sexta-feira, 9 de julho de 2010

Para brindar ao amor, ao teatro e à filosofia



Dos estádios de futebol na África do Sul ao Extádio do Teatro Oficina, atualmente montado em Peixinhos, há afinidades e diferenças. Entre as primeiras, está a capacidade de atrair grande número de pessoas e promover a catarse. Adicione-se a disposição anárquica de um carnaval e chegamos à apoteose da turnê Dionisíacas em viagem, que hoje e amanhã encerra sua temporada pernambucana com duas apresentações originais e únicas.

Literalmente únicas. Além de contar com cenas criadas durante os workshops do fim de semana passado, entre elas, a sequência inicial em que Zé Celso Martinez Corrêa antropofagiza o manguebeat, o esforço da trupe é para que não exista limites entre plateia e atores, o que torna os espetáculos um rito coletivo.

Fornicação e revolução será a principal rima a ser trabalhada pelo espetáculo As bacantes, uma das obras preferidas do Oficina, em releitura da obra de Eurípedes que coloca o texto escrito há mais de 2 mil anos próximo à uma ópera carnavalesca. Com seis horas de duração, o espetáculo representa o nascimento, morte e renascimento do deus grego Dionísio. A versão de Zé Celso, que compôs todas as músicas e subverte a visão original, que seria contra Dionísio, procura estabelecer uma cosmogonia, ou seja, as condições que favoreceram a gênese do teatro.

Filho de Zeus (Hector Othon, ator cubano que também interpreta Kadmos com roupa de Fidel Castro) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina), Dionísio (Marcelo Drummond) lidera as Bacantes numa viagem festiva. "É a peça das peças", diz Camila Mota, que produz e atua no espetáculo. "E traz uma interpretação do carnaval mais antiga que a cristã, pois remete a quando Dionísio viajava pela Ásia, em veículo chamado Carronaval. Ele chegava nas cidades e fazia quatro dias de festa e orgia. Era tanta loucura que logo depois eles saíam da cidade e iam para outras bandas". Camila participa de As bacantes como Artemis, a deusa da caça, mas principalmente como coro, que para ela é o personagem mais delicioso da peça. "O coro não é espectador da tragédia, mas o atiçador".

Dramaturgicamente, O banquete de Platão se posiciona após As Bacantes. Construído em versos musicados, assistimos ao ator grego Agatão (Marcelo Drummond), que acaba de encenar As Bacantes no Teatro de Estádio, receber convidados como Sócrates (Zé Celso), Aristófanes (Rodolfo Dias Paes), Diotima (Camila Mota), Erixímaco (Anthero Montenegro), o poeta Fedro (Lucas Weglinski) e Alcebíades (Fred Steffen) para um banquete regado a vinho dedicado ao deus do amor. Colchões serão espalhados pelo chão, em torno de uma mesa à qual o público será convidado a brindar, três vezes, durante as nove cantadas a Eros.

O tabu em torno do amor sexual, diz Camila, é o tema da peça. "Dizem que gente pelada é coisa da década de 1960 e 1970. Mas as questões que levantamos são outras e não estão superadas, muito pelo pelo contrário. Hoje a repressão é muito grande. Vemos muita sexualidade aflorada, inclusive entre as crianças, mas o amor é ainda é o grande tabu. A sexualidade ligada à paixão e ao amor é algo que ainda não foi superado".

O banquete nasceu em 2008, durante o cinquentário do Teatro Oficina. "É a nossa peça mais doida. Fizemos um roteiro que passava por tudo o que já fizemos, mas as pessoas beberam muito e não tinha mais como prosseguir com a peça. O banquete foi a ideia que Zé Celso teve para exercitar esse diálogo, conversar com arte e praticar a filosofia da insânia. Apesar das pessoas beberem na peça, um dos grandes vinhos é a palavra. As cantadas são maravilhosas", diz Camila, que pede para que o público não leve as próprias garrafas, para não beber isoladamente. A cada brinde, haverá Ganimedes (Anna Guilhermina e atores das oficinas) para vender fichas que dão direito à bebida.

(Diario de Pernambuco, 09/07/2010)

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