terça-feira, 7 de julho de 2009
Uma bússola da música clássica
Começa hoje a primeira edição do Festival Virtuosi de Gravatá. O concerto de abertura será de João Carlos Martins, um dos maiores maestros do Brasil e principal homenageado do evento. Após trajetória de projeção internacional, uma série de lesões nas mãos o impediram de continuar tocando piano. Ele poderia encerrar a carreira, mas em 2003 iniciou uma nova fase como maestro.
Foi quando sua preocupação social se materializou na Orquestra Bachiana Jovem, um dos projetos que desenvolve na Fundação Bachiana. Outro é a Orquestra Bachiana Filarmônica, que se apresenta no próximo dia 2 de outubro, em Nova York. Na mesma ocasião, ele será regente do lendário jazzista Dave Brubeck, amigo de longa data, que tocará uma composição em homenagem ao compositor alemão Johann Sebastian Bach.
Reconhecido pelas aparições na TV, Martins quer usar a fama para popularizar e desmitificar a música clássica para o grande público. Seu último movimento nessa direção foi a apresentação como DJ Anderson Noise no mês de maio, na Sala São Paulo. Em entrevista ao Diario, ele descreve a experiência como "fantástica".
Hoje à noite, Martins rege a Orquestra Virtuosi Gravatá, montada especialmente para o festival. O flautista Rogério Wolf e o violinista norte-americano Benjamin Sung serão os solistas. O programa começa às 19h, na Igreja Matriz de Sant'Ana e traz peças clássicas de Mozart, Haydn e principalmente Bach, de cuja obra Martins se tornou um dos maiores especialistas.
Entrevista // João Carlos Martins: "Para mim, cada músico de uma orquestra é como a tecla de um piano"
O programa prevê peças executadas ao piano. O senhor voltou a tocar?
Não. Só com três ou quatro dedos, porque perdi as funções. Mas continuo fazendo tudo com muito amor. Isso é que importante. Já que a mão não funciona, a alma funciona, entende?
Como se deu, em 2003, a transição de pianista para maestro?
Costumo dizer que a música venceu. Quando tudo indicava que não teria a mínima condição de continuar, iniciei uma nova vida e hoje passo por um momento mágico. Para mim, cada músico de uma orquestra é como a tecla de um piano. Além disso, aliei a busca pela excelência musical com a responsabilidade social. Isso me fez crescer muito.
Como o aprendizado da música pode ajudar uma criança com problemas emergenciais, como a fome ou situações de violência?
A cada dez dias, visito escolas da periferia da periferia de São Paulo. Levo música para crianças que nunca tiveram oportunidade de ouvir. Depois eu faço a seleção. Hoje temos quase 900 jovens. Até o fim do ano, teremos três mil. É impressionante como isso transforma vidas. É bom trazer esses jovens para concertos no teatro, mas precisamos levar a música clássica até eles. Eles querem ter o direito de assistir àquilo que as classes privilegiadas podem assitir. Nesse momento, percebem a música clássica como um milagre na vida deles. A própria Orquestra Bachiana Jovem é um exemplo: porque jovens dos mais diversos bairros hoje tocam como profissionais, baseados na minha teoria: disciplina de atleta e alma de poeta. Assim, eles se transformam em músicos de primeira linha. Tanto que, em outubro, dez deles tocarão com a Bachiana Filamôrnica no Lincoln Center, em Nova York.
O interesse por Bach é algo fundamental em sua carreira. Com tantos compositores na história da música, por que ele merece mais atenção?
O mês mais importante da história da música talvez foi o que Bach ficou encarcerado por romper um contrato na corte. Lá, ele começou a escrever O cravo bem temperado, que se tornou a base de toda a música do Ocidente. Ele foi a síntese e a profecia de tudo que veio depois. Sua influencia acaba aparecendo na música de qualquer país. O jazz tem influência de Bach. No Brasil temos Villa-Lobos.
No fim dos anos 50, Jacques Loussier iniciou o projeto de tocar músicas de Bach em arranjos de jazz. Qual sua opinião sobre projetos desse tipo?
Ele é genial. As intervenções são um direito que os séculos 20 e 21 devem ter. Claro que sempre manteremos a tradição de tocar a peça original. Mas com intervenções como essas fazem muitas pessoas serem atraídas para a música. Se no século 19 havia alterações na música clássica dentro de uma igreja, por que hoje não pode se dar através da música eletrônica?
Como começou a amizade entre o senhor e Dave Brubeck?
Em 1970, eu estava fazendo um concerto em Ancora e, no caminho para o Japão, ele parou em Ancora e assistiu ao meu recital com a família. A partir daí nasceu a amizade. Agora, quem diria, com 89 anos ele volta ao Lincoln Center em Nova York sob minha regência. Pela admiração que tenho por ele, diria que é um sonho.
Como é possível popularizar a música erudita num mercado de produtos descartáveis?
No ano passado, fiz 67 apresentações para 350 mil de pessoas em lugares fechados e mais de um milhão ao ar livre. Com as aparições que eu tenho na TV, minha imagem ficou conhecida. Hoje eu chego nos lugares e as pessoas me pedem autógrafos. As pessoas me dizem que virei artista pop. A partir desse momento, eu uso essa imagem em benefício de uma causa: a de despertar interesse pela música clássica. Não se trata apenas de formar músicos, mas de criar público. Se todos os bons músicos brasileiros partissem para essa atitude e levassem música para todos os setores da sociedade, tenho certeza de que a música clássica seria a música pop do Brasil. O exemplo que a Bachiana Filarmônica e Jovem estão dando em São Paulo, é o mesmo que Cussy de Almeida e Rafael Garcia estão dando em Pernambuco. Se mais pessoas fizessem o mesmo, você não voltaria a fazer esta pergunta.
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Um comentário:
Acho ótimo que João Carlos Martins, um dos maiores maestros do Brasil, use de sua fama para popularizar e desmitificar a música clássica para o grande público! É com iniciativas assim que a música chega às pessoas... Normalmente, quando você tem uma rádio que passa música erudita, sendo este um conceito muito abrangente, a rádio vai tocar também jazz, ópera e outros, além da música clássica. Não tenho nada contra isso, claro, a diversidade é algo que respeito muito e tento cultivar diariamente. Mas sentia falta de um espaço onde pudesse ouvir as grandes composições barrocas e românticas, por exemplo, e me manter atualizado sobre as novidades no mercado da música clássica. E, já agora, que conseguisse isso tudo sem a voz do locutor assassinando a música. Escrevi que “sentia falta” porque já encontrei um site que recomendo a todos os amantes de música sem palavra assassina: http://cotonete.clix.pt/
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