quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Tempos de paz // Quando emocionar vira questão de sobrevivência



No período pós-Guerra, milhares de refugiados se espalharam pela América na busca de um recomeço. Entre eles estavam intelectuais e artistas, que provocaram a formação de novas tendências.

Ao contar a história de um polonês que tenta a todo custo entrar no Brasil, Daniel Filho faz de seu novo longa, Tempos de paz, uma homenagem a imigrantes que marcaram a cultura nacional como Anatol Rosenfeld, Nydia Lícia, Otto Maria Carpeaux e Zbigniew Ziembinski.

Principalmente Ziembinski (1908-1978), pioneiro da dramaturgia nacional, com o qual Daniel Filho conviveu e sofreu influência.

Baseado no livro Novas diretrizes para tempos de paz, de Bosco Brasil, Tempos de paz é mais teatral do que televisivo - o plano original, aliás, era apenas filmar a encenação da peça. Há também um quê do antigo cinema europeu - fotografia granulada e cores "lavadas". Isso pode decepcionar parte do público que aguarda de Filho algo semelhante a seu filme anterior, o megasucesso Se eu fosse você. .

O verniz "global" inevitavelmente está lá. É sua escola. Mas o andamento suave e o ambiente clautrofóbico construído pelo confinamento dos personagens dão a impressão de que, aos 72 anos, Daniel Filho oferece sua obra mais autoral.

Tony Ramos é Segismundo, burocrata de gel no cabelo, bigode e terno engomado. Ele trabalha no departamento de imigração e se sente subutilizado - sua determinação sádica já foi melhor utilizada pelo Estado Novo de Vargas.

Enquanto as "novas diretrizes" não chegam, ele precisa cumprir as antigas e claro, descontar seu ressentimento na primeira vítima que lhe apetecer, no caso, o imigrante Clausewitz, vivido com dedicação por Dan Stulbach. Sob suspeita de ser membro do partido nazista, Clausewitz se diz agricultor ("o Brasil precisa de braços para a lavoura", repete), mas é na verdade um ator que decidiu mudar de ofício, após presenciar os horrores da guerra. O oficial, no entanto, precisa ser convencido disto.

É natural que o cinema de Daniel Filho, dado seu extenso trabalho na TV, tenha sido calcado na força dos atores. Em Tempos de paz, no entanto, o exercício da atuação é mais do que o centro no qual o filme se organiza. É sua mensagem principal. Assim como a situação imposta a Clausewitz/Stulbach, uma questão de sobrevivência.

(Diario de Pernambuco, 12/08/09)

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