segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Cine PE tipo exportação
Durante a realização da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife em novembro passado, Alfredo Bertini, diretor do Cine PE – Festival do Audiovisual, anunciou a criação de uma Frente dos Grandes Festivais (FGF). A nova entidade, que inclui os festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará e Pernambuco (e está de olho em Paulínia, Anima Mundi e É Tudo Verdade), surgiu para defender interesses específicos dos maiores festivais do país, que até então faziam parte do Fórum dos Festivais, do qual o próprio Bertini foi presidente.
Em conversa com o Diario, Bertini explica a FGF, antecipa algumas novidades do Cine PE – que neste ano se internacionaliza em parceria com países africanos – e critica os sistemas de patrocínio a eventos culturais: “O mecenato é fundamental para os produtos culturais com inclinação para o mercado”. Fala ainda sobre os dois longa-metragens que sua empresa, a BPE, está produzindo: o documentário Sons da esperança, de Zelito Viana, sobre a Orquestra Cidadã Meninos do Coque, e uma comédia de ficção que deve começar a ser filmada nos próximos meses. “Será a maior produção de cinema do estado e a primeira grande comédia urbana nordestina”, diz o produtor.
Entrevista: Alfredo Bertini: “Pernambuco precisa de lei do mecenato”
O que os angolanos esperam dos brasileiros?
Aprender. Eles vieram para cá, viram o Cine PE e ficaram impressionados com a quantidade de público. Então, a BPE fez um acordo de cooperação com o governo de Angola. Com isso, esperamos oferecer uma consultoria para que o Festival de Luanda seja melhor organizado. A ideia é fazer com que ele saia da muleta do governo e ande com as próprias pernas, sem a retaguarda do estado.
Como essa ponte pode ser viável, economicamente?
Apesar dos vários problemas, Angola está crescendo mais do que o Bric. Eles têm condições de realizar projetos culturais, mas não sabem como. O país é o maior produtor mundial de diamantes, o segundo maior de ouro e o quinto maior de petróleo. Mas vive em regime ditatorial, em transição do socialismo para o capitalismo. Olhamos muito para os festivais da Europa e EUA, com os quais temos muito o que aprender. Mas há outros para os quais podemos ensinar. Cabo Verde, Argélia e Guiné Bissau demonstraram interesse em discutir perspectivas. Além disso, recebemos convites para conhecer o festival de Moçambique. Em troca, vamos trazê-los para o Cine PE.
Como você vê o crescimento do número de eventos de cinema em Pernambuco?
Não temos nada contra, mas são projetos locais, que precisam ter planos específicos por parte das políticas de incentivo. No Ceará, por exemplo, hoje existem oito festivais. E o Banco do Nordeste, além de mobilizar recursos para o Cine Ceará e Cine PE, que são projetos nacionais, que têm uma história, direcionou o mesmo investimento para a primeira edição de outro festival. Essa política é um equivoco. Do ponto de vista de estratégia de marketing, a pulverização enfraquece a marca.
Mas isso não impediria o fortalecimento de novos festivais?
A gente não começou grande. Todo mundo pode crescer, essa é a dinâmica da economia da cultura. Em algum momento, quem depende de fundo vai para o mecenato e novos projetos passam a demandar pelo fundo. E como esses projetos, pela própria dinâmica, precisam evoluir, o alvo final seria um estágio de independência total das garras do governo. Até mesmo do mecenato.
A fundação da FGF tem sido comparada à classificação dos times de futebol, divididos em série A e B.
Mas é isso mesmo. São as regras do mercado. Tem que ter primeira e segunda divisão. O futebol faz isso porque não dá para comportar todo mundo. A grande questão está no fato de não se depender apenas da “visão editalesca” que tomou conta da cultura. Esse é o risco de quem, em nome da democracia, exagera na dose e perde de vista o essencial, que é a meritocracia.
Por isso a saída do Fórum dos Festivais?
Distorções conceituais nos fizeram sair. Atualmente, existem 270 festivais no Brasil. Não somos contra, a produção precisa escoar. Mas cada um tem interesses e finalidades diferentes. Não dá para tratar a todos da mesma forma, com o mesmo edital. Esse é o conceito que defendemos na FGF. Apoiamos a Lei Rouanet, mas a maioria acha diferente, que tem que ter fundo. Não dá para ficar prejudicado com o corte de recursos da Petrobras. Temos que tomar alguma atitude. A cada ano perdemos R$ 150 mil com a desvalorização monetária.
Quais interesses serão defendidos pela FGF?
Mobilizamos os grandes festivais de cada região, que fazem parte do calendário nacional, para pressionar governos por um tratamento diferenciado. Por exemplo, minha proposta de investimento do Cine PE não cabe no Funcultura, tem outro perfil. Tenho perdido patrocinadores que estão nos festivais do nosso grupo, justo porque Pernambuco não tem lei do mecenato. Penso que Eduardo Campos precisa rever isso com urgência, sobretudo se perdermos algumas vantagens da Lei Rouanet, no bojo da proposta do Procultura. Nesse sentido, daria para apostar num quadro novo de mecenato, apenas direcionado para os projetos de dimensão e reverberação nacional. Parceiros privados viriam, dispostos a contrapartidas de até 30%.
O patrocínio da Petrobras já não garantiria a continuidade dos festivais?
Como somos eventos de grande porte, somos convidados pela Petrobras. O lucro fiscal da empresa tem diminuído, o que gera uma brutal redução nos recursos de incentivo à cultura. O quadro para 2012 é preocupante, a ponto de a empresa já ter definido o direcionamento para os mecenatos estaduais, nos casos possíveis. Defendemos que o investimento seja retomado para os padrões de 2008, priorizando antes os grandes eventos de audiovisual, pois eventos que nasceram ontem estão recebendo quase o mesmo patrocínio. Também vamos sugerir uma cláusula nos editais de produção de filmes, que determina que, para o filme ser patrocinado, sua primeira exibição deve acontecer em um dos grandes. É uma saída para elevar o nível da programação.
Mas isso não pode prejudicar a carreira do filme no exterior?
Não. Festivais como Cannes, Berlim e Veneza não exigem esse tipo de ineditismo. Se o filme for exibido no próprio país, não há bloqueio. Eles sabem que existem compromissos. Temos enfrentado esse problema por anos. Por exemplo, desde outubro de 2010 Heleno (de José Henrique Fonseca) estava previsto para estrear no Cine PE. Em janeiro, ele disse que não colocaria porque estava esperando a posição de Berlim. Não entrou. Liguei pra ele e ele disse: estou esperando Cannes. Também não entrou. Será uma atitude correta com os festivais brasileiros, já que os filmes são realizados com dinheiro público? Vamos fazer reserva de mercado, sim. Não vamos perder espaço para os internacionais porque os diretores querem massagear o ego.
Quais as novidades para o Cine PE de 2012?
O festival chegou ao tamanho que a gente queria. Escutamos setores e participamos de seminários, o que nos levou a algumas mudanças. Neste ano, a Mostra Pernambuco será no Centro de Convenções. A competição de curtas unificou os formatos digital e 35mm em uma única mostra e o padrão mínimo para produções em digital será o Full HD. Já temos dois homenageados e o filme de abertura definidos. A programação será em uma semana fechada, com cinco longas e 18 curtas na mostra competitiva oficial. Creio que, com isso, o Cine PE atingiu o modelo ideal. Também estaremos lançando o livro comemorativo dos 15 anos.
Além do Cine PE, quais os outros projetos da BPE?
Finalizamos as filmagens de Sons da esperança, que vai encerrar a programação do próximo Cine PE. Estou muito satisfeito, com o projeto de filme de ficção, que será dirigido por André Moraes. Somos quatro sócios, sendo duas produtoras do Rio de Janeiro e uma de São Paulo. Há duas distribuidoras em negociação. A história será ambientada em 1985 e terá como trilha todos os sucessos nacionais da época. Adriana Falcão e Nelson Caldas estão revisando o roteiro, escrito por mim. O elenco terá cerca de 50 artistas, a maioria pernambucanos. O orçamento será de R$ 7,2 milhões.
O que falta para Pernambuco ter uma indústria cinematográfica?
Em 2005 fundamos um Sindicato da Indústria Cinematográfica de Pernambuco, do qual fui presidente. Nos vinculamos à Federação das Indústrias, que nos deu total apoio, mas não geramos contribuição e pedi suspensão temporária. Agora, no festival, quero reunir o maior número possível de interessados e retomar essa discussão. O problema é que são poucas produtoras no estado, a maioria de atividade esporádica. E não dá para falar de indústria cultural em Pernambuco se a maior parte da produção é mantida com recursos públicos, direcionados a pessoas físicas. Por isso a necessidade de uma lei do mecenato, que estimule a busca pelo mercado.
Saiba mais
Recifense de 1961, Alfredo Bertini é doutor em economia pela Universidade de São Paulo.
Tem carreira como professor universitário, consultor e autor de livros especializados, entre eles, Economia da cultura (Editora Saraiva).
Foi secretário adjunto do estado de Pernambuco em 1994 e 1995. Após visita ao Festival de Gramado, começou a desenvolver o projeto de um festival de cinema para o Recife.
Em 2004 e 2005 foi secretário de Turismo e Esportes da Prefeitura do Recife e, logo depois, presidente do Fórum dos Festivais.
É diretor – junto com a esposa Sandra Bertini – do Cine PE — Festival do Audiovisual, que em 2012 completa 16 anos.
(Diario de Pernambuco, 02/01/2012)
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