quinta-feira, 16 de julho de 2009
Pernambuco na tela do Festival de Paulínia
Marshall (Rasche) e Bia (Cristina Lago) no sertão pernambucano
Crédito: Helder Tavares
Paulínia (SP) - Olhos azuis, de José Joffily, colocou Pernambuco na tela do 2º Festival de Paulínia na noite de terça, a penúltima da mostra competitiva de longas e curta-metragens. A ficção trata do que parece ser o assunto da vez no cinema mundial: a truculência com que habitantes de países periféricos são tratados quando migram para nações ricas. Apenas para citar casos recentes, há À oeste do eden, de Costa Gavras, exibido no último Cine PE; Jean Charles, história real do brasileiro assassinato em Londres; Bem-vindo, que deu o que falar na França por tocar na polêmica lei que penaliza imigrantes ilegais; e de forma leve em A proposta, comédia romântica em que Sandra Bullock será deportada se não resolver seus papéis na imigração. Coincidência ou não, Tempo de Paz, novo filme de Daniel Filho hoje à noite encerra o festival (hors concours, após a cerimônia de premiação) aborda tema parecido, em situação inversa: após a segunda guerra, um ator polonês tenta em vão adentrar o Brasil.
Com locações entre o Recife e Petrolina, Olhos azuis tem Heloísa Resende na produção, Pedro Bronz na montagem e Jacques Morelembaum na trilha sonora, que ainda conta com músicas de Siba, Petrúcio Amorim e Alceu Valença. O roteiro, contemplado em 1998 pelo Sundance Festival, foi construído a partir da experiência de Joffily em abrigar em sua casa, no Rio, um amigo deportado dos Estados Unidos. “Ele me contou detalhadamente o que tinha acontecido. Desde então passei a ouvir depoimentos de tantas pessoas que passaram por maus tratos na imigração”, disse o diretor, na coletiva para a imprensa, ontem.
De forma não-linear, o filme apresenta o último dia de trabalho do oficial do departamento de imigração Marshall (David Rashe). Forjado no moralismo do americano médio, ele não vê muito sentido em abandonar o trabalho onde, justificado pela paranóia terrorista, pode exercer livremente seus preconceitos contra chicanos, cubanos e outros cucarachas como Nonato (Irandhir Santos), ao lado de dois subalternos de descendência terceiro-mundista que brigam pelo seu posto. A trágica situação limite, insinuada desde o primeiro plano, chega após bons goles de uísque.
Da luz fria e azulada do escritório e seus distintivos (semelhante a uma série policial de TV) ao chão ensolarado do Recife, Marshall tem contas a acertar consigo mesmo. Para encontrar a pequena Luíza, filha de Nonato, pede ajuda à primeira pessoa que encontra, no caso, Bia (a paranaense Cristina Lago, de Maré).
Convocado para o papel que seria de Robert Forster (Jackie Brown, de Tarantino), Rasche se mostrou ótima escolha para incorporar Marshall. Conhecido no cinema em papéis menores em A conquista da honra, United 93 e Queime depois de ler e na TV como o violento policial da série oitentista Sledge Hammer. Cristina Lago também convence como Bia, que ao conduzir o “gringo” a seu destino, numa espécia de road-movie, reencontra o passado que não queria no sítio do avô (Everaldo Pontes), no momento mais simbólico do filme.
A interpretação segura e precisa de Irandhir Santos é outro mérito da produção, que custou R$ 2,3 milhões e deve estrear comercialmente somente em março do ano que vem. Requisitado desde que foi premiado em Brasília por Baixio das bestas, o ator peranbucano será será visto até 2010 em pelo menos mais duas produções: A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, livro de Jorge Amado adaptado por Sérgio Machado (diretor de Cidade baixa) e Besouro, filme de João Daniel Tikhomiroff sobre o lendário capoeirista baiano.
Poesia - Na mesma noite, o documentário Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar, pegou a platéia de surpresa com a poesia de Manoel de Barros. O filme tem o mérito de ser um dos raros registros audiovisuais do recluso poeta mato-grossense – ele se diz mais “letral” do que biológico. Costurado por depoimentos de familiares, amigos e admiradores, o diretor meio carioca, meio pernambucano que despontou nacionalmente com outro doc, Fábio Fabuloso, apresenta Manoel na mesa onde trabalha em sua casa, escritório batizado de “lugar de ser inútil”.
“Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”, afirma o mestre, acerca de sua obra. Ao que garante: “Tudo o que não invento é falso”. De acordo com o diretor, foram dois anos de um processo “artesanal” até trilhar o caminho que leva ao poeta/criança, hoje com 93 anos. Na coletiva, Cezar explicou o porque. “Eu tinha a fantasia de lançar o filme no noventenário de Manoel de Barros. Com o material captado, vi que tinha em mãos um filme extremamente discursivo. Então resolvi buscar seu universo visual. Os versos de Manoel de Barros são muito imageticos. Depois de 11 cortes, o filme encontrou um equilíbrio entre teoria e discurso, palavra e imagem”, diz Pedro Cezar.
Entre revelações de infância, quando, isolado em zona rural, conversava com patos e das inspirações em Padre Vieira (herança de sua formação no Colégio Marista) e Charles Chaplin (de onde tirou a filosofia do vagabundo profissional que diz ser), Manoel brilha em momentos arrebatadores: “As coisas não querem ser vistas por pessoas razoáveis. É preciso transver o mundo”. Interessado pela “coisificação das pessoas e a humanização das coisas” ele diz que aprendeu ouvindo o filho, que rendeu o livro Poeminhas pescados na fala de João. “Criança erra na gramática, mas acerta na poesia”.
Poesia que define como “a virtude do inútil”. Poeta? “Sujeito com mania de comparecer aos próprios desencontros”. O melhor amigo, Bernardo, já falecido: “era que nem árvore. Seu silêncio era tão grande que os passarinhos ouvem e vinham pousar no seu ombro”. Ao final, palmas não tão estridentes e mais duradouras, certeza de que no Festival de Paulínia o poeta ganhou mais admiradores.
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