sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O lado doentio da civilização



Quando a adaptação de David Fincher para Millenium - os homens que não amavam as mulheres (The girl with the dragon tatoo) foi anunciada, as reações foram contraditórias. Teria o diretor de Seven, Clube da luta, Zodíaco e A rede social se rendido à febre de versões norte-americanas para filmes suecos, espanhóis, norte-coreanos e afins? Já nos primeiros minutos, tem-se a certeza de que não. A produção de 90 milhões de dólares é sem dúvida mais uma grande obra de Fincher, conhecido por filmar em Hollywood sem abrir mão da liberdade criativa.

Produção bem mais modesta, o filme dirigido em 2009 por Niels Arden Oplev é baseado no best-seller sueco de Stieg Larsson. Fincher fez o mesmo, mas é inegável a semelhança visual e conceitual entre os dois filmes. De cara, Fincher ataca com uma abertura de tirar o fôlego, uma animação digital embalada por versão de Trent Reznor para clássico do Led Zeppelin, Immigrant song.

Mentor do Nine Inch Nails, Reznor se especializou em trilhas sonoras de primeira linha, como A estrada perdida, de David Lynch e A rede social, com a qual ganhou o Oscar 2011. Desta vez ele está fora pela trilha sonora original, mas o filme concorre a melhor mixagem e edição de som, além de melhor montagem, fotografia e atriz para Rooney Mara, pela incrível interpretação de Lisbeth, a cyberpunk vingadora de mulheres violentadas.

Millenium está fora da categoria pricipal, algo previsível para um filme que inclui cenas de tortura e estupro anal. O formato clássico de cinema no qual Fincher depurou seu estilo evolui da sujeira transbordante de Seven e Clube da luta à gramática sóbria e linear estabelecida em Zodíaco (2007) e A rede social (2011). No papel do jornalista acusado de perjúrio, Daniel Craig representa bem o mundo ascéptico no qual a Suécia pode ser a maior referência. Representante do antissocial mundo 2.0, Lisbeth, ao contrário, está mais para uma das amantes sádicas de Tyler Durden (Brad Pitt), de Clube da luta.

Millenium é mais do que um filme sobre violência contra as mulheres. Trata de nazismo, poder e loucura. Contratado por um milionário (Christopher Plummer) para investigar o desaparecimento de sua filha, Craig descobre que, por trás do verniz da civilidade reside o que há de mais doentio na alma humana.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2012)

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