais interessados estão convidados a participar.

(Diario de Pernambuco, 02/02/2012)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sem fronteiras para a arte



De hoje a 9 de março, entra em cartaz no Centro Cultural Correios (CCC, no Recife Antigo), a exposição Partido gráfico, com trabalhos inéditos de João Lin, Mascaro, Fernando Duarte e Paulo Régis. O evento também marca o lançamento de um coletivo formado pelos artistas, de estilos e temática diferentes, com a intenção de borrar a fronteira entre artes plásticas e gráficas.

Nesse sentido, a galeria talvez seja o lugar ideal para esse encontro. Montada no terceiro andar do centro cultural, cada artista ocupa uma das paredes do salão. “Consegui pauta para uma exposição individual, mas resolvi convidar Mascaro, Lin e Fernando”, conta Régis, que apresenta uma série de 30 bigornas, objeto popularmente conhecido como pé de ferro. O artista usa diferentes técnicas: grafite, litogravura e recorte, inspirado em cartomas de Aloísio Magalhães.

Editor de arte do Diario e co-fundador da revista Ragu, Mascaro traz em seus desenhos a influência da ilustração editorial e da história em quadrinhos. No entanto, eles foram feitos com uma liberdade que não lhe é permitida no exercício profissional. Alguns deles já foram publicados na seção Um Desenho, do Viver, e traduzem o estado de espírito urbano, moldado pela realidade social. “É um trabalho que fiz por prazer. Para, antes de tudo, me satisfazer, divertir e como forma de relaxar da formatação do universo editorial”.

O trabalho de Fernando Duarte, com quem Régis já tinha dialogado em longínqua exposição nos Correios da Av. Guararapes, e João e Mascaro na coleção Olho de bolso, editado pela Livrinho de Papel Finíssimo, chama a atenção tanto pela forma - três rolos de papel vegetal estendidos horizontalmente por uma parede de 15 metros - quanto pela impactante série de 30 personagens pintados em nanquim, com interferências de carimbos e poemas escritos à mão.

Divididos em pequenos quadros, os 24 personagens de João Lin apontam para o talento do artista em desenvolver marca própria e cada vez mais refinada, arriscando definir, um “zen-cubismo”, baseado em linhas geométricas e ilusões de ótica que brincam com a profundidade, dimensões e cores. Cada personagem pode ser “lido” em pequenos quadros, por sua vez habitados por outros personagens ou labirintos. “Descobri uma influência não-consciente de um painel feito por Lula Cardoso Ayres para o Cinema São Luiz, onde fui pela primeira vez quando tinha nove anos. Assim como do tratamento geométrico e de paleta de cores de Luiz Notari, com quem tive aulas de pintura”, conta Lin.

Haverá uma continuidade para o Partido Gráfico? Mascaro diz que pode acontecer. “Desta vez, estamos nos apresentando individualmente. Numa próxima talvez tenha outro elo, com um tema ou gancho específico”.

(Diario de Pernambuco, 01/02/2012)