segunda-feira, 3 de agosto de 2009

20 anos sem Gonzagão // Entrevista: João Silva

João Silva é um dos principais compositores de Gonzagão. Nos últimos dez anos da carreira, além de compor sucessos como Pagode russo e Danado de bom, ele cuidava da produção dos discos e shows do Rei do Baião. Aos 73 anos, a maioria vivido no Rio de Janeiro, e mais de 2 mil composições gravadas por diferentes artistas, João Silva está de volta ao Recife (ele é de Arcoverde), onde fixou residência desde outubro do ano passado. Sua história está documentada no livro do pesquisador José Maria Almeida Marques, Pra não morrer de tristeza. Em breve, ele estará em filme de Deby Brennand, Recordações nordestinas, em fase de produção. Ao Diario, ele conta como começou sua parceria, a falta que Gonzaga faz e revela porque as últimas gravações da dupla não serão conhecidas pelo público.

Entrevista // João Silva: "Gostaria que ele estivesse aqui"

Qual é sua mensagem, após vinte anos sem Luiz Gonzaga?
Gostaria que ele estivesse aqui, chamando atenção para seguir a semente que ele plantou, para manter a cultura viva. Gonzaga era a revista do povo, o jornal do matuto. O que aconteceia no Nordeste, ele colocava no disco e o matuto ouvia através de sua música. É importante manter a chama viva, porque hoje não se fala nem um terço do que é o Nordeste. É como se ele não existisse na cultura. De vez em quando ele aparece no meu sonho e diz: "Silva, o senhor me respeite. Precisamos fazer mais música, precisamos trabalhar".

Você é considerado um dos três grandes parceiros de Luiz Gonzaga.
Na verdade, eram quatro grandes parceiros. O primeiro foi o Miguel Lima. Quando o Gonzaga foi para o Sul, ele levou uma porção de temas do Nordeste, coisas do folclore. Chegando lá criaram essa coisa de que ele tinha que cantar. O Miguel Lima, vendo Gonzaga, falou com a RCA e disse que podia fazer dele o galã nordestino. Depois, com gibão de couro, chapéu de cangaceiro,faca e punhal, ele virou o gaúcho nordestino. Colocaram isso na cabeça dele e ele aceitou. O Miguel Lima era mineiro, um grande poeta. Ajudava o Gonzaga a terminar as músicas. Depois veio o Humberto Teixeira, estudado, deputado. Gonzaga tirou a zabumba do melê e a caixa de guerra. Foi ele quem criou a zambumba, formou o trio e pipocou no mundo. Depois veio Zé Dantas, mas Gonzaga descobriu que ele era simpático ao comunismo. E ele era oposição e se separou de Zé Dantas, ficou só com Zé Marcolino, que era muito "chão" e começou a se repetir.

E como surgiu a parceria entre vocês?
A primeira gravação com ele foi em 1963. Ele queria me conhecer, me ouvia na rádio. E eu era louco para conhecer Gonzaga. Então Marinês me apresentou a ele. Gonzaga gravava uma música minha a cada dois anos. Só que com o rock e a bossa nova, a mídia não segurou ele. Desprezado, ele saiu do eixo Rio-São Paulo e veio se esconder em Exu. No fim dos anos 70, eu trabalhava com o Trio Nordestino, que entrou no casting da gravadora Copacabana. Vendemos na época 260 mil discos. Na época, Gonzaga vendia no máximo 3 mil. Então me chamaram para produzir o disco novo dele, o Danado de bom, que vendeu 1 milhão e 500 mil cópias. Naquela época, Gonzaga era uma empresa mal dirigida.

É verdade que existem músicas suas com Luiz Gonzaga retidas pela Universal?
São oito músicas, que gravamos no tempo da gravadora RCA, hoje BMG. Em cada disco a gente gravava 15 músicas, mas entravam 13. Então sobraram oito. Elas foram mixadas e masterizadas, mas não incluidas no disco. Eles nunca lançaram, nem pretendem lançar. Parece até que queimaram os tapes. Uma vez levei um projeto para lançar essas músicas. Quando cheguei lá, o diretor geral nem sabia que Gonzaga chegou a gravar ali.

(Diario de Pernambuco, 04/08/2009)

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