terça-feira, 16 de junho de 2009
Cinema autoral de Nachtergaele
A festa da menina morta, filme de estreia Matheus Nachtergaele como diretor, teve longa carreira em festivais, onde circulou por quase um ano. Desde que foi exibido pela primeira vez, na sessão Un Certain Regard do Festival de Cannes do ano passado, o longa tem colecionado prêmios e fortes reações. No Festival do Rio, ganhou melhor direção; em Gramado, conquistou seis prêmios, entre eles, o de melhor filme (público e crítica), ator (Daniel de Oliveira) e fotografia (Lula Carvalho). Ao atingir o circuito comercial, neste fim de semana, o público talvez termine por recebê-lo como a seu autor: querido por muitos, rejeitado por outros. No Recife, ele entra em cartaz no próximo dia 26, no Cinema da Fundação, que hoje promove uma sessão especial aberta ao público, às 19h30.
Mistura de ficção e elementos autobiográficos, o roteiro escrito por Nachtergaele e Hilton Lacerda rendeu uma narrativa visceral, ambientada numa comunidade ribeirinha em plena selva amazônica. Naquela região isolada, a equipe entrou numa imersão que durou meses, e o resultado dessa vivência transborda na tela. Isolamento mais do que necessário para materializar o que há de subjetivo em Santinho (Oliveira, em interpretação que poderia ser do diretor), um jovem tirânico e de personalidade afetada, tratado a pão-de-ló por toda a comunidade, inclusive pelo pai de atitudes incestuosas, desde que um cachorro trouxe até ele o vestido de uma menina morta em circunstâncias misteriosas.
O comportamento afeminado de Santinho se justifica na ausência da mãe, a qual tenta obsessiva e muitas vezes violentamente substituir no contexto familiar. O que torna a história algo bastante particular se revela durante o clímax: na cerimônia religiosa, a menina morta é chamada de Maria Cecília, nome da mãe do diretor.
Em termos estéticos, no entanto, é inevitável uma comparação com filmes de Cláudio Assis, em que, não por acaso, Nachtergaele tem sido presença constante. Aqui há a mesma imagem de tons carregados; atuações marcadas pelo excesso (não só de Oliveira, mas de Jackson Antunes, Conceição Camarotti, Dira Paes e Cássia Kiss); direção de arte de Renata Pinheiro (ela trabalhou em Amarelo manga e Baixio das bestas); fotografia escura e granulada de Carvalho (filho de Walter); e situações escatológicas, como um porco sendo abatido por longos minutos.
Nada disso chega a ameaçar a autonomia do projeto. A festa da menina morta e sua densidade que envolve e sufoca, exala a personalidade do criador. E aponta, assim como outros filmes conduzidos por atores (Selton Mello, Marco Ricca), para uma nova safra autoral do cinema brasileiro.
*publicado no Diario de Pernambuco
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