sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Longe da "perfeição" digital



Uma das melhores atrações do Festival de Brasília, o curta-metragem Céu, inferno e outras partes do corpo, também está na programação do 3º Festival Internacional de Cinema de Animação - Animage 2011, que começa hoje no Recife.

Seu realizador, o gaúcho Rodrigo John não tem do que reclamar. A qualidade de seu trabalho tem sido reconhecida por onde passa – entre os prêmios, foi eleito o melhor curta do Festival de Gramado e do Cine Esquema Novo (júri popular). Em entrevista ao Diario, John fala sobre seu trabalho e seu outro curta que está no Animage, Propriedades de uma poltrona, baseado em conto de Julio Cortázar. Leia mais a seguir.



Entrevista // Rodrigo John: "As melhores coisas feitas em 3D forjam o aspecto do 2D"

Seus filmes têm aspecto artesanal, que passa longe da “perfeição” da técnica digital. Qual é a intenção?
Não sou um paladino da artesania, ou do tosco. Essas escolhas vêm de acordo com o projeto, que encontra a melhor forma no processo. Eu particularmente gosto do feito a mão. Enquanto técnica, o 3D está apenas tirando as fraldas, ainda tem imperfeições. Lembro de quando ele surgiu e grandes estúdios fecharam os departamentos de 2D. Mas o legal está na mistura, acabar com a rigidez matemática. As melhores coisas feitas em 3D forjam o aspecto do 2D.

Nos últimos anos, aumentou o espaço para o experimentalismo?
A animação experimental vem dos primórdios do cinema, mas sempre foi mais marginalizado. Agora fronteiras estão se diluindo, o que permite a essas poéticas trazer para o cinema narrativo convencional um espaço para o caos e desordem. Temos que trabalhar com o imponderável, pois estamos lidando com seres humanos e um planeta que está explodindo. Então, quem quiser investigar, criar, precisa abrir espaço para o erro como laboratório.

O cartunista Fábio Zimbres assina a concepção visual e a direção de arte dos dois curtas. Como rolou essa parceria?
Ele é meu vizinho, amigo de longa data e tenho uma afinidade estética muito forte com o trabalho dele. Pensamos juntos o uso das ferramentas digitais.

Céu, inferno e outras partes do corpo já foi exibido no Cine PE, mas o público do Recife ainda não conhece seu outro curta, Propriedades de uma poltrona. Como um filme de oito minutos pode levar cinco anos para ser feito?
Nem sempre isso acontece. Estávamos produzindo Poltrona quando Céu, inferno... foi aprovado em edital e o fizemos em seis meses. No caso da poltrona, juntamos duas técnicas para criar a cara de uma terceira. O elemento imagético era a luz, a poltrona emana, por isso o processo foi o de produzir cada quadro do filme como fosse uma pintura em vidro, algo muito artesanal, gerado no computador com técnica 3D e rotoscopia e depois sujado no trabalho a mão. Procuramos “estragar” a imagem para torna-la falível.

Céu, inferno... narra com liberdade experimental e certo humor a insuportável dor da separação amorosa. Como surgiu a ideia?
Estava em processo de separação e a história veio de um pesadelo que tive, onde estávamos esquartejados no chão. As imagens me marcaram por alguns dias e como não se evaporaram, elaborei na forma de ficção. No momento era para ser um filme de horror mais experimental, sisudo, utilizando fotos. No processo, a dor foi arrefecendo e fui levando tudo menos a sério, o que me levou a misturar gêneros como o melodrama, comédia e filme de guerra.

(Diario de Pernambuco, 30/09/2011)

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