quinta-feira, 22 de julho de 2010

Coisas de Sucupira



Quase 50 anos depois do texto de Dias Gomes ser encenado pela primeira vez, Odorico Paraguaçu está de volta. Desta vez, nada de teatro, novela ou minissérie para TV. É a vez do fazendeiro governar via cinema de Guel Arraes (Lisbela e o prisioneiro), em filme que pode se tornar uma das maiores bilheterias do ano. Na visão do diretor, Sucupira continua sendo o microcosmo do país e coronel Odorico, o estereótipo do político brasileiro de modelo arcaico, embriagado pelo poder, fanfarrão e despreocupado em disfarçar as falcatruas. Estamos em ano eleitoral e bem que ele poderia figurar na disputa.

Rodado no interior de Alagoas com produção de Paula Lavigne / Globo Filmes e roteiro de Guel e Cláudio Paiva, o filme transpõe a peça Odorico, o Bem-amado ou Os mistérios do amor e da morte, escrita em 1962 por Dias Gomes e dez anos depois reescrita para telenovela estrelada por Paulo Gracindo e Lima Duarte. Foi na pele de Gracindo que o personagem foi eternizado - o sucesso foi tanto que, em 1980, a Globo produziu uma série de quatro anos de duração.

Antes de Gracindo, o ator Procópio Ferreira fez Odorico no teatro. O papel agora é de Marco Nanini, que aposta na caricatura. Aliás, a produção se destaca pelo tom acima, gritante, jocoso. O contraponto é a presença de José Wilker, que traz profundidade como o vingador popular Zeca Diabo, visualmente próximo ao mercenário Antonio das Mortes de Glauber Rocha e os vilões de Sergio Leone.

Enquanto Odorico protela a inauguração do cemitério municipal superfaturado, assistimos ao empastelamento de Matheus Nachtergaele como o chefe de gabinete Dirceu Borboleta, Tonico Pereira como o marxista dono de jornal da oposição, e de Andréa Beltrão, Drica Moraes e Zezé Polessa, as irmãs Cajazeiras. Outra exceção, essa, desnecessária, é o desajustado romance entre Violeta (Maria Flor), a filha do prefeito, e Neco (Caio Blat), o militante de esquerda a serviço do jornal, que inventa notícias para derrubar o prefeito. Na paixão do jovem casal surge a convicção do filme, de que democracia se faz entre moderados.

O filme é uma sátira política, se bem que ao longo da fita cenas de arquivo forçam a comparação com o período pré-golpe militar ao grito pelas eleições diretas em 1984 - este posicionado como apêndice. De acordo com Guel, o adendo que narra com orgulho o movimento popular surgiu depois do filme estar pronto. Eis que, no terreno da ficção, a Globo reescreve a própria história. É notório que, à época, a emissora noticiou o protesto como fosse manifestação religiosa.

Coisas de Sucupira.

(Diario de Pernambuco, 22/07/2010)

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