quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O tempo de cada filme


Ela morava na frente do cinema, de Leo Lacca


Entre as discussões levantadas durante o Festival Internacional de Curtas de São Paulo, uma diz respeito à própria natureza do evento. Durante a seleção de filmes para sua 22ª edição, o curador William Hinestrosa se deparou com um dilema: se o regulamento do festival permite a entrada de produções de até 25 minutos, deveria ele ignorar a inscrição de bons filmes com 30 a 40 minutos de duração? De acordo com padrões pré-estabelecidos, tal metragem tampouco os elevariam à categoria de médias ou longas. Ou seja, estariam excluídos da maioria dos festivais ou salas de cinema comercial.

Pensando nisso, Hinestrosa concebeu a mostra especial O realizador e seu tempo, do qual faz parte Ela morava na frente do cinema, novo filme do pernambucano Leo Lacca (Décimo segundo). Com 30 minutos de duração, o filme de Lacca será exibido hoje na Cinemateca Nacional, junto com outros filmes de metragem intermediária: Cat effekt (Brasil/Alemanha/Rússia), de Gustavo Jahn e Melissa Dullius, De asfalto e terra vermelha (Brasil/França), Antoine d’Artemare e Camila Freitas e Permanências (Brasil), de Ricardo Alves Júnior.

“Queremos discutir a relação do cinema com o tempo. Os filmes têm um tempo próprio ou o diretor tem que forçar para caber em uma duração pré-determinada?”, questiona Hinestrosa. Lacca é incisivo em apontar para a primeira hipótese: “Não dá para fazer filmes pré-formatados. Cada filme tem um ritmo e tempo próprios. Me sentiria muito mal em me amputar para entrar em determinado festival. Não dá pra começar uma obra com essa limitação”.

O respeito pela duração de um filme pode garantir a integridade da obra, mas também pode ser um risco para sua carreira, pois terá menos espaço para circular. Outros realizadores já passaram por situação parecida, como Marcelo Lordello (Vigias, 70 minutos) e Marcelo Pedroso (Balsa, 50 minutos). E Tião (Muro), cujo novo filme, Animal político, começou como curta, aumentou para média e está sendo montado como longa-metragem de 80 minutos.

Antes de ser exibido no festival de São Paulo, Ela morava na frente do cinema estreou semana passada no Panorama Coisa de Cinema (Bahia), na categoria curta-metragem e recebeu menção honrosa para a atriz Renata Roberta. E em setembro vai para o 5º CineBH. Lacca diz que manter a duração que o filme pede pode também ser um ato político. “Tenho consciência de que posso ir para o limbo mas se outros realizadores fizerem o mesmo, isso pode gerar uma mudança nos festivais”.

(Diario de Pernambuco, 31/09/2011)

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