sexta-feira, 16 de julho de 2010

Eles não são invísiveis


Crédito: Tiago Santana

Eles estão por aí. Nas esquinas, sinais de trânsito, se expondo à violência do trânsito na beira das estradas. Meninos que perambulam precariamente, presença tão comum que se tornaram invisíveis.

No universo de pobreza, garotos têm seus sonhos, querem ser caminhoneiros ou operadores das bombas de gasolina. Foto: Tiago Santana/Divulgação
Tome o exemplo de Nego e Cocada. Eles vivem na área rural de uma pequena cidade do interior pernambucano. Diariamente se deslocam para o posto de gasolina, onde ficam disponíveis para trabalhos de ocasião. Dificilmente os conheceríamos, não fossem eleitos pelo casal de cineastas Jean-Pierre Duret e Andrea Santana e se tornassem protagonistas de um filme sobre sonhos e realidade.

No meio do mundo (2009) é um documentário incomum entre os que retratam a miséria social brasileira. Isso porque ele não se arvora a interpretar a condição de seus personagens. Se imagens desafiam o público com moscas na comida, no lixo e em bichos moribundos, é porque a vida é dura. Mas guarda poesia o suficiente para se infiltrar na composição das cenas e em diálogos tão fluentes que parecem ficção.

Do alto de seus 15 anos, Nego e Cocada interagem entre si, nunca com a câmera. Esta os revela na medida em que se torna invisível. Em conversas, sonham com um futuro até onde a vista alcança: querem ser caminhoneiros, quiçá operadores das bombas de gasolina. À sombra das boleias estacionadas, discutem a ética de pedir esmolas e compartilham versão para a lenda do papa-figo, que virou traficante de órgãos. Eles precisam trabalhar e também estudar, ao som dos pais esbravejantes.

Nesse contexto de abandono, políticos existem de forma abstrata, em discursos televisivos do presidente Lula e nomes pintados nos muros em disputa eleitoral. Ao assumir o segundo mandato, Lula diz que qualquer pobre pode se tornar presidente.

Coprodução Brasil-França, No meio do mundo foi assim batizado porque é termo recorrente nas falas de Nego e Cocada. Eles, que vivem à beira, dizem ter vontade de "sumir no meio do mundo". Enquanto o título francês, Puisque nous sommes nés (já que nascemos), aponta para outro sentido proposto pelo filme. O de que estamos aqui e, se não háremédio, é preciso viver da melhor forma possível.

(Diario de Pernambuco, 16/07/2010)

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