sábado, 11 de julho de 2009

"À deriva" divide a crítica em Paulínia


Reymond, Bloch, Dhalia e a musa teen Laura Neiva Crédito: Aline Arruda

Paulínia (SP) - Não fosse exibido fora de concurso, À deriva, de Heitor Dhalia, seria sério candidato ao prêmio de melhor longa ficcional do 2º Festival Paulínia de Cinema.

Inédito no Brasil, o filme abriu o evento na noite de quinta-feira, somente para convidados. A presença de artistas famosos, o cenário em dourado e vermelho e o teatro colossal de colunas gregas leva a crer que Paulínia está disposta a superar festivais como o de Gramado, no que seria alguma disputa fálica pelo maior tapete - o de Paulínia tem incríveis 125 metros, o dobro do utilizado em Cannes, e uma constrangedora arquibancada para o povo assistir ao desfile de celebridades como Ney Latorraca, Selton Mello, Maria Paula e até Marcos Pontes, o primeiro o astronauta brasileiro (!).

Não é bem o caso. Graças a uma grande refinaria de petróleo, a cidade conta com o 45º maior PIB do país e quer usar sua riqueza para instalar um polo de produção e formação cinematográfica, onde o festival é apenas a ponta do iceberg.


Paulínia e seu monumental teatro: apenas o começo Crédito: Aline Arruda

Sob muitos aplausos, Dhalia subiu ao palco com a equipe e elenco principal, com exceção de Vincent Cassel: Débora Bloch, Cauã Reymond e a estreante Laura Neiva. Após a sessão, a crítica estava dividida. Uma parte admirou o tratamento sensível dado pelo diretor à história da adolescente confusa ao descobrir as contraditórias leis que regem o mundo adulto; outra, questionou o que seria um voyerismo injustificado em torno de Neiva, 15 anos, meio modelo, meio atriz - na dúvida, provável nova musa do cinema.

No filme, Cassel interpreta Mathias Lafranchi, escritor francês que vive no Brasil, onde casou com Clarice (Débora Bloch) e teve três filhos. Todos passam férias numa casa de praia em Búzios, que serve de palco para descobertas adolescentes de Filipa (Neiva), a filha de 14 anos. À revelia da inocência dos irmãos mais novos, e motivada pela crise conjugal dos pais, Filipa passa a investigar o cruel código de conduta dos seres adultos.

Tudo se passa em 1976, ano em que a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo ex-namorado Doca Street. Assombrada pelo episódio, ocorrido numa casa das redondezas, Filipa teme pelo futuro dos pais - enquanto a mãe afoga as mágoas em doses de uísque, o pai busca inspiração criativa com a amante norte-americana.

À deriva diz respeito ao processo de amadurecimento do próprio diretor. Diferente do tom histérico / sarcástico adotado para O cheiro do ralo (2007), Dhalia apresenta com respeito e delicadeza o drama da família Lafranchi. Aposta em diálogos curtos e bons momentos de silêncio contemplativo, provocados por uma fotografia idílica que explora a textura de pedras águas translúcidas do mar. Do verde piscina ao azul crepúsculo, À deriva pode ser entendido como a busca de um diretor pela imagem perfeita, possível herança de sua carreira publicitária.

Não deixará de ser curioso acompanhar sua aceitação nos cinemas comerciais em agosto, quando estreia nacionalmente.

* publicado no Diario de Pernambuco, com alterações

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