terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O mundo segundo Polyp



Dez entre dez listas trazem Asterios Polyp (344 páginas, R$ 63) entre as melhores publicações em quadrinhos lançadas no Brasil em 2011. É sem dúvida o mais elaborado trabalho de David Mazzucchelli, cujo talento já era evidente nos anos 1980, quando criou com Frank Miller o que permanece até hoje como duas grandes referências dos quadrinhos de super-heroi: Demolidor - a queda de Murdock e Batman - ano um. Nos anos 1990, Mazzucchelli deu um novo salto artístico ao adaptar o livro Cidade de vidro, de Paul Auster.

Mais de uma década depois surge Asterios Polyp, sua primeira graphic novel 100% autoral. Originalmente publicado em 2009, o drama de um arquiteto em crise é a espinha dorsal de uma excepcional reflexão sobre a vida, em que elementos de arte clássica e moderna, filosofia e psicanálise estão incorporados na própria estrutura narrativa. O resultado é impressionante.

Para se ter uma ideia da complexidade da obra, lançada no fim do ano passado pelo Quadrinhos na Cia., selo especializado da Companhia das Letras, Mazzucchelli só liberou a versão brasileira após atestar a qualidade da tradução feita pela mesma editora para Jimmy Corrigan, de Chris Ware. O cuidado vai desde a fidelidade com a escala CMYK, padrão de cores utilizado para técnicas de impressão, até o respeito pelas fontes e balões criados de acordo com a personalidade de cada personagem.

Sim, Asterios Polyp é sobre como os pontos de vista e a compreensão de mundo podem condicionar o que chamamos de realidade. É o que ocorre com o personagem-título, arquiteto celebrado na academia, mas que nunca teve um projeto edificado. Vaidoso de sua racionalidade cartesiana, ele tem suas convicções abaladas após profunda decepção amorosa. Tímida e com uma visão de mundo orgânica, ela é o completo oposto de Asterios, expansivo e calculista.

Outro aspecto catalizador está no narrador, Ignazio, irmão gêmeo de Asterios, que morreu antes do parto. É nele que o arquiteto projeta seus sonhos não-realizados, como o de se tornar um arquiteto comercialmente bem-sucedido, capaz de colocar projetos na prática. O encontramos na noite de seu 50º aniversário, quando um raio destrói o que lhe resta, um apartamento com uma coleção de registros de sua própria vida por câmeras, como busca de seu irmão fantasma.

Perdido, Asterios deixa todas as certezas para trás. Linhas e cores de Mazzucchelli acompanham a mudança. Sem ser pomposa ou pedante, poucas vezes uma história em quadrinhos expandiu fronteiras e chegou tão alto na arte de contar uma história.

(Diario de Pernambuco, 03/01/2011)

2 comentários:

Wesley Prado disse...

Curto, mas direto. Muito bom teu texto, André.
Asterios Polyp merece mesmo todo os aplausos.
É fantástico como arte e texto conversam nessa graphic novel.

Andre Dib disse...

Obrigado, Wesley.