sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Longa vida ao cinema de Pernambuco



Para a crítica nacional, Praça Walt Disney é o melhor curta-metragem brasileiro de 2011. O filme de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira foi eleito pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, que divulgou ontem o resultado de uma votação que envolveu 23 críticos. É a coroação de uma carreira que começou em janeiro passado, na Mostra de Tiradentes (MG) e chegou a importantes festivais do mundo, como o de Havana e Locarno. Outra nova informação, PWD foi selecionado para o Festival de Roterdã, onde participa da seção Spectrum.

“O filme já esteve na mostra oficial de Locarno”, explica Sérgio Oliveira. Locarno, aliás, foi favorável a outro curta pernambucano, Mens sana in corpore sano, que recebeu menção honrosa. Da recente produção local, o filme de Juliano Dornelles disputa com o de Sérgio e Renata o título de mais bem-sucedido do ano. Outro atestado de qualidade, eles (mais As aventuras de Paulo Bruscky e os documentários Avenida Brasília Formosa, Pacific e Crítico) disputam o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, espécie de Oscar nacional.

No balanço feito por Sérgio, ele observa que apesar da boa aceitação de PWD, ele foi solenemente ignorado “em casa”, pelo Cine PE. “Pelo que soube, a comissão não soube em que categoria colocar o filme, que não pode ser facilmente classificado como ficção, documentário ou videoarte. Pra mim, isso soa como um elogio”.

Inteiramente realizado na ensolarada Boa Viagem, o curta constrói, em 21 minutos, um ponto de vista ao mesmo tempo crítico e bem humorado sobre a cacofonia cultural e arquitetônica ao redor da praça que o batiza. Para além do discurso, frente à beleza plástica de Praça Walt Disney, vale assumir o risco de dizer que o bairro nunca foi exposto de forma tão bonita e sincera. Sem falar que é uma bem sacada homenagem à história do cinema. Sem nunca ter pisado em Boa Viagem, lá estão os irmãos Lumière, Jacques Tati e o próprio Walt Disney, em sequência à beira-mar que remete ao clássico Fantasia, de 1940.

Não raro, Pernambuco vem gerando curtas impactantes e reconhecidos, basta lembrar Recife frio, de Kleber Mendonça Filho e Superbarroco, também assinado por Renata Pinheiro. De acordo com Luiz Zanin, presidente da Abraccine, Praça Walt Disney foi eleito o melhor curta do ano pela “proposta estética inovadora, aliada a uma pegada política e de crítica social que tem caracterizado o cinema pernambucano contemporâneo”.

O crítico continua: “sem qualquer discurso panfletário, o filme nos joga no universo da especulação imobilária que está ameaçando destruir o Recife e nos faz avaliar os desníveis sociais marcantes do Brasil urbano, que cresce a ritmo acelerado. É um filme que nos conquista pela acuidade formal, pela inserção crítica em seu meio e pelas camadas de leitura que proporciona a cada vez que o revemos. Muito bom mesmo”.

Crítica nacional elege os melhores - Além de Praça Walt Disney, a Abraccine elegeu Árvore da vida, de Terrence Malick e Transeunte, de Eryk Rocha, como os melhores filmes de 2011. É a primeira vez que a crítica nacional reúne esforços em torno de uma premiação. O mesmo pode ser dito sobre uma entidade nacional, que foi criada há seis meses e que comporta 80 sócios de 14 estados, entre nomes de reconhecida importância, como Ismail Xavier e Rubens Ewald Filho.

Mas por que Árvore da vida, e não Melancolia? E sim para Transeunte, em detrimento de Trabalhar cansa ou O Palhaço? “Os prêmios foram obtidos num processo de longa discussão interna entre os associados”, diz Luiz Zanin, sobre o processo de votação. “A Abraccine congrega críticos importantes, atuantes nos veículos mais conhecidos em seus estados, profissionais da mídia impressa e eletrônica. O prêmio espelha a filosofia central da entidade: qualificação profissional, respeito à diversidade regional do país, recusa de bairrismos e democracia interna”.

De acordo com João Carlos Sampaio, um dos deveres da crítica é “identificar tendências e louvar o risco” e certamente o experimentalismo congênito dos três filmes os levaram à consagração. “Os filmes que mais se arriscam nem sempre são os que erram menos, mas certamente os que estão mais perto de trazer contribuições para a evolução da linguagem, para o questionamento dos discursos, para a mudança de rumos, enfim, para a necessidade que a arte tem de ser arejada por novas correntes de ar”.

(Diario de Pernambuco, 06/01/2012)

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