domingo, 12 de julho de 2009
Dois mestres da criação cinematográfica
Os cineastas baianos Geraldo Sarno e Edgard Navarro estão às voltas com novos projetos. O primeiro está em campo com o documentário O último romance de Balzac, que debruça sobre a análise de um livro psicografado por Valdo Vieira e atribuído ao escritor francês.
Já Navarro acaba de rodar O homem que não dormia, ficção sobre o fantasma que assombra aqueles que procuram um tesouro por ele enterrado. É o segundo filme de longa duração de um diretor consagrado nos formatos curta e média metragem, como Super Outro (1989). Cada qual à sua maneira, os dois diretores vivem momentos importantes, para não dizer cruciais, de suas carreiras.
Rodado em maio na antiga vila de Igatu, na Chapada Diamantina, O homem que não dormia apresenta uma série de situações corriqueiras de uma pequena cidade do interior baiano. "É uma cidade pobre e de mentalidade estreita, que precisa sobreviver depois do ciclo do diamante, mas continua mantida sob um coronelismo que dita relações de dominação", conta Navarro.
Prestes a completar 70 anos, é ele quem interpreta o Barão, que cem anos atrás, foi traído pela mulher e se perde na vida. "Os moradores de lá são assombrados pelo fantasma desse barão, que enterrou uma botija de ouro por ser avarento e mau. Agora ele sofre por isso e aparece no sonho das pessoas que querem desenterrar o tesouro".
Orçado em R$ 4 milhões (60% captado), o longa tem direção de arte de Moacyr Gramacho (Deserto feliz e Eu me lembro, filme anterior de Navarro) e montagem do próprio diretor. A escolha por Igatu como locação tem a ver com seu aspecto inóspito e um tanto fantasmagórico.
"É um lugar que parou no tempo, com a cor, as pedras, as marcas do tempo preservadas. Uma cidade fantasma que convive com uma outra viva, com um povo que ignora completamente os fantasmas do passado. Aquilo me impressionou e vi que encontrei o lugar ideal para contar essa história", diz Navarro.
Encontrado o cenário, entram em cena os personagens. O mais fofoqueiro se chama Pereba. "Ele quem faz o comentário burlesco, maldizente, dessa sociedade", apresenta Navarro. "Outro personagem foi vítima da repressão militar e se tornou o louco da cidade, que consegue traduzir signos inconscientes. Seu nome é Pra Frente Brasil". Outra figura importante é o filho do barão, rapaz sequelado e epilético, que vive no mato comendo insetos, lagartixas e "fala por solilóquios, vive acorrentado na cama pra não ficar aprontando". "À exceção de Madalena, que é uma mulher feliz, que transa com quem gosta, que tem uma mente saudável, todos os outros são tarja preta".
Com O homem que não dormia praticamente pronto, Navarro sente que se livrou de um peso que carregou por 30 anos. "A cruz agora é de isopor. Só vou curtir".
Balzac - O novo doc de Sarno talvez seja o primeiro filme nacional a abordar de forma plena a obra de Honoré de Balzac (1799 - 1850), conhecido por ter escrito A comédia humana e A mulher de trinta anos.
O último romance de Balzac é baseado no livro O Avesso de um Balzac contemporâneo- Arqueologia de um pastiche, resultado de dez anos de estudo do psicólogo Osmar Ramos Filho sobre Cristo espera por ti, ditado ao médium Valdo Vieira pelo espírito de Balzac. As filmagens devem encerrar em setembro. Em certo ponto do filme, haverá uma parte ficcional, adaptação do romance A pele de Onagro (La peau de chagrin), escrito por Balzac em 1831.
Sarno descreve o novo filme como um jogo de espelhos com diferentes níveis de leitura, criação e reinterpretação da obra de Balzac: primeiro, a partir do livro psicografado; depois, da pesquisa do psicólogo; e por fim, do próprio documentário. O interesse pelo fazer cinematográfico / literário parece ser o que move o diretor nos últimos anos.
Tanto que seu último longa, Tudo isto me parece um sonho (2008), que investiga a "herança" deixada pelo general pernambucano José Ignácio de Abreu e Lima, gira especialmente em torno desse processo de reflexão / criação. Celebrado em Brasília com os prêmios de melhor roteiro e direção, o filme foi considerado pelo cineasta Carlos Reichenbach como "a maturidade política do documentário brasileiro".
"Sarno fez um filme que celebra o exercício do pensamento. Para poucos sim, mas ninguém me convence que o cinema precise eternamente bajular o grande público e ficar subserviente à ditadura do borderô e da preguiça que faz evitar a reflexão. Tudo isso me parece um sonho pressupõe cultura política, fina informação, fé na liberdade e o prazer do debate (nunca do discurso e do proselitismo)", depôs Reichenbach, em seu blog.
Diferente de Navarro, que afirma entrar numa fase artística mais amena, Sarno se mostra pessimista quanto aos caminhos do cinema praticado atualmente. Após quase cinco décadas dedicadas à produção e educação, o premiado diretor de Viramundo (1964), Iaô (1973) e Delmiro Gouveia (1978) adota um discurso mais grave, que alerta produtores e patrocinadores do audiovisual para a necessidade de discutir linguagem e criação.
"Quando digo que nós perdemos, é porque essa questão, tão importante, é ao mesmo tempo inteiramente marginal, não comove ninguém, em nenhum país da América do Sul. Os partidos políticos não estão interessados, políticas públicas idem".
Para falar sobre seus novos filmes, suas inquietações e processos criativos, o Diario convidou Sarno e Navarro para as entrevistas a seguir. Com a palavra, dois mestres do cinema brasileiro.
* publicado no Diario de Pernambuco
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