domingo, 14 de junho de 2009
Novos contornos para O pagador de promessas
Não muito tempo depois de encenar a peça O pagador de promessas, em 1960, o dramaturgo baiano Dias Gomes enfrentou a nada sutil censura do regime militar. E pouco adiantou a versão para o cinema, dirigida por Anselmo Duarte, ter sido contemplada com a Palma de Ouro em Cannes, dois anos depois. A vigilância em torno de seu trabalho atingiu inclusive as telenovelas - seu Roque Santeiro amargou dez anos para que fosse liberado pela nascente Nova República.
Filiado ao PCB, Gomes fazia parte de um grupo de intelectuais e artistas, entre eles o conterrâneo Jorge Amado, com clara e quase didática determinação de denunciar injustiças sociais e promover uma mobilização popular. Isso sem o ranço panfletário ou maniqueísta de certas obras "engajadas".
Se há dúvida, basta conferir a recém-lançada versão em quadrinhos para O pagador de promessas (Agir, R$ 44,90). Nas palavras de Ferreira Gullar, que assina o prefácio da bela adaptação, trata-se de "levar a um público amplo,em linguagem teatral despojada e comunicativa, um tema de grande complexidade ideológica e social". Nos traços do artista gráfico gaúcho Eloar Guazzelli, a força do texto de Gomes ganha apelo visual inédito nos palcos ou telas (além do cinema, há a minissérie para TV exibida em 1988).
Na HQ (ou graphic novel, como preferem os editores), a história do caboclo ignorante que, para cumprir promessa feita a Santa Bárbara / Iansã, desafia a igreja e a polícia, ganha novos e interessantes contornos. Usando técnicas de nanquim e colorização digital, o desenhista transportou a obra original para uma linguagem pictórica que a aproxima das artes plásticas, e traz em si o frescor de projetos com identidade própria. "Procurei um caminho mais difícil, fugi intencionalmente. Dado o valor desses trabalhos, o peso da tradição poderia me sufocar", conta Guazzelli, em entrevista exclusiva ao Diario.
Para ele, a via-crucis de Zé do Burro, que após ter seu animal milagrosamente curado, insiste em entrar na Igreja com uma cruz parecida com a carregada por Cristo, é o drama da intolerância e exclusão que não perdeu sua atualidade. "O recente e lamentável episódio da excomunhão da menina violentada pelo padastro é um exemplo do caráter perene desse texto", acredita o artista.
O tratamento dado a Salvador e seus habitantes é outro ponto positivo, já exercitado por Guazzelli em Florianópolis (sua contribuição para a série Cidades Ilustradas). Uma concepção um tanto subjetiva de representação urbana, hoje desenvolvida em torno da capital boliviana, La Paz (onde esteve a convite do festival de quadrinhos Viñetas con Altura), em material a ser publicado em breve, na próxima edição da coletânea Ragú. "Procurei realçar esse personagem subliminar que é a própria cidade. Procurei inserir tipos humanos e um pouco da paisagem com planos aéreos da cidade. É o espaço que criei para mostrar meu trabalho, que passa longe do registro fotográfico".
* publicado no Diario de Pernambuco
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Um comentário:
vc realmente veio para mudar a cara do diário. escrevendo sobre quadrinhs é impressionante!
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