domingo, 12 de julho de 2009
Entrevista // Geraldo Sarno: "A questão é ousar a ponto de arriscar a não fazer mais nada depois disso"
Porque a opção por Balzac e a psicografia no novo filme?
O que mais me interessa é refletir sobre o processo de criação. Posso considerar o livro de Valdo Vieira como uma leitura de Balzac, uma interpretação da sua obra. O estudo científico de Osmar Ramos é uma segunda interpretação, a partir da análise do "pastiche". Se nós, enquanto cinema, trazemos a figura histórica de Balzac e sua obra, no caso A pele de Onagro, citada no estudo de Osmar, fazemos também uma análise própria. São, no mínimo, três pontos de vista, mais o nosso - o do filme.
A relação entre palavra e imagem parece ser algo constante na sua carreira.
Estou tornando essa relação mais precisa agora. Um possível subtítulo para esse filme seria "a palavra e a imagem". É sabido que o Balzac dava primazia à imagem, inclusive por sua aproximação da pintura. Tanto que o Osmar, a partir do livro psicografado, identifica um quadro do século 17, feito pelo pintor holandês Paul Potter, mais ou menos contemporâneo de Rembrandt. Osmar descobriu que quadro é esse, e faz uma análise entre a pintura e a A pele de Onagro, algo absolutamente original e nunca realizado por nenhum estudioso de Balzac.
Como entender o conceito de "protodocumentário", que você utiliza em seu último filme? O "pastiche" ficcional reservado a Balzac seria algo semelhante?
Penso em A pele de Onagro como um "pastiche" do texto original, uma imagem para cada palavra, em diálogo com o romance. Diferente do filme Tudo isto me parece um sonho, onde existe um documentário dentro do documentário, que poderia ser entendido como um protodocumentário sobre a cana de açúcar. É um série de planos dispostos com elementos mais simples do tema: a plantação, o corte, a usina, uma série de planos com narração de um texto histórico do século 19, de Antonio Pedro Figueredo. Uma sequência básica, embrionária, quase que não manejada. Esteticamente, é a coisa mais linda que eu já fiz.
Você classifica seus últimos filmes como "suicidas". O que isso significa?
Essas coisas me vieram depois que fiz Tudo isto me parece um sonho. Eu o chamo de suicida por dois motivos. Primeiro, porque é um documentário com duas horas e meia de duração - o primeiro corte tinha quatro horas. Segundo, eu não sabia o que estava fazendo. Então o "suicídio" diz respeito a assumir riscos, de buscar formas diferentes de fazer filmes. Eu não sei me repetir, tenho que fazer algo que não sei fazer. Se eu não sei fazer, isso me instiga. Se eu soubesse o que é, eu não faria. Não é algo meramente estético, porque penso que certos parâmetros de criação são necessários. Digo isso dado o momento do audiovisual contemporâneo, pois tento trabalhar a partir de um marco social e histórico. A questão é ousar a ponto de arriscar não fazer nada mais depois disso. Pode dar certo, ou não, mas se não for assim, você vai fazer a mesma coisa que todo mundo está fazendo. O que termina por ser outra forma de suicídio.
Nos anos 60, você fez parte de um grupo que propôs um projeto de pensar o país através do cinema. Qual o balanço, cinquenta anos depois?
Se você pensar na obra de Glauber Rocha, Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, que se realizam em universos de criação próprios, cada um à sua maneira, abordaram exatamente as mesmas grandes questões do Brasil. No mais, nunca houve esse projeto. Glauber Rocha disse que evitamos o debate estético por questões políticas. Agora, que passamos por uma grande pobreza estética, não temos mais embasamento para construir uma visão de mundo. E para isso não basta a mera visão política. Ela te leva para o tema, faz a análise correta, mas automaticamente não faz uma obra. Pois o que faz a obra é a linguagem, a maneira de fazer.
Eisenstein colocou isso de maneira extraordinária quase um século atrás. A esquerda, que está em ascensão no Brasil e na América Latina, deveria refletir sobre aquele momento, e voltar a ler a Escola de Frankfurt, Giles Deleuze, Michel Foucault. Agora, que os sindicatos estão fazendo TV, que o MST se interessa em filmes e temos estruturas de comunicação de esquerda como a Telesur, precisamos colocar a questão do que fazer, de como manejar a linguagem audiovisual. Fazemos cinema documentário como se não ainda não existisse a antropologia de Levi-Strauss.
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Gostaria de entrar em contato com Geraldo Sarno. Beatriz de Abreu e Lima macbea@uol.com.br
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