segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mostra de SP // Entre lendas do cinema



Um fim de semana com lendas do cinema, teatro e da cultura pop. Ao menos no recorte deste repórter, que entre as dezenas de opções no cardápio da Mostra Internacional, escolheu assistir Lope (Espanha/Brasil, 2010), de Andrucha Waddington, Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, O garoto de Liverpool (Inglaterra, 2009) e Machete (EUA, 2010), de Robert Rodriguez. Filmes díspares, que de alguma forma, deram liga.

Em tom apaixonado, Lope mostra a juventude do poeta Félix Lope de Vega Carpio (Alberto Ammann), que largou a guerra com Portugal e revolucionou as artes cênicas ao inserir elementos de comédia nas tragédias. Melodramático, o filme reza na cartilha hollywoodiana e foi um dos candidatos para a indicação brasileira ao Oscar. Mesmo tendo sido funcionário da Santa Inquisição na maturidade, Lope é mostrado como um ser libertário e brilhante, cujo talento só foi superado pela sinceridade com que levou relações amorosas e de trabalho. E como todo ser livre que desafia o poder, Lope pagou caro.

Sexta à noite, Waddington estava na sessão e disse que antes o projeto nasceu quando esteve na Espanha para exibir seu longa anterior, Casa de areia e recebeu o roteiro de Jordi Gasull e Ignacio del Moral .“Sabia que ele era um grande dramaturgo mas não conhecia sua história”, disse o diretor. “Passei os quatro últimos anos mergulhado no século de ouro espanhol, para poder filmar com alguma propriedade”.

Lope estreou na Espanha há seis semanas e foi rodado no Marrocos ao custo de 12 milhões de euros. Waddington escolheu como locação a medina portuária de Sauira, que tem influencia ibérica e preserva o aspecto das ruas da antiga Madri. Há participações rápidas de Sônia Braga, como mãe do poeta, e Selton Mello, como abastado senhor que contrata Lope como ghost-writer. Ao Diario, Waddington diz que não sabe que direção pretende tomar agora que deu o primeiro passo em carreira internacional. “Não há nada certo mas tenho um projeto na Ucrãnia, onde minha mãe nasceu, e dois no Brasil”.



O garoto de Liverpool cai como uma luva para nos 70 anos de nascimento de John Lennon. Estrelado por Aaron Johnson (Kick-ass), muito bem como roqueiro rebelde, o filme de Sam Taylor-Wood reconstitui depoimentos e fotos clássicas e se sustenta na satisfação do fetiche em e assistir o futuro Beatle em momentos essenciais para a sua formação. Se ele era uma criança quando foi a Hamburgo, anos antes vivia dividido entre duas mulheres, a severa Tia Mimi (Kristin Scott Thomas), que o criou, e sua mãe Julia (Anne-Marie Duff), a quem redescobre aos poucos. O longa desvenda as raízes afetivas que se tornariam a base de sua carreira e a consequente importância de Julia, cuja personalidade despreparada e contraditória renderam a John a matéria-prima com a qual lidou pelo resto da vida.



Machete tem tudo para agradar fãs do cinema pervertido de Rodriguez (El mariachi, Planeta Terror). O filme traz seu ator predileto, Danny Trejo como Machete, ex-policial chicano bom de faca que desafia uma rede de poder que controla o tráfico - Steven Seagal é um dos chefões. Para revidar, ele convoca centenas de lavadores de pratos, sorveteiros e motoristas de caminhão para um levante na fronteira. Mas Rodriguez trata da imigração ilegal apenas para ampliar seu arsenal de releituras e bizarrice, com direito a tripas que servem de cipó e carros que saltam e esmagam. De quebra, temos Robert DeNiro de volta ao volante de um taxi.



Sábado à noite, na Cinemateca Nacional, Rashomon emocionou uma sala lotada não só pela poderosa narrativa de Kurosawa e a interpretação visceral de Toshiro Mifune mas pela presença de Teruyo Nogami, que no filme foi continuísta e anos depois se tornou a produtora do cineasta. Após a sessão ela contou que este foi seu primeiro trabalho ao lado do mestre. “Foi difícil realizar. Estávamos há cinco anos do fim da guerra e haviam poucos rolos de filme. Poucos dias antes da estreia, um incêndio destruiu nosso local de trabalho e as películas. Por sorte não eram os negativos. Caso contrário, Rashomon nunca viria ao mundo. Ele foi um filme de grande importância para o Japão, que abriu a porta do país para o mundo”. No ano seguinte, o longa seria o vencedor em Veneza. “Como ninguém estava representando o filme, procuraram algum oriental e entregaram a ele. Até hoje não sei quem foi”, diz a senhora Nogami, que conta sua trajetória com Kurosawa no livro À espera do tempo, lançado durante a Mostra.



Kurosawa, por sinal, é um dos cineastas que marcaram a vida de Wim Wenders. Sábado à noite, após sessões de Até o fim do mundo (1993) e Asas do desejo (1987), o diretor alemão inaugurou a terceira edição do ciclo Filmes da Minha Vida. Wenders disse que estudava medicina e queria ser pintor, mas Harold Lloyd, Jean Renoir e Ingmar Bergman o fizeram mudar de plano. “Os filmes de Bergman me impressionaram porque transcendem a realidade, são capazes de fazer uma metáfora da vida. Depois de assistir a todos os seus filmes desisti de estudar medicina”.

A vontade de escrever sobre filmes veio depois de assistir The man of the west, de Anthony Mann. “Como um arquiteto, ele constroi tijolo por tijolo unidades de tempo e espaço”. Fasbinder, Antonioni, Jim Jarmush, Glauber Rocha (Deus e diabo na terra do sol), Easy Rider e filmes underground feitos por Andy Warhol, Stan Bakhrage e Michael Snow também estão na lista de Wenders, na qual o japonês Yasujiro Ozu tem lugar especial. “Já estava velho para descobrir meu mestre, mas aconteceu”.

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