sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O retorno à essência



Indicado a dez Oscar, O artista, produção francesa rodada nos EUA, remete a um tema crucial no cinema: a rapidez da evolução tecnológica e sua interferência na sintaxe fílmica. Antes de tudo, como bom filme, é uma história de amor. De todas as artes, o cinema é talvez a que mais expande fronteiras sem escrúpulos, de costas para o próprio passado. Foi assim com o advento da cor, do digital que “matou” a película e agora com 3D. De todas, a primeira transição foi do cinema mudo para o sonoro. Em busca de novos rostos para os novos tempos, Hollywood tornou os primeiros galãs em artigos de museu.

É o caso de George Valentin (Jean Dujardin), ator que forjou seu sucesso amparado por um bigodinho, meia dúzia de expressões faciais (do destemido ao galante) e um cachorro, seu fiel escudeiro. A referência é direta a Rodolfo Valentino, o primeiro símbolo sexual do cinema, morto precocemente em 1926. No filme, estamos em 1927, auge de Valentin, que abre caminho para a aspirante a estrela Peppy Miller (Bérénice Bejo), sem saber que em pouco tempo viveria a ruína profissional. É a vez de Peppy, apaixonada, salvar seu herói.

Mas O artista é mais do que o drama dos personagens. Ao incorporar a estrutura narrativa dos filmes silenciosos, o filme de Michel Hazanavicius é uma bela e ousada homenagem aos primórdios do cinema. Em momento algum se ouve a voz de Valentin e demais personagens. A não ser por risadas de jovens figurantes e de ruídos captados no seu camarim no momento em que o ator se dá conta de que a captação de som direto o tornou ultrapassado, toda a banda sonora do filme se resume a uma emocionante trilha sonora. Quase todos os diálogos se dão em cartelas de fundo preto e a “janela” do filme é o 4:3, próximo ao quadrado. A simulação é tão precisa que, a cada troca de rolo, os tons de cinza mudam de tonalidade.

É fascinante assistir a um filme assim em um complexo de shopping de cores gritantes e tomado por produções em 3D. Teóricos e realizadores defendem que as bases do cinema se desenvolveram justamente nessa época, os anos 1910-20. Ao emocionar com o mínimo de recursos, O artista é o retorno a essa essência.

(Diario de Pernambuco, 10/02/2012)

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