sábado, 8 de outubro de 2011
Território do cinema
Após extensa carreira em festivais, estreia hoje o longa Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro. Como tudo o que vem fazendo, o diretor de Um lugar ao Sol e As aventuras de Paulo Bruscky, fica difícil definir o que é ficção e o que é documentário na nova obra. A única certeza é a de que seus personagens se encontram em uma geografia somente permitida no território do cinema.
Sob o argumento de registrar as mudanças recentes ocorridas no bairro de Brasília Teimosa, o projeto de Mascaro foi aprovado em 2007 no edital para documentários DOC TV. No entanto, o filme se construiu como obra autônoma, que utiliza recursos de linguagem na intenção de confundir percepções do que é real e o que é representação.
Se ao assistir ao cotidiano do garoto Caio, do cinegrafista amador Phábio, da manicure Débora e do pescador Pirambu, encontramos atitudes comuns à maioria dos recifenses, o jogo de luzes, a captação de som e a fotografia elaborada nos levam a questionar até que ponto tais cenas são espontâneas, ou “naturais”. É a partir desse estranhamento que, tênue, o filme se equilibra.
Avenida Brasília Formosa chega a várias capitais através da Sessão Vitrine, que no Recife tem como parceiro o Cinema da Fundação. Atenção para os horários, pois as poucas sessões acontecem hoje, amanhã e terça-feira. Antecede o curta Material bruto, de Ricardo Alves Júnior.
Mudança de rumo - No filme, ele trabalha num restaurante e faz frilas editando videos. Tem vida religiosa ativa e gosta de dançar. Mas nem a casa em que habita no filme, em Brasília Teimosa, ou o restaurante fazem parte do cotidiano de Phábio Mello. Na verdade, ele mora no bairro ao lado, o Pina. E se na época fazia bico como garçom, hoje, aos 26 anos, vende produtos de segurança eletrônica. E nos fins de semana, filma e coloca som em eventos.
Quando foi convidado para participar do filme, Phábio pensou que não precisaria sair da rotina. Quando percebeu que precisaria interpretar um personagem, aceitou, mas durante o processo pensou em desistir. “Não conhecia Brasília Teimosa por dentro. No começo achei legal, mas tinha outros compromissos. Aí chegamos num acordo de gravar somente no tempo livre”.
Desde o começo do ano, Phábio tem viajado, representando o filme em festivais: Tiradentes, Salvador, Triunfo, São Luís, Belo Horizonte. A experiência mexeu com seus planos. “Depois que minha foto saiu nos jornais, cresceu a demanda para filmagens. E despertou a vontade de fazer um curta. Vou pegar umas dicas com o Gabriel”.
Conversa de pescador - A bordo de seu barco, Pirambu atende o telefone e conversa com o repórter. Na época da filmagem, o pescador vivia no Conjunto Habitacional construído no bairro do Cordeiro, para onde foram transferidos os moradores das palafitas. Pirambu é Alexandro José de Olivera, 35 anos. Diz que gostou do filme, que se sente bem representado. A única diferença é que ele voltou a morar em Brasília Teimosa. O apartamento ficou com a tia. “Eu tenho um barco de pesca, não dá pra morar naquele meio de mundo. Meu trabalho é aqui”.
No mais, Pirambu diz que continua com a mesma vida de quando foi convidado para participar do filme. Nada de estranhar os equipamentos ou o movimento da equipe. “Já participei de várias reportagens para a TV sobre o dia a dia no mar. E a conversa dos pescadores é aquela mesma, só não é aquela parte de falar de mulher, não é assim não, era só a gente puxando conversa pra fazer a cena”, brinca. Quando soube a data em que seria publicada esta reportagem, ele lamenta não poder conferir o jornal. Pirambu está no alto mar e só volta em 10 dias. O nome do seu barco? "Deus Todo Poderoso".
Manicure extrovertida - “Aquilo ali é a minha realidade, o meu dia a dia, muito pouco foi mexido”, conta a manicure Débora Leite. Muito pouco? “Algumas coisas que eu falei, na forma de agir e a festa que a gente foi. Não frequento aquele barzinho. No mais, foi natural, não fiz cena”. Se a vontade de participar do Big Brother surgiu como proposta da produção, aos poucos foi sendo assumida por Débora como um desejo real, a ponto de ter mandado o vídeo para se inscrever no programa global, no ano passado. “A experiência de fazer o filme foi ótima, sou extovertida, adoro aparecer. Estou pensando em enviar o vídeo novamente este ano”.
De 2008 pra cá, Débora continua vivendo e trabalhando no mesmo lugar, o Salão Belas Unhas, que ontem completou 12 anos. “A única mudança na minha vida foi ter trocado de namorado”. Sobre a forma como Brasília Teimosa é apresentada no filme, a manicure de 32 anos diz que o bairro tem coisas bem melhores para se mostrar. “Por conta da compra dos terrenos ao redor, ele está menor do que antes, mas continua a mesma coisa em termos de comunidade”.
(Diario de Pernambuco, 08/10/2011)
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