quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Em defesa da invenção


Edgard Navarro e Luís Paulino: ícones do cinema baiano

Um dos melhores filmes do Festival de Brasília, O homem que não dormia, de Edgard Navarro, passa a limpo o universo simbólico do diretor baiano, autor dos ótimos Super Outro e Eu me lembro, ambos consagrados em festivais em 1989 (Gramado) e 2005 (Brasília). Dessa vez, Navarro dividiu opiniões. Houve quem achasse seus delírios dramáticos filmados entre vales e rios herméticos demais, mal costurados até. Pode ser. Mesmo se “recebidas no coração”, como pede o cineasta no início da fita, as imagens, de inegável beleza e ousadia, podem não ser tão acessíveis.

Estamos em Igatu, a pequena cidade de pedra cravada na Chapada Diamantina, no filme povoada por arquétipos comuns à vida no interior: o coronel, o padre, o maluco, a “mulher da vida”, o vagabundo, o poeta, o fofoqueiro. Uma cartela de personagens que orbitam em torno de Navarro, ele mesmo no papel do barão que mata a esposa, o amante, enterra seu tesouro em um baú e peregrina mundo afora, sem ter o direito de morrer ou ao menos dormir. Anos depois, já “encarnado” por Luiz Paulino dos Santos (desde os anos 1960, figura emblemática para o cinema baiano) ele retorna à vila, causando rebuliço.

Espírito livre, Navarro propõe uma destemida viagem em que exorcisa os próprios demônios. O projeto remonta ao fim dos anos 1970, pode ser considerado o filme de sua vida, tanto que o diretor se diz desobrigado a realizar qualquer outro, a não ser por diletantismo.

Aos que procuram a invenção, termo pelo qual o cinema de Navarro se definiu enquanto gênero, O homem que não dormia é um prato cheio. Risco é sinônimo de liberdade, defendem os anarquistas, e nesse percurso, errar é um direito tão importante quanto o acerto. Importa mais para onde o filme aponta: o cinema enquanto potencial de emancipação.

(Diario de Pernambuco, 05/10/2011)

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