domingo, 21 de agosto de 2011

Sob o Sol de Glauber


Glauber em Lisboa, 1980. Foto de Paula Gaitán

Há 30 anos, a cultura brasileira perdeu um de seus mais inflamados defensores. Autor de uma obra que conciliou arte e política, Glauber Rocha morreu em 22 de agosto de 1981, mesma época em que a ditadura militar, “o dragão da maldade” que tanto perseguiu seus filmes, dava os últimos suspiros. Na busca de entender o legado de Glauber, o Diario de Pernambuco conversou com críticos e cineastas influenciados por sua obra.

Missivista compulsivo, tornou-se o principal articulador do Cinema Novo, movimento que rompeu com as chanchadas da Atlântida para se aproximar da vanguarda europeia. Em 1970, decepcionado com os caminhos do país e de alguns companheiros de cinema, ele mesmo se encarregou de sentenciar o fim do movimento.

Montador de Terra em transe, O dragão da maldade contra o santo guerreiro, O leão de sete cabeças e Cabeças cortadas, Eduardo Escorel diz que a duração quase instantânea do Cinema Novo teve razões históricas e de caráter utópico. “Houve um estardalhaço, fruto de uma militância cultural que talvez dê a impressão errada em termos de alcance e repercussão. No Brasil, havia muita oposição a esses filmes. Alguns até chegaram ao circuito de cinema, mas com resultados muito precários”.

Escorel acredita que, três décadas após a morte de Glauber, ele esteja passando por um ciclo de esquecimento. “Possívelmente, em algum momento haverá uma revisão e até a revalorização de alguns filmes dele. Mas o que percebo agora é um desconhecimento de sua obra, inclusive entre estudantes de cinema”.

O professor e crítico Alexandre Figueiroa explica que o cineasta baiano pagou um preço por ser à frente do tempo. “O cinema de vanguarda tem aceitação da crítica mas chega com dificuldade ao público. É o espaço do experimento, onde acontece as grandes mudanças. O Cinema Novo queria quebrar o monopólio e gerar bilheteria, mas se perdeu em certa radicalidade. Até hoje ele encontra dificuldade em ser compreendido”

Mesmo assim, a obra de Glauber irradia influência em realizadores contemporâneos. Um deles é Camilo Cavalcante, cuja produtora, Aurora Cinema, traz na logomarca o Sol estilizado da arte de Deus e diabo na terra do Sol. “É impossível pensar em filmes no Sertão sem se remeter a Glauber. Ele faz parte da forma como procuro tratar desse universo. Inconscientemente, no processo criativo ele está sempre pairando”.

Para Felipe Peres Calheiros, Glauber Rocha é marcante “principalmente para quem faz cinema preocupado em discutir poder e as chagas sociais”. “Não há como falar da crueza como esse país se organiza socialmente sem de alguma forma beber de alguma referência que passe pelo Cinema Novo”.

Camilo acredita que, sem Glauber, o cinema perdeu em criticidade. “Ele contestava, causava polêmica. Acho que hoje em dia está faltando um pouco disso, tudo virou uma pasmaceira, um olhar para o próprio umbigo”.

Tempo Glauber quase de portas fechadas

Fundada dois anos após a morte do cineasta baiano para preservar a sua obra, a organização Tempo Glauber tem vivido em crise nos últimos meses. Desde o começo do ano, com a mudança da equipe do Ministério da Cultura (MinC), não há repasse de verbas para a instituição carioca, administrada pela família de Glauber. Por problemas burocráticos, repasses financeiros previstos em convênio estabelecido com o MinC nunca chegaram.

“Estou em vias de fechar as portas”, diz a filha mais velha de Glauber, Paloma Rocha. “Nos últimos meses, mantive o Tempo Glauber com recursos pessoais, mas tive que demitir seis funcionários da equipe de arquivistas na semana passada”. Também na semana passada, a produção intelectual de Glauber (filmes e programas de TV) foi transferida para a sede Cinemateca Brasileira, em São Paulo. “Uma das últimas coisas que o Juca Ferreira fez como ministro foi comprar esse acervo, o que me deixa mais tranquila”.

No entanto, a biblioteca, centenas de desenhos, registros jornalísticos e a produção ligada ao Cinema Novo continuam com destino incerto. “Tudo foi feito com patrocínio da Petrobras e MinC, mas falta continuidade. O custo de manutenção mensal é de R$ 30 mil e este foi ano muito complicado para conseguir outros patrocínios. Já não estamos prestando serviço ao público. Mantemos somente o trabalho interno”, diz Paloma.

Além da desorganização burocrática, a administradora do Tempo Glauber aponta para a ausência de política pública para cultura. “Ampliar o debate, talvez essa seja uma boa maneira de lembrar o aniversário de morte do Glauber”.

Um pouco antes do fechamento desta edição, representantes do MinC procuraram Paloma Rocha para informar a chave de liberação que permite o recadastramento do projeto no sistema. A perspectiva é que o novo convênio seja liberado já em setembro.

(Diario de Pernambuco, 21/08/2011)

Nenhum comentário: