sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Um filme para Itamar



A vida e obra de Itamar Assumpção (1949-2003) permanece como uma das mais fascinantes da música brasileira. O documentário Daquele instante em diante (Brasil, 2011), que será exibido hoje, às 18h30, na Igreja da Sé, é uma ótima oportunidade para seus admiradores matarem a saudade do Nego Dito, ou ao menos, conhecê-lo melhor. Do álbum Beleléu (1980) ao derradeiro Pretobrás, o filme de Rogério Velloso paga tributo ao artista inquieto e singular que foi Itamar.

O filme faz parte da série Iconoclássicos, produzida pelo Itaú Cultural em homenagem a Itamar, Nelson Leirner, Zé Celso Martinez Corrêa, Rogério Sgarnzela e Paulo Leminski, que teve seu Catatau vertido para Ex-Isto, de Cao Guimarães.

A narrativa é linear no sentido percorrer sua biografia, do interior de São Paulo à juventude, no Norte do Paraná, onde cresceu e conheceu o futuro parceiro Arrigo Barnabé, aos últimos suspiros, no hospital. Se, por um lado, depoimentos da família e amigos revelam o quanto Itamar era original e único, sua insistência em preservar essa condição gradativamente o isolou no cenário artístico. “Ele é o talento mais desperdiçado pela música brasileira”, diz Arrigo.

O fato é que Itamar inventou a própria gramática. E enquanto tentava “descobrir com quantos nãos se faz um sim”, o filme tenta entendê-lo em imagens de arquivo, onde ele protesta contra as portas fechadas das gravadoras, provoca o público em shows e conversa com as plantas na intimidade de seu quintal. Luiz Tatit, Paulo Lepetit, Alice Ruiz, a filha Anelis Assumpção e a viúva Lena descrevem com emoção episódios e curiosidades sobre o compositor. Membros da banda Isca de Polícia e Orquídeas do Brasil, formada só por mulheres, revelam o processo de criação de um músico que não ouvia outros compositores, a não ser Bob Marley e Miles Davis.

No fim, encarou a morte com naturalidade, a dor como a última obra. “Ópio, édens, analgésicos/ não me toquem nessa dor/ ela é tudo que me sobra/ sofrer vai ser a minha última obra”, canta, em letra escrita com Paulo Leminski. Oriundo da videoarte, Velloso imprime ao filme um ritmo envolvente, em montagem ágil e fragmentada. O sentimento é o de assistir a tudo de um fôlego só. Daquele instante em diante é de tamanha intensidade que, como toda boa viagem, revela algo novo, e de alguma forma permanece depois que termina.

(Diario de Pernambuco, 09/09/2011)

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