quarta-feira, 7 de julho de 2010

Dionisíacas em Viagem chega ao Recife e propõe experiência transformadora



Uma superestrutura para 2 mil pessoas será o palco da série de espetáculos Dionisíacas em viagem, promovida pelo Teatro Oficina Uzyna Uzona de hoje a sábado. O Teatro Extádio está montado na Refinaria Multicultural Nascedouro de Peixinhos e é formado por duas arquibancadas gigantes, dois palcos - o principal, estilo "arena" e o secundário para a banda, além de balcões cênicos, seis projetores com telão e oito TVs de LCD. À trupe de Zé Celso, formada por 29 atores (chamados atuadores), juntam-se o staff técnico de 32 pessoas, mais vinte artistas pernambucanos, selecionadas das oficinas que encerraram anteontem, com o ensaio geral de As Bacantes.

A grandiosidade condiz com o projeto. Assim como o coro de dezenas de vozes, ao qual o público é convidado a participar, a música, tocada ao vivo e em playback, é de extrema qualidade. O baterista, Guilherme Calzavara, lidera uma banda fluente entre gêneros como reggae e fado, e ritmos irmãos como toques de candomblé e maracatu. O rock predomina e encerra as apresentações em O banquete, com show do trio instrumental Tigre Dente de Sabre. No meio dos atores, uma equipe de vídeo grava e transmite detalhes dos espetáculos nos telões.

Diferente do desbunde dionisíaco dos próximos dias, Taniko é uma livre adaptação do teatro Nô, em que grupo de peregrinos navega do Japão para o Brasil. Doente, o jovem Kogata (Ariclenes Barroso) não suporta o cansaço e pede para que o matem e joguem ao mar para não morrer só. Por amor, Mestre Waki (Marcelo Drummond) tenta impedir. A peça é dedicada a Luiz Antônio Martinez, irmão de Zé Celso, morto a facadas em 1987, e que traduziu o texto original.

Taniko prima pela contenção. "João Gilberto é o nosso muso", diz o ator carioca Lucas Weglinski. "É sobre a paixão dos japoneses pelo Brasil, pela delicadeza da bossa-nova". Zé Celso ratifica. "Nos transformamos em uma bossa tranzenicu. É a invenção da ioga rebolada. É onde a relação entre o esfíncter e a moleira é estabelecida".

Dionisíacas em viagem traz de volta o ator pernambucano Anthero Montenegro, que aos 33 anos, se apresenta pela primeira vez aos conterrâneos. No Oficina, ele estreou em 2008, com Taniko. No cinema, trabalhou em Contaminação (The contaminated man, EUA, 2000), onde atuou com William Hurt, e Ensaio sobre a cegueira, de Fernando Meirelles.

"Estrear aqui com Zé Celso é um presente pra mim". Anthero foi estudar publicidade em São Paulo, no inicio dos 1990 e largou o curso para estudar teatro nos Estados Unidos e Inglaterra. "Em 2006 voltei ao Brasil e entrei no elenco de A pedra do reino, onde conheci o pessoal do Oficina. Seis meses depois, alguns atores deixaram a companhia e fui chamado para entrar".

Disciplina e criatividade vigorosa

A turnê Dionisíacas, que já passou por Brasília e Salvador, chega ao Recife com cenas e elementos inéditos, incorporados durante as oficinas que atraíram mais de 200 pessoas. Entre gírias, sotaques, músicas e técnicas de divulgação, a proposta que mais criou polêmica diz respeito à resistência da nova geração ao movimento manguebeat. Por razões umbilicais que vão da antropofagia oswaldiana ao tropicalismo que ele próprio inspirou, Zé Celso propôs para que um grupo de oficineiros cantasse certo hit da Nação Zumbi, vestidos de Chico Science. Veemente, a maioria recusou. Zé Celso retrucou e conseguiu, ao menos, uma performance dos homens-caranguejo para As bacantes.

A severa disciplina com que o mentor do Oficina trata os atores impressionou alguns participantes dos workshops. Não é à toa que o símbolo do grupo é uma bigorna. "Ele destroi todos os limites. E os atores, são completos", diz a atriz Sâmara Cipriano. O ator Anthero Montenegro defende o método. "Ele é muito duro às vezes cruel, mas isso vem da paixãopelo teatro, pelo processo, visão de colocar no corpo do ator a sua visão. Ele é incansável. É nessa pressão que desabrocha a flor rara".

Para Hellen Ferreira, de 16 anos, a oficina de vídeo foi importante não só para sua formação. "Passei a crer que dá para filmar uma peça sem ser aquela coisa monótona. Também aprendi o que é me jogar na peça e sentir-se livre. Isso é um aprendizado para a vida". Na busca de soluções práticas, o designer Fernando Vasconcelos participou da oficina de cenografia. São dele as gaivotas que voam em cima de Anna Guilhermina, em Cacilda!!. "Foi acima da expectativa. Vi como o design pode ser aplicado no dia a dia, com soluções funcionais".

A partir de hoje, 20 participantes das oficinas integram as peças, principalmente na função de coristas e performers, entre sátiros e bacantes. Letícia Coura, que coordena os arranjos vocais, disse que os pernambucanos se adaptaram rapidamente ao projeto. E espera que o público também cante - algumas letras já estão na internet.

Programação Dionisíacas em viagem

Quarta-feira, 20h
Taniko, o rito do mar (Duração: 1h40, sem intervalo; Recomendação etária: Livre)
Livre adaptação de uma das mais populares peças do Teatro Nô. Quando Kogata, um jovem peregrino fica doente, grupo de monges nômades (os Yamabuchi) precisa decidir entre retornar ao Japão e socorrer a criança ou jogar seu corpo ao mar e prosseguir viagem ao Brasil, pelo bem coletivo. Zeami Motokiyo, o autor do texto, é interpretado por Zé Celso.

Quinta-feira, 19h
Estrela brazyleira a vagar - Cacilda!! (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
Onze anos depois de Cacilda!, essa montagem é a segunda parte da tetralogia escrita por Zé Celso em homenagem a atriz Cacilda Becker, aqui vivida por Ana Guilhermina. A peça aborda o início de sua carreira no teatro, em meados dos anos 1940, quando Cacilda sai de Santos para o Rio de Janeiro e encontra Grande Otelo, Ziembinski, Maria Jacinta, Jorge Amado, Bibi Ferreira e Sérgio Cardoso. Dos quatro espetáculos trazidos pelo Oficina, este é o mais recente.

Sexta-feira, 19h
Bacantes (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
Escrito há 2 mil anos por Eurípedes, a tragédia grega é reprocessada por 25 cantos compostos por Zé Celso e cinco episódios que representam o rito de nascimento do Deus do teatro, Dionísio (Marcelo Drummond), filho de Zeus (Hector Othon) e da mortal Semelle (Anna Guilhermina). Tudo sob o coro de Satyros e Bacantes, em Tebas. Será o ápice dos quatro dias de programação.

Sábado, 19h
O banquete (Duração: 6 horas, com intervalos; recomendação etária: 16 anos)
O texto de Platão é reinventado em nove cantadas (paqueras), feitas por Sócrates (Zé Celso), Aristófanes (Rodolfo Dias Paes), Diotima (Camila Mota), Erixímaco (Anthero Montenegro), o poeta Fedro (Lucas Weglinski) e Alcebíades (Fred Steffen). A esses personagens se juntam Orfeu, Eurícide, Zeus, Jesus e Iemanjá, em banquete regado a vinho, onde cantam ao Eros, deus do amor.

(Diario de Pernambuco, 07?/07/2010)

Nenhum comentário: