domingo, 3 de outubro de 2010

Centenário de Lula Cardoso Ayres passa em branco



Os 100 anos de Lula Cardoso Ayres, completados no último 26 de setembro, aguardam para serem devidamente comemorados. Até o momento, iniciativa alguma foi promovida pelo poder público ou privado para celebrar a vida e obra de um artista que conta com mais de 6 mil pinturas, desenhos, fotografias, murais e serigrafias espalhados pelo Brasil.

E também no exterior, em embaixadas do Brasil ou como o quadro que faz parte do acervo do Palácio de Buckingham, doado em 1968 pelo governador Nilo Coelho à rainha Elisabeth.

O único evento confirmado está marcado para o início de dezembro pelo Museu de Arte Moderna da Prefeitura do Recife, que promove uma exposição de fotografias feitas pelo artista. No mais, não faltam boas intenções, como as da Fundação Gilberto Freyre, que pretende organizar exposição no Espaço Cícero Dias da Secretaria da Fazenda. E a da secretaria municipal de Cultura, que desde o início da gestão está em diálogo com Lula Cardoso Ayres Filho para abrigar parte de seu acervo para uma das casas do Pátio de São Pedro.

"Queremos trabalhar também com o seu acervo de cinema, chegamos a cogitar sessões a céu aberto no Pátio, mas por enquanto não dá porque a reforma do Forte das Cinco Pontas deslocou o pessoal para uma das casas do Pátio", diz o secretário Renato L.

"Os cem anos começaram agora", diz Lula Cardoso Filho, que planeja as próprias ações. Há três anos, ele está impedido de levar à frente o instituto que levava o nome de seu pai por problemas administrativos, o que mantém não só a obra do artista como um rico acervo de filmes, livros e discos a portas fechadas.


O artista, fotografado por Alcir Lacerda
Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Lula prevê que os impedimentos se resolvam até o fim do ano e o acervo do pai volte sob a tutela de uma nova instituição. "Com a volta do nosso trabalho, o primeiro projeto será de resgate e catalogação de sua obra".

Das obras mantidas por instituições públicas, a maior coleção está na diretoria de documentação da Fundaj. São 60 livros, 112 ilustrações, quatro pinturas, 109 fotografias, 11 capas de revista e quatro capas de LPs disponíveis para consulta. No Museu do Estado há três telas, que pertenciam ao extinto Bandepe. No Museu de Arte Moderna de Olinda, há uma grande tela a óleo, da série Assombrações do Recife.

O Mac também pretende lançar uma retrospectiva do artista, para o ano que vem. Já um série de desenhos do acervo do Mamam esteve exposta entre abril e junho, na reinauguração do espaço.

Fotógrafo dos tipos humanos


Ascenso Ferreira beija a mão de Dona Santa, rainha do Maracatu Elefante
Acervo Fundação Joaquim Nabuco

Um lado pouco conhecido, mas nem por isso menos importante de Lula Cardoso Ayres, o de fotógrafo, será apresentado ao público no mês de dezembro. Organizada pelo Mamam com curadoria de Geórgia Quintas, a exposição contará imagens já do acervo da Fundaj, acrescidas de fotos do arquivo pessoal do artista, que estão em fase de restauração, digitalização e ampliação.

"É um trabalho desconhecido, que envolve não só a exposição mas a recuperação, o registro e a reflexão desse material", diz Beth da Mata, diretora do Mamam. Prevista para este mês, o evento foi reagendado para dezembro devido ao calendário do museu.

Imersa no levantamento de centenas de cromos e negativos, Geórgia diz que a pesquisa está sendo uma grande descoberta. "Lula não era conhecido como fotógrafo, mas era muito cuidadoso, era quase um etnógrafo. Além de folguedos e o carnaval, ele gostava de registrar tipos humanos, o casario e fachadas, que ele documentava com fins pragmáticos de trabalhar em exercícios pictóricos".

Murais que sobrevivem ao tempo



Em determinado momento da carreira de Lula Cardoso Ayres, o muralismo se tornou sua principal atividade. Dos mais de 100 que foram espalhados pelo Brasil, poucos restaram para ilustrar a trajetória do artista. No Recife, alguns permanecem e estão disponíveis para apreciação. Mesmo os localizados em empresas ou instituições privadas, eles estão posicionados de forma a serem vistos por clientes ou visitantes. Já os instalados no Aeroporto dos Guararapes, apesar de situados em prédio público, devem permanecer fora de alcance por algum tempo.

O Diario de Pernambuco conferiu os dez principais murais do artista e fez um roteiro para quem pretende conhecer melhor essa obra. Além deles, a Universidade Federal Rural de Pernambuco mantém um grande painel de óleo sobre tela, que fica no seu auditório. Mesclada ao cotidiano, essas imagens por vezes podem se tornar invisíveis. Mas que talvez, justamente por isso, continuam vivas, testemunhando o dia a dia das pessoas que Lula tanto retratou.

Lula Cardoso Ayres Filho nos orientou nessa jornada. Ele lamenta que parte dos murais e painéis de seu pai tenha sido demolida, como o que ficava na antiga rodoviária no centro da cidade. "Até fim dos anos 1950, tudo era feito na parede. Depois ele começou a produzir em telas, ficou mais prático fazer o transporte, quando necessário". O próximo mural a cair pode ser o que fica no antigo Instituto Oceanográfico, em Piedade, onde será construído um edifício. "Se houvesse respeito à obra de arte, eles poderiam fazer uma adaptação arquitetônica", diz Lula.

Através desse roteiro, também é possível perceber a utilização de diferentes técnicas e a evolução do artista ao longo dos anos. Gilberto Freyre, que considerava Lula Cardoso um grande experimentador, escreveu em 1960 artigo em que coloca o artista como o inventor de um novo tipo de mural épico: "Não que esse épico signifique o convencionalmente heroico - que, aliás, já não corresponde ao moderno conceito de épico. Mas pelo que sugere de luta cotidiana do brasileiro sobre obstáculos ao seu desenvolvimento; pelo que evoca de confraternização de homens e mulheres de raças diversas e cores diferentes; pelo que valoriza das formas e das cores do Recife - cidade crescida à custa de tanta dor que nenhuma outra no Brasil, excede em martírio".

Um roteiro de murais



1. Fundação Chesf de Assistência e Seguridade Social - Fachesf
Rua Paissandu, 58 - Boa Vista
1947, óleo sobre parede

Com 5,5 x 2,4 m, ele fica no segundo andar da instituição, em sala de reunião restrita a funcionários. Este é o primeiro mural de Lula Cardoso Ayres, que havia acabado de chegar da Usina Cucau. Daí a intensidade do tema rural. O trabalho, feito por encomenda do médico Arthur Moura, amigo do artista, o levou a assumir outros, que com o tempo se tornou sua principal atividade. Em 1988, um ano após a morte do artista, ele foi restaurado. Em 2007, ele passou por um novo processo de recuperação.



2. Citibank

Rua Marquês de Olinda, 126 - Recife Antigo
Década de 1960, desenho sobre cerâmica

São duas obras feitas por encomenda da instituição bancária, cujo prédio foi construído na mesma época. O principal foi concebido para incorporar o desenho da escada. Ele representa os telhados da cidade mas, dos murais remanescentes, este deve ser o que mais se aproxima do abstrato. Como as linhas têm a mesma inclinação da escada e do corrimão, é como se eles fizessem parte do painel.

3. Loja Emmanuelle
Rua Nova, 379 - Santo Antônio
1967 - resina sintética e óleo sobre painel

Realizada para o antigo Banco do Povo, este mural era originalmente composto de dois painéis sobre a vida no campo. O espaço virou ponto comercial, que adaptou o mostruário para preservar a obra.

4. Cine São Luiz
Rua da Aurora, 175 - Boa Vista
1952 - óleo sobre parede

Com a reativação do espaço pelo Governo do Estado, desde o início do ano a obra voltou a ornamentar o hall de entrada deste tradicional cinema de rua. A convite do grupo Severiano Ribeiro, o arquiteto Maurício Coutinho reservou a parede do hall de entrada do Cine São Luiz especialmente para o mural. Pouco antes do governo assumir o local, a Universidade Barros Melo executou a restauração da obra. “Ela mostra a transição da cidade, casarões, as cores. E também representa a transição da vida de fora para o mundo do sonho, do cinema”, diz Lula Cardoso Filho.

5. Microcamp Guararapes
Av. Guararapes, 154 - Santo Antônio
Década de 1960, desenho sobre cerâmica

Construído por Ademar da Costa Carvalho, o Edifício Al Mare conta com um painel posicionado no térreo. Aplicado em resistente cerâmica Conrado Sorgenicht, de São Paulo, o desenho de tons de verde e vermelho representa um engenho. Até dois anos atrás, o local era uma casa de jogos e o painel ficava ao lado de máquinas caça níquel e um cofre. Atualmente, ele fica dentro de uma sala de aula.

6. Restaurante Varanda
Sport Clube do Recife, Ilha do Retiro
1967 - resina sintética e óleo sobre painel

Torcedor do Náutico, de onde chegou a ser presidente, o artista superou o amor ao time e presenteou o clube rival com o painel que mostra o casario na beira do Capibaribe. A doação na verdade foi uma homenagem ao arquiteto Augusto Reinaldo, que desenhou o projeto da sede do Sport. Aluno de Lula Cardoso, ele separou uma parede para o painel, mas antes de executar a obra, morreu em acidente de avião. As condições do painel não são as ideais: a tinta está rachada e as cores apagadas em alguns pontos.



7. Caixa Econômica Federal
Shopping Recife - Boa Viagem
1960 - Resina sintética e óleo sobre tela

Dos três murais produzidos para a matriz do banco na Avenida Guararapes, hoje desativada, dois continuam disponíveis na agência do shopping. O terceiro foi retirado para restauro. O conjunto irá compor a entrada da futura sede da Caixa Cultural, que funcionará no antigo prédio da Bolsa de Valores.

8. Estação Central do Metrô
Rua 6 de Março, s/n - São José
1985 - Resina sintética e óleo sobre tela

Posicionado na área de embarque, estes são os últimos painéis criados por Lula Cardoso e representam as quatro regiões do estado: litoral, zona da mata, agreste e sertão. Incialmente, eles foram colocados no Museu do Trem. Com o espaço desativado, eles foram retirados e em 2007 foram restaurados e trazidos para o metrô. “Acredito que com a chegada do Centro Cultural Capiba ele volte para o local original”, diz Lula Cardoso Filho.

9 . Aeroporto Internacional dos Guararapes (Inacessível)
Praça Salgado Filho s/n - Imbiribeira
1957-58 - óleo sobre parede


Detalhe do mural Ciclos Econômicos
Acervo Infraero

Do conjunto original de cinco murais, três foram demolidos em 1982. Os dois restantes, intitulados Folclore e Ciclos econômicos, estão isolados na parte antiga, pois não puderam ser transferidos para o novo aeroporto, em 2004. De acordo com a assessoria de imprensa da Infraero, elas devem voltar a público com a inauguração da Asa Sul, obra sem data definida para entrega.

10. Edifício JK (Inacessível)
Av. Dantas Barreto - Santo Antônio
Anos 60 - óleo sobre parede

Um grande mural foi feito para a Casa da Indústria e representa trabalhadores de várias profissões e em diferentes fases da vida. O edifício foi desocupado pelo INSS em 1999 e deve voltar à ativa em 2011. Nele funcionará um campus da Faculdade Boa Viagem e Imip. O mural será restaurado e continuará posicionado no hall de entrada.

Lula Cardoso Ayres nos museus do Recife

Museu do Estado de Pernambuco
Av. Rui Barbosa, 960
Graças
Informações: 3426-5943

Galeria Ranulpho
Rua do Bom Jesus, 125
Recife Antigo
Informações: 3225-0068

Fundação Joaquim Nabuco
Rua Dois Irmãos, 92
Apipucos
Informações: 3073-6529

(Diario de Pernambuco, 03/10/2010)

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