terça-feira, 14 de julho de 2009

Festival de Paulínia ganha fôlego


Marina (Sílvia Lourenço) descobre a capital paulista através do amor e perda de ilusões

Paulínia (SP) - Dois filmes exibidos no último domingo renovaram o fôlego da mostra competitiva de longa-metragens do 2º Festival Paulínia de Cinema. Em hábil demonstração de domínio de linguagem, Quanto dura o amor?, segundo longa de Roberto Moreira (é dele o premiado Contra todos), é potencial concorrente ao troféu de melhor ficção. Entre várias qualidades, a obra tem o mérito de reinventar poeticamente o caos sonoro e visual do centro de São Paulo, um belo trabalho em parceria com o fotógrafo Marcelo Trotta.

De forma articulada, o roteiro concatena histórias geograficamente situadas no mesmo quadrante da Av. Paulista. São três narrativas paralelas, interligadas por implicações trágicas e arroubos de delicadeza das histórias de amor. Marina (Sílvia Lourenço), atriz recém-chegada à capital paulista, que descobre a cidade através da performer tatuada Justine (Danni Carlos, mezzo Amy Winehouse, mezzo musa de Guido Crepax), que se apresenta num inferninho da Rua Augusta.

Marina divide apartamento com Suzana (Maria Clara Spinelli), advogada de feições andróginas que se envolve com um colega do fórum. Elas moram no edifício Anchieta (na Consolação) e têm como vizinho Jay (Fábio Herford), escritor frustrado que se coloca em situações ridículas por estar apaixonado por uma garota de programa (Leilah Moreno).


Danni Carlos é Justine e Paulo Vilhena faz o namorado / dono da boate

Ontem, na coletiva de imprensa, o diretor disse que o projeto inicial se chamava Edifício Jaqueline, "multiplot" com 60 personagens que vivem naquele condomínio. Para manter a unidade narrativa, optou por três histórias. De forma que o filme centra foco principalmente no drama de Marina e Suzana, não somente por morarem sob o mesmo teto, mas pela crença de que, no auge de suas paixões, possam atingir seus grandes objetivos na vida.

Assim como a cidade, a trilha sonora é elemento básico para a compreensão do filme. High and dry, do Radiohead, é apenas uma das canções a conferir densidade dramática ao todo. "Depois de muita discussão, descobrimos que a banda que todos mais gostavam era Radiohead. As outras poderiam ser de PJ Harvey, mas preferimos algo um pouco mais cabaré. Tudo sai da personagem Justine, do contexto das boates de São Paulo", explica o diretor.

Um momento que promete abalar o público do circuito comercial (estreia prevista para setembro) é a revelação próxima a de Traídos pelo destino (1992), só que bem menos apelativa, pois não monopoliza a atenção ou ofusca as demais virtudes do filme.

A notícia, que a esta altura deve estar repercutindo imprensa afora, diz respeito a Spinelli, atriz escalada para interpretar Suzana. Na coletiva, ela assumiu a transexualidade (e havia sinceras dúvidas a esse respeito), assunto no qual todos queriam tocar, mas não sabiam exatamente como. Ela disse que com isso não pretende se promover ou levantar bandeiras. "Faço esse filme não por militância, mas porque quero ser atriz. Quando represento, sinto que tenho uma função no mundo. Aceitei o papel porque me trataram com dignidade e quiseram contar essa história de maneira original".

O documentário Sentidos à flor da pele, de Evaldo Mocarzel, deu "voz"a deficientes visuais, entre eles, o pai do montador Marcelo Moraes. O filme chamou atenção por adentrar na filosofia da imagem e, por um viés menos quase acidental, clamar pelos direitos dessas pessoas. Não por acaso, Seu Antônio Moraes foi o primeiro entre cinco entrevistados a falar sobre reminiscências de imagem e como é possível "enxergar" mesmo sem o privilégio da visão.

Experiências foram feitas no sentido de projetar fotografias em seu rosto, enquanto ele descreve a cena guardada na memória. Em outra situação, um advogado cego manipula uma câmera de vídeo, e faz referência ao fotógrafo cego apresentado pelo filme Janela da alma. "Continuamos a enxergar, pois o homem vê o mundo com cinco sentidos". Uma mulher de 20 anos e lindos olhos verdes conta que não gostaria de voltar a enxergar, para não "quebrar a imagem" que fez do mundo ao longo da vida. "Minha mãe é mais bonita do que como os outros a devem enxergar", disse a garota.

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