terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Adeus ao humanista



Diretor de Aruanda, o pernambucano Linduarte Noronha morreu aos 81 anos na madrugada de ontem, após uma série de problemas de saúde. Nascido em Ferreiros (Zona da Mata Norte) ele se mudou cedo para a Paraíba, onde desenvolveu carreira de jornalista, fotógrafo, geólogo, crítico de cinema, realizador e professor universitário, atividade na qual se aposentou em 2001.

De acordo com seu filho, Leonardo Noronha, nos últimos meses Linduarte se tratou de uma catarata no fim do ano passado, mas recentemente contraiu pneumonia e apresentou complicações no fígado. Há dez dias foi internado, com dificuldades respiratórias e insuficiência renal. Às 5h de ontem, morreu de parada cardio-respiratória.

No final dos anos 1950, após exercer a crítica cinematográfica no jornal A União, Linduarte se aliou ao fotógrafo (também pernambucano) Rucker Vieira e ao paraibano Vladimir Carvalho para realizar Aruanda, sobre um quilombo formado em meados do século 19, por escravos libertos no sertão da Paraíba. Então diretor do Instituto Nacional do Cinema Educativo, Humberto Mauro providenciou a ele uma câmera 35mm.

Lançado em 1960, o curta de 22 minutos repercutiu imediatamente nas mentes que viriam a criar o cinema novo. Basta observar a evolução estética entre o primeiro curta de Glauber Rocha, Pátio (1959) e seu primeiro longa, Barravento (1962). “Não só Barravento, mas Deus e Diabo na terra do Sol (1964) e Vidas secas (1963) têm elementos de Aruanda”, observa o professor e crítico de cinema Lúcio Vilar. Desde 2005, ele também organiza o Fest-Aruanda do Audiovisual Brasileiro.

Não raro, Aruanda é considerado o marco zero do documentário antropológico brasileiro, até então restrito ao formto clássico, educativo. Nele, Glauber e seus companheiros encontraram a resposta ideal à hegemonia das chanchadas da Atlântida e comédias da Vera Cruz. “Ele sintetizou uma inquietação que foi parte de uma tendência mundial contra o cinema-espetáculo”, diz o professor e crítico, Alexandre Figueirôa. “Aruanda tem no bojo a denúncia social, o questionamento da realidade e não camufla ou glamouriza as condições precárias com que foi feito, ou seja, a base da estetica da fome idealizada por Glauber”.

“Estive três ou quatro vezes com Linduarte e ele me pareceu uma pessoa generosa e um tanto modesta, considerando a importância de seu trabalho”, diz o pesquisador e professor de cinema, Paulo Cunha. “Mesmo que sem ter a intenção, Aruanda tornou-se um marco pelo impulso quase instintivo de fazer um cinema realista, em condições longe das ideais e transformá-las em formas estéticas expressivas. Por exemplo, para driblar a falta de iluminação ele destelhava as casas para filmar as pessoas em ambiente interno. Com isso, criou imagens impactantes”.

Linduarte dirigiu outros dois curtas: o curta Cajueiro nordestino (1962) e o longa de ficção Salário da morte (1970). Em 1964 foi vítima da ditadura, que o proibiu de exercer funções públicas. “O pretexto foi a compra de uma câmera russa, mas a notoriedade obtida com Aruanda foi o real motivo. Mas ele nunca pertenceu a partidos políticos, religiosos ou ideológicos. Era um humanista”, diz Vilar, autor de um documentário sobre o episódio, Kohbac, a câmera vermelha (2009).

Sobrinha de Linduarte, Cecília Noronha diz que a família guardará a memória do cineasta “em toda a sua essência e verdade”. Nos últimos anos de vida, ele vinha escrevendo suas memórias para futuramente lançar em livro. São manuscritos sobre os anos em que foi perseguido e detalhes do itinerário que levou a Aruanda. “Vamos cuidar de todos os detalhes e dar continuidade ao seu trabalho”, diz Cecília.

(Diario de Pernambuco, 31/01/2012)

sábado, 28 de janeiro de 2012

Pernambucanos em Roterdã



Neighbouring sounds. Rat fever. The hyperwomen. Walt Disney Square. Eis os novos títulos do cinema pernambucano recente, na forma como serão apresentados no Festival de Roterdã, na Holanda. O evento começou no último dia 25 e, dos nossos, já exibiu o premiado Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Hoje é a vez de Febre do rato, o convulsivo terceiro longa de Cláudio Assis, ter sua primeira exibição internacional. Em 2007, Cláudio levou o Tiger Award em Roterdã por Bog of beasts, ou melhor, Baixio das bestas. Desta vez, está fora de competição, reservada a diretores estreantes ou no segundo filme.

É o caso de Kleber Mendonça Filho, que ano passado esteve em Roterdã com Recife frio e agora estreia na ficção de longa-metragem com O som ao redor. Tanto ele quanto As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro serão exibidos no próximo 1º de fevereiro, o primeiro em competição, o segundo na mostra Bright Future.

Realizado com R$ 1,8 milhão, O som ao redor traz Irandhir Santos (também protagonista de Febre do rato) como segurança particular, contratado por rua de classe média no bairro de Setúbal, onde uma família é dona da maior parte dos imóveis. Segundo o realizador, que atuou como crítico de cinema por mais de dez anos e passou os últimos 14 meses na mesa de edição, o filme é sobre paranoia, medo e vingança, calcado no Recife atual, em que, apesar dos avanços, muito coisas permanece regido pela tradição e carga histórica.

“Não que seja um arremedo preciso da realidade, mas uma interpretação honesta”, diz Kleber. “Ele tem uma naturalidade sobre o banal, mas tenta ser real sobre o que se vive no Brasil, que tem ao mesmo tempo uma cultura muito linda e muito feia”.

A recorrente presença pernambucana no Festival de Roterdã nos levou a procurar o curador do evento, Gerwin Tamsma. Na entrevista a seguir, ele discorre sobre as razões que despertam interesse na nossa cinematografia.

Entrevista >> Gerwin Tamsma: "O cinema inovador tem sido feito em lugares distantes"

Nos últimos anos, vários filmes pernambucanos foram selecionados por Roterdã. Não deve ser por motivos puramentes geográficos.
Não apenas geograficamente, mas também do ponto de vista histórico, o Recife está mais perto da Holanda do que de São Paulo ou Rio de Janeiro, não porque nos importamos mais com a periferia. Mas porque, nos últimos 30 anos, o cinema que consideramos, inovador ou interessante, tem sido feito em lugares distantes. Nos últimos anos, cineastas de Pernambuco receberam apoio do Hubert Bals Fund, como Claudio Assis e Kleber Mendonça, que este ano estão em Roterdã com filmes bem diferentes um do outro, assim como do mainstream brasileiro. Mas acho muito específicos por se relacionar com o Recife. Sim, estou muito consciente de uma tendência de Roterdã em exibir filmes de Pernambuco: mas isso acontece não porque são periféricos, underground ou políticos. Mas porque eles são bons.

Qual a importância em colocar filmes de países periféricos em foco?
O Festival de Roterdã tem uma longa tradição de apresentar e promover filmes de regiões e lugares periféricos - talvez porque esteja situado em uma cidade portuária e com muito vento. Não importa se o filme é feito na China campestre, em favela filipina, em aldeia pernambucana ou vila esquimó. Em muitos países, há determinados períodos em que filmes periféricos são mais interessantes do que a produção do centro: por um tempo, isso foi verdade na Itália; agora, na França e também no Brasil, onde jovens cineastas de Belo Horizonte, Fortaleza e Recife têm feito trabalhos interessantes. O que não significa que não há filmes interessantes em São Paulo ou Rio.

Há conotações políticas na escolha dos filmes, ou ela se dá totalmente por motivos estéticos?
A decisão nunca passa por interesses políticos, muito menos pela inclinação específica por filmes underground, termo que só muito parcialmente cobre o nosso interesse. Algumas das grandes descobertas de Rotterdã na última década vieram do México (Carlos Reygadas) e Tailândia (Apichatpong Weerasethakul). Mas estou igualmente satisfeito porque fomos a primeira plataforma internacional para Tomas Alfredsson (Deixa ela entrar), da Suécia, país que, do ponto de vista brasileiro, está bem mais próximo da Holanda.

(Diario de Pernambuco, 28/01/2012)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O homem por trás do FBI



Já é tradição: cada começo de ano é tempo de um novo Clint Eastwood. O biográfico J. Edgar estranha positivamente o fato de que o cowboy macho dos filmes de Sergio Leone, anos depois vertido no justiceiro implacável Dirty Harry venha a diriigir um love story homoafetivo. Pode se entender pelo simples fato de o protagonista ser J. Edgar Hoover (Leonardo Di Caprio), um dos mais ferrenhos anti-comunistas da história norte-americana, criador do FBI, instituição a qual dirigiu por 48 anos initerruptos, tendo sobrevivido ao mandato de oito presidentes.

Há muito de subversivo na visão de Eastwood para um personagem, por si, controvertido o suficiente para trazer em si qualidades de um heroi corrupto, por manipular informações e impor métodos questionáveis para permanecer no poder. Enquanto Hoover dita sua biografia a um funcionário do bureau, Eastwood volta a seu passado e evidencia sua forte devoção à mãe (Judi Dench), projetada na secretária, Helen (Naomi Watts) e na relação dúbia com seu assessor (Armie Hammer). Reprimido pela mãe, eles vivem um amor suspenso por décadas.

Eastwood arrisca a credibilidade ao insistir em Hoover como um gay enrustido. Só não cai no ridículo pois coloca a pulsão reprimida do personagem como propulsora da sua habilidade em conduzir o FBI e se manter no poder. Sua psicologia é o maior interesse do diretor, que examina as motivações ideológicas e afetivas que moldaram o caráter vaidoso, disciplinado e vigilante do personagem que modernizou as técnicas de investigação e o levou a indexar com mais eficiência todos os cidadãos. Com sua resposta à ameaça comunista, Hoover moldou o modus operandi da nação controladora, moralista e paranóica que hoje caça os direitos, prende e tortura supostos terroristas. Dirty Harry estaria exultante, ou revirando na tumba?

(Diario de Pernambuco, 27/01/2012)

Ternura para levar a vida



Os descendentes, melodrama havaiano de Alexander Payne (Sideways - entre umas e outras), traz George Clooney entregue ao papel de um pai de família fragilizado pelo coma da esposa, vítima de um acidente de lancha. Além disso, ele precisa lidar com as duas filhas, missão com a qual não demonstra talento algum. Indicado ao Oscar em cinco categorias e vencedor do Globo de Ouro de melhor filme e ator em drama, o filme tem em Clooney de chinelo e camisa florida seu grande trunfo, por enfrentar o desafio de fazer um personagem de certa forma distante do conquistador rico e bon vivant pelo qual é conhecido.

De certa forma, pois Mr. Matt King faz parte de família rica e tradicional, que possui boa parte da paradisíaca ilha norte-americana e agora quer vender a vasta propriedade, para que o dinheiro seja dividido entre os vários irmãos e primos. Com a esposa hospitalizada e alguns fatos ocultos que vêm à tona, ele passa a questionar se realmente vale a pena repassar as terras de seus ancestrais - daí o nome do filme.

Apesar dos exageiros impostos pelo roteiro, Clooney está muito bem como o cara sensível, desamparado e disposto a descobrir a verdade. A tragédia termina por aproximá-lo das filhas, que se aventuram com o pai - e um namorado sem noção - situações bem humoradas e singelas, típicas da cultura indie. Por mais triste que seja a situação de seu protagonista, o diretor faz de Os decendentes um filme leve, ritmado pelo vai e vem das ondas do mar. A trilha, embalada pelo ukelele havaiano e violão, é suave e intimista, tradução um tanto redundante para o personagem central.

A relação entre King e a filha mais velha (Amara Miller) é particularmente especial, pois se desenvolve para caminhos inesperados, nos quais residem a força maior do filme: a de que não há mau tempo para quem o enfrenta com ternura e verdade.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2012)

O lado doentio da civilização



Quando a adaptação de David Fincher para Millenium - os homens que não amavam as mulheres (The girl with the dragon tatoo) foi anunciada, as reações foram contraditórias. Teria o diretor de Seven, Clube da luta, Zodíaco e A rede social se rendido à febre de versões norte-americanas para filmes suecos, espanhóis, norte-coreanos e afins? Já nos primeiros minutos, tem-se a certeza de que não. A produção de 90 milhões de dólares é sem dúvida mais uma grande obra de Fincher, conhecido por filmar em Hollywood sem abrir mão da liberdade criativa.

Produção bem mais modesta, o filme dirigido em 2009 por Niels Arden Oplev é baseado no best-seller sueco de Stieg Larsson. Fincher fez o mesmo, mas é inegável a semelhança visual e conceitual entre os dois filmes. De cara, Fincher ataca com uma abertura de tirar o fôlego, uma animação digital embalada por versão de Trent Reznor para clássico do Led Zeppelin, Immigrant song.

Mentor do Nine Inch Nails, Reznor se especializou em trilhas sonoras de primeira linha, como A estrada perdida, de David Lynch e A rede social, com a qual ganhou o Oscar 2011. Desta vez ele está fora pela trilha sonora original, mas o filme concorre a melhor mixagem e edição de som, além de melhor montagem, fotografia e atriz para Rooney Mara, pela incrível interpretação de Lisbeth, a cyberpunk vingadora de mulheres violentadas.

Millenium está fora da categoria pricipal, algo previsível para um filme que inclui cenas de tortura e estupro anal. O formato clássico de cinema no qual Fincher depurou seu estilo evolui da sujeira transbordante de Seven e Clube da luta à gramática sóbria e linear estabelecida em Zodíaco (2007) e A rede social (2011). No papel do jornalista acusado de perjúrio, Daniel Craig representa bem o mundo ascéptico no qual a Suécia pode ser a maior referência. Representante do antissocial mundo 2.0, Lisbeth, ao contrário, está mais para uma das amantes sádicas de Tyler Durden (Brad Pitt), de Clube da luta.

Millenium é mais do que um filme sobre violência contra as mulheres. Trata de nazismo, poder e loucura. Contratado por um milionário (Christopher Plummer) para investigar o desaparecimento de sua filha, Craig descobre que, por trás do verniz da civilidade reside o que há de mais doentio na alma humana.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2012)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Um poeta febril



Entre 2000 e 2007, todas as quintas à meia-noite, um grupo de pessoas se reuniu para celebrar a vida. Promovidos por França, os recitais Eu, poeta errante, marcaram época e o coração dos frequentadores. O poeta morreu, mas está vivo naqueles que por ele foram tocados. Hoje às 18h, no quintal do Centro Luiz Freire (Rua 27 de janeiro, 169 – Carmo, Olinda), sua memória será honrada com o lançamento do livro/DVD Poeminflamado, que reúne sua obra completa.

Poeminflamado tem 212 páginas com 160 poesias e dezenas de ilustrações de Mascaro e Sil. O planejamento visual é de João Lin e a capa de Sil, Lin e Pedra França, filha do poeta. Também participam do projeto o fotógrafo Mateus Sá, Juan Ramón Martinez (produção e pesquisa), Mariano Pikman (direção do doc), Jailton Ferreira (criação do site www.poetafranca.com), Rafaela Valença Gomes (pesquisa literária e edição do livro), André Telles do Rosário (coordenação da pesquisa) e Laine Amaral (coordenação geral).

O evento de hoje será conduzido por Roger de Renor e Alice Chitunda e conta com participação de Isaar de França (que canta poemas de França para a trilha sonora), e terá música de Felipe França, Toni Boy e Erasto Vasconselos, Capoeira Angola Mãe, recital com Miró, Valmir Jordão e Cida Pedrosa. "França foi um mestre pra mim. Ele viveu a poesia e nos convidava para fazer o mesmo", diz André Telles, que trabalhou com França no projeto Chá das Cinco.

De Zumbi dos Palmares a Solano Trindade, a linha evolutiva da consciência negra passa por França, que criou a peça A cor da exclusão, inspirado em Solano. "Conheci França na faculdade. Foi uma amizade intensa, como tudo nele. Fiquei muito impactado, desde a primeira vez que o vi declamando”, diz Mascaro, que não ilustrou poemas específicos, mas baseado no conjunto da obra. “Ele tinha uma personalidade forte, marcante. Com questões de raça, era como um fio desencapado".

“Mais do que poeta, vejo França como educador”, diz Mateus Sá, que convidou França para participar de seu projeto Luz do Litoral. Mas como explicar quem foi o poeta para quem não o conheceu? "Podemos fazer a nossa parte e fazer ecoar um pouco mais uma filosofia que nos faz bem. Nada mais justo do que fazer isso com as palavras e imagens que ele deixou".

(Diario de Pernambuco,

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cineclube Dissenso promove mostra Yasujiro Ozu no Recife



"Se em nosso século algo sagrado ainda existe… e se há algo como o tesouro sagrado do cinema, para mim deve ser o trabalho do diretor japonês Yasujiro Ozu". A colocação foi feita em 1985 pelo cineasta alemão Wim Wenders, no início de seu documentário Tokyo-Ga, em que busca na capital japonesa a cidade que conheceu pelos filmes de Ozu. O diretor de Asas do desejo continua: "japoneses, esses filmes são ao mesmo tempo, universais. Neles, fui capaz de reconhecer famílias de todos os países do mundo, assim como meus pais, meu irmão e eu. Para mim, nunca antes o cinema chegou tão perto de sua essência e finalidade: apresentar a imagem do homem, na qual ele não só se reconheça, mas a partir da qual ele possa aprender sobre si".

O Cineclube Dissenso inicia as atividades de 2012 com uma mostra especial dedicada a Yasujiro Ozu. De hoje a domingo, cinco clássicos do diretor serão exibidos em 16mm, através de parceria entre o cineclube e o escritório consular do Japão no Recife. É uma ótima oportunidade de entrar em contato com as principais obras do autor no local apropriado, a sala de cinema.

Autor do livro O anticinema de Yasujiro Ozu (Cosac & Naify, 2003), Kiju Yoshida diz que o cineasta, que começou no cinema mudo, questionava os artifícios técnicos e atuações exageradas dos atores. Nos primeiros filmes, no entanto, Ozu utilizava movimentos de câmera e outros recursos, sob influência do cinema norte-americano. Com o tempo, passou a filmar os diálogos e situações cotidianas, quase sempre em planos fixos, feitos com câmera colocada no nível de uma pessoa sentada no chão e lentes de 50mm, que não permite capturar a amplitude dos ambientes. Formato cinemascope (tela larga), nem pensar.

Ao apostar na simplicidade de elementos e estranheza provocada pelos planos incomuns, Ozu desmonta a ilusão das imagens em movimento e expõe o processo do fazer cinematográfico. Daí o anticinema. No cemitério em que repousa (ele morreu em 1963, no dia do aniversário de seus 60 anos), em sua lápide está gravada o ideograma “Mu”, que significa “nada” ou “o vazio”. Para quem leu o livro Zen e a arte da manutenção de motocicletas, de Robbert Pirsig, também sabe que Mu significa “refaça a pergunta, se ela não dá conta da resposta”. Por mais que desenvolva artimanhas, a “magia” do cinema jamais alcançará a realidade. Ao admitir isso, Ozu também a desvela.

Serviço
Mostra Yasujiro Ozu
Quando: De hoje a domingo
Onde: Cinema da Fundação (Rua Henrique Dias, 609 – Derby)
Informações: 3073-6767
Entrada Franca

Programação
Hoje, às 16h20: Filho único (Hitori Musuko, 1938)
Amanhã, às 16h20: Pai e filha (Banshun, 1949)
Sexta-feira, às 15h50: Era uma vez em Tóquio (Tôkyô Monogatari, 1953)
Sábado, às 14h: Fim de verão (Kohayagawa-Ke No Aki, 1961)
Domingo, às 14h: A rotina tem seu encanto (Sanma no Aji, 1962)

Força na Economia Criativa



Após quatro anos de encontros e discussões, o Instituto Delta Zero para Desenvolvimento da Economia Criativa será oficialmente lançado nesta terça-feira, sob a promessa de ser ambiente favorável para a criação de novos produtos culturais e na distribução, comercialização e sustentabilidade de projetos. A entidade será fundada às 19h, em evento público no Centro Cultural dos Correios (Av. Marquês de Olinda, 262 - Recife Antigo).

Considerada área estratégica, a economia criativa é resultado da união entre tecnologias da informação e economia da cultura. O Delta Zero, organização civil formada por 28 empresas e empreendedores, resulta de um esforço coletivo para deslanchar a economia criativa pernambucana. “Qualquer projeto que promova uma integração entre áreas criativas e culturais é não apenas válido, mas necessário”, avalia o cineasta Leo Falcão. “O caso do Delta Zero, no entanto, é um pouco mais especial, já que a ideia não é colocar todo mundo debaixo de um guarda-chuva, submetendo um modo de fazer pré-estabelecido, mas realmente estimular a colaboração conjunta”.

Presidente eleita do Delta Zero, Tarciana Portela explica que, para chegar a uma estratégia de ação, foi feita uma análise de fraquezas e fortalezas, oportunidades e ameaças. “Com pequenos investimentos e acesso às informações podemos nos articular transversalmente e superar esses gargalos”, diz Tarciana. “A palavra de ordem é trabalhar junto. Fala-se do potencial criativo dos pernambucanos, mas ainda somos muito fracos para gerar recursos e atingir a sustentabilidade. Isso demanda mais articulação do que dinheiro. Por exemplo, porque não temos uma plataforma de crowdfunding? Ou não pensamos em um sistema para colocar a música pernambucana no iTunes?”.

João Jr., da REC Produtores, diz que o audiovisual sempre foi campo favorável para o encontro entre tecnologia, gerenciamento de recursos e diferentes atividades artísticas. “É algo intuitivo no nosso dia a dia. Para produzir de um longa-metragem, uma peça de teatro ou de publicidade é preciso intercambiar com arquitetura, artes plásticas, design, música. Vemos o Delta Zero como um desdobramento natural, até”. A busca coletiva por soluções é outro ponto conhecido por quem faz cinema. “Produtos criativos, sustentáveis, de qualidade técnica e artística e com potencial de comercialização vêm da vontade associativista. Empresas isoladas perdem o foco de futuro, não sabem o que nos espera daqui a dez anos”.

Nos últimos meses, o escritório de design Scriptoscope, de Leo Falcão, tem feito roteiros para empresas desenvolvedoras de jogos e criado conteúdo para ferramentas de interação e redesenho de espaços públicos. “A interação entre os campos de conhecimento já tem funcionado de forma tímida, pela simples aproximação dos agentes culturais. A tendência é que ela se torne mais forte. No fim das contas, estamos criando algo para lidar, em nível prático e institucional, com vários pontos fortes na nossa cultura: tradição, diversidade, criatividade e inovação”.

Todas as segundas-feiras, 10h, haverá reuniões abertas do Delta Zero no térreo do Softex (Rua da Guia - Recife Antigo). Novos associados, como empresas e Pontos de Cultura, podem participar, desde que sejam pessoa jurídica. “A sociedade civil tem força e mobilidade para negociar com o governo, mas os produtores estão atrelados demais a políticas públicas de financiamento. É justo contar com edital da Fundarpe, mas é uma faca de dois gumes, pois todo mundo acaba só pensando nesse dinheiro, sem discutir outras coisas, como empréstimos, microcrédito. Já fui gestora e sei como a máquina pública é pesada e obsoleta. Quem pode dar o impulso é a sociedade civil, se ela conseguir se organizar de maneira menos segmentada”.

Saiba mais

Fundadores do Delta Zero

1. Astronave - Paulo Andre Pires
2. Canal Capibaribe – Igor Santos
3. Centro de Atitudes - Andre Stamford
4. Cia de Eventos - Rogério Robalinho
5. Editora Coqueiro – Ana Ferraz
6. Fundação Gilberto Freyre - Gilberto Freyre Neto
7. Funderground – Geber Ramalho
8. Gapuia Cultura, Turismo & Comunicação - Tarciana Portella
9. Grão - Rute Pajeú
10. Grupo Paés – Rodrigo Sushi
11. HUB Criativo - Edgar Andrade
12. Muzak – Marcelo Soares
13. REC Produtores - João Jr.
14. Refazenda – Magna Coeli
15. Triz - Germana Uchoa
16. Proa – Mariana Longman
17. Candeeiro Produções – Wilson Freire
18. Traga Boa Notícia – Aline Feitosa
19. Espaço Muda
20. Espaço Mamulengo - Moura
21. Símio Filmes
22. Facform
23. Grupo Grial – Maria Paula Costa Rego
24. Remo Produções Artísticas – Paula de Renor
25. Recbeat – Antonio Gutierrez (Gutie)
26. AFM Arquitetos – Roberto Montezuma
27. Onomatopeia Ideias Sonoras
28. Scriptoscope – Leo Falcão
29. Vanguarda Visionário – André Carvalho
30. Allegro Produções – Silvia Robalinho
31. Blue Filmes Produções – Maria Pessoa
32. Duxi Comunicação - - Patricia Raposo
33. Biruta – André Araújo

(Diario de Pernambuco, 24/01/2012)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Um homem chamado coragem*



Em 1908, os inquietos pela morte de Machado de Assis não tinham como saber que pouco tempo antes nascia outro grande escritor negro: o pernambucano Francisco Solano Trindade. Diferente de seu antecessor, que goza de fama mundial, a obra de Solano é algo que ainda precisa ser descoberta.

Poeta, pintor, cineasta, homem de teatro e pesquisador da cultura popular, Solano Trindade é considerado um vanguardista, tanto na política quanto nas artes. Apesar de não figurar no panteão dos imortais, ele vive através daqueles que são declamam e propagam sua obra, marcada pela sensibilidade e indignação perante as injustiças étnica e social.

No ensejo dos 100 anos, o Diario de Pernambuco preparou uma reportagem especial que busca entender quem foi, e qual o legado de Solano Trindade. Um recifense que, mesmo discriminado, perseguido e preso pelas ditaduras, ganhou o mundo e fez de sua vida uma obra de arte.

No próximo dia 24 (quinta-feira), Solano Trindade completará um século de vida. A data está sendo lembrada em eventos, intervenções e lançamentos. Em Garanhuns, cidade em que publicou seus primeiros versos, ele será declamado no dia do aniversário, na Casa dos Pontos de Cultura, pelos poetas Fernando Chile, Valmir Jordão, Miró, Cida Pedrosa, Silvana Menezes, Malungo, e Suzana Morais.

No mesmo dia, o poeta negro também estará presente no Recife, através do documentário Solano Trindade 100 anos, de Alessandro Guedes e Hélder Vieira. Realizado com recursos do Funcultura, o filme será exibido às 19h, no auditório da Livraria Cultura (Paço Alfândega). Com depoimentos de familiares e amigos de Solano, esta será uma oportunidade de conhecer melhor uma biografia "no mínimo, instigante", na opinião dos diretores. "Fazer um documentário sobre a vida e obra de Solano Trindade foi um grande desafio. Quando eu tive o primeiro contato com sua obra, me interessei pelos variados temas que seus poemas abordam. Ele fala de questões sociais e da cultura popular de forma muito direta", afirma Guedes.

No entanto, o maior tributo a Solano Trindade pode chegar somente no próximo mês, quando será homenageado ao lado de Josué de Castro, pelo 6o Festival Recifense de Literatura. Marcada para 24 de agosto no Teatro de Santa Isabel, a cerimônia de abertura será um encontro especial entre poetas inspirados em Solano Trindade e a Orquestra Sinfônica do Recife.

No calor do momento, três títulos estão chegando ao mercado editorial: as coletâneas O poeta do povo (Ediouro, R$ 24,90), Poemas antológicos (Nova Alexandria, R$ 35) e o livro infantil Tem gente com fome (Nova Alexandria, R$ 22). Ainda este ano, mais dois livros serão lançados: um volume com a obra completa de Solano, a ser publicada pela Fundação de Cultura do Recife, e a coletânea de ensaios Para não perder a saudade (Companhia Editora de Pernambuco), com organização da educadora Inaldete Pinheiro de Andrade. Para ela, a obra de Solano é uma "árvore frondosa", que protege quem nela procurar abrigo.



Poeta da resistência - Ainda há muito a ser dito sobre Solano Trindade. Poeta, pintor, homem de cinema e teatro, e pesquisador da cultura popular, foi vanguardista tanto na esfera política quanto nas artes. Além de uma plena consciência étnica e social, tinha profunda certeza de seu opção enquanto artista combativo e popular, como revelou mais tarde, no prefácio ao livro Cantares a meu povo (1961): "Sem querer discutir o valor dos herméticos concretistas, neoconcretistas, dadaístas, etc (eruditos donos da cultura ocidental), prefiro levar ao meu povo uma mensagem, em liguagem simples, em vez de uma mensagem cifrada para um grupo de intelectuais".

Nascido no São José, bairro pobre, mas que "ficava bem bonito, metido num luar", Solano cresceu no Pátio do Terço, em frente à casa de Badia. Seu pai, além de exercer o ofício de sapateiro, era mestre de pastoril. Daí o inevitável contato com a cultura popular tão presenta na sua obra: "Bumba meu boi / da minha infância / 'Seu Capitão' / minha fantasia / 'Mateu Bastião' / primeiro poema / que o povo me deu", diz um de seus poemas.

Desde cedo, Solano Trindade revelou uma consciência artística, étnica e social incomum. Com vinte e poucos anos, após constatar que não havia negros nas universidades, fundou a Frente Negra Pernambucana, junto ao sociólogo José Vicente Lima (que chamava o movimento de segunda abolição), o pintor gaúcho Miguel Santos, e os intelectuais Gerson Monteiro de Lima e José Melo de Albuquerque. A primeira reunião se deu em 1936, no Clube dos Lenhadores. "Esse foi o nascedouro", acredita o desembargador Gustavo Augusto, filho de Vicente Lima.

No mesmo ano, a FNP mudou o nome para Centro de Cultura Afro-brasileiro e, numa época em que começava a soprar pela Europa o vento do nazismo lançou uma carta-manifesto pela igualdade racial: "Não faremos lutas de raças contra raças, porém ensinaremos aos nossos irmãos negros que não há raça superior nem inferior e o que nos faz distinguir um dos outros é o desenvolvimento cultural", diz o texto, que ainda invoca os escritores Humberto de Campos, Gilberto Freyre, Cruz e Souza, Henrique Dias, entre outros.

Mais do que nos versos, Solano vivia sua liberdade na prática cotidiana. Sua vida de viajante começou em 1940, quando viveu em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Após rápida volta à terra natal, Solano partiu para o Rio de Janeiro. "Depois que ele viajou, nunca mais voltou", disse Dona Maria da Penha, irmã de Solano, à reportagem do Diario. Ela conta que o poeta se foi, mas deixou esposa e filhos com a família, no bairro do Pina, para mais tarde reencontrá-los na capital carioca. Aos 91 anos, Dona Penha guarda a lembrança do irmão com carinho. "Ele era alegre e namorador", lembra, risonha.

Solano nunca voltou ao Recife, mas a cidade sempre o acompanhou, tanto na poesia, quanto na figura dos amigos que aqui deixou, como provam as cartas enviadas a Vicente Lima. O primeiro livro, Poemas de uma vida simples, veio em 1944, e junto com ele, o reconhecimento literário. Nessa época, o jornalista e compositor Nestor de Hollanda afirmou Solano ser o primeiro poeta negro do Brasil. Logo depois, a repressão política da ditadura Vargas enxergou no poema-denúncia Tem gente com fome motivos para recolher os livros e prender seu autor.

Em 1950, ao lado de Edison Carneiro e da esposa Margarida Trindade, a inquietação artística o levou a fundar o Teatro Popular do Negro, com o qual viajou pelo Brasil e Europa e foi convidado por Gianfrancesco Guarnieri a participar da peça Guimba. Ainda no teatro, Solano Trindade foi o primeiro a encenar Orfeu, de Vinícius de Morais. No cinema foi co-produtor de Magia Verde, premiado em Cannes, e ator em seis filmes, entre eles, A hora e a vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos.

No começo dos anos 60, Solano se muda para a histórica cidade paulista de Embu, onde se torna amigo do escultor Assis e inicia, com outros artistas, um movimento cultural que mudou inclusive o nome da cidade para Embu das Artes. Viveu lá até 1973, quando, doente, voltou para o Rio de Janeiro, sob os cuidados da filha Raquel.

Ainda nos anos 70, Solano voltaria ao cenário artístico através do grupo Secos e Molhados, que musicou o poema Mulher barriguda e Tem gente com fome. Este último, no entanto, novamente censurado, até que, em 1980, Ney Matogrosso conseguiu incluí-lo no álbum Seu tipo. "A faixa ficou muito tempo presa na censura. Todo ano, mesmo depois de sair do grupo, todo disco que eu fazia eu colocava a música lá. Até que um dia eles liberaram, sem explicação alguma do porque não podia antes", disse Matogrosso, em depoimento para o documentário Solano Trindade 100 anos.

Em seus aspectos formais, a poesia de Solano "senta-se à mesa de Ascenso Ferreira e Manuel Bandeira com a consciência de que esta entre os mais íntimos dos seus", afirma o crítico literário Márcio d'Oliveira. "Como se esquecer da locomotiva que atravessa a poesia de cada um destes - o Trem de Alagoas de Ascenso, o Trem de Ferro de Bandeira e o Tem gente com fome de Solano? Nesta comunhão de sons, movimento e imagem, vemos um sotaque que parte do folclorismo aristocrático, passa por um futurismo com leves pitadas de contestação e chega ao socialismo anti-racista", analisa, em pertinente conexão entre Solano e Bandeira.

Afinal, assim como o conterrâneo farto do lirismo comedido e bem comportado, Solano Trindade fez de seus versos um convite à libertação: "não disciplinarei as minhas emoções estéticas / deixá-las-ei à vontade / como meu desejo de viver / É grande o espaço / embora se criem limites / Basta somente que eu sofra a disciplina da vida / mas a estética / deve ser sempre liberta".



O mestre e seus herdeiros - Ele se foi em 1974, sem nunca ter voltado a Pernambuco. Seu legado, no entanto, segue ecoando na voz dos artistas que nunca deixou de influenciar. Destes, um dos maiores é o poeta França (1955-2007). Um ano após a morte de Solano, ele "incorporou" o mestre e seguiu não para as ruas de Embu das Artes, mas para as ladeiras e redutos de Olinda. Lá fundou o recital "Eu, poeta errante", que toda quinta-feira mobilizava as pessoas em algum quadrante da cidade.

"A poesia de Solano Trindade foi escrita para ser declamada, e não para a leitura silenciosa. Ela carece do suporte da voz e do gesto, da expressão corporal. É poesia destinada ao espaço público – a tribuna e o palco. Diferente da poesia que se lê apenas com os olhos, na intimidade da casa", escreve o professor de literatura Zenir Campos Reis, no texto de abertura da coletânea recém-lançada Poemas Antológicos.

França não foi o único a incorporar na própria vida a poética alegre e combativa de Solano. Outro de seus herdeiros é Inaldete Pereira de Andrade, que em 1989 fundou o Instituto Solano Trindade, com o objetivo de dar mais visibilidade ao poeta e trabalhar sua obra no contexto da educação. Por falta de recursos, a entidade fechou em 1996, mas Inaldete continuou. Aos 62 anos, ela está na ativa, promovendo oficinas de literatura em comunidades negras, em que utiliza os versos de Solano como recurso educativo. "A poesia de Solano é um instrumento para me comunicar com o cotidiano das pessoas. Ela tem potencial reflexivo, político, e todos os outros recursos que a didática pode oferecer", afirma a educadora.

Os "filhos" de Solano também estão na cena recifense dos poetas ditos "marginais", não somente na temática, como na inspiração ideológica. "Solano é a voz que ficou com a gente. Com ele, aprendi que sou meu próprio movimento, não levanto bandeira na Conde da Boa Vista. Solano fez essa opção quando tentaram trazer ele para a erudição e ele decidiu continuar com o povo. Ele abriu o caminho para a gente passar. Agora é seguir em frente para não esmorecer", diz Fernando Chile.

Mas este não chega a ser um risco entre os admiradores de Solano Trindade. A palavra mais apropriada parece ser indignação. "Solano reunia todas as estirpes, e nós temos que reviver isso. Ele nunca teve um livro publicado em Pernambuco, mas foi o primeiro a levar o estado para a Finlândia, Eslováquia e outros países da Europa", lembra o poeta Odmar Braga, cujo protesto é reforçado por Malungo, outro "filho" de Solano: "a pouca divulgação de sua obra em pleno centenário é uma vergonha".

Depoimentos

"Há nesses versos uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva" - Carlos Drummond de Andrade, em carta a Solano, 02/12/1944.

"Organizando bailados, editando revistas, promovendo espetáculos e conferências, incansável em sua atividade, poucos fizeram tanto quanto ele pelo ideal da valorização do negro. O livro Cantares ao meu Povo é a tomada de consciência disso a que Sartre chamou de negritude" - Sérgio Milliet, poeta e crítico literário, em 1961.

"O Teatro Experimental do Negro funcionou como um núcleo ativo de conscientização dos negros, para assumirem orgulhosamente sua identidade e lutar contra a discriminação" - Darcy Ribeiro, extraído do livro Aos trancos e barrancos - como o Brasil deu no que deu.

"Mulher barriguda não é uma música ultrapassada pelos acontecimentos. Ela é atualíssima, infelizmente!" – Ney Matogrosso, em depoimento no documentário Solano Trindade 100 anos.

"Suas frentes de luta foram inúmeras. Em todas, ele teve proeminência, um papel estratégico. Nesse sentido, eu considero Solano uma das figuras maiores do século 20" - Sérgio Mamberti, ator e cineasta, em depoimento no documentário Solano Trindade 100 anos.

*publicado em 20/07/2008 no Diario de Pernambuco

domingo, 22 de janeiro de 2012

Entrevista >> Antônio Leal: "O Brasil tem os festivais mais diversificados do mundo"


Foto: Lizandra Martins

A multiplicação de festivais de cinema é fenômeno recente, que vem desenhando um novo cenário para o escoamento da produção. Somente em 2011, 237 eventos se realizaram no Brasil, de acordo com levantamento do Fórum dos Festivais. No entanto, de acordo com Antônio Leal, vice-presidente da entidade, pela primeira vez em doze anos, o número de festivais diminui: são 24 a menos do que em 2010. Em entrevista ao Diario, concedida durante o Vale Curtas, em Petrolina, disse que a queda não significa crise.

Pelo contrário: novos festivais vêm suprindo demandas específicas, como o FantasPOA e o RioFan, especializados em cinema fantástico. O próprio Leal organiza o CineFoot (RJ), sobre filmes que tratam de futebol. Com a Retrospectiva Kubrick, em novembro passado, o Janela Internacional de Cinema do Recife promoveu o que pode se chamar de experiência cinematográfica completa, muito além do que o circuito comercial pode oferecer. Eventos semelhantes despontam, como a Semana dos Realizadores (RJ) e o Cine Esquema Novo (RS).

No entanto, o atual panorama motivou cinco eventos a sair do Fórum e criar a Frente dos Grandes Festivais, formado pelo Cine PE, Cine Ceará e os festivais do Rio, Gramado e Brasília. Esses e outros assuntos serão tratados hoje, em encontro nacional do F[orum dos Festivais, durante a 15ª Mostra de Tiradentes (MG). Leia mais a seguir.

A queda do número de festivais pode representar uma crise?
Não. O Brasil tem hoje os festivais de cinema mais diversificados do mundo. Apesar do quadro econômico desfavorável, os festivais conseguiram continuar. Os que “sumiram” estavam na primeira ou segunda edição, em fase de se consolidar. É uma flutuação normal.

Em entrevista recente, Alfredo Bertini (diretor do Cine PE) defendeu a diferenciação de festivais como acontece no futebol, em série A e B. Para isso, não deveria haver uma “CBF”?
Não existe série A e série B dos festivais, assim como em qualquer outra atividade da produção audiovisual. Todo festival tem sua grandeza e importância, que não é medida pelo porte econômico. São eventos importantes nas localidades onde atuam, muitas vezes realizados sem recursos. Notamos que festivais assim têm crescido e eles são tão importantes quanto os realizados há décadas ou os de orçamento elevado.

O que muda com a FGF?
Vamos continuar a nossa missão de fortalecer o circuito de festivais e fazer com que este segmento estratégico se torne cada vez mais reconhecido. O que se altera é o caráter amplo e abrangente que demarcou a atuação do forum nos seus doze anos de atuação. A saída deles é legítima, não há dúvida. Assim como dar um foco corporativo e empresarial para suas atividades. O Fórum continua fortalecido, pois atua em nome de todos os festivais, independente do porte. Inclusive aqueles que saíram serão beneficiados com as futuras conquistas do fórum. Mas os beneficios obtidos por eles não estarão ao alcance dos demais.

A criação da FGF coincide com a ascensão de novos festivais. Há uma nova conjuntura?
Há uma nova geração de festivais com preocupação mais estética do que comercial. É um reflexo da produção, pois eles surgem como canal para escoar essa produção. A maioria é de pequeno e médio portes, com orçamentos modestos, e surgem porque não conseguimos ver esses filmes nas salas comerciais. São espaços de legitimação dos investimentos feitos na produção.

Há também uma tendência à segmentação.
Sim, hoje temos festivais de cinema ambiental, de diversidade sexual, universitário, de cinema infantil, de filmes sobre futebol. Eles promovem uma riqueza grande, não demandam orçamentos astronômicos e fazem com que a população tenha contato com outros filmes. Essa é a principal função de um festival, considerando a ausência da salas no interior e o alto valor do ingresso dos cinemas comerciais. Onde vamos assistir a curtas, senão nos festivais?

(Diario de Pernambuco, 23/01/2012)

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana



Queda em família - O crash econômico de 2008 tem rendido bons filmes, destaque para este drama sobre o salve-se quem puder instalado em uma corretora prestes a ruir em Wall Street. O sinal de emergência é dado por um jovem analista (Zachary Quinto) que descobre a iminência do desastre. Kevin Spacey, um dos executivos, é convocado para apagar o fogo. Tudo se desenvolve em intimidade quase familiar, o grande trunfo do filme. Destaque para a atuação de Paul Bettany, Jeremy Irons, Demi Moore e Stanley Tucci.

Margin Call - o dia antes do fim (EUA, 2011). De J.C. Chandor. Paris Filmes.



Músicas e mulheres - Um piano-jazz regado a úisque é a melhor tradução para este filme do estreante Joann Sfar, baseado em HQ de sua própria autoria. Informações biográficas se misturam com viagens subjetivas do compositor francês, notório tanto pela música quanto pela devoção às mulheres, entre elas, a musa Brigitte Bardot. Guiada por seu alter ego cartunesco, a jornada existencial e artística de Gainsbourg (Eric Elmosnino, perfeito no papel) é apresentada como um delírio sedutor, intenso e viciante.

Gainsbourg- o homem que amava as mulheres (FRA, 2011). De Joann Sfar. Imovision.



Pai e filho - No auge de sua carreira, Sylvester Stallone estrelava quatro “clássicos” da truculência patriótica: Rocky 4, Rambo 3, Cobra e Falcão, drama em que pai caminhoneiro tenta recuperar a confiança do filho criado em colégio militar. O filme volta ao catálogo brasileiro após a estreia de Gigantes de aço (2011), que tem enredo semelhante. Tanto em um como no outro, nada parece reverter a descrença do menino, até que o pai entra para uma competição de força bruta, neste caso, um campeonato de queda-de-braço.

Falcão - o campeão dos campeões (EUA, 1987). De Menathem Golan. Fox.

Eu indico



O grande Lebowski, dos irmãos Coen, é genial, engraçado e tem os melhores diálogos sem noção. A estrela do filme é um Jeff Bridges gordo e maconheiro, que mora em Los Angeles e adora jogar boliche, conhecido como ‘The Dude’. Ele é confundido com um milionário do mesmo nome, Jeffrey Lebowski, que teve a esposa sequestrada. O longa não teve muito sucesso nas bilheterias, mas é tão cultuado que uma religião chamada ‘Dudeísmo’ foi criada!”

Ana Garcia, produtora do Coquetel Molotov

Bastidores

Em Triunfo - No começo de fevereiro, a Fundarpe inicia obras de requalificação no Cineteatro Guarany, em Triunfo. Entre as melhorias está a adequação do espaço para comportar o projetor de 35mm, adquirido em 2010. Outro estudo quer reinaugurar o Cineteatro Esmeralda, no Clube do Pico, em Fernando de Noronha.

Figurantes - A produção de Animal político, primeiro longa de Tião (Muro), procura figurantes para cena de uma vernissage no Museu Murilo La Greca (Rua Leonardo Bezerra Cavalcanti, 366, Parnamirim). Será hoje, às 19h.

Em tempo - Em resposta à matéria publicada na edição de domingo, deste Viver, sobre memória do cinema pernambucano, a Secretaria e a Fundação de Cultura do Recife informam que, ainda em janeiro, filmes do acervo municipal serão enviados para avaliação e recuperação na Cinemateca Brasileira. A Filmoteca Alberto Cavalcanti deve abrir para o público, ainda em 2012, no Teatro do Parque. Em tempo: até o momento, não foram definidos quais filmes irão à Cinemateca; e, à espera de recursos federais, a reforma do Parque não tem data para começar.

Fomento - O BNDES lançou a nova edição de seu edital de cinema, que destina R$ 14 milhões à produção e finalização de obras de ficção e documentários. Inscrições podem ser feitas até 15 de março.

Era uma vez um repórter incomum



Criado em 1929 pelo desenhista belga Hergé, Tintim está distante o suficiente para seu topete de passarinho e interjeições retrô voltarem à moda. Devidamente adaptada à gramática cinematográfica, em As aventuras de Tintim, de Steven Spielberg, a série em HQ ganhou mais realismo, mas continua bastante cartunesca, visível nos narizes acentuados dos personagens.

Assim como em Cavalo de guerra, outro filme do diretor, ainda em cartaz no circuito, a atmosfera é a de fantasia nostálgica. É sem dúvida uma aventura spielberguiana de cinco estrelas, com humor ingênuo e sequências de ação espetaculares.

Nesse sentido, a história sobre um tesouro perdido em navio naufragado cai como uma luva. Ele é disputado por um colecionador inescrupuloso e o verdadeiro herdeiro, o Capitão Haddock. Diferentemente dos quadrinhos, ele e Tintim, um jovem e entusiasmado repórter investigativo, não se conhecem e só se tornam amigos durante a aventura.

Outras mudanças foram feitas, como o encadeamento dos fatos e a estranha mudez do cachorro Milú, que de vez em quando falava na trama original, publicada nos livros O segredo do Licorne (1943) e O tesouro de Rackham, o terrível (1944). A opção pela animação 3D, com tecnologia semelhante a usada em Avatar, e a captura de movimento de Senhor dos anéis - o diretor Peter Jackson assina a produção de Tintim - contam a favor.

Além de homenagear o personagem, As aventuras de Tintim é um tributo ao próprio cineasta. Não por acaso, o diretor disse que Tintim é o verdadeiro pai de Indiana Jones. Há também referências a Tubarão. Desde sempre, Spielberg procura nos remeter a uma época menos cínica do que a atual. Tintim talvez seja essa síntese. Só por isso, já valeria a pena assistí-lo.

(Diario de Pernambuco, 20/01/2012)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Às margens do Rio São Francisco



Durante quatro noites, uma lona de circo armada às margens do Rio São Francisco, em Petrolina, se tornou a nova sede do festival Vale Curtas. Em sua quinta edição, ele parece ter encontrado seus elementos definidores: um festival popular, alinhado à produção independente, com foco na formação e intercâmbio de informações e ideias. Nada mal, para entrar com o pé direito no calendário 2012 de eventos de cinema.

No ano passado, os produtores Chico Egídio e Solange Soares procuravam local apropriado o evento. Até então ele acontecia em Juazeiro, cidade-irmã, em território baiano. Como o patrocínio veio da Fundarpe, foi preciso trazer o festival para o outro lado do rio. Quando a administradora das salas de shopping (são quatro, dedicadas a filmes ultracomerciais) negou abrigo ao Vale Curtas, surgiu a ideia de armar o circo. A decisão foi mais que acertada.

"Tivemos uma média de 400 pessoas por noite, e o que é melhor, um público bastante diversificado e que se renovava a cada exibição", diz Chico Egídio. E o melhor, sem apelar para a cartela da Globo Filmes, com programação 100% baseada no que há de novo no circuito independente curtas-metragens.

De 183 curtas inscritos nas mostras competitivas, 40 foram selecionados e treze premiados com o trofeu Cari. Na média, foram bons filmes. Além de diretores de Pernambuco (Marcos Enrique Lopes (Tempo impresso), Eva Jofilsan (Wilma) e Ionaldo Araújo (Uma noite em 68), jovens realizadores vieram de São Paulo: Chris Tex e Rodrigo Gasparini, que receberam o prêmio especial do primeiro curta por O último Jokenpô (também selecionado para a Mostra de Tiradentes); e Lorena Pereira por KM 17,5.

Um dos melhores curtas do ano, Céu, inferno e outras partes do corpo, de Rodrigo John, foi eleito o melhor do festival, em cerimônia de premiação flutuante, a bordo de um barco noite de sábado adentro.

"O Vale Curtas tem o papel fundamenteal de proporcionar o primeiro contato do público com o cinema", diz Antonio Leal, vice-presidente do Fórum dos Festivais, que promoveu um balanço dos festivais brasileiros em 2011, em reunião de representantes de festivais da Bahia e Pernambuco. Nada mais simbólico do que esse encontro acontecer entre Petrolina e Juazeiro, onde a geografia conta a favor.

Ministrada por Rutílio de Oliveira, a oficina de atuação capacitou artistas locais, de olho em filmes que ali aportam: Canudos, Deserto Feliz e Beira do caminho, novo filme de Breno Silveira, utilizaram Petrolina como locação.

(Diario de Pernambuco, 17/01/2012)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Memória esquecida do cinema



Muito se fala sobre a pujança do cinema pernambucano, mas pouco tem sido feito pela preservação de sua memória. A situação é crônica, a ponto de não haver uma fonte que centralize e facilite o acesso até mesmo à produção mais recente, como a dos últimos dez anos. Quanto mais a do século passado. No entanto, articulações recentes apontam para uma possível cinemateca nordestina, a ser sediada no Recife. A nova instituição seria mantida em parceria inédita com a Cinemateca Brasileira, e além de outros estados, reuniria os acervos da Fundação Joaquim Nabuco, do governo do estado e da Prefeitura do Recife.

“Progredimos anos-luz no audiovisual, mas a memória ainda é uma grande lacuna”, reconhece Carla Francine, coordenadora de cinema da secretaria estadual de Cultura, que visualiza o Cinema São Luiz como possível sede para o acervo coletivo. Como o projeto é embrionário (começou a ser discutido no fim de 2011), pouco se fala a respeito. De acordo com Carla, a fundação de uma cinemateca regional abre a possibilidade de a Cinemateca Brasileira inaugurar um escritório em Pernambuco.

O pool para preservação inclui a mitológica Cinemateca Alberto Cavalcanti, fundada pela prefeitura nos anos 1970, para ser fechada na gestão seguinte. “Além de ter criado a filmoteca, o então prefeito Augusto Lucena criou por decreto a Escola de Cinema do Recife. Depois veio Antonio Farias e nomeou Ariano Suassuna para a pasta da Cultura, que botou pá de cal”, lembra o escritor e cineasta Fernando Monteiro. “Fui muito amigo de Alberto, que tinha ligação forte com o Recife. Quando soube da homenagem, ficou contente e veio de Paris para a inauguração. Foi um momento vexatório, pois depois disso ela deixou de existir”.

Além de O canto do mar (1954), de Cavalcanti, o acervo municipal conta com filmes como O palavrão, de Cleto Mergulhão (1978), Chegada do Jahú no Recife (1927), Visão apocalíptica do radinho de pilha (1972) e Filme de percussão mercado adentro (1984), os dois últimos, de Monteiro. Para saber sobre as condições e planos para o acervo, a reportagem do Diario procurou a gerência de audiovisual da prefeitura, mas não obteve resposta. Enquanto isso, os rolos de película avinagram em um dos camarins do Teatro do Parque, fechado desde setembro de 2010.

Notório colecionador e membro da Associação Brasileira de Preservação do Audiovisual, Lula Cardoso Ayres Filho diz que o projeto operativo do São Luiz, feito por ele em setembro de 2008, já previa a criação de uma cinemateca. E que prefere que seu acervo, um dos maiores do país, continue sob seus cuidados, “mas sempre à disposição de pesquisadores. Não tenho esperança no poder público. O governo Eduardo Campos dá grande apoio para o audiovisual, mas quem garante que com a mudança de gestão isso continue? Por isso, políticas precisam ser instituídas. A memória cultural não pode depender de prestígios e empenhos pessoais”.

Fernando Monteiro atenta para o fato de que, sem pressão do público, produtores de cinema inclusive, a memória continuará empoeirada. “Dá impressão de que os cineastas querem apenas realizar os filmes, aparecer em jornais e festivais. Não se interessam pelo destino dos filmes”.



Prédio do Mispe interditado desde 2005 - Localizado na Rua da Aurora, na Boa Vista, o Museu da Imagem e do Som de Pernambuco (Mipse) há muitos anos aguarda a restauração e modernização de sua sede, interditada em 2005. Enquanto isso, seu acervo está à disposição em horários restritos, na Casa da Cultura, bairro de Santo Antonio. “Aquele prédio não era para estar fechado”, lamenta Celso Marconi, que dirigiu o Museu da Imagem e do Som de Pernambuco entre 1991 e 2003. “O Mispe funcionava com problemas, mas pelo menos tinha atividades. Museu tem que ter continuidade”.

O acervo do Mispe, formado por seis mil peças, conta 170 filmes em película, a maioria de 16mm, todos relegados a uma das “jaulas” da Casa da Cultura. “Não é uma situação nem perto da ideal, pois não é o ambiente correto, mas nada está em risco”, garante Geraldo Pinho, o atual gestor.

A boa notícia é que a recuperação estrutural do Mispe, orçada em R$ 600 mil, deve começar em fevereiro. A previsão é de Célio Pontes, diretor de gestão de equipamentos culturais da Secretaria de Cultura. “A primeira etapa está licitada, vamos expedir a ordem de serviço e a entrega será 150 dias após o início da obra”. A segunda etapa, informa Célio, é a adequação arquitetônica do espaço, que contará com laboratório, sala de exibição e exposição. O projeto, que conta com normas de acessibilidade, levou dois anos para ser definido. “Será um museu moderno, com perfil dinâmico e maior oferta de serviços, como exposições, exibição de filmes e a volta das entrevistas com personalidades da cultura, que estão na origem do museu”.

Antes mesmo de ficar pronto, diz Célio, o Mispe iniciará algumas atividades no Cinema São Luiz, como exposições e mostras especiais. “Precisamos manter o Mispe vivo na memória da população. Para quando abrir, não demorar a se reintegrar na agenda cultural da cidade”.

Primeiras peças de um acervo nordestino - Das instituições que protegem a memória do audiovisual em Pernambuco, a Fundação Joaquim Nabuco é a que tem apresentado o trabalho mais consistente. Foi através dela que títulos importantes do Ciclo do Recife foram restaurados pela Cinemateca Brasileira. Em parceria com o governo do estado, a ideia é mapear outros filmes, primeiro em Pernambuco, depois da região e com isso formar um museu do cinema nordestino contemporâneo.

Nesse sentido, a mais recente ação da Fundaj é exemplar: a compra do acervo de Fernando Spencer, realizada há três semanas. Aos 85 anos, o pioneiro do cinema 16mm já não tinha condições de manter a coleção, que precisa de climatização e desumidificadores para não se estragar. “Perdi muitos filmes assim, viraram pó”. Entre os itens adquiridos estão 18 filmes de Spencer, cartazes, 47 volumes de revistas de cinema, trilha sonora de filmes brasileiros e 64 livros sobre cinema.

“A preservação da memória do país ainda é incipiente, um potencial não valorizado, importante inclusive para a criação”, diz Silvana Meireles, diretora de Cultura da Fundaj. Ela diz que, apesar de contar com um dos maiores e mais bem conservados acervos do país, é preciso reunir a produção mais recente, dos anos 1970 para cá. “Hoje nos deparamos com filmes de dez anos atrás que não têm cópia para o cinema”.

O convênio entre a Cinematca - Fundaj - Estado, diz Silvana, tem perspectiva de ser assinado em março. A ideia é criar um acervo único. “A cópia de preservação ficaria na Cinemateca Brasileira, uma cópia para pesquisa na Fundaj e outra cópia específica para difusão”. No entanto, as dificuldades com a conservação ainda precisam ser superadas. “Guardamos alguns acervos, mas nossas acomodações precisam de reforma e ampliação”.

(Diario de Pernambuco, 15/01/2012)

Os criadores à frente das câmeras



Ao longo dos anos, Pernambuco tem sido pródigo em revelar realizadores inovadores. Notáveis, suas produções repercutiram em cinemas e festivais. Mas pouco se sabe sobre quem são, qual sua história e que ideias os guiam aos filmes. Dirigido por Camilo Cavalcante, a série Olhar é um trabalho inédito, que remete à importância não só de revelar as pessoas por trás dos filmes, mas de construir uma memória do cinema.

A primeira temporada, com dez episódios, vai ao ar todas as segundas-feiras, às 21h30 (horário de verão), no Canal Brasil. O primeiro programa traz o veterano Fernando Spencer, precursor e incentivador da geração do Super 8. Na sequência vem Jomard Muniz de Britto, Kátia Mesel, Simião Martiniano, Daniel Bandeira, Kleber Mendonça Filho, Marcelo Lordello, Marcelo Pedroso, Lírio Ferreira e Cláudio Assis.

“Considero de fundamental importância esta parceria entre TV e produtores independentes”, diz Camilo. “É uma forma de diversificar, pluralizar os conteúdos e abrir espaço para novas idéias e conceitos de programas. Na Europa, essa parceria funciona muito bem. No Brasil, ainda é uma iniciativa tímida. Mas sem dúvida o Canal Brasil tem avançado muito neste sentido, coproduzindo e licenciando vários programas e longas-metragens”.

Longevo repórter e crítico de cinema do Diario de Pernambuco, Spencer lembra de quando, na juventude, ganhou dos pais um projetor e chamou os amigos para fundar um cineclube. Eis a semente do Cinema Coliseu, referência nas sessões de arte dos anos 1960. Como jornalista, ele lembra com gosto a entrevista imaginária que fez com Charles Chaplin, que ocupou página inteira deste Viver. Como realizador, ganhou desesseis prêmios nacionais e um em Portugal. “Não tinha nada. Devo tudo aos amigos”, diz o diretor, que teve na banca de entrevistadores seu companheiro de geração, Celso Marconi.

Com patrocínio da Fundarpe, a série Olhar adota uma linguagem pouco comum à linguagem da TV. Como que uma vingança às avessas contra a vulgarização do cinema nacional pelos cacoetes televisivos, Camilo veste a luva de pelica e traz para a telinha recursos cinematográficos. e cuidados técnicos como movimento de câmera, cenário, luz e som que fazem toda a diferença. A qualidade do projeto se percebe já na animação de abertura, de Leanndro Amorim sobre música de DJ Dolores.

O formato jornalístico vai abaixo com a exclusão das perguntas na mesa de edição. Entre as falas dos cineastas, há apenas o silêncio. “É um programa que prima pela simplicidade com o foco totalmente voltado para o entrevistado e sua obra. Todo esse material torna-se um registro valioso do tempo, da política, do contexto sócio-cultural, da história do Brasil e do mundo, que reflete diretamente na produção de cada realizador”.

No fim de cada entrevista, Camilo pergunta que conselho dar para quem começa a fazer cinema? Kleber responde: “Em termos de estrutura, quem tem 17 ou 18 anos nasceu na época mais incrível para se fazer cinema. Mas não basta fazer filmes. Tem, que ler, viver, levar um pé na bunda, encher a cara. É preciso o toque pessoal, a experiência. Saber ver é saber fazer cinema”. Mais ácido, Jomard diz: “Não vou ficar passando a mão na cabeca de gente jovem, que nao lê, não debate e fica agindo como fossem gênios”.

Os dez primeiros programas são apenas a primeira temporada da série Olhar. “Estamos captando recursos para a produção da segunda temporada para entrevistar cineastas como Marcelo Gomes, Paulo Caldas, Adelina Pontual, Amin Stepple, Celso Marconi, Renata Pinheiro, Gabriel Mascaro, entre outros”. Após lá , Camilo organiza as entrevistas na íntegra, para lançar em livro e DVD.

(Diario de Pernambuco, 16/01/2012)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Jornada sem medo



O garoto da bicicleta é um dos mais eficientes estudos do comportamento juvenil no cinema contemporâneo. No novo trabalho dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (A criança, O silêncio de Lorna), Cyril (Thomas Doret) é caracterizado como um jovem inquieto e ansioso, produto da orfandade da mãe e desamparo do pai, ele se recusa a permanecer no internato onde foi deixado, sob promessa de ficar apenas um mês. Encontra na cabelereira Samantha (Cécile De France, de Além da vida e Inimigo público nº 1) apoio para bater na porta do pai (Jérémie Renier).

As sequências em que Cyril “voa” de bicicleta por becos e ruas são o contraponto libertário ao sofrimento, o fio da navalha por onde, entre a ingenuidade e a delinquência, transita o personagem. Ao desmontar clichês em torno do tema, o filme evita o pieguismo em torno do sofrido processo de amadurecimento do garoto, que, conforme vai perdendo a urgência da aceitação paterna, percebe que o mundo é maior do que a condição de abandono. Em momento-chave, pede desculpas por ter roubado um lojista.

Há uma fábula em O garoto da bicicleta, daí talvez a leveza com que assistimos ao filme. Em árdua e convicta jornada, Cyril enfrenta contratempos. Falta-lhe discernimento. É seduzido por oportunistas e protegido por “anjos”. Cai e levanta. Aqui paira outro lugar comum, também evitado: o de que o sofrimento leva à maturidade. A grande beleza do filme está na crença de que, para ter os olhos abertos, é preciso se jogar sem medo.

(Diario de Pernambuco, 13/01/2012)

Sherlock diante do terror



Sherlock Holmes - O jogo de sombras (EUA, 2011) traz Robert Downey Jr. de volta ao papel do detetive inglês e Jude Law na pele do Dr. Watson. Como no filme anterior, pouco restou do famoso personagem criado por Sir Arthur Conan Doyle, a não ser o cachimbo e a (justa) pretensão intelectual. O que levanta a dúvida sobre os motivos do diretor Guy Richie em mostrar um Sherlock encrenqueiro, insano, galante, obcecado por tecnologia e politicamente incorreto, mais próximo de Indiana Jones, Jack Sparrow e do próprio Tony Stark, de Homem de Ferro. Por que o evidente prazer em esvaziar o original literário, quando não, destruí-lo?

O foco do filme não está no mistério, mas nas lutas físicas, estrategicamente antecipadas em sequências slow/fast-forward visualmente arquitetadas para estimular a plateia a cada milissegundo. Entre elas há uma história - atentados terroristas no fim do século 19 levantam a hipótese de que anarquistas atacam Londres. O inimigo, declarado, é vivido por Jared Harris (de Mad Men), que trabalha para forças ocultas.

Além da violência, o que talvez tenha elevado a classificação indicativa para 14 anos seja o fato de que temos aqui não um investigador da Scotland Yard, mas um super-herói junkie. Mais do que no primeiro filme, a percepção, inteligência e agilidade física do Sherlock são aguçadas não por chá inglês, mas por ópio, álcool e folhas de coca. Daí a montagem histérica, alucinada e turbinada com ruídos estranhos. Elementar demais, caro Richie.

(Diario de Pernambuco, 13/01/2012)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tudo a seu tempo



Ao narrar a amizade entre seres humanos e um animal, Steven Spielberg resgata um tema tão clássico quanto a estética por ele adotada para esta nova produção. Como mestre da narrativa norte-americana, ele age com a certeza de que o formato é tão importante quanto a história em si. Sua filmografia é dividida entre aventuras, ficção-científica e dramas. Em comum, o forte apelo às emoções.

É o caso de Cavalo de guerra (War horse, EUA 2011), em que o protagonista é o próprio cavalo, sem que haja nada de ridículo nisso. Ao contrário, Joey é um animal admirável, forte, que desperta fascínio em quem dele se aproximar.

O pano de fundo, a primeira guerra, é terreno fértil para Spielberg, que reconstitui trincheiras e frentes de guerra com a mesma competência com que constrói as belas cenas das pradarias britânicas nas quais nasceu Joey, criado por Albert (Jeremy Irvine), filho único do frágil núcleo familiar que mobiliza o início do filme, marcado pela luz artificial e grãos saturados pelo padrão Technicolor dos filmes antigos.

Bêbado e doente, o pai (Peter Mullan) compra Joey em leilão e quase vai à falência, não fosse a força da mãe (Emily Watson) e Joey aprender a puxar o arado. Vendido às forças da Rainha, o animal tem pela frente uma jornada odisseica, em que os humanos são coadjuvantes.

Sequências de ação são magníficas. Além da conhecida moral spielberguiana, em defesa de valores tradicionais e familiares, é um claro reeditar de um filme à moda antiga - sem a usual pressa dos produtos de multiplex e, em plena era digital, com imagens 100% artesanais. É quase um acinte, não fosse Spielberg um dos principais criadores do cinema contemporâneo.

(Diario de Pernambuco, 06/01/2012)

Longa vida ao cinema de Pernambuco



Para a crítica nacional, Praça Walt Disney é o melhor curta-metragem brasileiro de 2011. O filme de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira foi eleito pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, que divulgou ontem o resultado de uma votação que envolveu 23 críticos. É a coroação de uma carreira que começou em janeiro passado, na Mostra de Tiradentes (MG) e chegou a importantes festivais do mundo, como o de Havana e Locarno. Outra nova informação, PWD foi selecionado para o Festival de Roterdã, onde participa da seção Spectrum.

“O filme já esteve na mostra oficial de Locarno”, explica Sérgio Oliveira. Locarno, aliás, foi favorável a outro curta pernambucano, Mens sana in corpore sano, que recebeu menção honrosa. Da recente produção local, o filme de Juliano Dornelles disputa com o de Sérgio e Renata o título de mais bem-sucedido do ano. Outro atestado de qualidade, eles (mais As aventuras de Paulo Bruscky e os documentários Avenida Brasília Formosa, Pacific e Crítico) disputam o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, espécie de Oscar nacional.

No balanço feito por Sérgio, ele observa que apesar da boa aceitação de PWD, ele foi solenemente ignorado “em casa”, pelo Cine PE. “Pelo que soube, a comissão não soube em que categoria colocar o filme, que não pode ser facilmente classificado como ficção, documentário ou videoarte. Pra mim, isso soa como um elogio”.

Inteiramente realizado na ensolarada Boa Viagem, o curta constrói, em 21 minutos, um ponto de vista ao mesmo tempo crítico e bem humorado sobre a cacofonia cultural e arquitetônica ao redor da praça que o batiza. Para além do discurso, frente à beleza plástica de Praça Walt Disney, vale assumir o risco de dizer que o bairro nunca foi exposto de forma tão bonita e sincera. Sem falar que é uma bem sacada homenagem à história do cinema. Sem nunca ter pisado em Boa Viagem, lá estão os irmãos Lumière, Jacques Tati e o próprio Walt Disney, em sequência à beira-mar que remete ao clássico Fantasia, de 1940.

Não raro, Pernambuco vem gerando curtas impactantes e reconhecidos, basta lembrar Recife frio, de Kleber Mendonça Filho e Superbarroco, também assinado por Renata Pinheiro. De acordo com Luiz Zanin, presidente da Abraccine, Praça Walt Disney foi eleito o melhor curta do ano pela “proposta estética inovadora, aliada a uma pegada política e de crítica social que tem caracterizado o cinema pernambucano contemporâneo”.

O crítico continua: “sem qualquer discurso panfletário, o filme nos joga no universo da especulação imobilária que está ameaçando destruir o Recife e nos faz avaliar os desníveis sociais marcantes do Brasil urbano, que cresce a ritmo acelerado. É um filme que nos conquista pela acuidade formal, pela inserção crítica em seu meio e pelas camadas de leitura que proporciona a cada vez que o revemos. Muito bom mesmo”.

Crítica nacional elege os melhores - Além de Praça Walt Disney, a Abraccine elegeu Árvore da vida, de Terrence Malick e Transeunte, de Eryk Rocha, como os melhores filmes de 2011. É a primeira vez que a crítica nacional reúne esforços em torno de uma premiação. O mesmo pode ser dito sobre uma entidade nacional, que foi criada há seis meses e que comporta 80 sócios de 14 estados, entre nomes de reconhecida importância, como Ismail Xavier e Rubens Ewald Filho.

Mas por que Árvore da vida, e não Melancolia? E sim para Transeunte, em detrimento de Trabalhar cansa ou O Palhaço? “Os prêmios foram obtidos num processo de longa discussão interna entre os associados”, diz Luiz Zanin, sobre o processo de votação. “A Abraccine congrega críticos importantes, atuantes nos veículos mais conhecidos em seus estados, profissionais da mídia impressa e eletrônica. O prêmio espelha a filosofia central da entidade: qualificação profissional, respeito à diversidade regional do país, recusa de bairrismos e democracia interna”.

De acordo com João Carlos Sampaio, um dos deveres da crítica é “identificar tendências e louvar o risco” e certamente o experimentalismo congênito dos três filmes os levaram à consagração. “Os filmes que mais se arriscam nem sempre são os que erram menos, mas certamente os que estão mais perto de trazer contribuições para a evolução da linguagem, para o questionamento dos discursos, para a mudança de rumos, enfim, para a necessidade que a arte tem de ser arejada por novas correntes de ar”.

(Diario de Pernambuco, 06/01/2012)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana

Lançamentos em DVD



O começo - O roteiro esquemático não atrapalha a eficiência deste blockbuster que atualiza a origem de uma das franquias mais bacanas de Hollywood. James Franco é o cientista idealista (e um tanto ingênuo) que testa em símios a cura para o mal de Alzheimer. Cancelada, a pesquisa continua em sua casa, com seu pai (John Lithgow) e o macaco César, que adquire inteligência humana. Impressionam as sequências do confronto e o processo de consciência dos animais, que transparece no olhar.



O meio - Thriller político com bons momentos de ação, em que jovem escritor (Bradley Cooper) experimenta misteriosa droga sintética, que anula conflitos emocionais e expande sua atividade cerebral até tornar-se um gênio, cobiçado pelo chefão das finanças Robert DeNiro. Os sintomas são parecidos com o da cocaína, como euforia, sensação de poder, ausência de medo, ansiedade, agressividade e excitação. Enquanto encara a rede criminosa por trás da droga, o heroi descobre que abstinência pode levar à morte.



O fim - Em dois atos, o filme nos apresenta as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). Elas se vêem ligadas pelo fim do mundo - um planeta está em rota de colisão com a Terra. Enquanto Justine se desencanta em plena festa de casamento, a certeza científica do marido (Kiefer Sutherland) diz que não haverá catástrofe e o instinto materno de Claire entra em crise. Repleto de referências artísticas e filosóficas, Trier nos guia neste tour-de-force sobre a beleza da destruição.

Eu indico

Nascidos em bordeis (Born Into Brothels: Calcutta's Red Light Kids , EUA, 2004), de Ross Kauffman e Zana Briski. Gosto de documentários e tem um que é muito bom e me incentivou ainda mais nos projetos sociais com fotografia, por me mostrar como a imagem pode modificar o cotidiano de jovens. E por me fazer perceber de forma mais clara que estamos aqui para cumprir alguma missão, e ajudar pessoas da forma que seja vale realmente a pena. No meu caso a fotografia é uma ferramenta para isso.



Bastidores

Novos curtas - O cinema pernambucano não pára. Em pleno fim de ano, dois curtas estão em produção: As pedras do convento, de Josias Teófilo, sobre a relação feita pelo filósofo Evaldo Coutinho entre a arquitetura e a consciência individual; e Malunguinho, de Felipe Peres Calheiros.

Berlim - Além do brasileiro Xingu, de Cao Hamburguer, que compete em mostra paralela, o 62º Festival de Berlim traz na mostra oficial Extremely Loud And Incredibly Close, de Stephen Daldry, com Tom Hanks e Sandra Bullock; The flowers of war, estrelado por Christian Bale e dirigido por Zhang Yimou; Captive, de Brillante Mendoza (Lola); La chispa de la vida, de Álex de la Iglesia (Balada do amor e do ódio); e Death row, novo documentário de Werner Herzog. A 19ª Berlinale será entre 9 e 19 de fevereiro, com homenagem à atriz Maryl Streep. O presidente do júri será o cineasta inglês Mike Leigh.

Batsucesso - O novo trailer de Batman - Dark Knight rises se tornou um hit, com 12 milhões de downloads em menos de 24 horas no iTunes. Estreia em 27 de julho.

Em Minas - De 20 a 28 de janeiro, a Mostra de Cinema de Tiradentes celebra 15 anos com oportuna homenagem a Selton Mello. Oitenta filmes estão na seleção, entre eles os curtas pernambucanos Wilma, de Eva Jofilsan e Zenaide, de Mariana Porto, adaptações do livro As filhas de Lillith, de Cida Pedrosa.

O primeiro do ano - Conhecida por abrir o calendário de eventos de cinema do país, a Mostra de Tiradentes perdeu o posto para o Vale Curtas, em Petrolina. De 10 a 14 de janeiro, 41 produções serão exibidas, entre elas, o inédito Emboladas, de Felipe Peres Calheiros.

(Diario de Pernambuco, 05/01/2012)

A força da música



Não é fácil chegar ao simples. Para Eduardo Coutinho, 78 anos, ele vem na forma de um cinema decantado ao longo de décadas. Moscou (2008), desafio auto-imposto de “não-direção”, levantou suspeitas de uma possível nova fase. Em seu 12º longa, As canções, ele retorna ao método que o consagrou: a entrevista. Após sessão disputada no fim do ano passado, o filme abre com chave de ouro a programação do Cinema da Fundação, onde estreia amanhã.

Como o título já revela, As canções é um documentário musical. Não como os que estão em voga, sobre determinada época ou compositor. Mas sobre pessoas e a força que a música imprime em suas vidas. Todos têm ao menos uma, vinculada a alguém ou algum sentimento. Diferente de Edifício Master (2002) e O fim e o princípio (2006), em que as conversas se dão no local onde vivem os personagens, o cenário escolhido para a filmagem de As canções é uma espécie de confessionário, onde a redução de elementos chega ao mínimo possível. Das cortinas pretas, ao fundo, surge o entrevistado, que se senta na cadeira em frente à câmera. Ao lado da lente está Coutinho, para quem 18 pessoas se dirigem. Falam, riem, choram. Depositam os mais nobres sentimentos.

Mas se uma definição clássica para cinema é ação (movimento, moving pictures = movie), onde estará o cinema de Coutinho, que primam pela ausência de movimento físico? Em entrevista ao Diario, o próprio responde. “Desde Santo forte (2002) resolvi voltar a fazer cinema com a premissa de que uma pessoa que fala pode ser tão maravilhosa quanto o Titanic. Se a fala é uma performance, adquire caráter de ação”.

Dependendo do talento vocal, a montagem privilegia ou a história contada ou a cantada. Todas são de amor. São 17 pessoas, que entre outros, cantam Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Jorge Ben, Chico Buarque e Tom Jobim. Roberto Carlos, o rei dos românticos, não poderia faltar. Enquanto cantam, sentimentos jorram, momentos em que revelam a força e a beleza das nossas canções.

Todos os depoimentos emocionam, inclusive o do rapaz que canta e chora para a mãe, lembrando da infância. Há os que confessam exageros e até crimes em nome do amor. A melhor surpresa, o próprio Coutinho concorda, é a do agricultor, hoje feirante, que sofreu com a morte da mulher. Ele foi ao estúdio por curiosidade, não quis cantar no teste. “Como você manda uma mulher que morreu ficar longe de você?”, perguntou Coutinho. E ele cantou a música que compôs para ela. Emoções jorram. Coutinho e sua extraordinária câmera-divã.

Entrevista // Eduardo Coutinho: “A canção sempre vai existir”

O que te motivou a realizar o novo filme?
Primeiro, uma discussão que Chico Buarque levantou quando disse que a canção iria morrer. Para mim, essa questão é falsa. A canção está nos primórdios da humanidade e sempre vai existir, enquanto a voz humana existir. A forma de consumi-la pode mudar, as pessoas vão continuar a chorar, agora pela internet. Segundo, não quis fazer um filme com as canções que eu gosto, como faz a maioria dos documentários musicais.

Eles são todos iguais, não acha?
Alguns são péssimos, mas terminam sendo salvos pelo objeto. O que eu quis fazer não tem nada a ver com isso. Não procurei grandes cantores ou músicas pelo valor estético. As músicas estão lá independente do meu gosto.

E são um atestado da riqueza do cancioneiro brasileiro.
O filme não quer provar isso, mas é. Acho que depois da norte-americana está a música brasileira, depois a do Caribe. Elas foram formadas na diáspora, uma mistura que não existe no leste.

Como chegou aos entrevistados?
Pelo velho processo de adequação. Não quis músicos profissionais, com a intenção de se promover, mas pessoas cuja memória fosse ajudada pela música. Tanto que o personagem que mais me interessa no filme, um feirante de Ipanema, jamais irá a um Big Brother. Me interessa gente como ele, que revive e reinventa o passado, que para mim é mais verdadeiro do que o vivido. No processo, o afeto foi uma questão essencial.

Ninguém quis cantar Raul?
Pensei que iria encontrar duzentos Raul Seixas e não teve nenhum. Fiquei surpreso ao encontrar três pessoas cantando Legião Urbana, que são músicas difíceis de cantar, mas não entraram no filme por razões técnicas.

A música sempre está presente em seus filmes.
Desde Santa Marta (1987), que tem dez músicas. Depois, fiz Boca do lixo (1993), que um entrevistado canta uma música de José Augusto. Gosto de gente que canta a capella, que não é cantor mas tem motivo para cantar.

O que te move a dirigir um novo projeto?
Procuro um filme que eu faça não porque tenho, mas porque quero fazer. Penso em um sobre o dicionário, que tem todo o mundo dentro dele. Usar o esquema de esquetes e entrevistas, criar uma lógica para a leitura de verbetes, fazer alguma loucura em cima disso. Por que as pessoas dizem palavrão? Acho isso fascinante. O problema é que isso envolveria atores, direção de arte e questões de direito autoral, o que eleva os custos.

(Diario de Pernambuco, 05/01/2012)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O mundo segundo Polyp



Dez entre dez listas trazem Asterios Polyp (344 páginas, R$ 63) entre as melhores publicações em quadrinhos lançadas no Brasil em 2011. É sem dúvida o mais elaborado trabalho de David Mazzucchelli, cujo talento já era evidente nos anos 1980, quando criou com Frank Miller o que permanece até hoje como duas grandes referências dos quadrinhos de super-heroi: Demolidor - a queda de Murdock e Batman - ano um. Nos anos 1990, Mazzucchelli deu um novo salto artístico ao adaptar o livro Cidade de vidro, de Paul Auster.

Mais de uma década depois surge Asterios Polyp, sua primeira graphic novel 100% autoral. Originalmente publicado em 2009, o drama de um arquiteto em crise é a espinha dorsal de uma excepcional reflexão sobre a vida, em que elementos de arte clássica e moderna, filosofia e psicanálise estão incorporados na própria estrutura narrativa. O resultado é impressionante.

Para se ter uma ideia da complexidade da obra, lançada no fim do ano passado pelo Quadrinhos na Cia., selo especializado da Companhia das Letras, Mazzucchelli só liberou a versão brasileira após atestar a qualidade da tradução feita pela mesma editora para Jimmy Corrigan, de Chris Ware. O cuidado vai desde a fidelidade com a escala CMYK, padrão de cores utilizado para técnicas de impressão, até o respeito pelas fontes e balões criados de acordo com a personalidade de cada personagem.

Sim, Asterios Polyp é sobre como os pontos de vista e a compreensão de mundo podem condicionar o que chamamos de realidade. É o que ocorre com o personagem-título, arquiteto celebrado na academia, mas que nunca teve um projeto edificado. Vaidoso de sua racionalidade cartesiana, ele tem suas convicções abaladas após profunda decepção amorosa. Tímida e com uma visão de mundo orgânica, ela é o completo oposto de Asterios, expansivo e calculista.

Outro aspecto catalizador está no narrador, Ignazio, irmão gêmeo de Asterios, que morreu antes do parto. É nele que o arquiteto projeta seus sonhos não-realizados, como o de se tornar um arquiteto comercialmente bem-sucedido, capaz de colocar projetos na prática. O encontramos na noite de seu 50º aniversário, quando um raio destrói o que lhe resta, um apartamento com uma coleção de registros de sua própria vida por câmeras, como busca de seu irmão fantasma.

Perdido, Asterios deixa todas as certezas para trás. Linhas e cores de Mazzucchelli acompanham a mudança. Sem ser pomposa ou pedante, poucas vezes uma história em quadrinhos expandiu fronteiras e chegou tão alto na arte de contar uma história.

(Diario de Pernambuco, 03/01/2011)

Novo livro de Moebius no Brasil



A editora mineira Nemo vem fazendo um belo serviço ao devolver os quadrinhos de Moebius ao mercado brasileiro de quadrinhos. O projeto começou em maio, com a publicação de Arzach, até então inédito no país. Agora chega às lojas Absoluten Calfeutrail & outras histórias. Nos dois livros, algumas HQs já haviam sido publicadas isoladarmente por outras editoras, nos anos 1980 e 1990. Uma delas, o essencial Garagem hermética, está prevista os próximos meses.

Um dos artistas mais cultuados do quadrinho europeu, Jean Giraud assumiu o pseudônimo Moebius em 1963, quando publicou uma série de tiras para a revista Hara Kiri. Ficou conhecido em 1974, quando se tornou um dos fundadores da Métal Hurlant. Já famoso, nos anos 1980, fez uma parceria com Stan Lee, ao desenhar uma graphic novel protagonizada pelo Surfista Prateado. No cinema, trabalhou na arte de Alien (1979), Tron (1982) e O quinto elemento (1997).



Publicadas originalmente nos anos 1970, as histórias de Absoluten Calfeutrail trazem um Moebius tão experimental que transgride as regras da narrativa visual dos quadrinhos. São fantasias nada escapistas, que reúnem humanos e alienígenas em mundos alternativos, de formas delirantes. Como boa distopia, a crítica social emerge de situações improváveis, quase sempre certeira, como na erótica Pau doido que, disfarçada de ficção científica, aborda a repressão sexual do trabalhador comum. O texto é econômico ou simplesmente não existe. Na arte fantástica de Moebius, palavras raramente ajudam. As imagens já dizem tudo.

(Diario de Pernambuco, 03/01/2011)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Muppets, o verdadeiro 3D



De hoje a quinta-feira, às 18h e 20h10, no Cinema Rosa e Silva. Estas são as últimas sessões de Os Muppets nas salas locais. Dos filmes baseados no programa de TV, este é sem dúvida o melhor. Estrelado e escrito por Jason Siegel, fã assumido, o longa é produzido pela Disney, que soube respeitar o espírito dos personagens criados por Jim Henson nos anos 1950. Com direção de James Bobin, o longa traz elementos de musicais, teatro e humor que marcaram as esquetes originais.

O clima remete a um mundo infantil e nonsense, com elementos de loucura e artesania cada vez mais raros no cinema infanto-juvenil. Sem um único recurso digital, apenas com bonecos de tecido manipulados à mão, Os Muppets são o verdadeiro 3D.

A trama traz o casal Gary (Siegel) e Mary (Amy Adams), que prepara viagem para Los Angeles, em comemoração ao 10º ano de namoro. A história ameaça cair no romance meloso, mas Walter, o irmão-boneco de Gary, quebra o açúcar ao aproveitar a viagem para visitar o antigo estúdio dos Muppets. Lá, descobrem que um milionário (Chris Cooper) ambiciona derrubar o prédio. O trio avisa Kermit (nome original de Caco), que resolve convocar a velha turma para salvar o estúdio com um último show. Enquanto isso, Mary desafia Gary a escolher entre os bonecos ou ela.

Durante o filme, boas participações de Jack Black, Whoopi Goldberg, Jim Parsons, Alan Arkin, Zach Galifianakis, Selena Gomez.

No auge da crise, o Muppet Show vai ao ar com esquetes impagáveis: Gonzo, o alienígena-bala; Animal e sua banda hippie; Caco e seu banjo; os velhinhos rabugentos no balcão. Costumávamos adorar esses bonecos. Por que esquecemos o que amamos? Vale refletir.

(Diario de Pernambuco, 02/01/2012)

Cine PE tipo exportação



Durante a realização da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife em novembro passado, Alfredo Bertini, diretor do Cine PE – Festival do Audiovisual, anunciou a criação de uma Frente dos Grandes Festivais (FGF). A nova entidade, que inclui os festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará e Pernambuco (e está de olho em Paulínia, Anima Mundi e É Tudo Verdade), surgiu para defender interesses específicos dos maiores festivais do país, que até então faziam parte do Fórum dos Festivais, do qual o próprio Bertini foi presidente.

Em conversa com o Diario, Bertini explica a FGF, antecipa algumas novidades do Cine PE – que neste ano se internacionaliza em parceria com países africanos – e critica os sistemas de patrocínio a eventos culturais: “O mecenato é fundamental para os produtos culturais com inclinação para o mercado”. Fala ainda sobre os dois longa-metragens que sua empresa, a BPE, está produzindo: o documentário Sons da esperança, de Zelito Viana, sobre a Orquestra Cidadã Meninos do Coque, e uma comédia de ficção que deve começar a ser filmada nos próximos meses. “Será a maior produção de cinema do estado e a primeira grande comédia urbana nordestina”, diz o produtor.

Entrevista: Alfredo Bertini: “Pernambuco precisa de lei do mecenato”

O que os angolanos esperam dos brasileiros?
Aprender. Eles vieram para cá, viram o Cine PE e ficaram impressionados com a quantidade de público. Então, a BPE fez um acordo de cooperação com o governo de Angola. Com isso, esperamos oferecer uma consultoria para que o Festival de Luanda seja melhor organizado. A ideia é fazer com que ele saia da muleta do governo e ande com as próprias pernas, sem a retaguarda do estado.

Como essa ponte pode ser viável, economicamente?
Apesar dos vários problemas, Angola está crescendo mais do que o Bric. Eles têm condições de realizar projetos culturais, mas não sabem como. O país é o maior produtor mundial de diamantes, o segundo maior de ouro e o quinto maior de petróleo. Mas vive em regime ditatorial, em transição do socialismo para o capitalismo. Olhamos muito para os festivais da Europa e EUA, com os quais temos muito o que aprender. Mas há outros para os quais podemos ensinar. Cabo Verde, Argélia e Guiné Bissau demonstraram interesse em discutir perspectivas. Além disso, recebemos convites para conhecer o festival de Moçambique. Em troca, vamos trazê-los para o Cine PE.

Como você vê o crescimento do número de eventos de cinema em Pernambuco?
Não temos nada contra, mas são projetos locais, que precisam ter planos específicos por parte das políticas de incentivo. No Ceará, por exemplo, hoje existem oito festivais. E o Banco do Nordeste, além de mobilizar recursos para o Cine Ceará e Cine PE, que são projetos nacionais, que têm uma história, direcionou o mesmo investimento para a primeira edição de outro festival. Essa política é um equivoco. Do ponto de vista de estratégia de marketing, a pulverização enfraquece a marca.

Mas isso não impediria o fortalecimento de novos festivais?
A gente não começou grande. Todo mundo pode crescer, essa é a dinâmica da economia da cultura. Em algum momento, quem depende de fundo vai para o mecenato e novos projetos passam a demandar pelo fundo. E como esses projetos, pela própria dinâmica, precisam evoluir, o alvo final seria um estágio de independência total das garras do governo. Até mesmo do mecenato.

A fundação da FGF tem sido comparada à classificação dos times de futebol, divididos em série A e B.
Mas é isso mesmo. São as regras do mercado. Tem que ter primeira e segunda divisão. O futebol faz isso porque não dá para comportar todo mundo. A grande questão está no fato de não se depender apenas da “visão editalesca” que tomou conta da cultura. Esse é o risco de quem, em nome da democracia, exagera na dose e perde de vista o essencial, que é a meritocracia.

Por isso a saída do Fórum dos Festivais?
Distorções conceituais nos fizeram sair. Atualmente, existem 270 festivais no Brasil. Não somos contra, a produção precisa escoar. Mas cada um tem interesses e finalidades diferentes. Não dá para tratar a todos da mesma forma, com o mesmo edital. Esse é o conceito que defendemos na FGF. Apoiamos a Lei Rouanet, mas a maioria acha diferente, que tem que ter fundo. Não dá para ficar prejudicado com o corte de recursos da Petrobras. Temos que tomar alguma atitude. A cada ano perdemos R$ 150 mil com a desvalorização monetária.

Quais interesses serão defendidos pela FGF?
Mobilizamos os grandes festivais de cada região, que fazem parte do calendário nacional, para pressionar governos por um tratamento diferenciado. Por exemplo, minha proposta de investimento do Cine PE não cabe no Funcultura, tem outro perfil. Tenho perdido patrocinadores que estão nos festivais do nosso grupo, justo porque Pernambuco não tem lei do mecenato. Penso que Eduardo Campos precisa rever isso com urgência, sobretudo se perdermos algumas vantagens da Lei Rouanet, no bojo da proposta do Procultura. Nesse sentido, daria para apostar num quadro novo de mecenato, apenas direcionado para os projetos de dimensão e reverberação nacional. Parceiros privados viriam, dispostos a contrapartidas de até 30%.

O patrocínio da Petrobras já não garantiria a continuidade dos festivais?
Como somos eventos de grande porte, somos convidados pela Petrobras. O lucro fiscal da empresa tem diminuído, o que gera uma brutal redução nos recursos de incentivo à cultura. O quadro para 2012 é preocupante, a ponto de a empresa já ter definido o direcionamento para os mecenatos estaduais, nos casos possíveis. Defendemos que o investimento seja retomado para os padrões de 2008, priorizando antes os grandes eventos de audiovisual, pois eventos que nasceram ontem estão recebendo quase o mesmo patrocínio. Também vamos sugerir uma cláusula nos editais de produção de filmes, que determina que, para o filme ser patrocinado, sua primeira exibição deve acontecer em um dos grandes. É uma saída para elevar o nível da programação.

Mas isso não pode prejudicar a carreira do filme no exterior?
Não. Festivais como Cannes, Berlim e Veneza não exigem esse tipo de ineditismo. Se o filme for exibido no próprio país, não há bloqueio. Eles sabem que existem compromissos. Temos enfrentado esse problema por anos. Por exemplo, desde outubro de 2010 Heleno (de José Henrique Fonseca) estava previsto para estrear no Cine PE. Em janeiro, ele disse que não colocaria porque estava esperando a posição de Berlim. Não entrou. Liguei pra ele e ele disse: estou esperando Cannes. Também não entrou. Será uma atitude correta com os festivais brasileiros, já que os filmes são realizados com dinheiro público? Vamos fazer reserva de mercado, sim. Não vamos perder espaço para os internacionais porque os diretores querem massagear o ego.

Quais as novidades para o Cine PE de 2012?
O festival chegou ao tamanho que a gente queria. Escutamos setores e participamos de seminários, o que nos levou a algumas mudanças. Neste ano, a Mostra Pernambuco será no Centro de Convenções. A competição de curtas unificou os formatos digital e 35mm em uma única mostra e o padrão mínimo para produções em digital será o Full HD. Já temos dois homenageados e o filme de abertura definidos. A programação será em uma semana fechada, com cinco longas e 18 curtas na mostra competitiva oficial. Creio que, com isso, o Cine PE atingiu o modelo ideal. Também estaremos lançando o livro comemorativo dos 15 anos.

Além do Cine PE, quais os outros projetos da BPE?
Finalizamos as filmagens de Sons da esperança, que vai encerrar a programação do próximo Cine PE. Estou muito satisfeito, com o projeto de filme de ficção, que será dirigido por André Moraes. Somos quatro sócios, sendo duas produtoras do Rio de Janeiro e uma de São Paulo. Há duas distribuidoras em negociação. A história será ambientada em 1985 e terá como trilha todos os sucessos nacionais da época. Adriana Falcão e Nelson Caldas estão revisando o roteiro, escrito por mim. O elenco terá cerca de 50 artistas, a maioria pernambucanos. O orçamento será de R$ 7,2 milhões.

O que falta para Pernambuco ter uma indústria cinematográfica?
Em 2005 fundamos um Sindicato da Indústria Cinematográfica de Pernambuco, do qual fui presidente. Nos vinculamos à Federação das Indústrias, que nos deu total apoio, mas não geramos contribuição e pedi suspensão temporária. Agora, no festival, quero reunir o maior número possível de interessados e retomar essa discussão. O problema é que são poucas produtoras no estado, a maioria de atividade esporádica. E não dá para falar de indústria cultural em Pernambuco se a maior parte da produção é mantida com recursos públicos, direcionados a pessoas físicas. Por isso a necessidade de uma lei do mecenato, que estimule a busca pelo mercado.

Saiba mais

Recifense de 1961, Alfredo Bertini é doutor em economia pela Universidade de São Paulo.

Tem carreira como professor universitário, consultor e autor de livros especializados, entre eles, Economia da cultura (Editora Saraiva).

Foi secretário adjunto do estado de Pernambuco em 1994 e 1995. Após visita ao Festival de Gramado, começou a desenvolver o projeto de um festival de cinema para o Recife.

Em 2004 e 2005 foi secretário de Turismo e Esportes da Prefeitura do Recife e, logo depois, presidente do Fórum dos Festivais.

É diretor – junto com a esposa Sandra Bertini – do Cine PE — Festival do Audiovisual, que em 2012 completa 16 anos.

(Diario de Pernambuco, 02/01/2012)