sábado, 23 de janeiro de 2010

Como acumular milhas e despedir pessoas



A embalagem de Amor sem escalas (Up in the air, EUA, 2009) - inclusive o questionável título nacional - leva a crer que trata-se de mais uma comédia romântica de fórmula batida, daquelas que não exigem muito do público e rendem grande bilheteria para o produtor. Contribui o fato de George Clooney fazer o papel de Ryan, executivo solteirão, roupa impecável, que tem as mais pragmáticas convicções abaladas ao se aproximar de Alex (Vera Farmiga). No entanto, a assinatura de Jason Reitman (Obrigado por fumar, Juno) torna o que seria um filme raso num lobo em pele de cordeiro.

O que poderia ser puramente esquemático e previsível se torna uma visão corrosiva e bem humorada sobre os códigos sociais aparentemente desimportantes, mas que regem boa parte do que chamamos de vida moderna. Foco em cartões, senhas e mensagens sms, artifícios de conforto para um mundo solitário, cruel, impessoal.

Especialista em demitir pessoas, Ryan surfa feliz em plena depressão econômica, que há menos de dois anos levou milhares de norte-americanos a serem dispensados de seus empregos. Seu ofício exige doses de cinismo, improviso e sinceridade. Como o país é grande, ele dispensou um endereço fixo para viver entre aeroporto e hoteis. Suas posses materiais se resumem a uma bagagem de mão elegantemente arrumada, símbolo de um lifestyle cinco estrelas, sem amarras e reproduzido em palestras motivacionais.

Problemas surgem quando seu modo de vida é ameaçado pela novata Anna (Natalie Keener), disposta a revolucionar seu trabalho com um sistema de demissão por videoconferência. Ambiciosa porém inexperiente, a garota precisa aprender as malícias do jogo com Ryan. Enquanto isso, desfilam rostos inconsoláveis de trabalhadores cujos serviços não são mais necessários. Reitman trata tudo sem comoção. O ponto de vista é dos vencedores.

Inicialmente, Ryan e Alex são o exemplo perfeito do capitalismo aplicado às relações humanas. Antes do sexo, preliminares incluem exibicionismo de cartões. Impedimentos surgem quando ele respira e arrisca o menor envolvimento. No momento mais sofrido, ele atinge a meta de acumular um número surreal no programa de milhas, comemorado em conversa com o comandante da companhia aérea (Sam Eliott) - um dos melhores momentos do filme.

O longa (melhor roteiro no Globo de Ouro, indicado em cinco outras categorias) surpreende pela sinceridade com que os personagens se relacionam. Mas seu teor crítico poderia ir mais longe não fosse o gritante aspecto publicitário. O tempo todo saltam logomarcas como as do Hotel Hilton, um dos parceiros comerciais da Warner Brothers, ao lado da American Airlines.

(Diario de Pernambuco, 22/01/2010), com alterações e acréscimos

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