sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Jornada sem medo



O garoto da bicicleta é um dos mais eficientes estudos do comportamento juvenil no cinema contemporâneo. No novo trabalho dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (A criança, O silêncio de Lorna), Cyril (Thomas Doret) é caracterizado como um jovem inquieto e ansioso, produto da orfandade da mãe e desamparo do pai, ele se recusa a permanecer no internato onde foi deixado, sob promessa de ficar apenas um mês. Encontra na cabelereira Samantha (Cécile De France, de Além da vida e Inimigo público nº 1) apoio para bater na porta do pai (Jérémie Renier).

As sequências em que Cyril “voa” de bicicleta por becos e ruas são o contraponto libertário ao sofrimento, o fio da navalha por onde, entre a ingenuidade e a delinquência, transita o personagem. Ao desmontar clichês em torno do tema, o filme evita o pieguismo em torno do sofrido processo de amadurecimento do garoto, que, conforme vai perdendo a urgência da aceitação paterna, percebe que o mundo é maior do que a condição de abandono. Em momento-chave, pede desculpas por ter roubado um lojista.

Há uma fábula em O garoto da bicicleta, daí talvez a leveza com que assistimos ao filme. Em árdua e convicta jornada, Cyril enfrenta contratempos. Falta-lhe discernimento. É seduzido por oportunistas e protegido por “anjos”. Cai e levanta. Aqui paira outro lugar comum, também evitado: o de que o sofrimento leva à maturidade. A grande beleza do filme está na crença de que, para ter os olhos abertos, é preciso se jogar sem medo.

(Diario de Pernambuco, 13/01/2012)

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