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Quase 50 anos depois do texto de Dias Gomes ser encenado pela primeira vez, Odorico Paraguaçu está de volta. Desta vez, nada de teatro, novela ou minissérie para TV. É a vez do fazendeiro governar via cinema de Guel Arraes (Lisbela e o prisioneiro), em filme que pode se tornar uma das maiores bilheterias do ano. Na visão do diretor, Sucupira continua sendo o microcosmo do país e coronel Odorico, o estereótipo do político brasileiro de modelo arcaico, embriagado pelo poder, fanfarrão e despreocupado em disfarçar as falcatruas. Estamos em ano eleitoral e bem que ele poderia figurar na disputa.
Rodado no interior de Alagoas com produção de Paula Lavigne / Globo Filmes e roteiro de Guel e Cláudio Paiva, o filme transpõe a peça Odorico, o Bem-amado ou Os mistérios do amor e da morte, escrita em 1962 por Dias Gomes e dez anos depois reescrita para telenovela estrelada por Paulo Gracindo e Lima Duarte. Foi na pele de Gracindo que o personagem foi eternizado - o sucesso foi tanto que, em 1980, a Globo produziu uma série de quatro anos de duração.
Antes de Gracindo, o ator Procópio Ferreira fez Odorico no teatro. O papel agora é de Marco Nanini, que aposta na caricatura. Aliás, a produção se destaca pelo tom acima, gritante, jocoso. O contraponto é a presença de José Wilker, que traz profundidade como o vingador popular Zeca Diabo, visualmente próximo ao mercenário Antonio das Mortes de Glauber Rocha e os vilões de Sergio Leone.
Enquanto Odorico protela a inauguração do cemitério municipal superfaturado, assistimos ao empastelamento de Matheus Nachtergaele como o chefe de gabinete Dirceu Borboleta, Tonico Pereira como o marxista dono de jornal da oposição, e de Andréa Beltrão, Drica Moraes e Zezé Polessa, as irmãs Cajazeiras. Outra exceção, essa, desnecessária, é o desajustado romance entre Violeta (Maria Flor), a filha do prefeito, e Neco (Caio Blat), o militante de esquerda a serviço do jornal, que inventa notícias para derrubar o prefeito. Na paixão do jovem casal surge a convicção do filme, de que democracia se faz entre moderados.
O filme é uma sátira política, se bem que ao longo da fita cenas de arquivo forçam a comparação com o período pré-golpe militar ao grito pelas eleições diretas em 1984 - este posicionado como apêndice. De acordo com Guel, o adendo que narra com orgulho o movimento popular surgiu depois do filme estar pronto. Eis que, no terreno da ficção, a Globo reescreve a própria história. É notório que, à época, a emissora noticiou o protesto como fosse manifestação religiosa.
Coisas de Sucupira.
(Diario de Pernambuco, 22/07/2010)
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